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Processo n.º 557/2013 Data do acórdão: 2013-12-05 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– pena suspensa
– condenação em novo crime
– art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal
– critério para decisão sobre a revogação da suspensão
S U M Á R I O

A condenação em novo crime durante o período inicial da pena suspensa não revela, por si só, que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, devendo o tribunal apreciar os ingredientes do caso concreto, para indagar se se verifica o critério material vertido na parte final da alínea b) do n.º 1 do art.º 54.º do Código Penal para a questão de revogação da suspensão.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 557/2013
(Recurso em processo penal)
Recorrente: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o despacho judicial proferido em 9 de Julho de 2013 a fl. 901v dos autos de Processo Comum Colectivo n.o CR4-08-0089-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, nos citados termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), a suspensão da execução da sua pena única de um ano e nove meses de prisão, veio a arguida condenada A, já melhor identificada nesses autos, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação do despacho revogatório da pena suspensa, com almejada prorrogação do prazo inicial de pena suspensa no sentido de o período total da pena suspensa poder passar a ser de três ou quatro anos, com imposição de proibição de entrar nos casinos de Macau por dez anos, e com regime de prova pelo Departamento de Reinserção Social, alegando, para o efeito, e na sua essência, que o dito despacho judicial enfermou do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e violou sobretudo o disposto nos art.os 64.o e 48.o e seguintes do CP, ao ter desprezado que ela, sendo uma senhora com mais de 51 anos de idade, com a 2.a classe do curso primário como habilitações académicas, e sem emprego permanente e estável ao longo dos tempos, mas com encargos familiares, praticou, por decisão naturalmente estúpida sua, os actos de furto porque apenas precisou de dinheiro para pagar a elevada dívida contraída por causa de suas despesas de intervenção cirúrgica (cfr. o teor da motivação, apresentada a fls. 987 a 999 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido no sentido de improcedência da argumentação da recorrente (cfr. o teor da resposta de fls. 1010 a 1012v).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 1034 a 1034v, pugnando também pela manutenção da decisão recorrida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do objecto do recurso, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por acórdão de 17 de Setembro de 2010 do Processo Comum Colectivo n.o CR4-08-0089-PCC do 4.º Juízo Criminal do TJB, subjacente à presente lide recursória, a arguida ora recorrente foi condenada como delinquente primária com confissão espontânea e sem reserva dos factos acusados, pela co-autoria material, na forma consumada, de dois crimes de furto qualificado (furto de objecto de valor elevado, sendo objecto furtado um mesmo tipo de medicamentos chineses de precioso valor), p. e p. pelo art.o 198.o, n.o 1, alínea a), do CP, na pena de um ano de prisão por cada um dos crimes, e, em cúmulo jurídico, na pena única de um ano e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com regime de prova, para além de ficar condenada a pagar, solidariadamente com respectivas co-arguidas, HKD$33.600,00 e HKD$37.200,00 de quantias indemnizatórias às respectivas duas lojas ofendidas (cfr. nomeadamente o teor desse acórdão a fls. 422 a 428v dos presentes autos correspondentes);
– No primeiro relatório social sobre o regime de prova, elaborado pela respectiva Senhora Técnica do Departamento de Reinserção Social em 1 de Abril de 2011, o comportamento até então exibido pela arguida foi classificado com a “cor verde” (cfr. o teor de fls. 733 a 736);
– No segundo relatório elaborado pela mesma Senhora Técnica em 4 de Outubro de 2011 (com indicação do dia 4 de Abril de 2012 como sendo a data do próximo relatório), o comportamento até então exibido pela arguida foi classificado com a “cor verde” (cfr. o teor de fls. 794 a 796). E desse mesmo relatório, consta que a arguida entrou no Hospital Kiang Wu em 10 de Maio de 2011 para se submeter à operação cirúrgica do tumor e regressou à casa em 3 de Junho de 2011;
– No relatório elaborado em 28 de Dezembro de 2011, a mesma Senhora Técnica informou que da boca do marido da arguida, acabou por saber que esta se encontrava a cumprir pena de prisão em Hong Kong por crime de furto (cfr. o teor de fls. 814 a 816), tendo sido junta a esse relatório a fotocópia (ora constante de fl. 817) de uma notícia publicada em 17 de Dezembro de 2011 num jornal de Hong Kong sobre um caso de recurso julgado pelo Tribunal Superior de Hong Kong, a relatar que a arguida, em 24 de Agosto desse ano, foi capturada por ter furtado numa loja de venda de cosméticos, perfumes no valor venal total de cerca de HKD$4.000,00;
– Conforme a informação prestada pela Polícia de Hong Kong, a arguida foi capturada em Hong Kong em 24 de Agosto de 2011, por prática aí do furto, e acabou por cumprir aí, por causa desse crime, a pena de vinte meses e vinte dias de prisão, no período de 29 de Agosto de 2011 a 21 de Outubro de 2012 (cfr. o teor de fls. 836 e 840);
– Do último relatório social elaborado pela mesma Senhora Técnica em 27 de Fevereiro de 2013, consta que a arguida lhe declarou que já tinha inteorizado o erro cometido no passado e sentia remorso da conduta violadora da lei, e que já obteve a compreensão e perdão dos seus familiares, e que por isso iria voltar a levar uma vida honesta (cfr. o teor de fls. 868 a 869);
– Em face da acima referida condenação penal em Hong Kong, a M.ma Juíza titular do subjacente processo ouviu a arguida em 9 de Julho de 2013, a qual lhe declarou que depois de cumprir a prisão em Hong Kong, já sentia remorso e estava a trabalhar num restaurante a tempo parcial (cfr. o teor do auto de fls. 901 a 902v);
– nesse mesmo dia, e depois de finda a audição da arguida, a M.ma Juíza acabou por decidir em revogar, nos citados termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, a suspensão da execução da pena única de prisão anteriormente imposta à arguida (cfr. o teor do despacho de 901v).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Na sua motivação, a recorrente começa por comentar que a decisão judicial ora recorrida foi tomada com desprezo de um conjunto de circunstâncias que deveriam ter sido funcionado em seu favor.
Como se sabe, nos termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Cumpre apreciar os ingredientes do caso concreto, para indagar se se verifica o critério material vertido na parte final do preceito legal acabado de ser referido.
In casu, atenta a data em que a ora recorrente foi capturada em Hong Kong por prática de furto, que é posterior à data da sua sujeição à operação cirúrgica num hospital privado de Macau, ao que acresce o facto de o comportamento dela anterior a esse incidente em Hong Kong ter sido classificado pelo Departamento de Reinserção Social com a “cor verde”, é de considerar sustentável a tese da recorrente de que cometeu tal crime por precisar do dinheiro para pagar a dívida contraída por causa das despesas da intervenção cirúrgica.
Por outro lado, tendo em conta que ela já cumpriu pena de prisão efectiva em Hong Kong, isto também sustenta a sinceridade da sua declaração então prestada à Senhora Técnica autora do último relatório social então apresentado ao Tribunal a quo, no sentido de que ela já tinha interiorizado o erro no passado e sentia remorso da conduta violadora da lei.
Tudo isto ponderado, e atendendo também à circunstância de a arguida ter agora emprego, ainda que a tempo parcial, num restaurante, crê o presente Tribunal de recurso que a condenação dela em Hong Kong por prática de um crime no pleno período inicial da suspensão da execução da pena de prisão em Macau não revela, por si só, que as finalidades que estavam na base dessa suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Daí que é de conceder mais uma oportunidade à recorrente, através da pretendida prorrogação, por um ano, do prazo inicial da pena suspensa (devendo o prazo de prorrogação ser contado somente a partir da data do presente acórdão de recurso), com imposição, a ela, do dever de cumprir rigorosa e pontualmente o regime de prova a ser traçado e vigiado, de três em três meses, pelo Departamento de Reinserção Social, e da regra de conduta de não entrar em todos os casinos ou salas de jogos de Macau durante o período de prorrogação da pena suspensa.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar provido o recurso, prorrogando, por um ano, o prazo inicial da suspensão da execução da pena única de prisão da recorrente, com sujeição desta ao regime de prova e à regra de conduta de não entrar em todos os casinos ou salas de jogos de Macau nos termos acima concretizados, sendo o prazo dessa prorrogação contado somente a partir de hoje.
Sem custas.
Comunique, desde já, ao Departamento de Reinserção Social e à Direcção da Inspecção e Coordenação de Jogos.
Macau, 5 de Dezembro de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta) (Vencida por não acompanhar o acórdão ao julgar provido o recurso. Entendo que deveria manter a decisão de revogação de suspensão.)



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