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Processo nº 557/2010
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 28/Novembro/2013

Assunto: Guardforce
Contrato a favor de terceiro

SUMÁRIO
- Tendo a Ré ora recorrida prometido perante uma Sociedade fornecedora de mão-de-obra não residente proporcionar condições remuneratórias mínimas e outras regalias aos trabalhadores a contratar, e sendo o Autor ora recorrente um dos trabalhadores contratados nessas circunstâncias, não deixaria de ser ele o terceiro beneficiário na relação estabelecida entre a recorrida e a Sociedade, e por conseguinte, passando a ter direito a uma prestação, independentemente de aceitação conforme se estipula nos termos do artigo 438º, nº 1 do Código Civil.
       
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 557/2010
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 28/Novembro/2013

Recorrente:
- B (Autor)


Recorrida:
- A (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Ltd (Ré)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B, Autor nos autos da acção de processo comum do trabalho a correr termos no Tribunal Judicial de Base da RAEM, inconformado com a sentença que julgou a acção parcialmente improcedente, na qual foi a Ré condenada apenas a pagar ao Autor a quantia de MOP$2.533,46 acrescida dos juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença, vem interpor o presente recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
- Ao contrário do que terá concluído o Tribunal a quo não será correcto entender-se que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, veio definir os requisitos formais para a contratação de trabalhadores não residentes, contudo, não define o regime legal a que os respectivos contratos estão sujeitos;
- Do mesmo modo, não será exacto afirmar que até à publicação da recente Lei n.º 21/2009 não tinha sido legalmente definido o regime da contratação dos não residentes;
- Ao invés, basta ver que, desde 1988, o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, fixa(va) as condições de contratação (procedimento e de trabalho (conteúdo) em que devem ser contratados os trabalhadores não residentes, assumindo claramente uma natureza normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes e que, em caso algum, poderá ser afastada pelas partes;
- Neste sentido, a fixação legal de condições tidas como mínimas, em si mesma constitui um direito que escapa à liberdade da autonomia das partes, visto terem sido consagradas por uma razão – de ordem pública – maxime de protecção dos interesses da generalidade dos trabalhadores residentes (cfr. preâmbulo do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
- Do mesmo modo, o direito às condições mínimas fixado no despacho de autorização configura um direito indisponível e, porquanto, subtraído ao domínio da vontade das partes;
- Assim, da natureza “especial” do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, não deveria ter resultado qualquer dúvida ou receio por parte do Tribunal a quo quanto à sua directa aplicabilidade à relação sub Júdice e, bem assim, quanto à circunstância de se tratar de um regime imperativo que respeita à contratação de trabalhadores não residentes, afastando as regras gerais que o contrariem e que se encontrem estabelecidas no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
- Sem prescindir, sempre se dirá que,
Mesmo que aos se entende ser de aplicar as disposições do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril – por analogia – haveria então que retirar daquela aplicação todas as suas legais consequências, maxime em matéria de descanso semanal, feriados obrigatórios, férias, salário justo e, bem assim, de indemnização rescisória por denúncia unilateral por parte da Ré, porquanto em causa estariam preceitos inderrogáveis constantes do Regime Jurídico das Relações Laborais, o que igualmente não terá sido feito;
- A construção jurídico-civilistica constante da Sentença revela-se desnecessária em face da relação material controvertida apresentada pelo Autor, pelo que a decisão se revela incorrecta, por errada qualificação jurídica;
- Porém, caso se entenda que a qualificação jurídica operada pelo Tribunal a quo se revelava necessária, ainda assim a conclusão enferma de um vício de raciocínio, visto que, em qualquer dos casos, os únicos beneficiários da promessa seriam os trabalhadores e, in casu o Autor, ora Recorrente, e nunca a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau;
- Ao contrário do que terá entendido o Tribunal a quo, a questão central dos presentes autos traduz-se no desrespeito pela Ré do procedimento legal e positivo, designadamente o constante do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro e, bem assim o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças que in casu autorizou a Ré a admitir trabalhadores não residentes, nos quais se incluiu o Autor, ora Recorrente;
- Assim, a premissa na qual se fundou a decisão do Tribunal a quo para julgar os presentes autos é incorrecta e em muito se afasta dos factos e fundamentos trazidos aos autos quer pelo Autor, quer pela Ré, sendo a mesma nula nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 571º do Código do Processo Civil;
- Por outro lado, ao contrário do que erradamente concluiu o Tribunal a quo, em caso algum é verdade que a concreta causa de pedir apresentada pelo Autor tenha consistido na violação das cláusulas do contrato de trabalho;
- Assim, tendo o Tribunal a quo se afastado do quid decisório, sem que para tal apresente as razões de facto ou de Direito, é a Sentença nula por ausência de fundamento legal;
- Não é correcto concluir que das condições administrativas exigidas pela Região Administrativa Especial de Macau relativamente à contratação de mão de obra estrangeira não resulta a imposição de contratar nestes ou noutros termos, pois dali não resultam imperativos legais para a entidade patronal e/ou empregado de contratar em determinados termos;
- Na concreta forma de cálculo utilizada para compensar o Autor, ora Recorrente, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, a douta decisão procede a uma errada aplicação quer do disposto na al. a) do n.º 6, quer do n.º 4 do art. 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
- Tendo na Sentença ficado prejudicada a análise da matéria relativa ao subsídio de alimentação e subsídio de efectividade e constante da matéria de facto dada por provada e não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre a totalidade do pedido, a decisão deverá ser nula, por violação da al. d) n.º 1 do art. 571º do Código de Processo Civil.
*
Notificada, a Ré apresentou as suas contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores. (A)
Desde o ano de 1993, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de “guarda de segurança”, “supervisor de guarda de segurança”, “guarda sénior”. (B)
Desde 1992, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»: n.° 9/92, de 29/06/1992; n.º 6/93, de 01/03/1993; n.º 2/94, de 03/01/1994; n.º 29/94, de 11/05/1994; n.º 45/94, de 27/12/1994. (C)
O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o “Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1”, ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 30 de Novembro de 2000, de renovação de 204 trabalhadores vindos do exterior. (D)
Do contrato referido em D) cuja cópia está a fls. 129 a 133 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$2.000,00 mensais, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (E)
A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos «contratos de prestação de serviço» supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes. (F)
Entre 14.04.2000 e 31.05.2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”. (G)
Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (H)
Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (I)
Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (J)
A Ré apresentou ao Autor um contrato individual de trabalho o qual foi assinado pelo Autor, assim como outros cinco contratos individuais de trabalho, cujas cópias constam de fls. 45 a 63 e aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais. (K)
Entre 14 de Abril de 2000 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$2.000,00. (L)
Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$2.100,00. (M)
Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.288,00 mensais. (N)
Entre 14.04.2000 e 30.06.2002 o Autor prestou 4146.5 horas de trabalho extraordinário, recebendo da Ré o valor de MOP$38.562,00 à razão de MOP$9,30 por hora. (O)
Entre 01.07.2002 e 31.12.2002 o Autor prestou 556 horas de trabalho extraordinário, recebendo da Ré o valor de MOP$5.560,00 à razão de MOP$10,00 por hora. (P)
Entre 01.01.2003 e 28.02.2005 o Autor prestou 1956 horas de trabalho extraordinário, recebendo da Ré o valor de MOP$21.521,00 à razão de MOP$11,00 por hora. (Q)
Entre 01.03.2005 e 28.02.2006 o Autor prestou 837 horas de trabalho extraordinário, recebendo da Ré o valor de MOP$9.458,00 à razão de MOP$11,30 por hora. (R)
Entre 01.03.2006 e 31.12.2006 o Autor prestou 773.5 horas de trabalho extraordinário, recebendo da Ré o valor de MOP$8.895,00 à razão de MOP$11,50 por hora. (S)
O Autor só teve conhecimento do efectivo e concreto conteúdo de um «contrato de prestação de serviços» assinado entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, já depois de cessada a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), a pedido do Autor em 2008. (T)
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (U)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho. (V)
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias». (W)
Entre 23/04/2000 e 13/01/2002 o Autor não gozou de nenhum dia de descanso semanal. (X)
Pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo e não lhe foi concedido um dia de descanso compensatório. (Y)
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    É perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer do recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
    Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau, “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
São três as questões que carecem de resolução:
1) Nulidade da sentença;
2) A natureza jurídica do acordo celebrado entre a recorrida e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada;
3) Os direitos de crédito reclamados pelo recorrente.
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Em primeiro lugar, invoca o recorrente a nulidade da sentença por dizer que a premissa na qual se fundou a decisão é incorrecta e em muito se afasta dos factos e fundamentos trazidos aos autos, bem assim, por não se ter o Tribunal a quo pronunciado sobre todos os seus pedidos, nulidade essa, no seu entender, prevista nos termos das alíneas c) e d) do artigo 571º do Código de Processo Civil de Macau.
Salvo o devido respeito, não nos parece ter havido nulidade da sentença.
Ao abrigo do artigo 567º do Código de Processo Civil, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 5º”.
Sendo assim, ao juiz compete julgar livremente a causa de acordo com a interpretação jurídica que lhe convier, mas tem que estar sempre condicionado pela causa de pedir alegada pelas partes, como foi o caso.
Ou seja, a mera não concordância de entendimento feito pelo juiz não constitui fundamento para ver declarada nula a sentença.
Por outro lado, também sem assistir ao recorrente qualquer razão quando diz que a sentença deve ser declarada nula por não se ter o Tribunal a quo pronunciado sobre todos os pedidos.
Segundo o disposto no artigo 563º, nº 2 do Código de Processo Civil de Macau, permite ao juiz não conhecer de certas questões que estejam prejudicadas pela solução dada a outras, daí que, face à posição tomada pelo Tribunal a quo relativamente à questão da natureza jurídica do contrato celebrado entre a recorrida e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., nenhuma censura lhe deve ser imputada ao não se ter pronunciado sobre as restantes questões colocadas pelo Autor ora recorrente.
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Quanto à natureza jurídica do negócio celebrado entre a recorrida e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, este TSI já teve oportunidade de se pronunciar em vários processos da mesma espécie em que intervinham as mesmas partes.
Sendo assim, não se vê razão para não acompanhar o tal entendimento unânime no sentido de considerar o contrato celebrado entre a recorrida e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada ter natureza de um contrato a favor de terceiro previsto nos termos do artigo 437º do Código Civil de Macau.
Dispõe o artigo que “por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita”.
No vertente caso, provado que a recorrida foi autorizada a admitir ao seu serviço novos trabalhadores não residentes, e na sequência, aquela celebrou a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada contratos de prestações de serviço, nos termos dos quais a recorrida garantiu oferecer aos trabalhadores a contratar condições remuneratórias mínimas, subsídios de alimentação e de efectividade, compensações por trabalho extraordinário, etc.
Perante esta factualidade, salvo o devido respeito, entendemos que, tendo a recorrida prometido perante aquela Sociedade fornecedora de mão-de-obra não residente proporcionar condições remuneratórias mínimas e outras regalias aos trabalhadores a contratar pela recorrida, e sendo o recorrente um dos trabalhadores contratados nessas circunstâncias, não deixaria de ser ele o terceiro beneficiário na relação estabelecida entre a recorrida e a Sociedade, e por conseguinte, passando a ter direito a uma prestação, independentemente de aceitação conforme se estipula nos termos do artigo 438º, nº 1 do Código Civil.
A prestação consiste, num sentido, numa conduta do devedor (fazer ou não fazer), noutro conceito, o alargado, entende-se por prestação ainda um resultado a proporcionar ao credor pela conduta do devedor.2
Ainda segundo o mesmo autor, entende que na relação obrigacional se discernem dois aspectos fundamentais, traduzidos um deles, no dever de conduta do devedor e o outro na realização do resultado da prestação, isto é, na realização do interesse do credor na prestação, para concluir que o conteúdo do conceito da prestação se não esgota na conduta do devedor, já que também a efectivação do resultado da prestação mediante aquela conduta constitui elemento integrante do referido conceito.3
Conforme se decidiu no Acórdão deste TSI, Processo 778/2010, de 9 de Junho de 2011, “o benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalho”.
Igual entendimento foi perfilhado no Acórdão do TSI, Processo 780/2010, de 2 de Junho de 2011, quando aponta que “o contrato a celebrar com o terceiro não seria o fim último da situação de vantagem reconhecida e prometida pelo contrato entre A e Sociedade de Apoio, mas sim e apenas o instrumento jurídico através do qual se realizaria o benefício, a vantagem, o direito”.
Nestes termos, enquanto terceiro beneficiário, o recorrente passa a adquirir, por meio daquele contrato celebrado entre a recorrida e a Sociedade, o direito às vantagens, condições de trabalho e regalias assumidas por aquela.
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Sendo assim, estamos em condições de apreciar os direitos peticionados pelo recorrente, no que respeitam às diferenças salariais, horas extraordinárias, subsídio de alimentação, subsídio de efectividade e compensações por descanso semanal, com base nos elementos constantes do referido contrato celebrado entre a recorrida e a Sociedade.
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Diferenças salariais e horas extraordinárias
No caso vertente, provado que desde 14 de Abril de 2000 até 31 de Maio de 2008, o recorrente esteve ao serviço da recorrida, exercendo funções de guarda de segurança, auferindo, como contrapartida da actividade prestada, a título de salário mensal, a quantia de MOP$2.000,00 desde 14/4/2000 a 2/2005, MOP$2.100,00 entre 3/2005 e 2/2006, e MOP$2.288,00 a partir de 3/2006 até Dezembro de 2006.
Uma vez que o contrato de prestação de serviços com base no qual a recorrida outorgou o contrato individual de trabalho com o recorrente constava que os trabalhadores não residentes ao serviço da recorrida, incluindo o aqui recorrente, teriam direito a auferir no mínimo MOP$2.000,00 mensais (alínea E) da matéria de facto), e tendo o recorrente auferido durante a vigência da sua relação contratual, pelo menos, essa quantia por mês (alíneas L), M) e N) da matéria de facto), daí que não se descortina ter o recorrente direito a receber qualquer diferença salarial.
O mesmo acontece com as compensações pelo trabalho extraordinário, pois auferindo MOP$2.000,00 por mês, ou seja, ganhando por dia (8 horas) MOP$66,70, e por cada hora de trabalho extraordinário teria, em princípio, direito a receber MOP$8,30, assim o valor pago pela recorrida ao recorrente, pela prestação de trabalho extraordinário (alíneas O), P), Q), R) e S) da matéria de facto), já era superior àquela quantia.
De igual modo, nos períodos em que o recorrente auferia um vencimento mensal de MOP$2.100,00 e MOP$2.288,00, as remunerações pagas pela recorrida ao recorrente a título de trabalho extraordinário foram entre MOP$11,30 e 11,50 por hora, ou seja, também superiores ao valor de cada hora de trabalho contratualmente acordado.
Sendo assim, o recorrente não vai ter direito a receber quer as diferenças salariais quer as compensações por trabalho extraordinário.
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Restando apenas os subsídios de alimentação, de efectividade e as compensações por descanso semanal.
Subsídio de alimentação
Quanto ao subsídio de alimentação, embora tenha sido provado nos autos que a recorrida nunca pagou ao recorrente qualquer quantia a título de subsídio de alimentação, mas não é menos verdade que tanto no contrato de prestação de serviços com base no qual a recorrida outorgou o contrato individual de trabalho com o recorrente, como nos próprios contratos de trabalho celebrados entre o recorrente e a recorrida nada constavam que o trabalhador teria direito a receber o tal subsídio de alimentação, razão pela qual não resta outra solução senão julgar improcedente o recurso quanto a esta parte.
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Subsídio de efectividade
Resulta do referido contrato entre a recorrida e a Sociedade que o trabalhador teria direito a auferir um subsídio de efectividade igual ao salário de 4 dias por mês, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta ao serviço.
Ora bem, provado sim que durante o período da relação laboral entre o recorrente e a recorrida, nunca aquele deu qualquer falta ao trabalho, nem recebeu qualquer compensação a título de subsídio de efectividade.
Assim, atendendo à duração da relação laboral e à matéria provada nos autos, o recorrente terá direito a MOP$21.886,40, calculado de acordo com os seguintes termos:
- entre 14/4/2000 e 2/2005, MOP$2.000,00 : 30 x 4 dias x 58 meses, perfazendo-se em MOP$15.474,40;
- entre 3/2005 e 2/2006, MOP$2.100,00 : 30 x 4 dias x 12 meses, perfazendo-se em MOP$3.360,00;
- entre 3/2006 e 12/2006, MOP$2.288,00 : 30 x 4 dias x 10 meses, perfazendo-se em MOP$3.052.
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Descansos semanais
Provado que o recorrente sempre foi remunerado pela recorrida com o valor de um dia de salário em singelo, e não lhe foi concedido um dia de descanso compensatório.
Embora ao caso não se aplique directamente o Regime Jurídico das Relações Laborais (DL n.º 24/89/M), uma vez que as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes não se encontram abrangidas por aquele diploma legal (artigo 3º, nº 3, alínea d) do DL n.º 24/89/M), mas está estipulado no contrato celebrado entre a recorrida e a Sociedade que o trabalhador teria direito a auferir “bonificações ou remunerações adicionais que a 1ª outorgante paga aos operários residentes no Território”.
Daí que, em pé de igualdade com os trabalhadores residentes, para além do vencimento diário pelo serviço prestado, o recorrente terá ainda direito a um dia de vencimento adicional e um dia de descanso, ou seja, devendo aplicar-se a fórmula que tem seguido neste TSI para estas compensações, que era o dobro do vencimento diário.
Por se encontrar provado que entre 23/4/2000 e 13/1/2002 o recorrente não gozou de nenhum dia de descanso semanal, num total de 90 dias de descanso, assim terá o recorrente direito a receber uma compensação no valor de MOP$12.000,00 (MOP$2.000,00 : 30 x 90 dias x 2).
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder parcialmente provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e condenando a recorrida A (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Ltd a pagar ao recorrente B a quantia de MOP$33.886,40 (trinta e três mil oitocentas e oitenta e seis patacas e quarenta avos), acrescida de juros calculados pela forma decidida pelo TUI no seu Acórdão de 2 de Março de 2011, no Processo 69/2010.
Custas pelos recorrente e recorrida em ambas as instâncias na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao recorrente.
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Macau, 28 de Novembro de 2013

Tong Hio Fong (Relator)
Lai Kin Hong (Primeiro Juiz-Adjunto)
João Gil de Oliveira (Segundo Juiz-Adjunto)
1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
2 J. Baptista Machado, RLJ, 116º-169
3 Mesma obra, p. 170
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