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 Processo nº 298/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 05 de Dezembro de 2013

ASSUNTO
- Interpretação da declaração negocial
- Erro-vício
- Garantia prestada por estabelecimento comercial

SUMÁRIO
- A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – nº 1 do artº 228º do CCM.
- Não existindo qualquer nexo de causalidade entre a ocorrência de acidente no interior da China e o incumprimento do contrato de locação-venda, não é razoável exigir que esse incumprimento tem de resultar da ocorrência do acidente no interior da China para que a garantia possa ser accionada.
- Para que haja lugar a anulação duma declaração negocial ou negócio jurídico por erro-vício, é necessário a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
- ser o erro do declarante essencial; e
- ser o erro cognoscível pelo declaratário ou ter sido causado por informações prestadas por este.
- Não provando os factos demonstrativos da essencialmente do erro, é de julgar improcedente a requerida anulação do negócio com fundamento naquele vício.
- O estabelecimento comercial é o conjunto de factores produtivos organizados pelo empresário com vista à exploração de certo ramo de actividade comercial ou industrial e que em si não dispõe qualquer personalidade jurídica.
- Não tendo a personalidade jurídica, nunca pode ser sujeito da relação jurídica e consequentemente não pode ser titular de direito e obrigações, salvo as excepções legais, pelo que as obrigações resultantes da garantia prestada em nome do estabelecimento comercial recaem sobre o seu titular.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 298/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 05 de Dezembro de 2013
Recorrente: Agência de Automóveis A Limitada (Autora)
Recorrido: B (Réu)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 15/12/2008, julgou-se improcedente a acção interposta pela Autora, Agência de Automóveis A Limitada, e consequentemente se absolveu o Réu, B, dos pedidos.
Dessa decisão vem recorrer a Autora, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. A recorrente não se conforma com a decisão recorrida que julgou a acção totalmente improcedente por não provada, daí o presente recurso;
II. Entendeu o Tribunal a quo que o litígio das partes se circunscreve fundamentalmente à questão de saber se o Réu é ou não fiador do executado (C) e que tudo se reduz à compreensão e interpretação dos termos do documento junto aos autos de fls. 14, cuja tradução se encontra a fls. 113;
III. Concluiu o Douto Tribunal que a declaração, constituindo ela própria uma fiança ou assunção de divida, está sujeita à verificação de uma condição: a ocorr6encia de um acidente na China.
IV. A declaração assinada pelo Recorrido não comporta o sentido e alcance que lhe foi conferido pelo douto Tribunal a quo na decisão ora recorrida;
V. A interpretação explanada na decisão recorrida conduziu naturalmente ao erro na interpretação e aplicação do direito ao caso concreto e à total omissão na determinação da norma aplicável;
VI. Do teor da garantia fica claro que o garante ficará totalmente responsável pelo remanescente das prestações, bem como por todas as despesas, procedendo ao pagamento segundo a respectiva quantia se: (i) – o supra citado veículo adquirido pelo Sr. C estiver envolvido em qualquer acidente na China continental, fazendo com que a agência sofra danos Ou (ii) – se se verificar o incumprimento de todas as condições estipuladas no contrato de prestações em causa.
VII. Na interpretação do documento em causa mostra-se violada a regra do artigo 228º do Cod. Civil de Macau.
VIII. O princípio interpretativo disponível no ordenamento de Macau é o da impressão do destinatário, pelo qual se considera o real declaratório nas condições concretas em que se encontra, tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente, mais os que uma pessoa razoavelmente diligente teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável.
IX. Conforme ensinamentos de Pires de Lima e A. Varela, a regra estabelecida no nº 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas dois casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1) ou de o declarartário conhecer a vontade real do declarante (nº 2), (CC Anot., vol I; 3ª ed., pág. 222).
X. É pois visível que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declaraente, concluiria que o Recorrido se vinculou a uma garantia e que em consequ6encia ficaria totalmente responsável pelo pagamento das quantias reclamadas nos autos se se verificarem uma das duas condições impostas pelo teor do documento em crise.
XI. Tal interpretação vê-se aliás reforçada pela resposta dada ao quesito 6º da Base Instrutória ao dar como provado que o Centro Fornecedor de Fotocópias XX declarou garantir, por si, o cumprimento do acordo celebrado entre C e a ora Recorrente (contrato locação venda nº 04-360-004974-31) assumindo a responsabilidade pelo pagamento das prestações remanescentes em dívida e por todas as despesas que fossem efectivamente indicadas pela ora Autora, em caso de incumprimento de C.
XII. Do facto alegado e provado pela resposta ao quesito 6º não resulta que a responsabilidade pelo pagamento das prestações remanescentes em divida e por todas as despesas que fossem indicadas pela Recorrente, em caso de incumprimento de C, seria assumida unicamente se verificasse algum acidente na China.
XIII. E ainda que restasse a dúvida na interpretação da declaração em causa ou que a mesma fosse susceptível de uma pluralidade de sentidos, então, nos termos do disposto no Artigo 229º do Código Civil “Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.”
XIV. Não tendo sido invocada a falsidade do documento, este faz prova plena quanto às declarações atribuídas aos seus autores, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (artº 37º, nºs 1 e 2 do CC).
XV. Tendo ficado provado que houve incumprimento do contrato que a fiança pretendia garantir (Alínea D, E e F da Especificação), o douto Tribunal a quo, face ao conteúdo da declaração do Recorrido, teria de considerar verificada uma das condições alternativas, qual seja a de o garante cumprir em nome do devedor todas as condições estipuladas no contrato de prestações em causa, e que estivessem em falta.
XVI. E isso mesmo não é negado pelo próprio Recorrido, que alega que quem garante o cumprimento do Contrato de Locação-Venda, em caso de incumprimento do C, é o Centro Fornecedor de Fotocópias, sem nunca arguir a necessidade de qualquer acidente para que se verificasse accionada a garantia, o que é bem demonstrativo que tal condição era alternativa.
XVII. Ao considerar como não verificada a condição necessária para accionar a garantia, o douto Tribunal recorrido apreciou erradamente a prova documental o que culminou numa errada aplicação do direito, mormente do regime jurídico da fiança.
XVIII. A fiança prestada cumpre todos os requisitos exigidos, nomeadamente o de acessoriedade e determinabilidade pelo que se mostra válida, nos termos previsto nos artigos 623º e seguintes do Código Civil.
XIX. A sua validade não se mostra também afectada pelo facto de o credor não ter declarado por escrito aceitar a vontade do fiador em garantir a satisfação do crédito, porquanto só a vontade de prestar fiança tem de ser expressamente declarada por escrito (artigo 624º Código Civil).
XX. Porquanto a aceitação da prestação de fiança por parte do credor, como declaração negocial que é, pode ser tácita se deduzida de factos que, com toda a probabilidade a revelem (artigo 209, 1º in fine do Código Civil), como aliás sucede no caso dos presentes autos.
XXI. Acresce ainda que a declaração de fiança prestada pelo Recorrido se circunscreve nos limites da dívida garantida em cumprimento do estipulado no artigo 627º do Código Civil.
XXII. O Centro Fornecedor de Fotocopias XXX nunca poderia ser considerado sujeito passível de lhe ser imputada responsabilidade pelo incumprimento do Sr. C, porquanto é um estabelecimento comercial inscrito na Repartição de Finanças de Macau sob o nº 731XX, e como tal insusceptível de ser sujeito autónomo de relações jurídicas.
XXIII. O estabelecimento responde por débitos contraídos fora do seu exercício, assim como os restantes elementos do património do seu titular respondem pelos débitos contraídos no exercício do estabelecimento comercial (cfr. Acórdão proferido no processo nº 381/2007 do TSI), pelo que, os (eventuais) débitos dum estabelecimento comercial não são do próprio estabelecimento, mas sim do seu dono ou proprietário, isto é, do Recorrido.
XXIV. Uma correcta aplicação do direito aos factos levaria necessariamente à procedência da acção, com a condenação do Réu no pagamento dos prejuízos sofridos pela Recorrente em face do incumprimento das condições contratuais acordadas entre esta e o Sr. C, em virtude da validade da declaração negocial, subsumida à figura da fiança.
XXV. A decisão recorrida deverá ser revogada, devendo considerar-se procedente por provada a acção e a consequente condenação do Recorrido no pagamento da quantia de MOP$198,623.77 acrescida de juros de mora à taxa legal até integral e efectivo pagamento.
XXVI. A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 623º e seguintes do Código Civil bem como o disposto nos arts. 228º e 230º do Código Civil.
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O Réu B respondeu à motivação do recurso da Autora, nos termos constantes a fls. 203 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Foi considerada como provada a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
1. A Autora explora a actividade de venda de veículos automóveis e motociclos e a respectiva importação, exportação ou reexportação (alínea A da Especificação).
2. No exercício do seu comércio, a Autora constituiu a favor de C (XXX) um direito de uso sobre o veículo automóvel de marca SUBARU, modelo Domingo E12 4WD GV MT SUN SUN ROOF MT, com a matrícula MF-75-XX, por Contrato de Locação-Venda nº 04-360-004974-31, de 28 de Novembro de 1995 (alínea B da Especificação).
3. A 15 de Fevereiro de 1996, o ora Réu apôs a sua assinatura no documento junto aos autos a fls. 14, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e cuja tradução se encontra a fls. 113 (alínea C da Especificação).
4. A Autora recebeu de C, as 10 (dez) primeiras prestações no montante total de HKD$35,460.00 (trinta e cinco mil, quatrocentos e sessenta dólares de Hong Kong) (alínea D da Especificação).
5. Por douta sentença de 4 de Novembro de 2003, já transitada em julgado no autos de Acção Ordinária nº CAO-014-00-5, que correu termos no então 5º Juízo desse douto Tribunal, foi o C (XXX) condenado a: “(...)
- Pagar a quantia de MOP$270.00 (duzentas e setenta patacas) relativas às despesas pagas pela Autora com o reboque do veículo;
- Pagar a quantia de MOP$850.00 (oitocentas e cinquenta patacas) respeitante ao Imposto de Circulação do Veículo do ano de 1997;
- Pagar juros de mora à taxa legal acrescida de 2%, desde a citação até efectivo pagamento, sobre todas as quantias acima condenadas;
- Pagar à Autora a diferença do preço por que o veículo vier a ser vendido e a soma total que teria pago se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido, importância essa a apurar em sede de execução de sentença, acrescida de juros legais (...)” (alínea E da Especificação).
6. A ora Autora instaurou acção de execução de sentença, por apenso aos autos de Acção Ordinária nº CAO-014-00-5, que correu termos no então 5º Juízo desse Tribunal, tendo sido ordenada a cobrança coerciva daquelas importâncias (alínea F da Especificação).
7. O Centro Fornecedor de Fotocópias XXX, sito na XXX, nº 6/8, Edf. XX, Bloco IV, R/C, “TB”, acha-se inscrito na Repartição de Finanças de Macau sob o nº 731XX, em nome de B (alínea G da Especificação).
8. Após o trânsito em julgado da sentença referida em E), C não procedeu ao pagamento de qualquer quantia à Autora (resposta ao quesito 2º).
9. Nas diligências realizadas nos autos referidos em F) apurou-se que C não possui bens passíveis de serem penhorados (resposta ao quesito 3º).
10. Em 11 de Dezembro de 2004, a ora Autora procedeu, à venda da viatura de marca SUBARU, modelo Domingo E12 4WD GV MT SUN SUN ROOF MT, com a matrícula MF-75-XX, como sucata, devido ao estado de danificação em que se encontrava (resposta ao quesito 4º).
11. Obtendo o montante de MOP$5,000.00 (cinco mil patacas) (resposta ao quesito 5º).
12. Aquando o referido em B) o Centro Fornecedor de Fotocópias XXX declarou garantir, por si, o cumprimento daquele acordo e assumindo a responsabilidade pelo pagamento das prestações remanescentes em dívida e por todas as despesas que fossem efectivamente indicadas pela ora Autora, em caso incumprimento do C (resposta ao quesito 6º).
13. Ao subscrever a carta referida em C) o Réu agiu na convicção de que estaria a vincular o Centro Fornecedor de Fotocópias XXX (resposta ao quesito 7º).
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III – Fundamentação
No caso em apreço, o Réu, através do seu estabelecimento comercial de nome Centro Fornecedor de Fotocópias XXX, prestou, por escrito, uma garantia à Autora nos seguintes termos:
“擔保聲明書
   本公司XX晒圖影印中心現擔保C君向A車行借去車牌編號MF-75-XX之車契影印本作申請國內行車證之用。該車係C君於1995年11月17日,向A車行以分期每月付款方式租購之SUBARU牌DOMINGO型車輛編號MF-75-XX,分期合約編號則為04-360-00497-31。倘若C君所購之上述車輛,在中國大陸境內發生任何意外,使貴公司蒙受一切損失或不履行該分期合約所訂之一切條件,則由本公司全部負責該車之分期餘數以及一切費用,如數清償,決不以任何藉口或理由推辭。
   擔保人:B”。
Em português (tradução de fls. 113):
“DECLARAÇÃO DE AVAL
   A nossa companhia, Centro Fornecedor de Fotocópias XXX, vem prestar o seu aval a que Sr. C empresta à Agência de Automóveis "A" uma fotocópia do título de registo de propriedade do automóvel relativo ao veículo com matrícula MF-75-XX para requerer a licença de circulação à China continental. O referido veículo é de marca "SUBARU", de modelo "Domingo" e com matrícula MF-75-XX adquirido pelo Sr. C em 17 de Novembro de 1995 à Agência de Automóveis "A" por pagamento efectuado em prestações mensais, sendo cujo contrato de prestações de nº. 04-360-004974-31. Se o supracitado veículo adquirido pelo Sr. C estiver envolvido em qualquer acidente na China continental, fazendo com que a vossa agência sofra danos ou se houver o incumprimento de todas as condições estipuladas no contrato de prestações em causa, a nossa companhia ficará totalmente responsável pelo remanescente respeitante às prestações, bem como por todas as despesas, procedendo ao pagamento segundo a respectiva quantia c não o atrasando sob qualquer pretexto ou motivo.
   O avalista, B”.
O Tribunal a quo julgou a acção improcedente por entender que não se verificou a condição suspensiva constante da declaração de garantia (ocorrência de acidente no interior da China).
Salvo o devido respeito, não nos parece que o Tribunal a quo tenha interpretado correctamente o sentido e o alcance da declaração de garantia em referência, ao considerar que a garantia prestada só tem lugar quando o incumprimento do contrato de locação-venda, celebrado entre a Autora e C, resulta da ocorrência de acidente no interior da China.
Como é sabido, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – nº 1 do artº 228º do CCM.
Ora, em face do texto da declaração de garantia acima transcrito, julgamos que um declaratário normal, colocado na posição real da Autora, possa obter da leitura do mesmo o sentido de que a garantia é prestada numa das seguintes situações:
a) Se o veículo estiver envolvido em qualquer acidente no interior da China, fazendo com que a Autora tenha sofrido danos; ou
b) Ter havido o incumprimento das cláusulas contratuais do contrato de locação-venda por parte de C.
Senão vejamos.
A primeira parte, isto é, “倘若C君所購之上述車輛,在中國大陸境內發生任何意外,使貴公司蒙受一切損失”, em português, “Se o supracitado veículo adquirido pelo Sr. C estiver envolvido em qualquer acidente na China Continental, fazendo com que a vossa agência sofra danos”, em si é uma frase com sentido completo, prevendo a hipótese de o acidente ocorrido no interior da China como causador de danos para a Autora.
No que respeita à segunda parte, com a disjunção “ou”, dissocia-se desde logo o incumprimento das cláusulas contratuais do contrato de locação-venda com o pressuposto da ocorrência de acidente previsto na primeira parte, constituindo aquele evento uma ocorrência fáctica autónoma e independente.
Não existindo qualquer nexo de causalidade entre a ocorrência de acidente no interior da China e o incumprimento do contrato de locação-venda, não é razoável exigir que esse incumprimento tem de resultar da ocorrência do acidente no interior da China para que a garantia possa ser accionada.
Aliás, o próprio Réu também não defendeu, na contestação, que a sua vontade real constante da declaração de garantia em causa era no sentido de que a mesma só se operava quando o incumprimento do contrato de locação-venda resultasse da ocorrência de acidente no interior da China.
Verifica-se, assim, erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, pelo que é de revogar a sentença recorrida.
Revogada a sentença recorrida, passamos agora a apreciar se a presente acção é ou não procedente.
Na contestação, o Réu suscitou o erro vício da sua declaração negocial para a aludida declaração de garantia, já que assinou tal declaração na convicção de que estaria a vincular somente o seu estabelecimento comercial de nome Centro Fornecedor de Fotocópias XXX, razão pela qual requereu a anulação da mesma.
Dispõe o artº 240º do CCM que:
1. A declaração negocial é anulável por erro essencial do declarante, desde que o erro fosse cognoscível pelo declaratário ou tenha sido causado por informações prestadas por este.
2. O erro é essencial quando:
a) Tenha recaído sobre os motivos determinantes da vontade do errante, de tal modo que este, caso tivesse tido conhecimento da verdade, não teria celebrado o negócio ou, a celebrá-lo, só o teria feito em termos substancialmente distintos; e
b) Uma pessoa razoável colocada na posição do errante, caso tivesse tido conhecimento da verdade, não teria celebrado o negócio ou, a celebrá-lo, só o teria feito em termos substancialmente distintos.
3. O erro considera-se cognoscível quando, face ao conteúdo e circunstâncias do negócio e à situação das partes, uma pessoa de normal diligência colocada na posição do declaratário se podia ter apercebido dele.
4. Contudo, o negócio não pode ser invalidado se o risco da verificação do erro foi aceite pelo declarante ou, em face das circunstâncias, o deveria ter sido, ou ainda quando o erro tenha sido devido a culpa grosseira do declarante.
Como se vê, para que haja lugar a anulação duma declaração negocial ou negócio jurídico por erro-vício, é necessário a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
- ser o erro do declarante essencial; e
- ser o erro cognoscível pelo declaratário ou ter sido causado por informações prestadas por este.
A propósito de saber se o erro alegado é ou não essencial, foram seleccionados os seguintes factos para a Base Instrutória:
“8. O Réu nunca quis assumir pessoalmente a qualidade de fiador no acordo referido em B)?”
“9. Não assinando a carta referida em C) se soubesse que se estaria a vincular pessoalmente?”
Após a audiência de julgamento da matéria de facto, o Tribunal a quo acabou por considerar como não provados os quesitos em causa.
Nesta conformidade, como não logrou o Réu provar os factos demonstrativos da essencialmente do erro, outra solução não resta senão julgar improcedente a requerida anulação.
De acordo com a declaração de garantia em referência, o Réu, através do seu estabelecimento comercial de nome Centro Fornecedor de Fotocópias XXX, prestou, por escrito, uma garantia à Autora nos termos acima consignados.
Neste contexto, coloca-se a questão de saber quem é responsável pela mesma.
Na óptica do Réu, é o seu estabelecimento comercial e não ele próprio.
Mas não lhe assiste razão.
Como é sabido, o estabelecimento comercial é o conjunto de factores produtivos organizados pelo empresário com vista à exploração de certo ramo de actividade comercial ou industrial e que em si não dispõe qualquer personalidade jurídica.
Ora, não tendo a personalidade jurídica, nunca pode ser sujeito da relação jurídica e consequentemente não pode ser titular de direito e obrigações, salvo as excepções legais.
Pois, “enquanto estabelecimento comercial, situa-se o conceito ao nível do objecto da relação jurídica e já não da titularidade desta, não se podendo reconduzir sequer à figura de um qualquer património autónomo, pois que é evidente a sua falta de autonomia em relação ao dono ou possuidor do estabelecimento, sendo este, portanto o titular de todas as relações jurídicas com ele conexionadas” (Ac. do TSI, de 25/03/2004, Proc. nº 134/2003).
No mesmo sentido, veja-se ainda o Ac. do TSI, de 13/09/2007, proferido no Proc. nº 381/2007.
Pelo exposto, se conclui que as obrigações resultantes da garantia prestada recaem sobre o próprio Réu, não obstante a mesma ter sido prestada em nome do seu estabelecimento comercial.
Assim, o Réu assumiu, em caso de incumprimento por parte de C, a responsabilidade pelo pagamento das prestações remanescentes em dívida, bem como todas as despesas inerentes.
Por sentença proferida nos autos nº CV3-00-0020-CAO, de 04/11/2003, transitada em julgado em 24/11/2003, foi o aludido C condenado, em consequência do incumprimento do contrato de locação-venda em referência, a pagar à Autora as seguintes quantias:
“A) a quantia de MOP$270.00 (duzentos e setenta patacas) relativas às despesas pagas pela A. com o reboque do veículo;
   B) a quantia de MOP$850.00 (oitocentas e cinquenta patacas), respeitante ao Imposto de Circulação do Veículo do ano de 1997;
   C) os juros de mora à taxa legal acrescida de 2%, desde a citação até efectivo pagamento, sobre todas as quantias acima condenadas;
   D) a diferença do preço por que o veículo vier a ser vendido e a soma total que teria pago se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido, importância essa a apurar em sede de execução de sentença, acrescida de juros legais”.
Nos presentes autos, ficou provado que em 11/12/2004, a Autora procedeu à venda da viatura de marca SUBARU, modelo Domingo E12 4WD GV MT SUN SUN ROOF MT, com a matrícula MF-75-XX, como sucata, devido ao estado de danificação em que se encontrava (resposta ao quesito 4º), tendo obtido o montante de MOP$5,000.00 (cinco mil patacas) (resposta ao quesito 5º).
Assim, a diferença do preço mencionada na referida sentença condenatória cifra-se no montante de MOP$134.059,94.
Em relação aos juros de mora, cumpre dizer o seguinte:
Para as quantias de MOP$270,00 e de MOP$850,00, contam-se a partir da citação do Réu feita no Proc. nº CV3-00-0020-CAO, tudo conforme a condenação constante da sentença em referência.
No que diz respeito à quantia de MOP$134.059,94, a mesma era ilíquida à data da sentença condenatória.
Nos termos do nº 4 do artº 794º do CCM, “Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor”.
Assim, não obstante a Autora ter vendido o veículo em 11/12/2004, o certo é que a liquidação da mesma, isto é, a confirmação do valor obtido pela venda, só se realizou com o presente aresto, pelo que os respectivos juros de mora só se contam a partir da data do presente acórdão, à taxa legal acrescida de 2%.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
1. conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida;
2. julgar a acção parcialmente procedente, condenando o Réu a pagar à Autora as quantias de MOP$270,00 e de MOP$850,00, com juros de mora a contar a partir da citação do Réu C feita no Proc. nº CV3-00-0020-CAO, bem como a quantia de MOP$134.059,94, com juros de mora a contar a partir da data do presente aresto, ambos à taxa legal acrescida de 2% até efectivo pagamento; e
3. absolver o Réu dos demais pedidos da Autora.
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Custas pelas partes na proporção dos respectivos decaímentos.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 05 de Dezembro de 2013.

Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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