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Processo nº 477/2010
Data do Acórdão: 21NOV2013


Assuntos:

Contrato-promessa
Execução específica
Resolução do contrato-promessa
Condição resolutiva
Princípio do inquisitório
Factos essenciais
Factos instrumentais


SUMÁRIO

1. A não demonstração da verificação da condição resolutiva de um acordo posterior que visa a resolução do contrato promessa impede a execução específica do mesmo contrato nos termos do disposto no artº 820º/1 do Código Civil.

2. Não implica a violação do princípio do inquisitório consagrado no artº 6º/3 do Código de Processo Civil a não investigação oficiosa pelo Tribunal dos factos essenciais não alegados pela parte ou dos factos instrumentais não resultantes da instrução e discussão da causa.

O relator

Lai Kin Hong

Processo nº 477/2010


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV1-07-0022-CAO, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:

  RELATÓRIO
  A intentou a presente acção comum de forma ordinária contra B e C, alegando que a primeira celebrou com os últimos um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, em que a A. prometia comprar e os RR. prometiam vender uma fracção autónoma e um parque de estacionamento, tendo a promitente compradora pago sinal, mas os promitentes vendedores recusaram de outorgar o contrato definitivo, tudo melhor consta da petição inicial de fls. 2 e seguintes,
  pedindo, a final, que seja a presente acção julgada procedente, e proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos RR. faltosos, transmitindo-se à A. livre de quaisquer ónus ou encargos, a propriedade da fracção autónoma e do parque de estacionamento em causa; e subsidiariamente, seja declarado resolvido o contrato-promessa celebrado entre a A. e os RR., condenando-se os RR. no pagamento à A. da quantia de HKD$260,000, correspondente ao dobro do sinal, juros de mora à taxa legal,
  bem como no pagamento das custas do processo.
  *
  Citados pessoalmente os RR., estes apresentaram contestação, tendo impugnado os factos articulados pelos AA., tudo nos termos de fls. 65 e seguintes.
  *
  Oportunamente, realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
  O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
  Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
  ***
  FUNDAMENTOS
  Face à prova produzida, resulta provada a seguinte matéria fáctica com interesse para a decisão da causa:
  A 26 de Novembro de 2006 a A. declarou prometer comprar à R. B, que declarou prometer vender, livre de ónus ou encargos e devoluta, a fracção autónoma designada por “AK7”, 7º andar “AK”, para habitação e parque de estacionamento designado por “BC/V”, com o nº 32, ambos do prédio com os nºs 233 a 321 da XXX, nºs 34 a 94 da XXX da Taipa, nºs 9 a 113 da Rua da XXX, nºs 1 a 74 do XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXX a fls. 276 do livro XXX, inscrita na mencionada Conservatória a favor do promitente vendedor pelo nº XXX, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 10, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (A) – foi rectificada a redacção desta alínea conforme o documento nº 1 de fls. 10.
  Acordaram as partes que o preço do imóvel seria de HK$930,000. (B)
  Naquela mesma data, a A. entregou à R. B quantia de HK$30,000. (C) – foi rectificada a redacção desta alínea conforme os documentos nº 1 e 2 de fls. 10 e 11.
  A 29 de Novembro de 2006, B declarou prometer vender a A o imóvel melhor referido em A) nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 12, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (D)
  Nessa data a A. entregou à R. B a quantia de HK$100,000. (E) – foi rectificada a redacção desta alínea conforme o documento nº 4 de fls. 13.
  Acordaram A. e a R. B que a escritura de compra e venda deveria ser outorgada no dia 21 de Janeiro de 2007. (F) – foi rectificada a redacção desta alínea conforme o documento nº 3 de fls. 12.
  Os RR. não compareceram no Cartório do Notário Privado Dr D a 22 de Janeiro de 2007. (G)
  A A. remeteu à R. B a carta junta aos autos a fls. 33, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, por carta registada com aviso de recepção. (H) – foi rectificada a redacção desta alínea conforme o documento nº 9 de fls. 33.
  Em resposta a R. B remeteu à A. a carta junta aos autos a fls. 36, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (I) – foi rectificada a redacção desta alínea conforme o documento nº 10 de fls. 36.
  A A. e a R. B assinaram o acordo junto aos autos a fls. 37, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (J) – foi rectificada a redacção desta alínea conforme o documento nº 11 de fls. 37.
  Na mesma data, a R. Ian entregou à A. o cheque sacado sobre a conta 04-11-20-004132 do Banco da China, no valor de HK$260,000, com data de 9 de Janeiro de 2007. (K)
  Após o referido em A), a A. iniciou negociações com o Banco Nacional Ultramarino com vista à obtenção de um empréstimo bancário para fazer face à aquisição das fracções. (1º)
  Sendo o dia 21 de Janeiro um Domingo. (3º)
  Logo após a recepção da carta referido em I) a A. interpelou os RR., na pessoa dos seus mandatários. (5º)
  Tendo sido informada que aqueles não pretendiam celebrar a escritura de compra e venda. (6º)
  Aquando do referido em J) e K) acordaram A. e RR. que caso a A. não conseguisse receber o montante do cheque os RR. marcariam a data para a celebração da escritura de compra e venda. (7º)
  Os RR. não foram notificados da marcação da escritura de compra e venda para o dia 22 de Janeiro de 2007. (14º)
  *
  Em sede do enquadramento jurídico, cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
  De acordo com os factos provados, resulta que entre a A. e a R. B foram celebrados dois contratos-promessa, um “provisório” e outro “definitivo”, respectivamente, no dia 26 e 29 de Novembro de 2006, de compra e venda da fracção autónoma designada por “AK7”, 7º andar “AK”, para habitação e parque de estacionamento designado por “BC/V”, com o nº 32, mas atento o seu teor, podemos concluir sem margem para dúvidas, que se trata apenas de um só contrato-promessa, pois o primeiro que foi assinado no dia 26 de Novembro de 2006 era apenas provisório, e que no dia 29 de Novembro do mesmo ano, vieram as partes a celebrar o contrato-promessa “definitivo” em substituição do primeiro.
  O contrato-promessa tem apenas simples eficácia obrigacional, dele derivando a obrigação de celebrar o contrato definitivo.
  Nos termos do artigo 820º do Código Civil de Macau, prevê-se o seguinte:
  “1. Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.
  2. Para efeitos do número anterior, a simples existência de sinal prestado no contrato-promessa, ou a fixação de pena para o caso do não cumprimento deste, não é entendida como convenção em contrário e, ainda que tenha havido convenção em contrário, o promitente-adquirente, relativamente a promessa de transmissão ou constituição onerosas de direito real sobre prédio ou fracção autónoma dele, goza do direito à execução específica, contanto que tenha havido a seu favor tradição da coisa objecto do contrato.
  3. A requerimento do faltoso, a sentença que produza os efeitos da sua declaração negocial pode ordenar a modificação do contrato nos termos do artigo 431.º
  4. Tratando-se de promessa, sujeita a execução específica, relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre prédio, ou fracção autónoma dele, sobre que recaia hipoteca, pode o promitente-adquirente, para o efeito de expurgação da hipoteca, requerer que a sentença referida no n.º 1 condene também o promitente faltoso a entregar-lhe o montante do débito garantido, ou o valor nele correspondente à fracção objecto do contrato, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até integral pagamento.
  5. O disposto no número anterior só se aplica, porém, se:
  a) A hipoteca tiver sido constituída posteriormente à celebração da promessa;
  b) A hipoteca tiver sido constituída para garantia de um débito do promitente faltoso a terceiro, pelo qual o promitente-adquirente não seja corresponsável; e
  c) A extinção da hipoteca não preceder a mencionada transmissão ou constituição, nem coincidir com esta.
  6. Tratando-se de contrato em que ao obrigado seja lícito invocar a excepção de não cumprimento, a acção improcede, se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal.”
  Estatui o artigo 435º do mesmo Código que “No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.”
  Além disso, consagra-se ainda no artigo 436º que:
  “1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
  2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
  3. A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.
  4. Na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
  5. É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801º”
   Ora, em conformidade com a matéria provada nos autos, podemos afirmar que entre a A. e a R. Ian foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda de fracção autónoma e parque de estacionamento.
  Não obstante a acção ter sido intentada contra os dois RR., mas como não se provou que o R. C teve qualquer intervenção na celebração do contrato-promessa, nem que alguma vez consentiu que o contrato fosse celebrado em seu nome, não podemos deixar de julgar o pedido de execução específica do contrato-promessa improcedente, por não estar o referido R. vinculado ao contrato-promessa a que se reporta nos presentes autos, nos termos do artigo 1548º do Código Civil,.
  Quanto à relação jurídica estabelecida entre a A. e a R. B, provados estão os seguintes factos pertinentes para apreciar do mérito da causa:
  “A 26 de Novembro de 2006 a A. declarou prometer comprar à R. B, que declarou prometer vender, livre de ónus ou encargos e devoluta, a fracção autónoma designada por “AK7”, 7º andar “AK”, para habitação e parque de estacionamento designado por “BC/V”, com o nº 32, ambos do prédio com os nºs 233 a 321 da Estrada Almirante Magalhães Correia, nºs 34 a 94 da Estrada Nordeste da Taipa, nºs 9 a 113 da Rua da Baia, nºs 1 a 74 do Beco da Baia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 8870 a fls. 276 do livro B25, inscrita na mencionada Conservatória a favor do promitente vendedor pelo nº 60940C, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 10, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (A)”
  “Acordaram as partes que o preço do imóvel seria de HK$930,000. (B)”
  “Naquela mesma data, a A. entregou à R. B quantia de HK$30,000. (C)”
  “A 29 de Novembro de 2006, B declarou prometer vender a A o imóvel melhor referido em A) nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 12, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (D)”
  “Nessa data a A. entregou à R. B a quantia de HK$100,000. (E)”
  “Acordaram a A. e a R. B que a escritura de compra e venda deveria ser outorgada no dia 21 de Janeiro de 2007. (F)”
  “Os RR. não compareceram no Cartório do Notário Privado Dr D a 22 de Janeiro de 2007. (G)”
  “A A. e a R. B assinaram o acordo junto aos autos a fls. 37, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (J)”
  “Na mesma data, a R. Ian entregou à A. o cheque sacado sobre a conta 04-11-20-004132 do Banco da China, no valor de HK$260,000, com data de 9 de Janeiro de 2007. (K)”
  “Tendo sido informada que aqueles não pretendiam celebrar a escritura de compra e venda. (6º)”
  “Os RR. não foram notificados da marcação da escritura de compra e venda para o dia 22 de Janeiro de 2007. (14º)”
  Como acima se referiu, por o R. C não ter intervenção na celebração do contrato-promessa, nem se provou que alguma vez consentiu na celebração do referido acordo, o pedido de execução específica é de julgar improcedente.
  Mesmo que assim não entenda, também outro fundamento existe que conduz à improcedência da execução específica.
  Vejamos.
  Em regra, é de admitir a execução específica do contrato-promessa, salvo haja convenção em contrário, e a simples existência de sinal prestado no contrato-promessa não é entendida como convenção em contrário, nos termos do artigo 820º, nº 1 e 2 do Código Civil.
  Ora, provado nos autos que depois da celebração do contrato-promessa e antes da celebração do contrato prometido, a A. e a R. B celebrou um novo acordo, nos termos do qual as partes acordaram dar-se por findo o contrato-promessa celebrado anteriormente, tendo para o efeito a R. emitido à A. um cheque no valor de HKD$260,000, com data de 9 de Janeiro de 2007, prometendo ainda que se não conseguisse efectuar a transferência de saldo do cheque, então iriam celebrar o contrato prometido no dia 17 de Janeiro de 2007.
  Nestes termos, e salvo o devido respeito por opinião contrária, entendo que esse novo acordo celebrado entre a A. e a R. B consistiriam efectivamente numa convenção em contrário prevista nos termos do artigo 820º, nº 1 do Código Civil.
  Como não está provado que apresentado o cheque a pagamento foi a A. informada da falta de provisão do mesmo (o quesito 8º não se provou), o tal novo acordo passaria a ser válido, pelo que a partir daí ficou resolvido o contrato-promessa entre a A. e a R. B, deixando aquela de ter direito a pedir execução específica do contrato, assim se julga improcedentes os primeiros dois pedidos formulados pela A.
  Uma vez celebrado esse novo acordo, este deve ser pontualmente cumprido, nos termos do artigo 400º, nº 1 do mesmo Código, sob pena de o devedor faltoso vir a tornar-se responsável pelos prejuízos causados ao credor (artigo 787º do CCM).
  Como acima se referiu, por ter as partes chegado a acordo na resolução do primitivo contrato-promessa, passando a A. a receber, por seu turno, a quantia de HKD$260,000, mas conforme a matéria dada como provada, apenas se deu como não provada a apresentação do cheque a pagamento e a sua falta de provisão, mas não está provada a falta de pagamento da referida quantia pela R. B à A., pelo que o pedido subsidiário da A. não deixa igualmente de se improceder.
   ***
  DECISÃO
  Tudo exposto e nos fundamentos acima descritos, julgo improcedente a presente acção comum sob a forma ordinária intentada pela A. A contra os RR. B e C, e:
  - Absolvo os RR. de todos os pedidos formulados pela A. na sua petição inicial.
  Custas do processo pela A.
  Registe e notifique.

Não se conformando com o decidido, veio a Autora A recorrer da mesma concluindo que:

1ª Foi o presente recurso interposto da, aliás, douta Sentença que julgou improcedente a acção por não provada, decidindo absolver os RR. de todos os pedidos.
2.ª A decisão ora recorrida, quanto a esta questão, decidiu: "(...) Ora, provado nos autos que depois da celebração do contrato-promessa e antes da celebração do contrato prometido, a A. e a R. B celebrou um novo acordo, nos termos do qual as partes acordaram dar-se por findo o contrato-promessa celebrado anteriormente, tendo para o efeito a R. Ian restituído à A. um cheque no valor de HKD$260,000, com data de 9 de Janeiro de 2007, prometendo ainda que se não conseguisse efectuar a transferência de saldo do cheque, então iriam celebrar o contrato prometido no dia 17 de Janeiro de 2007.
Nestes termos, e salvo o devido respeito por opinião contrária, entendo que esse novo acordo celebrado entre a A. e a R. B consistiriam efectivamente numa convenção em contrário prevista nos termos do artigo 820.º, n.º 1 do Código Civil.
Como não esttá provado que apresentado o cheque a pagamento foi a A. informada da falta de provisão do mesmo (o quesito 8.º não se provou), o tal novo acordo passaria a ser válido, pelo que a partir daí ficou resolvido o contrato-promessa entre a A. e a R. B, deixando aquela de ter direito a pedir execução específica do contrato, assim se julga improcedentes os primeiros dois pedidos formulados pelo A.».
3.ª Determina a lei que a coisa entregue a título de sinal «(...) deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível...» - cfr. artigo 436.º, n.º 1, Código. Civil de Macau.
4.ª «Se quem constitui sinal deixar de cumprir a prestação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem daquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou ... » - cfr artigo 436.°, n.º 2, Código Civil de Macau.
5.ª Em vez de exercer o direito que a lei lhe confere em relação ao sinal, o contraente não faltoso pode «...requerer a execução específica do contrato nos termos do art. 820º CC ... » - cfr. artigo 436.°,n.° 3, 1ª parte, Código Civil de Macau.
6.ª Para se obter sentença nos termos do artigo 820° Código Civil de Macau, que produza efeitos de declaração negocial faltosa, é necessária a verificação dos seguintes requisitos: a) não ser incompatível com a substituição da declaração negocial a natureza da obrigação assumida pela promessa; b) não existir convenção em contrário; c) haver incumprimento por parte do demandado.
7.ª O artigo 820º, tornou o direito à execução específica, um efeito necessário e automático (sem necessidade de estipulação) do contrato-promessa mas, restrito à promessa de compra e venda de edifícios ou fracções autónomas de edifícios para habitação própria. A possibilidade de execução específica só é de excluir se a ela se quiser a natureza da obrigação assumida. Em princípio o direito de execução específica vale só entre as partes, não podendo ser exercido contra terceiro a quem o promitente tenha, entretanto, alienado a coisa, já assim não ocorre se ao contrato tiver sido atribuído eficácia real.
8.ª O n.º 2 do artigo 820º do Código Civil de Macau, tem carácter dispositivo ou supletivo, não torna imperativa a execução específica, às partes é admissível excluir a execução específica, salvo se em consequência das regras gerais, a convenção de exclusão não for juridicamente válida. A existência de sinal não faz presumir convenção contrária à execução específica salvo se depender a vontade de excluir o direito de tal execução.
9.ª O pressuposto da execução específica é a mora e não o incumprimento definitivo. A regra geral da execução específica é supletiva, podendo as partes afastá-la por convenção expressa ou tácita. A existência de sinal no contrato-promessa faz presumir - presunção iuris tantum - convenção contrária à execução específica.
10.ª No contrato promessa, o sinal assume uma dupla função confirmatória/penal, pois representa uma função de garantia de cumprimento, determinando previamente a indemnização pelo não cumprimento, e daí uma evidente similitude com a pena convencional.
11.ª Ora, considerando que: da análise e interpretação do teor do escrito denominado «Contrato promessa de Compra e Venda», e com interesse para o litígio em conhecimento, importa relevar o seguinte: A promitente-compradora poderá tomar duas opções: a) celebrar a devida escritura pública com vista a realização do negócio prometido; b) não celebrar a escritura e receber o montante de HKD260.000,00.
12.a O facto de ter sido celebrado um acordo - junto a fls 37 dos autos - entre a promitente-compradora e um dos promitentes-vendedores não pode ser entendido como o estabelecimento de uma convenção em contrário.
13.a Por outro lado, não se pode entender que o mencionado acordo vise a resolução do primitivo contrato-promessa pois esse mesmo acordo estabelece que se o cheque não tivesse provisão seria então outorgada escritura pública.
14.ª O entendimento de que esse acordo visou a resolução do contrato primitivo é, no mínimo, contraditório e incongruente.
15.ª Pelo que nunca pode ser entendido como convenção em contrário visando a resolução do primitivo contrato.
16.a Se o fim do acordo era a resolução do contrato definitivo como entender que se não tivesse provisão o cheque em causa o contrato resolvido renascia!! A resolução é sempre definitiva, uma vez efectivamente exercida.
17.ª Por outro lado, ao abrigo do princípio do inquisitório e da cooperação deveria o Juiz ter solicitado aos ora RR. esclarecimentos suplementares sobre determinada matéria de facto, nomeadamente, que demonstrassem que o cheque em causa foi efectivamente descontado da conta bancária dos mesmos.
18.ª O facto de o douto Tribunal ter dado como não provado o quesito 8.° nada impedia o Colectivo de solicitar às entidades bancárias ou aos próprios RR. comprovativo da provisão do cheque em causa, porquanto facto essencial ao dirimir da causa.
19.ª É, pois, manifesta a violação do princípio do inquisitório previsto no artigo 6.° do Código de Processo Civil de Macau.Com efeito, incumbe ao juiz realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio.
20.ª Assim sendo, a sentença ora recorrida fez, salvo o devido respeito, uma errada valoração dos factos e do direito, violando o disposto nos artigos 436.º e 820.º, ambos do Código Civil de Macau e no artigo 6.º do Código de Processo Civil de Macau.
Termos em que, e no sentido em que supra se concluiu, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que julgue o pedido da Requerente, ora Recorrente, procedente nos termos então peticionados, assim se fazendo,
Junta: duplicados legais.
JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões na petição de recurso, são duas as questões levantadas pela recorrente, quais são as:

1. Da alegada falta de convenção impeditiva da execução específica; e

2. Da violação do princípio do inquisitório.

Então vejamos.

1. Da alegada falta de convenção impeditiva da execução específica

Ficou provado por confissão da própria Autora (vide os artºs 15º e 17º da petição inicial) que depois da celebração do contrato-promessa e antes da celebração do contrato prometido, a Autora e a Ré B celebraram um acordo incorporado no documento constante das fls. 37 dos presentes autos.

Para o Tribunal a quo, nos termos do tal acordo, a Autora e a Ré B acordaram dar-se por findo o contrato-promessa celebrado anteriormente.

Para a recorrente, o tal acordo não tem a virtualidade de resolver o contrato-promessa, nem pode ser considerado como convenção em contrário a que se refere o artº 820º/1 do CC, à luz do qual se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.

Para sustentar esse entendimento seu, a recorrente alegou nos pontos 12º a 16º das conclusões do recurso que:

12. O facto de ter sido celebrado um acordo - junto a fls 37 dos autos - entre a promitente-compradora e um dos promitentes-vendedores não pode ser entendido como o estabelecimento de uma convenção em contrário.

13. Por outro lado, não se pode entender que o mencionado acordo vise a resolução do primitivo contrato-promessa pois esse mesmo acordo estabelece que se o cheque não tivesse provisão seria então outorgada escritura pública.

14. O entendimento de que esse acordo visou a resolução do contrato primitivo é, no mínimo, contraditório e incongruente.

15. Pelo que nunca pode ser entendido como convenção em contrário visando a resolução do primitivo contrato.

16. Se o fim do acordo era a resolução do contrato definitivo como entender que se não tivesse provisão o cheque em causa o contrato resolvido renascia!! A resolução é sempre definitiva, uma vez efectivamente exercida.

Ora, o documento a fls. 37, assinado pela Autora e pela Ré B, tem o seguinte teor:



Isto é, “Relativamente ao 7º andar-AK do “XXX do Edif. XXX sito na Taipa, foi entregue pela Senhora B, titular do HK BI XXX(1), um cheque emitido a favor da Senhora A, no valor de HKD$260.000,00, à Senhora A, a título de sinal em dobro a restituir para pôr termo ao contrato celebrado entre elas. Caso não seja possível a boa cobrança do valor titulado no cheque, a proprietária obrigar-se-á a celebrar o negócio prometido em 17JAN2007 conforme anteriormente acordado” – tradução livre feita pela relator)

Disse conclusivamente a recorrente que “o entendimento de que esse acordo visou a resolução do contrato primitivo é, no mínimo, contraditório e incongruente, pelo que nunca pode ser entendido como convenção em contrário visando a resolução do primitivo contrato”, tendo feito apoiar essa conclusão no entendimento de que “se o fim do acordo era a resolução do contrato definitivo como entender que se não tivesse provisão o cheque em causa o contrato resolvido renascia!! A resolução é sempre definitiva, uma vez efectivamente exercida.”.

Todavia, não se nos afigura ser de acolher a tal tese, por razões que demonstraremos infra.

Para nós, tendo em conta o teor do acordo, interpretado em conjugação com o facto provado de que à Autora foi efectivamente entregue o cheque, ai referido, a título do sinal restituído em dobro, emitido a favor da Autora no valor de HKD$260.000,00, dúvidas não restam de que estamos perante um negócio que visa pôr termo ao contrato-promessa mediante a restituição do sinal em dobro e que foi nele estipulada uma condição resolutiva nos termos da qual a resolução do contrato-promessa fica condicionada à boa cobrança pela Autora do valor titulado no cheque, e caso a Autora não conseguir obter a boa cobrança, a Ré B terá a obrigação de celebrar o negócio de compra e venda prometido em 17JAN2007.

Ora, por força do princípio da liberdade contratual, consagrado no artº 399º do CC, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos na lei ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.

Assim, não vejo porquê é que a Autora e a Ré não podem fazer subordinar o acordo de resolução do contrato-promessa a uma condição resolutiva nestes termos.

Ou seja, fazer depender a efectivação da resolução do contrato-promessa da não verificação de uma condição (resolutiva) que se traduz na impossibilidade da boa cobrança do cheque pela Autora.

Dado que, de qualquer maneira, mesmo que não tivessem estipulado uma tal condição resolutiva, a Autora e a Ré, depois de resolvido o contrato-promessa ora discutido, poderiam sempre negociar de novo uma com outra para a celebração de um contrato de compra e venda dos mesmos imóveis.

Assim sendo, improcede essa parte do recurso.

2. Da violação do princípio do inquisitório

Com a presente acção, o que a Autora pretende é obter a sentença que se substitui à declaração negocial da Ré para a celebração do negócio prometido de compra e venda dos imóveis devidamente identificados nos autos.

A Autora confessou na petição inicial a celebração com a Ré de um acordo, ora incorporado no documento que ela própria (Autora) juntou com a petição inicial, ora constante das 37 dos p. autos.

Conforme vimos supra, o acordo tem por finalidade resolver o contrato-promessa e está sujeito a uma condição resolutiva que consiste na impossibilidade da cobrança do cheque pela Autora.

Foi alegado na petição inicial que “apresentado o cheque a pagamento no Banco da China, foi a A. informada da falta de provisão do mesmo” – artº 17º da p.i..

Ao que parece, a Autora tentou convencer o Tribunal da verificação daquela condição resolutiva, justamente para destruir o tal acordo de resolução do contrato-promessa e para depois conseguir a pretendida execução específica.

Só que tendo sido levado para a base instrutória, o tal facto, pretensamente demonstrativo da verificação da condição resolutiva do acordo da resolução do contrato-promessa, acabou por ser julgado não provado.

Não tendo logrado provar o facto de que “apresentado o cheque a pagamento no Banco da China, foi a A. informada da falta de provisão do mesmo”, vem agora acusar o Tribunal a quo da inobservância do princípio do inquisitório dizendo que:

17. Por outro lado, ao abrigo do princípio do inquisitório e da cooperação deveria o Juiz ter solicitado aos ora RR. esclarecimentos suplementares sobre determinada matéria de facto, nomeadamente, que demonstrassem que o cheque em causa foi efectivamente descontado da conta bancária dos mesmos.

18. O facto de o douto Tribunal ter dado como não provado o quesito 8.° nada impedia o Colectivo de solicitar às entidades bancárias ou aos próprios RR. comprovativo da provisão do cheque em causa, porquanto facto essencial ao dirimir da causa.

19. É, pois, manifesta a violação do princípio do inquisitório previsto no artigo 6.° do Código de Processo Civil de Macau.Com efeito, incumbe ao juiz realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio.

Como se sabe, vigora no nosso processo civil o princípio dispositivo, por força do qual às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, e o Tribunal só pode, em princípio, servir-se dos factos articulados pelas partes – artºs 5º/1 e 2, primeira parte, e 389º/1-c) do CPC.

O que significa que tradicionalmente o Tribunal civil contenta-se em regra com a verdade formal.

No entanto, com a entrada em vigor do CPC de 1999, essa tradição sofre ligeiras alterações, pois o novo código tornou os nossos tribunais mais activos na procura da verdade com vista à boa decisão da causa.

De entre essas ligeiras alterações, podemos destacar o estatuído no artº 5º/2, in fine, do CPC, à luz do qual “o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434.º e 568.º e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.”.

O que quer dizer que insistindo na predominância do princípio da verdade formal no processo civil, o nosso legislador só admite que o Tribunal vá para além disto quando for necessário investigar factos instrumentais, resultantes da instrução e discussão da causa, para esclarecimento de um facto essencial alegado ou para avaliação da consistência de uma prova produzida.

Então urge saber se é um facto instrumental “a provisão do cheque em causa”, que a recorrente entende que deveria ter sido investigado oficiosamente pelo Tribunal mediante solicitação às entidades bancárias ou aos próprios Réus documento comprovativo.

A este propósito, ensina Carlos Francisco de Oliveira Lopes, in Comentários ao Código de Processo Civil, 2004, 2ª edição, Tomo I, pág. 252, aqui citado como doutrina em direito comparado, que:

“Os factos essenciais são os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, da reconvenção ou da defesa por excepção, sendo absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer em juízo pelas partes.

Os factos instrumentais destinam-se a realizar prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes - assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa.”

Aplicando essa doutrina, podemos concluir que a falta da provisão do cheque é sem dúvida um facto essencial, uma vez que assume uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material da pretensão por parte da Autora de fazer destruir o acordo sobre a resolução do contrato-promessa, cuja efectivação obstaculiza o êxito da execução específica.

Por outro lado, esse facto, que a recorrente entende que deveria ter sido investigado oficiosamente pelo Tribunal, para além de ser incompatível com a resposta negativa dada ao quesito 8º que se pergunta “Apresentado a pagamento o cheque referido em J), foi a Autora informada da falta de provisão do mesmo?”, não resulta, ou pelo menos há indícios existentes nos autos de que resulta da instrução e discussão da causa, circunstância essa é de per si impeditiva da investigação oficiosa face ao exigido no citado artº 5º/2, in fine, à luz do qual o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434.º e 568.º e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa (sub. nosso)

Tratando-se de um facto essencial que tem de ser alegado pela parte, a não investigação oficiosa dele nunca implica a violação do princípio do inquisitório.

Sem mais delonga, é de julgar procedente esta parte do recurso.

Tudo visto, resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso interposto pela Autora, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

RAEM, 21NOV2013

Lai Kin Hong

João A. G. Gil de Oliveira

Ho Wai Neng