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Proc. nº 366/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 14 de Novembro de 2013
Descritores:
-Notificação
-Declaração receptícia
-Despejo imediato
-Rendas vencidas no decurso da acção
-Art. 933º do CPC
-Caducidade do direito de despejo imediato.
-Acto processual
-Prazo peremptório


SUMÁRIO:

I - O artigo 216º, do CC consagra a chamada doutrina da recepção. Mas, enquanto o nº1 estabelece aquilo que se pode designar de “teoria mista”, no sentido de que a declaração é eficaz logo que o destinatário tome conhecimento do conteúdo da declaração, ainda que não a tenha chegado a receber efectivamente, já o nº2 faz equivaler ao conhecimento a não recepção por culpa imputada ao declaratário, como sucede com as situações em que este se recusa a receber as cartas registadas que lhe são enviadas.

II - Os actos processuais são aqueles que voluntariamente se realizam para um processo (ainda que não necessariamente apenas dentro dele) e que nele provocam consequências jurídicas. São, pois, todas as intervenções relevantes levadas a cabo pelas partes, pelos magistrados, funcionários e outros intervenientes acidentais na relação jurídica processual, que servem para a criar, modificar ou extinguir.

III - O pagamento ou o depósito no prazo dez dias para a resposta ao pedido de despejo imediato a que se refere o art. 933º do CPC por falta de pagamento das rendas entretanto vencidas na pendência da acção não constitui um acto processual. Assim, aquele prazo é peremptório, não podendo ser praticado nos termos do art. 95º, nº4 e 5 do CPC.








Proc. nº 366/2012

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, com os demais sinais dos autos, intentou acção ordinária no TJB, pedindo a declaração de caducidade do contrato de arrendamento outorgado em 1/03/2006 com a ré, B, e o consequente despejo desta da fracção habitacional autónoma de que o A. é proprietário.
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Por sentença de 20/10/2011 (fls. 158-162 dos autos ou fls. 2-12 do apenso “traduções”) foi a acção julgada procedente e, declarada a caducidade peticionada, decretado o despejo da ré da fracção autónoma.
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Contra tal decisão insurge-se a ré no presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1. O A. A é o proprietário da fracção autónoma situada na Avenida do XX, n.º XX, Edifício “XX”, XXº andar, AN, Macau; por via de procuração, o A. mandatou C para gerir o referido imóvel, inclusive os assuntos de cessação e arrendamento;
2. No dia 21 de Fevereiro de 2006, a procuradora C, em nome do A., outorgou com a R. (B) um contrato provisório de arrendamento, através do qual deu de arrendamento à R. a fracção autónoma localizada na Avenida do XX, Edifício “XX”, XXº andar, G, Macau, mediante o pagamento de uma renda mensal no valor de MOP$2.500,00, pelo prazo de dois anos, compreendido entre 1 de Março de 2006 e 28 de Fevereiro de 2008;
3. No entanto, depois de estabelecida a relação de arrendamento, a R. residia, efectivamente, na fracção autónoma possuída pelo A. situada na Avenida do XX, n.º XX, Edifício “XX”, XXº andar, AN, Macau;
4. Mas, subjectivamente, a R. considerou sempre como a sua morada o endereço descrito no contrato de arrendamento outorgado - Avenida do XX, Edifício “XX”, XXº andar, G, Macau, e isso declarou publicamente e por muitas vezes junto dos serviços governamentais;
5. No dia 25 de Fevereiro de 2008, a procuradora C notificou, por carta registada com aviso de recepção, a R. da sua intenção de não renovar o contrato e de retirar a fracção autónoma para seu próprio uso, pedindo à mesma que desocupasse, dentro de 90 dias após a recepção da carta, a fracção autónoma situada na Avenida do XX, Edifício “XX”, Bloco XX, XXº andar, G, Macau;
6. Devido ao manifesto lapso no endereço do destinatário aludido no número anterior, a R., que efectivamente morava na fracção autónoma AN do XXº andar, nunca recebeu a respectiva carta de notificação, ficando tal carta, no final, devolvida por “não se encontrar o destinatário”;
7. No dia 24 de Outubro de 2008, a procuradora do A., C requereu a notificação judicial avulsa (n.º 030/2008 do 3º Juízo Cível do TJB) de forma a informar a R. que o respectivo contrato cessaria e seria formalmente resolvido em 28 de Fevereiro de 2009;
8. Contudo, a morada da R. prestada pelo A. ao TJB era “... , residente na Avenida do XX, n. º 52, XXº andar ʻANʼ (antigo XXº andar ʻGʼ) em Macau, ...”;
9. O A., sem nenhum fundamento, indicou errada e intencionalmente, que eram mesma fracção autónoma a “AN” do XXº andar e a “G” do XXº andar dos mesmos conjuntos de edifícios?
10. Com efeito, os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXX7 localizam-se na Avenida do XX, n.º XX, e na Rua de XX, n.º XX, porém, não há dúvida quanto aos dados dos seguintes imóveis:
10.1 - Avenida do XX, n.º XX, Edifício “XX”, XXº andar, AN, Macau
Proprietário: A, autor.
N.º de Registo Predial de referência: XXXX7-AN5
Entrada da fracção autónoma: Avenida do XX, n.ºXX
10.2 - Rua de XX, n.º XX, Edifício “XX”, XXº andar, G, Macau
Proprietário: D e E (terceiros estranhos ao presente caso)
N.º de Registo Predial: XXXX7- G5
Entrada da fracção autónoma: Rua de XX, n.º 88
11. Por causa da mencionada confusão nas moradas, a R. nunca recebeu a notificação judicial avulsa n.º 030/2008 do 3º Juízo Cível do TJB;
12. No dia 3 de Novembro de 2009, o A. intentou acção de despejo contra a R. e fez juntar a Certidão de Registo Predial como Docomento I, em que, para além dos dados do proprietário da fracção autónoma AN, se alistam também os registos de todas as 240 fracções autónomas; e dentre as 157 fracções autónomas para habitação, encontram-se ambas a “ANXX” e a “GXX”;
13. Tendo em consideração o engano na morada da R. prestada pelo A., a R. nunca recebeu a citação da acção de despejo n.º CV1-09-0165-CPE, ou seja, a R. não teve nenhum conhecimento do pedido de despejo deduzido, por via judicial, pelo proprietário da fracção autónoma que alugava!
14. Com a citação edital, finalmente, no dia 12 de Agosto de 2010, um parente da R. foi ao TJB levantar o duplicado da p. i. da acção de despejo (CV1-09-0165-CPE) e as cópias dos documentos juntos (cfr. fls. 84 dos autos)
15. Durante a audiência de julgamento, todas as três testemunhas do A. contaram ao Tribunal que se tinham dirigido à fracção autónoma G do XXº andar do Edifício “XX”, e que mesmo que tivessem batido à porta e carregado o toque por muitas vezes, ninguém respondeu ou abriu a porta; na realidade, a R. residia na fracção autónoma AN do XXº andar do Edifício “XX”, portanto, não tinha nada a ver com a R. o facto de que ninguém abriu a porta;
16. A testemunha da R. veio a indicar explicitamente ao Tribunal que tinha estado na fracção autónoma localizada na Avenida do XX, n.º XX, Edifício “XX”, XXº andar, G, Macau, sendo o “n.º XX” exactamente o número da entrada do edifício onde se situava a verdadeira “AN do XXº andar do Edifício “XX”, e esta conheceu de sempre a fracção autónoma arrendada pela R. como a G do XXº andar;
17. O Tribunal a quo proferiu, em 20 de Outubro de 2011, a seguinte decisão:
17.1 - “O Sr. A é o dono e legítimo proprietário da fracção autónoma “NA” do XXº andar “NA” (antigamente designado como XXº andar “G”) do prédio, sito com entrada no n.º XX da Avenida do XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXX7,fls. 19v do Livro B76. (A)”;
17.2 - “A carta junta aos autos pela procuradora do A. foi enviada para a morada constante do contrato de arrendamento, Av. Do XX, Edf XX Garden, XXº andar G (XXº);
17.3 - À luz do artigo 1038.º, nºs 1 e 3, do artigo 1039.º e do artigo 216.º, nºs 1 e 2, todos do Código Civil, e atento o teor na página 214 do Código Civil Anotado Volume I de Pires de Lima e Antunes Varela, ponderando, também, o Acórdão da RL, 27/6/2002, CJ, 2002, 3º-114 e o Acórdão da RL, 4/12/2003, CJ, 2003, 5º-105, deu como assente que:
“..., apesar da recusa da R. a receber as cartas de notificação enviadas pelo A., tais notificações que não foram recebidas pela R. por sua própria culpa sempre lhe produzem os devidos efeitos jurídicos.”;
17.4 - Julga-se procedente a acção de despejo intentada pelo A. contra a R.;
17.5 - Declara-se a caducidade, ocorrida em 28 de Fevereiro de 2009, do contrato de arrendamento celebrado em 1 de Março de 2006 entre o A. e a R., e, consequentemente, ordena-se à R. que despeje imediatamente a respectiva fracção autónoma de forma a devolvê-la ao A.;
17.6 - Após transitada em julgado a presente decisão, condenar-se-á a R. a pagar ao A. MOP$500,00 por dia de atraso na desocupação, a título de sanção pecuniária compulsória.
18. Na realidade, tanto subjectiva quanto objectivamente, a R. nunca se recusou a receber qualquer carta de notificação enviada pelo A. ou, a pedido deste, pelo TJB, isso aconteceu só porque a morada para onde as foram enviadas era errada, tendo tal erro decorrido essencialmente do facto de que, como o proprietário da fracção autónoma situada na Avenida do XX, n.º XX, XXº andar, Edifício “XX”, AN, Macau, o A., todavia, celebrou com a R. o contrato de arrendamento da fracção autónoma na Avenida do XX, XXº andar, Edifício “XX”, G, Macau, e depois, na proposição da acção, ainda indicou, de uma forma errada, infundada e induzidora, que eram mesma fracção autónoma a “AN” do XXº andar e a “G” do XXº andar dos mesmos conjuntos de edifícios;
19. Tais factos conduziram finalmente à devolução de todas as referidas cartas de notificação, e a que, pior ainda, o Tribunal a quo tivesse dado por assente que a não recepção pela R. das, cartas tinha sido causada pela sua “recusa a receber”...
20. O Documento I junto ao p. i. do A. e os Anexos I e II dos presentes autos são todos certidões emitidas por serviços governamentais, os quais demonstram que os actos de indução do A., referidos no número anterior, são todos errados.
21. É verdade que não existem fundamentos que possam justificar a convicção do Tribunal a quo da “recusa da R. a receber as cartas de notificação”.
22. É manifesto que, por causa do erro na morada da R. indicada pelo A. na sua p.i., o Tribunal a quo não teve em consideração uma prova relevante, isto é, a morada correcta da R.;
23. A R. residia, efectivamente, na Avenida do XX, n.º XX, Edifício “XX”, XXº andar, AN, mas não na Avenida do XX, Edifício “XX”, Bloco XX, XXº andar, G. A este propósito, a R. apresentou excepções e impugnações na sua contestação;
24. Todavia, o Tribunal a quo não examinou prudentemente o Documento I apresentado pelo A. e junto à sua p.i., isto é, a Certidão de Registo Predial da fracção autónoma cujo endereço ora posto em controvérsia, resultando em que duas fracções autónomas diferentes que ambas existiam verdadeiramente foram consideradas como mesma propriedade imobiliária;
25. O Tribunal a quo violou manifestamente o princípio da aquisição processual estatuído no artigo 436.º do CPC, tendo, assim, proferido uma decisão injusta.
V - Pedidos
Pede-se ao Mm.o Juiz que decida:
1. Julgar procedente o presente recurso;
2. Declarar nulo o acórdão do Tribunal a quo, e, consequentemente, revogá-lo e absolver a R. do crime que lhe foi imputado;
3. Dispensar, totalmente, o A. do pagamento de preparos, custas e procuradoria do processo sub judice».
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Não houve contra-alegações em resposta a esse recurso.
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O juiz, por decisão de 17/12/2012, acabou por decretar incidentalmente o despejo com base na falta do pagamento das rendas vencidas durante a pendência da acção (despacho de fls. 317v- 319 dos autos).
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Contra tal despacho recorre a ré dos autos, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O tribunal a quo decretou o despejo imediato requerido pelo Autor, com base no não pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da acção de despejo por parte da Recorrente (fls. 316v a 318v dos autos).
2. Conforme os factos e elementos constantes dos autos, depois de o tribunal da 1 a instância lavrar a sentença, o Autor cancelou de propósito a conta bancária indicada no respectivo contrato de arrendamento para o pagamento de rendas, com intenção de tomar que a Recorrente não pudesse pagar as rendas e criar o facto de não pagamento das rendas.
3. Só assim é que podia o Autor requerer ao tribunal o despejo imediato.
4. A Recorrente entende que as condutas do Autor constituem excepção justa do requerimento de despejo imediato.
5. A Recorrente crê que o cancelamento intencional da conta bancária indicada no contrato de arrendamento por parte do Autor constitui justa causa do não pagamento das rendas, e a questão consiste apenas em porque é que a Recorrente não depositou as rendas no prazo subsequente?!
6. Durante o prazo compreendido entre o conhecimento do cancelamento da conta bancária e o depósito das rendas no B.N.U. em 22 de Junho de 2012, a Recorrente contactou, por várias vezes e por iniciativa própria, o respectivo banco para tentar depositar as rendas mas foi recusada pelo banco; neste caso, em 21 de Junho de 2012, a Recorrente e o seu advogado notificaram o tribunal dos respectivos factos e pediram ao tribunal para cobrar as rendas em questão.
7. Por outra palavra, no prazo para a resposta, a Recorrente já explicou ao tribunal o justo impedimento do não pagamento das rendas e exigiu o depósito destas no tribunal.
8. Em 22 de Junho de 2012, a Recorrente depositou as rendas no B.N.U. e apresentou ao tribunal a certidão do depósito.
9. Ao abrigo do disposto no art.º 933.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, deve ser ouvido o arrendatário, para que este possa alegar todos os assuntos que podem afectar o deferimento do requerimento.
10. O supracitado artigo visa evitar e sancionar o atraso injustificado no pagamento das rendas por parte do arrendatário, a fim de garantir o direito do senhorio.
11. Pode-se aplicar tal disposto quando o arrendatário não ter causa legítima para a falta de pagamento de rendas, quando não há justo impedimento da falta de pagamento de rendas e quando as circunstâncias concretas revelam que os direitos do senhorio de receber as rendas em mora e ao levantamento do bem locado merecem garantia.
12. In casu, não há registo de que a Recorrente não cumpriu o pagamento das rendas, mas foram as condutas do Autor que resultaram no não pagamento das rendas pela Recorrente em vez de culpa ou dolo desta.
13. Por isso, a Recorrente entende que há motivo ou impedimento que mereçam consideração relativamente ao não pagamento ou depósito das rendas antes do dia 21 de Junho de 2012, e atendendo às condutas do Autor e à sua intenção, os seus direitos de receber as rendas em mora e ao levantamento do bem locado não merecem garantia.
14. No ver da Recorrente, o cancelamento da conta bancária por parte do Autor e os factos subsequentes referidos no presente incidente constituem excepção justa do requerimento do Autor, ou seja que o despacho a quo deve julgar procedente a excepção deduzida pela Recorrente e indeferir o requerimento do Autor.
15. O despacho a quo violou o art.º 933.º, n.º 2 e n.º 3 do Código de Processo Civil, pelo que a Recorrente pede ao MM.º Juiz para anular o despacho a quo e substitui-lo por uma nova decisão.
16. Se assim não for entendido, a Recorrente entende que é acto processual o seu acto de pagar ou depositar, na qualidade de arrendatário e até ao termo do prazo para a sua resposta, as rendas em mora, e disso fazer prova de acordo com o art.º 933.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
17. Nos termos do art.º 95.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, mesmo não havendo justo impedimento, pode o acto ser praticado no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa de montante igual...
18. Nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, praticado o acto em qualquer dos 3 dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar uma multa...
19. In casu, a Recorrente depositou as rendas em 22 de Junho de 2012 e apresentou a certidão do depósito no mesmo dia, excedendo o prazo por 1 dia como referido no despacho a quo. Conforme as supracitadas disposições legais, mesmo que o despacho a quo não entenda que existe justo impedimento, tem a Recorrente direito de praticar o acto processual de pagamento ou depósito das rendas no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo (dia 22 de Junho de 2012) - art.º 95.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
20. Mas segundo os elementos constantes dos autos, não se verifica a emissão de qualquer guia do pagamento imediato de uma multa, e a secretaria do tribunal a quo também não notificou oficiosamente a Recorrente para pagar a multa, pelo que não é imputável à Recorrente o não pagamento da multa.
21. Assim, a Recorrente entende que ao aplicar o art.º 933.º do Código de Processo Civil, a decisão no despacho a quo omitiu a aplicação do art.º 95.º, n.º 4 do mesmo Código, razão pela qual violou este artigo.
22. Ao abrigo do disposto no art.º 147.º, n.º 1 do mesmo Código, a referida decisão produziu nulidade por causa da omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, e que a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
23. Nos termos do art.º 154.º do mesmo Código, o acto nulo não é renovado, se já tiver expirado o prazo dentro do qual devia ser praticado, a não ser que a renovação aproveite à parte a quem a irregularidade não seja imputável.
24. A Recorrente pede ao MM.º Juiz para declarar parcialmente nulo o despacho a quo, emitir de acordo com o referido artigo a guia do pagamento da multa para que a Ré pague de novo a respectiva multa, e ao abrigo do disposto no art.º 95.º, n.º 4 do mesmo Código, considerar válidos os actos processuais (depósito das rendas e apresentação da certidão) praticados pela Ré.
25. Se o MM.º Juiz não concordar com a nulidade, entende a Recorrente que o despacho a quo padece, pelo menos, do vício de anulabilidade, pelo que pede ao MM.º Juiz para anular a respectiva decisão no despacho a quo, emitir a guia do pagamento da multa para que a Ré pague de novo a respectiva multa, e em consequência, considerar válidos os actos processuais (depósito das rendas e apresentação da certidão) praticados pela Ré.
26. Se assim não for entendido, como acima referido, as condutas do Autor causaram que a Recorrente não podia pagar ou depositar as rendas no prazo para a resposta ou no dia 21 de Junho de 2012. Durante o referido prazo, a Recorrente tinha sempre a intenção de pagar as rendas, tentou com todo o esforço para isso, e prestou alegações ao tribunal a quo no prazo, explicando a questão e pedindo ajuda - espero que o tribunal possa substituir o senhorio para guardar temporariamente as rendas e notificar posteriormente o senhorio para levantá-las no tribunal (fls. 256 dos autos).
27. Por isso, as condutas da Recorrente reuniram os requisitos de justo impedimento previstos pelo art.º 96.º do Código de Processo Civil, deve o tribunal a quo considerar que existe justo impedimento relativamente à prática do acto fora do prazo pela Ré, e admiti-la praticar tal acto.
28. Por a omissão deste artigo resultar na violação e aplicação errada do art.º 933.º do mesmo Código, a Recorrente pede ao MM.º Juiz para declarar parcialmente nulo o despacho a quo, considerar que existe justo impedimento relativamente à prática do acto fora do prazo pela Ré, e admiti-la praticar tal acto.
29. Se o MM.º Juiz não concordar com a nulidade, entende a Recorrente que o despacho a quo padece, pelo menos, do vício de anulabilidade, pelo que pede ao MM.º Juiz para anular a respectiva decisão no despacho a quo, considerar que existe justo impedimento relativamente à prática do acto fora do prazo pela Ré, e admiti-la praticar tal acto.
*
Pelos expostos, e dependente das disposições legais, doutrina e jurisprudência aplicáveis, pede-se ao MM.º Juiz para julgar procedente o presente recurso, deferir o pedido apresentado pela Recorrente e substituir o despacho a quo por uma decisão justa e adequada. Solicita-se que faça a justiça!
*
Não houve contra-alegações em resposta a este recurso.
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Cumpre decidir.
***
II - Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«O Sr. A é o dono e legítimo proprietário da fracção autónoma “NA” do XXº andar “NA” (antigamente designado como XXº andar “G”) do prédio, sito com entrada no n.º XX da Avenida do XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXX7, fls, 19v do Livro B76. (A)
Em 18 de Abril de 2002, o Sr. A, ora A., outorgou uma procuração, no Cartório do Notário Privado Dr. F, através da qual constituiu uma bastante procuradora a Sra. C, conferindo-lhe o poder, entre outros, para arrendar a fracção autónoma acima identificada pelo prazo e condições que entendesse. (B)
Em 21 de Fevereiro de 2006, a Sra. C, na qualidade de procuradora, deu de arrendamento à R. a fracção autónoma descrita em facto A). (C)
O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de dois anos, desde 1 de Março de 2006 até 28 de Fevereiro de 2008, mediante o pagamento de uma renda mensal no valor de MOP$2.500,00. (D)
Em 25 de Fevereiro de 2008, a Sra. C enviou à R. uma carta registada na qual esta manifestou a intenção de não renovar o contrato com aquela, porém, tal carta foi devolvida. (E)
Em 24 de Outubro de 2008, a Sra. C requereu a notificação judicial avulsa da R. de forma a informá-la de que o contrato de arrendamento cessaria em 28 de Fevereiro de 2009. (F)
Em 28 de Fevereiro de 2008, o referido contrato foi renovado por mais um ano. (1º)
Provado o que consta da alínea F). (2º)
A notificação judicial avulsa descrita na alínea F) ficou frustrada, por motivo de a R. não ter sido encontrada em casa e não ter comparecido em juízo para levantar a notificação judicial avulsa. (3º)
Desde essa data, e até hoje, a R. continua a não aceitar receber as cartas registadas, sucessivamente enviadas pela Sra. C. (4º)
Até à presente data, a R. recusou-se a desocupar a fracção, apesar de a Sra. C lhe ter telefonado para pedir que ela saia. (5º)
A carta junta aos autos pela procuradora do A. foi enviada para a morada constante do contrato de arrendamento (Av. Do XX, Edifício XX Garden, XXº andar, G). (XXº)»
***
III - O Direito
Do primeiro recurso (sentença final)
1 - O caso
O contrato, recorde-se, fora outorgado no dia 21/02/2006 pelo prazo de dois anos, mediante a renda mensal de Mop$ 2.500,00. No dia 25/02/2008 foi enviada à arrendatária uma carta registada manifestando a intenção de não renovar o contrato. Tal carta, porém, foi devolvida.
Entretanto, o tempo foi passando e em 24/10/2008 a procuradora do A. requereu a notificação judicial avulsa da R. de forma a informá-la que o contrato cessaria em 28/02/2009. Isto é, uma vez que não tinha havido operatividade da comunicação pelos correios da cessação do contrato no termo do prazo inicial, o A. transferiu o fim da duração do contrato para o termo da 1ª renovação, ou seja, 28/02/2009.
Acontece que a mencionada notificação judicial avulsa frustrou-se, por a ré não ter sido encontrada em casa e não ter comparecido em juízo para levantar a notificação. E nunca mais a ré, até à data da entrada em juízo da petição, recebeu quaisquer cartas enviadas pela procuradora do A, ao mesmo tempo que não desocupa a fracção, apesar da referida procuradora lhe ter telefonado para pedir que a desocupe.
*
2 - Está em causa saber no presente recurso se, conforme foi decidido na 1ª instância, ocorreu a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre A e R da acção.
O A. quis fazer cessar a relação jurídica de inquilinato que o ligava o à R. em 28/02/2008, data em que terminava a sua duração. Ou seja, denunciou o contrato, nos termos do art. 1038º, do CC. Contudo, não respeitou o prazo de noventa dias a que alude o art. 1039º, nº1, al. b), do CC. Com efeito, a carta a denunciar o contrato apenas foi enviada no dia 28/02/2008.
De qualquer maneira, mesmo sem respeitar aquele prazo de comunicação da denúncia, a carta veio devolvida. E por ser assim, à luz do art. 1038º, nº 3, do CC, o contrato estava renovado por mais um ano. Por essa razão, o A., através de procuradora, quis manifestar com todo o tempo de antecedência possível que o contrato estava denunciado para o dia 28/02/2009. E porque frustrada a primitiva comunicação por carta, tentou o A. a notificação judicial avulsa para a denúncia. Mas, também esta se frustrou, assim como as cartas registadas que foram enviadas à R. para o mesmo fim não chegaram a ser recebidas.
Esta notificação judicial avulsa datada de 24/10/2008 foi tempestiva, já que respeitou o prazo de comunicação prévia previsto no art. 1039º do CC.
Pergunta-se: foi tal notificação eficaz? Foi eficaz a comunicação pelas posteriores cartas enviadas para a ré?
A sentença, com base no art. 216º, nº2 do CC e apelando a doutrina e jurisprudência que cita e de que transcreve alguns trechos, entendeu que as notificações só não foram recebidas pela destinatária por sua própria culpa. E, assim sendo, considerou-as eficazes. E, coerentemente, declarou a caducidade do contrato e o despejo da ré da fracção.
Olhemos para a fundamentação utilizada:
«O artigo 216.º, nºs 1 e 2 do Código Civil preceitua com clareza: “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada”; “é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”.
Inequivocamente, o disposto no n.º 2 destina-se a proteger o interesse do declarante, uma vez que é também considerada eficaz a declaração que não foi recebida pelo declaratário, por se ter recusado a receber a respectiva carta.
Ensinaram Pires de Lima e Antunes Varela na sua obra Código Civil Anotado, Volume I, pág. 214, “No n.º 2, como medida de protecção do declarante, considera-se eficaz a declaração que não foi recebida por culpa do declaratário. É o caso, por exemplo, de este se ausentar para parte incerta ou de se recusar a receber a carta, ou de a não ir levantar à posta-restante como o fazia usualmente.”
Na jurisprudência, também se encontram alguns casos de referência: “Considera-se recebida pelo declaratário a declaração constante de carta registada com aviso de recepção que é devolvida ao remetente com a menção de ʻnão reclamadaʼ. Cabe ao declaratário o ónus de prova de ausência de culpa da sua parte no não recebimento dessa carta.” Acórdão da RL, 27/6/2002, CJ, 2002, 3º - 114.
“É de presumir recebida pelo destinatário, carta enviada para a morada deste e não devolvida. É eficaz a declaração de resolução que não foi, efectivamente recebida pelo destinatário, por culpa deste, designadamente por se ter recusado a recebê-la do carteiro ou por a não ter ido reclamar à estação dos Correios, depois de devidamente avisado.”- Acórdão da RL, 4/12/2003, CJ, 2003, 5º - 105.
Assim se vê que, apesar da recusa da R. a receber as cartas de notificação enviadas pelo A., tais notificações que não foram recebidas pela R. por sua própria culpa sempre lhe produzem os devidos efeitos jurídicos.
O artigo 929.º do Código de Processo Civil estabelece:
“A acção de despejo destina-se a:
a) Fazer cessar o arrendamento, quando a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação;
b) Efectivar a cessação do arrendamento, quando o arrendatário não aceite ou não execute o despedimento dela resultante e o senhorio não disponha de título executivo que lhe permita promover execução para entrega de coisa certa.”
Dado que o contrato de arrendamento ora em apreço já expirou em 28 de Fevereiro de 2009, o A. tem o direito de intentar acção de despejo no tribunal, pedindo que a R. despeje a respectiva fracção autónoma».
O iter deste raciocínio não tem, aparentemente, qualquer pecado; corresponde ao traçado lógico que o aplicador do direito em princípio não podia deixar de percorrer.
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Mas, eis que a recorrente, ré da acção, vem pôr em causa tal fundamentação, trazendo aos autos uma justificação para o não recebimento das cartas. É esta:
- O contrato de arrendamento identifica a fracção como estando localizada na Avenida XX, Edifício “XX”, XXº andar, G.
- A carta registada com AR a que se refere o facto da alínea E) foi enviada para a Avenida XX, Edifício “XX”, Bloco XX, XXº andar, G (facto certo a mencionar: fls. 21 e 28 dos autos).
- A notificação judicial avulsa foi pedida pela A. ao TJB com a indicação de que a morada da notificanda era Avenida do XX, nº XX, XXº andar, AN (antigo XXº andar “G”), em Macau (fls. 22 dos autos mencionar).
- A fracção onde efectivamente reside é na Avenida XX, nº XX, Edifício “XX”, XXº andar, AN, pertença do autor da acção, A, com o número do registo predial XXXX7-ANS.
- O edifício “XX”, XXº andar G, pertence a D e tem entrada pelo nº XX da Rua de XX.
- A 1ª citação da R. foi enviada para a Avenida XX, nº XX, Edifício, XXº andar, AN, em Macau, mas após a devolução da carta o funcionário judicial tentou a citação na Av. do XX, nº XX, Edifício “XX”, XXº andar, AD, Macau (fls. 68 dos autos).
- A 2ª citação foi dirigida para a Rua de XX, nº XX, Edifício XX, XXº andar, C, Macau (doc. fls. 71).
Por tudo isto, conclui:
- Nenhuma culpa lhe pode ser assacada pelo não recebimento das cartas de notificação enviadas. Dito de outro modo, não aceita que se tenha recusado a recebê-las.
- Foi citada editalmente, sem nunca ter recebido efectivamente a carta da alínea E), nem a notificação judicial avulsa da alínea F).
- O tribunal não teve em consideração a prova relevante acerca da morada correcta para onde deveria ter sido enviada a correspondência.
- E com isso violou o princípio da aquisição processual previsto no art. 436º do CPC.
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Expostas assim as posições em confronto, a questão de saber se a denúncia foi válida e eficazmente comunicada implica apurar se a notificação judicial avulsa1 se deve ter, ou não, por efectuada.
A sentença em apreço, depois da doutrina e jurisprudência a que apelou, partiu imediatamente para a conclusão de que a R. se recusou a receber as cartas de notificação enviadas pela A, com isso parecendo ter querido incluir a própria notificação judicial avulsa.
Vejamos. É verdade que a denúncia (art. 1038º do CC) só opera mediante a comunicação atempada para a morada do inquilino, nos termos do art. 1039º, do CC. Certo é ainda que essa comunicação consubstancia uma declaração de vontade unilateral receptícia2, inválida se visar a cessação do contrato antes de findo o respectivo prazo de vigência ou da sua renovação, ineficaz se não chegar ao conhecimento do outro contraente.
Inquestionável é também que a declaração se deve considerar eficaz se ela não tiver oportunamente sido recebida pelo destinatário por culpa deste (art. 216º, nº2, do CC). Este artigo consagra, de resto, a chamada doutrina da recepção. Mas, enquanto o nº1 estabelece aquilo que se pode designar de uma teoria mista, no sentido de que a declaração é eficaz logo que o destinatário tome conhecimento do conteúdo da declaração, ainda que não a tenha chegado a receber efectivamente3, já o nº2 faz equivaler ao conhecimento a não recepção por culpa imputada ao declaratário, como sucede, tantas vezes, com as situações em que este se recusa a receber as cartas registadas que lhe são enviadas4.
Efectivamente, o nº2 tem uma estatuição a que importa prestar atenção. Reza assim: “É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida” (destaque a negro nosso). A forma como este preceito está redigido fornece a ideia segura de que a eficácia nesta hipótese está dependente exclusivamente da culpa do destinatário. Assim, “Se houver também culpa do declarante ou de terceiro, ou ainda caso fortuito ou de força maior, já assim não sucede”. “ …será necessário demonstrar que, sem acção ou abstenção culposas do declaratário, a declaração teria sido recebida”5.
Ora, se aplicarmos este dispositivo ao caso em apreço, logo veremos que a recorrente, se é que alguma culpa teve (e isso não está absolutamente demonstrado), não a terá tido sozinha. Isto porque, como se mostra provado da matéria de facto suportada pelos documentos juntos aos autos, a correspondência não foi dirigida para a morada correcta da recorrente, mas para o endereço que consta do contrato e que, sabemos afinal, não corresponde exactamente ao real. Divergência que talvez se tenha ficado a dever ao facto de o contrato não ter sido celebrado pelo próprio senhorio, mas por alguém em sua representação. Neste sentido, o facto provado em resultado da resposta ao quesito 3º não serve propósitos demonstrativos da culpa exclusiva da recorrente. Na verdade, dessa resposta resulta apenas que a recorrente não se encontrava em casa. Mas, como a notificação tinha por local de realização um endereço errado, parece claro que a ausência se reportava a outra casa, que não aquela onde ela efectivamente residia. E por outro lado, também daí se não pode extrair qualquer culpa que possa imputar-se-lhe de não ter ido “levantar a notificação judicial avulsa”, uma vez que o local de notificação era outro6. Ou seja, é perfeitamente possível que a recorrente não tenha ido levantar a notificação por desconhecer a tentativa judicial da sua notificação. Diferente seria se a correspondência tivesse sido enviada para a morada correcta e ela não tivesse sido levantada por ausência do destinatário para parte incerta ou por recusa em querer recebê-la directamente do carteiro, tal como diferente seria a solução se a carta viesse devolvida com a indicação de “não reclamada”. Nada disso aconteceu, porém.
Bem se pode dizer que o nº1 podia resolver a questão, se tivéssemos dados suficientes que nos permitissem apurar que, não obstante a concorrência de culpas, ela, recorrente, tinha tomado conhecimento do conteúdo da denúncia efectuada pela carta e pela notificação judicial avulsa.
Só que não temos. Realmente, da resposta ao quesito 4º não se colhe com rigor e precisão para onde as cartas registadas terão sido enviadas. Portanto, ainda que possamos admitir que a recorrente “talvez” estivesse inteirada do que se estava a passar, a verdade é que não se pode ser peremptório a tal respeito, por falta de demonstração do facto.
E, a este respeito, nem mesmo a resposta ao quesito 5º permite diferente conclusão. Isto é, por ela ficamos a saber que a procuradora do autor pediu por telefone à ora recorrente que saísse do apartamento. Sim. Mas, porque haveria ela de sair a “pedido”? Quer dizer, nós estamos em crer que a matéria do quesito tinha um sentido, que era o de fazer expor ao tribunal o conhecimento da vontade de denunciar o contrato para o termo da renovação. Talvez tenha sido esse o objectivo da pergunta. Simplesmente, no rigor dos termos não é isso que dele flui com clareza. “Pedir que saia” não equivale a “exigir que saia” em consequência de denúncia por caducidade do contrato.
Aparentemente, a opinião acabada de expor pode ser surpreendente, pode ser encarada como demasiado formal, se as pessoas “se puserem a adivinhar” que a recorrente sabia muito bem o que se passava. Contudo, o tribunal não pode fazer inferências subjectivas de factos; carece deles bem demonstrados, porque é isso que dele se espera quando se lhe pede justiça.
E, como vimos, não existem elementos que permitem concluir (não basta suspeitar) pela prova da alegada recusa em receber a notificação. E sendo assim, também se não acolhe a ideia de que ao caso possa acudir o art. 216º, nº2, do CC. Nem o artigo pode ser aplicável, nem se mostra que o tribunal se tenha devidamente servido dos elementos adquiridos no processo a respeito da notificação, tal como lhe impõe o art. 436º do CPC.
Face ao que se deixa dito, este recurso tem que proceder.
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Do segundo recurso (despacho de fls. 316-319 dos autos).
Está agora em causa o despejo imediato decretado, com base no disposto no art. 933º, nºs 2 e 3 do CPC, por falta de pagamento das rendas pela arrendatária B, ré dos autos e aqui recorrente, desde Março de 2012.
O tribunal “a quo” decretou o despejo por ela apenas ter efectuado o pagamento das rendas no dia 22/06/2012, isto é, um dia após o termo do prazo de 10 dias de que dispunha para se pronunciar sobre o pedido formulado pela recorrida tendente ao despejo imediato com base naquele dispositivo legal (fls. 243).
A recorrente não se conforma.
Em primeiro lugar, alega não ter podido efectuar o depósito das rendas em virtude de a autora da acção ter cancelado a conta bancária do Banco Tai Fung, S.A. em Fevereiro de 2012, com intenção de, precisamente, impedir que os depósitos continuassem a ser feitos. E, por isso, entende que a conduta do autor constituiu justa causa ou justo impedimento (art. 96º do CPC) do não pagamento atempado das rendas.
Em segundo lugar, e para a hipótese de falência do argumento anterior, discorda da contagem dos prazos efectuada pelo tribunal “a quo”. Em sua opinião, o prazo de 10 dias para o pagamento ou depósito das rendas a que se refere o art. 933º, nº3, do CPC, contado da data da notificação para resposta, não se esgotou no dia 21 de Junho de 2012, como asseverou o despacho recorrido. E isto por o acto de pagar ou depositar em apreço ser “acto processual”. Motivo que, nos termos dos arts. 95º, nº4 e 99º do CPC, lhe teria permitido efectuar o pagamento ou o depósito das rendas no 1º dia útil seguinte ao termo do prazo, ou seja, no dia 22/06/2012, precisamente aquele em que o efectuou.
Estaria, deste modo, violado o art. 95º, nº4 do CPC, o que seria causa de nulidade, face ao art. 147º, nº1, do mesmo Código; no mínimo, a decisão recorrida será anulável, diz.
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Vejamos, desde logo, o primeiro argumento.
A recorrente não faz qualquer disputa a respeito do dia (07/06/2012) em que foi notificada por carta registada, através da sua mandatária, para responder nos termos do art. 933º, nº2, do CPC. Também não rebate que o prazo de dez dias tenha terminado no dia 21/06/2012, face ao disposto no art. 201º, nº2 (presunção de notificação) e 103º, nº1 (prazo geral para actos das partes), ambos do CPC. O que discute é que esse termo de prazo lhe seja imposto como imprescritível, se para a acção a que ele respeita diz não ter dado qualquer causa.
Efectivamente, o dia 21 de Junho funcionava como limite de um prazo para a recorrente responder ao pedido de despejo imediato por falta de pagamento das rendas no decurso da acção (art. 933º, nº2, do CPC). Em alternativa, esse era o dia final para proceder ao pagamento ou depósito das rendas como modo de fazer caducar o direito de requerer o despejo com base no nº1 (art. 933º, nº3, do CPC).
Pode a circunstância de o autor ter cancelado a conta do Banco Tai Fung servir de desculpa ou fundamento razoável para que a recorrente apenas pudesse pagar as rendas entretanto vencidas somente no dia 22 de Junho? Isto é, aquele cancelamento de conta bancária representa algum impedimento justo, alguma causa de justificação do atraso? O depósito feito no dia 22 de Junho continuará a ter, por tal razão, efeito liberatório?
Não. O inquilino demandado não pode deixar de efectuar pontualmente as rendas que se forem vencendo durante a acção contra si pendente. E se algum obstáculo o inquilino encontrar no sentido da recepção da renda ou do seu depósito habitual, não pode eximir-se da sua obrigação com tal fundamento.
O art. 933º citado contempla, nesta perspectiva, duas medidas, uma preventiva, outra coactiva, tal como referiu J. Aragão Seia: “ Medida coactiva, de protecção ao senhorio, a fim de compelir o arrendatário a não se aproveitar da morosidade anormal do processo, deixando de pagar as rendas que se forem vencendo; medida preventiva, de protecção ao arrendatário, a fim de evitar que a sua imprudência ou negligência lhe faça avolumar de tal forma a dívida de rendas que, posteriormente, em acção de despejo instaurada por falta de pagamento de rendas o impossibilite de efectuar os depósitos liberatórios, vendo-se irremediavelmente condenado ao despejo, apesar de vencedor na acção anterior.(...)” 7
Claro que nem sempre assim foi8. Como na jurisprudência portuguesa foi referido a dado passo “Não se desconhece que já houve, em tempos mais recuados, opiniões jurisprudenciais que aceitavam outros tipos de defesa a este incidente, como seja a mora do senhorio, a compensação ou a excepção de incumprimento por parte do senhorio. Porém, - adverte-se no referido Acórdão - a melhor interpretação das normas legais e a que vem fazendo vencimento neste Supremo vai, pelo menos nos últimos anos, no sentido de que não releva para tal a alegação por parte do inquilino de excepção de incumprimento por parte do senhorio ou o direito de retenção do locado recente”9.
Assim, e porque o regime legal de Macau não se afasta daquele com base no qual aquela jurisprudência foi produzida, temos de considerar irrelevante, como meio de defesa, a alegação, por parte do arrendatário, da ocorrência de mora do credor em receber a renda. A única defesa possível do arrendatário é a prova do pagamento, sendo imprestável qualquer justificação10, nomeadamente a que vise a tradução de uma pretensa mora accipiendi11. Em tais circunstâncias, ainda que não seja sua a culpa pela não efectivação do pagamento da renda ao senhorio, tal facto não constitui factor impeditivo do imediato despejo do locatário.12
Não podemos, pois, concordar com o alegado justo impedimento. Assim como a recorrente efectuou o depósito no BNU no dia 22/06/2012, assim também o podia ter feito antes, para tanto realizando todas diligências necessárias ao caso, nomeadamente através da consignação em depósito (arts. 920 e sgs. do CPC).
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E será que a situação pode ser representada como sendo de “acto processual”, como o defende a recorrente com o seu segundo argumento? Não nos parece.
Os actos processuais são aqueles que voluntariamente se realizam para um processo (ainda que não necessariamente apenas dentro dele13) e que nele provocam consequências jurídicas. Actos processuais são, pois, todas as intervenções relevantes levadas a cabo pelas partes, pelos magistrados, funcionários e outros intervenientes acidentais na relação jurídica processual, que servem para a criar, modificar ou extinguir.
Ora, o depósito liberatório, não obstante ser efectuado na pendência da acção e por causa dela, tem um propósito que se cifra exclusivamente na defesa da posição de uma das partes do ponto de vista substantivo. Isto é, ele serve para pôr termo a uma obrigação e, simultaneamente, evitar um despejo imediato, salvaguardando a posição jurídica substantiva que o depositante defende na demanda. Neste sentido, ele vale como instrumento de defesa de uma relação jurídica material. Não nos parece, portanto, que tenha uma natureza processual. Aliás, um depósito bancário, como poderia ser o depósito liberatório em causa, nem sequer é praticado dentro do processo com a marca de acto necessário ao ritualismo processual previsto. O inquilino, aliás, não é notificado para pagar ou depositar a renda vencida. Ele é simplesmente notificado do requerimento incidental do senhorio a pedir o despejo imediato para sobre tal pretensão se pronunciar ao abrigo do princípio do contraditório (art. 933º, nº2, CPC). O que o notificado tem é a faculdade de fazer caducar o direito ao despejo imediato se de motu proprio pagar ou depositar as rendas vencidas. O interessado pode ou não fazê-lo; mas, se o não fizer, sofre as consequências: o despejo.
Ou seja, é um acto de parte previsto na lei processual (art. 933º, do CPC) e que pode ter consequências para sua esfera mediante a prática de um acto do magistrado a determinar o despejo imediato, mas que não interfere com a natureza substantiva do seu efeito. Pode dizer-se, como já vimos dito nalguma jurisprudência portuguesa tirada a propósito de situação similar, que este depósito “…não é um acto judicial e, por isso, não lhe é aplicável o disposto no nº5 do art. 145º do Código”14
Aliás, o CPC limita-se a permitir que o prazo para o pagamento ou para o depósito seja o mesmo que é conferido à parte para responder ao pedido de despejo imediato. Não vai além disso. E assim é que, apesar de a parte poder responder nesse prazo de dez dias, de acordo com as regras dos prazos processuais (art. 94º), podendo mesmo praticar esse acto de resposta até ao 13º dia posterior (ver art. 95º, nº 4 e 5, do CPC), desta faculdade já não pode gozar no que respeita ao próprio pagamento ou depósito das rendas vencidas. Quer dizer, pelo facto de teoricamente poder responder em 13 dias, não pode a mesma parte pensar que dispõe de igual prazo para o pagamento ou depósito, precisamente por se tratar aí de uma intervenção substantiva e não processual. Aliás, quem iria lançar e liquidar a multa a que se refere o art. 95º no caso de se considerar possível o pagamento ou o depósito dentro dos três dias posteriores ao termo do prazo? Evidentemente, não podia ser a secretaria do tribunal, tratando-se de um acto praticado fora dele!
Pensamos, por isso, que este prazo é peremptório15 e nem sequer terá natureza processual. Repare-se que se tivesse natureza processual, poderia suspender-se nas férias, tal como previsto no art. 94º, nº1, do CPC. Ora, é impensável admitir que um prazo de 10 dias que começasse no dia 28 de Julho, por exemplo, apenas terminasse, pelas regras processuais de contagem, no dia 1 de Setembro. Isso não o quis a lei! Se assim não fosse, haveria aqui uma desigualdade em relação àquilo que constitui a obrigação normal do inquilino, que por ter que depositar ou pagar a renda mensalmente não pode deixar de o fazer também nos meses de férias, como sucede em Agosto.
O prazo em causa, para este efeito, parece ter natureza substantiva, contável, portanto, segundo as regras do art. 272º, de que se destaca o deferimento para o primeiro dia útil subsequente quando o último dia do prazo terminar em domingo ou feriado.
Assim, entendemos que não pode proceder o argumento invocado.
Consequentemente, este recurso não pode ser provido.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
1 - Conceder provimento ao primeiro recurso interposto pela ré da acção, revogando a sentença recorrida e, em consequência, julgar improcedente a acção.
2 - Negar provimento ao segundo recurso interposto pela mesma ré da acção e, consequentemente, confirmar o despacho de fls. 316 a 319 que decretou o despejo imediato por falta de pagamento das rendas vencidas.
Custas em ambas as instâncias na proporção de 40% para a autora da acção e 60% para a ré, ora recorrente.
Honorários ao patrono nomeado, Dr. G, MOP$ 8.000,00.
TSI, 14 / 11 / 2013
_________________________
José Cândido de Pinho
(Relator)

_________________________
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Só essa notificação está rigorosamente em causa, visto que os efeitos da denúncia através dela se pretendia fossem repercutidos para o final da renovação por um ano do contrato, o que se previa para o dia 28/02/2009.
2 Em termos de direito comparado, ver Ac. RE de 19/04/1990, in BMJ nº 396, pág. 453. Na doutrina, sobre declaração receptícia ou recipienda, ver Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito CIvil, 4ª ed., pag. 455; Rui Alarcão, Confirmação, 1º, 180.
3 Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pag. 441.
4 Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., pag. 457, que refere que este preceito se aplica não somente a declarações negociais, como ainda a todas aquelas que alguém faça a outrem.
5 Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., pág. 458.
6 Em boa verdade, este procedimento não terá sido o mais perfeito. Não estando o notificando em casa por ocasião da deslocação ao local do funcionário judicial, este deveria certificar-se pelos meios apropriados de que a pessoa realmente ali vivia. E caso assim concluísse, deveria voltar ao local em horas pós-laborais ou até mesmo ao fim-de-semana para efectuar a notificação; caso ela mesmo assim se não realizasse, deveria ser deixada nota com indicação de hora certa (art. 186º do CPC). Se assim tivesse sido feito pelo funcionário, talvez não estivéssemos aqui a conhecer o presente recurso jurisdicional, pois talvez fosse então possível apurar que a notificanda residia noutro apartamento do mesmo prédio.
7 Ver a obra “Regime de Arrendamento Urbano, Anotado e Comentado”, em anotação ao art. 58.º, pg.259-261; No mesmo sentido, ver cit. obra, 4ª edição, a pág. 306. Com o mesmo ponto de vista, na jurisprudência comparada, ver o Ac. STJ de 18/02/1999, Proc. nº 98B915.
8 A invocação da excepção de não cumprimento, como motivo de recusa legítima de pagamento da renda, chegou a ser defendida no Ac. do STJ, de 11-12-84, comentado por Almeida e Costa na RLJ, ano 119º, pág. 137, sendo apoiada por Antunes Varela, no CC anot., vol. II, pág. 598, e defendida também por Teixeira de Sousa, em Acção de Despejo, 2ª ed., pág. 78, no Ac. da Rel. de Lisboa, de 9-5-96, CJ, tomo III, pág. 87, e no Ac. da Rel. de Lisboa, de 6-4-95, CJ, tomo II, pág. 111.
Foi, porém, rejeitada no Ac. da Rel de Coimbra, de 29-10-96, CJ, tomo IV, pág. 45, no Ac. da Rel. de Coimbra, de 1-3-88, CJ, tomo II, pág. 52, no Ac. da Rel. do Porto, de 24-10-89, CJ, tomo IV, pág. 223, e no Ac. da Rel. do Porto, de 11-4-94, CJ, tomo II, pág. 209.
9 Ac. STJ de 2006.12.05 , no proc. 06A2299 in www.dgsi.pt/jstj
10 Ac. STJ, de 28/02/2002, Proc. Nº 01B1907.
11 Ver cit. Ac. STJ de 18/02/1999.
12 Aragão Seia, “Arrendamento Urbano” cit., 4ª ed., pág. 2309; Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, Vol. II, 4ª ed., pág. 586. Também, o Ac. STJ, de 28/10/2003, Proc. nº 02A724; Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 7ª edição, pág. 385.
13 Uma perícia, uma inspecção ao local, uma inquirição por deprecada, por exemplo, são alguns dos actos que se realizam fisicamente fora do processo, enquanto a apresentação de um requerimento, de um rol de testemunhas, a elaboração de uma base instrutória, etc., são actos realizados dentro do procedimento. De qualquer maneira, todos eles têm efeitos no processo.
14 Ac. R.L., de 8/03/1983, Proc. nº 0020983.
15 Assim também o entendeu o Ac. RP, de 15/11/2007, Proc. nº 0735782.
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