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Processo nº 271/2013
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 5/Dezembro/2013
   
   
   Assuntos:
- Revisão de Sentença do Brasil
- Sentença homologatória de termo de guarda e responsabilidade de menor
    
    
    SUMÁRIO :
    
   1. No caso em apreço, em que se pretende confirmar a sentença do Exterior que decretou a guarda definitiva de uma criança, numa concertação de interesses e vontades dos primeiros responsáveis e interessados, tendo-se incumbido a requerente, irmã do menor, como encarregada (guardiã, nas palavras da sentença), devendo ela assumir as responsabilidades parentais, concretizadas na guarda do menor, na protecção da sua saúde e moralidade, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública.
   
   2. Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê exactamente um procedimento e constituição de tais laços no sentido da protecção das crianças, entrega aos cuidados de uma terceira pessoa, ocorrendo uma situação vantajosa e de bem estar daí resultante, em situações de necessidade de limitação do exercício do poder paternal.
   
   3. Pode-se erigir a protecção das crianças e dos jovens como um valor a salvaguardar pelo ordem pública de Macau, mas não se vislumbra que a presente entrega e procedimento, visto o respectivo circunstancialismo, faça perigar esses interesses que devem ser acutelados pelo nosso ordenamento interno.
   
   4. Aliás, o artigo 29º do CC estabelece que à tutela e institutos análogos de protecção aos incapazes é aplicável a lei pessoal do incapaz e, sendo agora a lei pessoal, a da residência do menor, face ao disposto no artigo 30º do CC, não deixou de ser a lei brasileira no momento da prolação da referida sentença a competente, donde admitir-se aquela providência de guarda e responsabilidade do menor como admissível.
   
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira



Processo n.º 271/2013

Data : 5/Dezembro/2013

Requerente : A

Requeridos : - B
- C

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, mais bem identificada nos autos vem intentar
ACÇÃO ESPECIAL DE REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
    Contra:
    B
    e
    C,
    também eles com melhor identificação nos autos,
    alegando o seguinte:
1.º
    A Autora (A.) nasceu no dia X de XX de 19XX, em São Paulo, República Federal do Brasil, conforme Certidão do Assento de Nascimento que ora junta como Documento 1, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2.°
    Na sequência de sentença judicial proferida, em 27 de Agosto de 2012, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil, foi lavrado Termo de Guarda Definitiva e Responsabilidade que lhe concedeu a guarda definitiva do menor XXX à A. - vide Doc. 2, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
3.°
    A A. e o menor XXX são irmãos uterinos, conforme se pode constatar através das respectivas certidões de nascimento, juntas como Doc. 1 e Doc. 3.
4.°
    A A. e o seu irmão encontram-se ambos a residir, neste momento, na RAEM.
5.°
    A A. pretende, por isso, obter o reconhecimento, pelos Tribunais da Região, da sentença judicial proferida, em 27 de Agosto de 2012, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil, e na sequência da qual foi lavrado Termo de Guarda Definitiva e Responsabilidade que lhe concedeu a guarda definitiva do seu irmão.
6.°
    In casu, verificam-se in totum os requisitos enunciados no n° 1 do artigo 1200º do CPC, a saber:
7.°
    O documento donde consta a decisão é autêntico e tem teor inteligível, nos termos da alínea a) do referido preceito;
8.°
    A decisão já transitou em julgado na ordem jurídica da República Federativa do Brasil, o que cumpre o requisito da alínea b) do n.º 1 do artigo 1200° do CPC;
9.º
    Trata-se de uma decisão provinda de um órgão de jurisdição do Brasil, na sequência do requerimento feito pelos progenitores do menor, ora RR., residentes no Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil.
10.º
    Neste contexto, a competência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não foi provocada em fraude à lei e não versa sobre matéria da competência exclusiva dos tribunais de Macau (art. 20° do CPC), pelo que se afigura que o requisito enunciado na alínea c) do n.º 1 do art. 1200° do CPC se encontra preenchido.
11.º
    No que diz respeito ao requisito enunciado na alínea d) do n.º 1 do art. 1200° do CPC, a A. não vislumbra a existência de qualquer causa afecta a tribunal de Macau em que possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado.
12.º
    Os RR. foram regularmente citados nos termos da lei do Estado de São Paulo e foram observados, no processo que aí correu os seus termos, os princípios do contraditório e da igualdade das partes, considerando estar satisfeito o requisito da alínea e) do n.º l do art. 1200° do CPC.
13.º
    Por último, a decisão cuja revisão e confirmação foi requerida, não conduz a nenhum resultado manifestamente incompatível com a ordem pública, com o que se preenche o requisito legal previsto na alínea f) do citado preceito do CPC.
14.º
    Em suma, estão satisfeitos os requisitos necessários para a confirmação da Decisão que a Requerente peticionou no sentido de, em relação à mesma, ser possível proferir o consequente exequatur.
15.º
    Neste contexto, à sentença ora sub judice e ao seu conteúdo substancial poderá ser atribuída, nos termos das leis vigentes em Macau, validade e eficácia formal.
    Nestes termos pedem seja revista e confirmada a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com as consequências e nos ulteriores termos legais.

    B e C, Requeridos nos autos supra identificados vieram aos autos manifestar a sua concordância com o que foi pedido, dizendo:
    1. Os Requeridos têm integral conhecimento do teor da P.I. e dos factos aí alegados;
    2. Por outro, os Requeridos são pais do Menor XXX e voluntariamente conferiram o poder paternal e a guarda do mesmo à Requerente, tal como consta da decisão judicial objecto de revisão e confirmação nos presentes autos;
    3. Neste contexto, e porque o peticionado pela Requerente corresponde à vontade dos Requeridos, confessam todos os factos vertidos na P.I., declaram que nada têm a opor à Revisão e Confirmação da decisão sub judice e prescindem do prazo para contestar previsto no artigo 1201.° do Código de Processo Civil.
    Tendo este Tribunal insistido com a sua citação que ainda não se observara, aquando da posição supra, vieram eles dizer aos autos:
1.º
    Os Requeridos são pais do Menor XXX (cfr. docs. n.º 2 e n.º 3 juntos à p.i.),
2.°
    A Requerente e o Menor XXX são irmãos uterinos (cfr. docs. n.º 1 e n.º 3 juntos à p.i.),
3.°
    Na sequência de sentença judicial proferida em 27/8/2012, no proc. XXX.01.2012.010589-0/000000-000, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil, foi concedida à Requerente a guarda definitiva do Menor XXX (cfr. certidão junta à p.i. como doc. n.° 2) e
4.°
    foi lavrado o competente Termo de Guarda Definitiva e Responsabilidade do Menor XXX, nos termos das leis em vigor no Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil (cfr. doec. n.º 2 junto à p.i.),
5.°
    Tal processo judicial foi da iniciativa dos Requeridos, que pretenderam e voluntariamente conferiram a guarda do Menor XXX à Requerente (cfr. doc. n.º 2 junto à p.i.),
6.°
    É verdade que a Requerente e o Menor XXX se encontram ambos a residir, neste momento, na RAEM, facto de que os Requeridos têm pleno conhecimento e ao qual não se opõem.
7.°
    É igualmente verdade que, por esse motivo, a Requerente pretende a revisão da sentença judicial sub judice.
8.°
    À semelhança do alegado pela Requerente, entendem os ora Requeridos estarem preenchidos todos os requisitos legais para que a decisão sub judice seja confirmada na RAEM nos termos do no n.º 1 do art. 1200.° do cód. proc. civ., dando-se aqui por integralmente reproduzidos, para os devidos e legais efeitos, os arts. 6.° a 15.° da p.i..
     9.°
    Assim, uma vez que:
    (i) correspondem à verdade todos os factos alegados pela Requerente na p.i;
    (ii) o ali peticionado corresponde integralmente à vontade dos Requeridos; e
    (iii) in casu, estão integralmente verificados os requisitos para a revisão e confirmação enunciados no n.º 1 do art. 1200.° do cód. proc. civ.,
    os Requeridos nada têm a opor à Revisão e Confirmação da decisão sub judice.
    Nestes termos, concluem, deve a acção proposta pela Requerente A ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser revista e confirmada a sentença judicial proferida em 27/8/2012, no proc.XXX.01.2012.010589-0/000000-000, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil, que concedeu à Requerente a guarda definitiva do Menor XXX, atribuindo-se a tal sentença e ao seu conteúdo substancial validade e eficácia formal nos termos das leis vigentes na RAEM, com as inerentes consequências legais.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vem certificada a seguinte decisão:
    “TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Processo n.º XXX.01.2012.010589-0/000000-000
Ordem n.º 1623/2012

Acção : Procedimento Ordinário
Requerente: B E OUTROS
TERMO DE GUARDA DEFINITIVA E RESPONSABILIDADE
    O(A) MM. Juiz(a) de Direito da 2.ª Vara Cível da Comarca de Taboão da Serra, Doutor(a) XXX. Determinou a lavratura deste termo, conforme a decisão proferida em 27/08/2012 que concedeu a GUARDA DEFINITIVA do(a) menor :
    
Nome : XXX
Filiação : B E C
    
Data Nascimento : XX/XX/19XX
Naturalidade : SÃO PAULO/SP
    
Ao (À) Sr(a).:
Nome : A
Documentos : RG XXXX-X, CPF XXXXXXXX-X
Profissão : Autónoma Estado Civil : Solteira
Endereço : Avenida XXX, 139 – XXX – CEP : 0XXXX-XXX, Taboão da Serra – S
    
    O(s) Guardião(ões) têm a obrigação de zelar pela guarda, saúde e moralidade do(a) menor, bem como apresenta-lo(a) neste Juízo, sempre que for exigida a sua presença. O Termo acima concede ao(s) Guardião(ões) o direito de oposição a terceiros, inclusive aos país, bem como ao(à) menor a condição de dependente para fins previdenciários (artigo 33, 1º, 2º e 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n.º 8.069 de 13/07/1999). NADA MAIS. O presente foi lavrado e, achado conforme, segue assinado. Taboão da Serra, 27 de Agosto de 2012.
    
    Assinatura da(o) Guardiã(o)
    
    XXX
    Juiz(a) de Direito
    
    *
    
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
    
CERTIDÃO DE OBJETO E PÉ – 2ª via
    
    XXX, Escrivão do Cartório Cível do Foro de Taboão da Serra, na forma da lei,
    CERTIFICA que, pesquisando em Cartório, a seu cargo, verificou constar :
    
    PROCESSO N°: 00XXX-53.2012.8.26.0609 –
    CLASSE - ASSUNTO: Procedimento Ordinário - Guarda
    
    DATA DA DISTRIBUIÇÃO: 24/07/2012
    VALOR DA CAUSA: R$ 1.000,00
    
    REQUERENTE(S) :
    B, Rua XXX, 46, XXX - CEP XXXX-XXX, Taboao da Serra-SP, CPF XXXXXXXX-00, RG. N° XXXXXx
    C, Avenida XXX, 139, XXX - CEP 0XXXXX-XXX, Taboao da Serra-SP, CPF XXX.XXX.XXX-XX, RG XX.XXX.XXX-X
    
    REQUERIDO(S):
    A, Avenida XXX, 139, XXX - CEP 0XXXXXXX, Taboao da Serra-SP, CPF XXX.XXX.XXX-XX, RG XX.XXX.XXX
    
    OBJETO DA AÇÃO:
    Guarda do menor XXX
    
    SITUAÇÃO PROCESSUAL:
    Sentença Proferida - 27/08/2012 - Sentença nº 1644/2012 registrada em 28/08/2012 no livro n° 261 às Fls. 59: Homologo o acordo (A guarda do menor XXX ficara com a requerente A, sendo que os genitores poderão visitar o menor livremente) celebrado entre as partes para que surta seus jurídicos e legais efeitos de direito e, em consequência, RESOLVO o presente feito nos termos do artigo 269, inciso III do Código de Processo Civil. Custas na forma da lei. Registre-se, considerando-se neste ato intimadas as partes, seus advogados e o Dr. Promotor de Justiça. Pelas partes, foi dito que renunciavam ao prazo recursal. Em seguida, pela MM. Juíza foi dito: Diante a renúncia ao prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado. Arquive-se, a seguir, o processo. Expeça-se termo de guarda definitivo. Sentença publicada em audiência, saem intimadas as partes. Registre-se, autorizada a extração de cópias necessárias. Arquive-se, a seguir, o processo Nada mais. 11/10/2012. Vistos. Pedido de fls. 27: (requerem a expedição da segunda via dos aludidos documentos) defiro. Expeça-se 28 via, como requerido. Após, arquivem-se os autos com as cautelas de estilo. Int.
    
    OBS.: acompanha a presente cópia do termo de guarda e responsabilidade definitivo, devidamente assinado pela MM. Juíza de Direito da 2ª Vara Civel da Comarca de Taboão da Serra - Oficio da Família e das Sucessões..
    NADA MAIS. O referido é verdade e dá fé. Taboão da Serra, 30 de Outubro de 2012.

DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006,
CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA
    
    Ao Estado : JUSTIÇA GRATUITA – “
    
    III - FUNDAMENTOS

O objecto da presente acção - revisão de sentença de Guarda Definitiva e Responsabilidade do menor XXX concedida à requerente, sua irmã uterina, A, proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil -, de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
   
   1. Requisitos formais necessários para a confirmação;
   2. Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
3. Compatibilidade com a ordem pública;
   *
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
   Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
   A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
   Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
   
   Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
   
   Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
   
   Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão proferida por um tribunal da República Federativa do Brasil, em 27 de Agosto de 2012, cujo conteúdo facilmente se alcança, em particular no que respeita à parte decisória - entrega da guarda, saúde e moralidade do menor a terceira pessoa que não os pais, neste caso, à sua irmã -, sendo certo que é esta (a decisão) que deve relevar.2
   
   Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
   “O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
   
   Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior3, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam4.
   
   É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.5
   Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos que assim se têm por presumidos.
   
   2. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CPC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
   
   Ora, facilmente se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice, tratando-se aqui da revisão de uma providência tendente à guarda definitiva do jovem, entregue à Requerente, sua irmã, A, numa situação próxima á tutela consagrada no nosso ordenamento, medida esta que foi querida e consentida pelos pais do menor.
   Aliás, o artigo 29º do CC estabelece que à tutela e institutos análogos de protecção aos incapazes e aplicável a lei pessoal do incapaz e, sendo agora a lei pessoal, a da residência do menor, face ao disposto no artigo 30º do CC, não deixou de ser a lei brasileira no momento da prolação da referida sentença a competente, donde admitir-se aquela providência de guarda e responsabilidade do menor como admissível.
   
   3. Da ordem pública.
   Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”6E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
   No caso em apreço, em que se pretende confirmar a sentença que decretou a guarda definitiva de uma criança, numa concertação de interesses e vontades dos primeiros responsáveis e interessado, tendo-se incumbido a Requerente, irmã do menor, como encarregada (guardiã, nas palavras da sentença), devendo ela assumir as responsabilidades parentais, concretizadas na guarda do menor, na protecção da sua saúde e moralidade, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública.
   Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê exactamente um procedimento e constituição de tais laços no sentido da protecção das crianças, entrega aos cuidados de uma terceira pessoa, ocorrendo uma situação vantajosa e de bem estar daí resultante, em situações de necessidade de limitação do exercício do poder paternal.
   
   Podemos erigir a protecção das crianças e dos jovens como um valor a salvaguardar pela ordem pública de Macau, mas não se vislumbra que a presente entrega e procedimento, visto o respectivo circunstancialismo, faça perigar esses interesses que devem ser acautelados pelo nosso ordenamento interno.
O artigo 29º do CC estabelece que à tutela e institutos análogos de protecção aos incapazes é aplicável a lei pessoal do incapaz e, sendo agora a lei pessoal, a da residência do menor, face ao disposto no artigo 30º do CC, não deixou de ser a lei brasileira no momento da prolação da referida sentença a competente, donde admitir-se aquela providência de guarda e responsabilidade do menor como admissível, sendo a decisão proferida passível de confirmação.

   O presente pedido de confirmação de sentença do Exterior não deixará, pois, de ser procedente.
   
   V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam conceder a revisão e confirmar a sentença acima transcrita, proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, da comarca de Taboão da Serra, da 2ª vara Cível, Ofício da Família e Sucessões da República Federativa do Brasil, de 27 de Agosto de 2012 e transitada em 11/10/2012, relativa ao processo de guarda e responsabilidade definitiva do menor XXX entregue à sua irmã uterina A, tudo nos seus precisos termos.
Custas pela requerente.
                Macau, 5 de Dezembro de 2013,
                João A. G. Gil de Oliveira
                Ho Wai Neng
                José Cândido de Pinho
    
    

1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002
2 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
3 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
4 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
5 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
6 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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