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Processo nº 550/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em audiência colectiva no T.J.B., responderam B (B), C (C), D (D) e F (F), (1° a 4°) arguidos com os sinais dos autos.

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Realizado o julgamento, proferiu o Colectivo do T.J.B. Acórdão onde, julgando parcialmente procedente a acusação pelo Ministério Público deduzida, decidiu:
– condenar o (1°) arguido B como autor da prática em concurso real de:
- 1 crime de “homicídio qualificado”, p. e p. pelo art. 129°, n.° 2, al. g) do C.P.M., na pena de 21 anos e 6 meses de prisão;
- 1 crime de “dano”, na forma tentada, p. e p. pelo art. 206°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão;
- 2 crimes de “detenção de arma proibida”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M., em conjugação com o art. 1°, n.° 1, al. f) e o art. 6°, n.° 1, al. b) do D.L. n.° 77/99/M, na pena de 3 anos e 3 meses e 3 anos de prisão, respectivamente;
- 2 crimes de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, nas penas de prisão de 4 anos e 6 meses e de 3 anos e 3 meses, respectivamente; e,
- 2 crimes de “acolhimento”, p. e p. pelo art. 15°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, nas penas de prisão de 9 meses e de 5 meses, respectivamente;
- em cúmulo jurídico das penas aplicadas aos oito crimes cometidos, foi o (1°) arguido B condenado na pena única de 27 anos de prisão.

– condenar o (2°) arguido C como autor da prática em concurso real de:
- 1 crime de “homicídio qualificado”, p. e p. pelo art. 129°, n.° 2, al. g) do C.P.M., na pena de 21 anos e 6 meses de prisão;
- 1 crime de “dano”, na forma tentada, p. e p. pelo art. 206°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão;
- 1 crime de “detenção de arma proibida”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M., em conjugação com o art. 1°, n.° 1, al. f) e o art. 6°, n.° 1, al. b) do D.L. n.° 77/99/M, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão;
- 2 crimes de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, nas penas de prisão de 4 anos e 6 meses e de 3 anos e 3 meses, respectivamente; e,
- 2 crimes de “acolhimento”, p. e p. pelo art. 15°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, nas penas de prisão de 9 meses e de 5 meses, respectivamente;
- em cúmulo jurídico das penas aplicadas aos sete crimes cometidos, foi o (2°) arguido C condenado na pena única de 26 anos e 6 meses de prisão;

– condenar o (3°) arguido D como autor da prática em concurso real de:
- 2 crimes de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, nas penas de prisão de 9 meses e de 3 anos e 3 meses, respectivamente;
- em cúmulo jurídico das penas aplicadas aos dois crimes cometidos, foi o (3°) arguido D condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão;

– condenar o (4°) arguido F como autor da prática em concurso real de:
- 1 crime de “homicídio qualificado”, p. e p. pelo art. 129°, n.° 2, al. g) do C.P.M., na pena de 19 anos e 6 meses de prisão;
- 1 crime de “dano”, na forma tentada, p. e p. pelo art. 206°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão; e,
- 1 crime de “detenção de arma proibida”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M., em conjugação com o art. 1°, n.° 1, al. f) e o art. 6°, n.° 1, al. b) do D.L. n.° 77/99/M, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão;
- em cúmulo jurídico das penas aplicadas aos três crimes cometidos, foi o (4°) arguido F condenado na pena única de 21 anos e 9 meses de prisão; (cfr., fls. 2716 a 2743-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformados com o assim decidido, o Ministério Público e os (1° a 4°) arguidos recorreram; (cfr., fls. 2926 e segs.).

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Admitidos os recursos e remetidos os autos a este T.S.I., com eles subiu um “recurso interlocutório”, antes interposto pelo (2°) arguido C; (cfr., fls. 2679 e segs.).

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Em sede de vista emitiu a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer, considerando que os recursos dos arguidos deviam ser julgados improcedentes, julgando-se procedente o do Ministério Público; (cfr., fls. 3067 a 3073).

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Deu o T.J.B. como provada a matéria de facto seguinte:
“1.
Em Janeiro de 2010, o arguido B trabalhava na agência imobiliária “X Real Estate”, que foi aberta pela ofendida J, e depois passou a trabalhar na Sala de VIP G (G貴賓廰) do casino do Hotel H.
2.
Em Agosto de 2010, o arguido B e os ofendidos I e J decidiram abrir, em conjunto, um estabelecimento de comidas que se denominava “K美食” e se situava nas lojas AF, AG, AH do Edf. ......, na Rua da ......, tendo o ofendido I e o seu irmão mais velho L investido cento e cinquenta mil dólares de Hong Kong, a ofendida J e o seu marido M cento e cinquenta mil dólares de Hong Kong e o arguido B e o seu sogro N um milhão de dólares de Hong Kong. Foi combinado entre eles que o arguido B se responsabilizaria pelas exploração e gestão do estabelecimento, bem como pela conta deste. (fls. 2054 e 2055 do Vol. 10 e fls. 2258 a 2260 do Vol. 11 dos autos)
3.
Para pagar as despesas da exploração daquele estabelecimento, N e J acordaram entre eles que o primeiro venderia à última a residência dele sita na Rua dos ...... nº …, Edf. ……, …º andar - …, e depois a última hipotecaria, em nome dela, a fracção autónoma a favor dum banco para contrair um empréstimo bancário de oitocentos mil dólares de Hong Kong (MOP800.000). E o arguido B ia responsabilizar pelo pagamento das amortizações, mantendo N e o arguido B o direito de utilização da fracção (vd. dados referentes ao registo predial em fls. 2051 do Vol. 10 e fls. 2241-2247 do Vol. 11 dos autos).
4.
Em 7 de Outubro e 22 de Novembro de 2011, por motivo não apurado o arguido C e O (O) pediram duas vezes, mediante o arguido B, dinheiro a J que perfizeram, no total, uma quantia de novecentos mil dólares de Hong Kong (HKD900.000), acrescida de juros mensais no valor de trinta e seis mil dólares de Hong Kong. Ambas as partes combinaram que o empréstimo seria liquidado em seis meses, caso contrário, O teria que vender a sua fracção autónoma, que se situava na Rua do ...... nº …, Edf. ……, …º andar – …, a J (vd. fls. 1680-1687 do Vol. 9 e fls. 2050 e 2053 do Vol. 10 dos autos).
5.
  Em Novembro de 2011 e no período experimental do estabelecimento de comidas, o arguido B alegou sempre aos sócios do restaurante que este estava a perder dinheiro, o que causou o extremo descontentamento no ofendido I. Portanto, o ofendido discutiu muitas vezes com o arguido B sobre a exploração do estabelecimento de comidas e exigiu muitas vezes ao arguido B a verificação da conta do estabelecimento, além disso, ralhava sempre com o arguido B em palavrões.
6.
Na mesma altura, o arguido C revelou ao arguido B que não era capaz de pagar os juros do empréstimo pedido a J e queria arranjar “dinheiro rápido”. Tendo ouvido isso, o arguido B disse ao arguido C que o ofendido I usava sempre objectos valioso, tais como pulseiras e aneis, acrescentou que podia roubar os objectos valiosos que o ofendido estivesse a usar.
7.
Após negociações, os arguidos B e C decidiram arranjar pessoas para matar o ofendido I e, ao mesmo tempo, roubar os bens que o ofendido levaria com ele.
8.
Na última dezena de Dezembro de 2011, a fim de realizar o plano criminoso acima mencionado, o arguido C deslocou-se ao Interior da China e ali contou o plano ao seu amigo O, pedindo-lhe para recomendar pessoas que teriam vontade de praticar o acto criminoso. Sob recomendação de O, o arguido C conheceu os arguidos F e P (P).
9.
Então o arguido C disse ao arguido F e P que caso eles aceitassem ir a Macau para matar pessoa e roubar, cada um deles iria receber uma importância de quarenta mil renminbi como remuneração. E o arguido F e P concordaram.
10.
O arguido C contou ao arguido B a situação e este contactou, a seguir, o arguido D, pedindo-lhe para organizar a entrada clandestina do arguido F e P em Macau para praticar o acto criminoso.
11.
Depois de prometer o pedido do arguido B, o arguido D contactou o “cabeça de cobra” que se chamava “Sam Mou”. Posteriormente, o arguido D informou o arguido B de que era necessário pagar despesas de entrada clandestina no valor de dez mil renminbi por pessoa.
12.
Depois, no dia 30 de Dezembro de 2011, o arguido B pediu a J uma quantia de cem mil dólares de Hong Kong sob condição de pagar um juro mensal de 3 mil dólares de Hong Kong (vd. fls. 2052 do Vol. 10 dos autos).
13.
Por outro lado, o arguido C combinou com O, o arguido F, P e Q (Q) para se encontrarem no “Karaoke R R卡拉OK” de Tanzhou, no qual contou-lhes o plano de homicídio e de roubo, incluindo a organização de entrada ilegal, formas de praticar o acto ilícito e de fuga, etc.
14.
Nos dias 5 e 6 de Janeiro de 2012, o arguido C deslocou-se a Zhuhai sob instruções do arguido B. Depois da apresentação pelo arguido D, o arguido C entregou um montante de 20 mil renminbi a “Sam Mou” como despesas para a entrada clandestina em Macau.
15.
Em 7 de Janeiro de 2012, às 20:00, sob instruções do arguido C e O, Q foi buscar o arguido F e P de carro, a fim de os levar para se juntarem ao arguido C.
16.
Na altura, o arguido C contou detalhadamente a F e P a entrada clandestina em Macau e entregou-lhes dois telemóveis com cartão telefónico.
17.
Depois, Q conduziu os arguidos C e F e P às proximidades do “Centro Comercial S S百貨” em Zhuhai. Sob instruções do arguido C, o arguido F e P encontraram-se com “Sam Mou” e este ajudou o transporte ilegal dos dois por barco para Macau.
18.
Em 8 de Janeiro de 2012, pelas 5:00, o arguido F e P chegaram a Macau e, sob instruções do arguido C, apanharam táxi até às aproximadas do Hospital Kiang Wu de Macau para se encontrarem com os arguidos B e C, estes dois organizaram que F e P se escondessem na fracção autónoma situada na Rua dos ...... nº 13, Edf. ……, …º andar – ….
19.
Posteriormente, os arguidos B e C levaram o arguido F e P às proximidades da loja de carros “T車行” do ofendido I, sita na cave do Edf. ......, para observarem as circunstâncias, dizendo-lhes também o caminho para fuga após o assassinato.
20.
Depois, no referido fracção autónoma, os arguidos B e C entregaram ao arguido F e P duas facas para serem usadas no assassinato e cartões telefónicas para contactos, dizendo-lhes que deviam matar o ofendido I e roubar os bens levados pelo mesmo, no sentido de se mostrar que fosse um caso de homicídio por roubo.
21.
Em 10 de Janeiro de 2012, pelas 15:24, o arguido B conduziu um carro de matrícula de MI-XX-XX, levando com este os arguidos C e F e P para as proximidades do Edf. ....... Depois, o arguido C levou o arguido F e P a um sítio perto para os dois se emboscarem (vd. o relatório analítico da gravação do vídeo em fls. 325 a 353 e fls. 356 a 402 do Vol. 4 dos autos).
22.
Em seguida, os arguidos B e C entraram na loja de carros “T車行” do ofendido I sita no Edf. ...... e fingiram tratar das formalidades de transferência de nome do carro supracitado (vd. o relatório analítico da gravação vídeo em fls. 325 a 353 e fls. 356 a 402 do Vol. 4 dos autos).
23.
Tendo confirmado que só estava o ofendido I na loja, o arguido C telefone ao arguido F e disse-lhe que estava no momento oportuno para actuar. Ao mesmo tempo, os dois arguidos B e C regressaram e esperaram dentro do dito carro no sítio perto (vd. a gravação vídeo em fls. 325 a 383 e o relatório analítico da gravação vídeo em fls. 384 a 402 do Vol. 4 dos autos).
24.
Para tal, o arguido F e P entraram logo na aludida loja, estando o ofendido sentado no escritório naquele momento. P fingiu perguntar ao ofendido I os preços de carros no sentido de distraí-lo. E o arguido F, aproveitando este momento, foi atrás do ofendido I, tirou a faca supradita e desferiu um golpe no pescoço do ofendido I. Neste momento, o ofendido ficou ferido e levantou-se logo para fugir. Ao presenciar isso, P tirou logo a faca supracitada e desferiu vários golpes no tórax do ofendido. O arguido F e P desferiram muitas facadas no corpo do ofendido I quando este se pôs em fuga, até que o mesmo ficou prostrado no chão. Em seguida, o arguido F e P abandonaram o local para irem ter com os arguidos B e C (vd. o relatório analítico da gravação vídeo em em fls. 325 a 353, 356 a 402 e 461 a 463 do Vol. 4 e fls. 718 a 721 do Vol. 5 dos autos).
25.
Naquele momento, o arguido F e P deixaram o local rapidamente, não retirando os seguintes bens, no valor total de HKD92.900,00, que o ofendido usava (vd. o auto de inspecção da cena em fls. 147 do Vol. 2 e o auto pericial de fls. 2529 do Vol. 12 dos autos):
- 1 pulseira com diamantes de cor prata que valia HKD22.000,00,
- 1 anel de diamante de cor prata que valia HKD10.000,00,
- 1 relógio masculino da marca Rolex (Daytona) de cor dourada que valia HKD50.000,00,
- 1 anel de diamante de cor prata que valia HKD8.000,00,
- 1 telemóvel branco da marca Samsung que valia HKD1.400,00, e
- 1 telemóvel IPhone-4 branco que valia HKD1.500,00.
26.
No homicídio do ofendido I, o arguido F e P desferiram no total 21 golpes no pescoço, no tórax e na zona de ombros e costas do ofendido, tendo quatro golpes penetrado o pescoço e a parede torácica da vítima (vd. o relatório de autópsia em fls. 636 a 638 do Vol. 5 dos autos).
27.
O arguido F e P praticaram o referido acto ao ofendido I, causando-lhe directa e necessariamente lesões, conduzindo, em consequência, à morte do mesmo por perda de sangue provocada pelas lesões graves sofridas nas veias do pescoço, coração e pulmões (vd. o relatório de autópsia em fls. 636 a 638 do Vol. 5 dos autos).
28.
O ofendido I morreu em 10 de Janeiro de 2012, às 16:25 (vd. o certificado de óbito em fls. 323 a 324 do Vol. 4 dos autos).
29.
No homicídio do ofendido I, o arguido F aleijou a parte entre o polegar e o dedo de indicação da sua mão direita porquanto a faca que pegou partiu-se. Por isso, encontrou-se os vestígios do sangue dele na loja de carros (vd. o relatório pericial em fls. 755 a 776 do Vol. 5 e fls. 1703 a 1711 do Vol. 9 dos autos).
30.
Após o homicídio do ofendido I, os arguidos B e C foram buscar o arguido F e P de carro e levaram-nos ao apartamento na Rua dos ...... nº …, Edf. ……, …º andar – …, a fim de ali se esconderem, portanto, deixando-se assim o sangue do ofendido I no referido carro que ficou nas roupas do arguido F e P (vd. o auto de inquérito em fls. 747 a 750, o relatório pericial de fls. 767, 842 a 848 do Vol. 5 dos autos).
31.
No mesmo dia, ou seja, a 10 de Janeiro de 2012, às 16:50, os dois arguidos B e C deslocaram-se conforme planeado ao Edifício "U" na Rua do ...... para tratarem das formalidades de transferência de nome do carro, com vista a justificar a sua não presença no local do crime (vd. o auto de visionamento do vídeo em fls. 599 a 603 do Vol. 5 dos autos).
32.
Na madrugada de 11 de Janeiro de 2012, o arguido C chamou um táxi para transportar o arguido F e P até à beira mar, para estes voltarem clandestinamente de barco para o Interior da China.
33.
Desde então, os três arguidos B, C e D, mais O e Q negociavam e planeavam por telefone uma série de actividades criminosas, tais como tráfico de estupefacientes, auxílio à imigração clandestina e compra de armas, mascaras, “adesivo” e “clorofórmio”, roubo de carros, rapto e roubo (vd. o relatório de escuta telefónica e o anexo sobre as informações referentes à escuta telefónica de fls. 643 a 645 e 686 a 690 do Vol. 5, fls. 919 a 924 e 973 a 978 do Vol. 6 e fls. 2058 a 2077 do Vol. 10 e os dados fornecidos pela Polícia de Segurança Pública da Província de Guangdong de fls. 1434 a 1438 do Vol. 8 dos autos).
34.
A partir de Fevereiro de 2012, os dois arguidos B e C e O perderam a capacidade de pagar os juros decorrentes dos montantes pedidos a J, tendo esta exigido muitas vezes ao arguido B e aos C e O, através do arguido B, o pagamento das dívidas (vd. o relatório de escuta telefónica e o anexo sobre as informações referentes à escuta telefónica de fls. 973 a 976 do Vol. 6 e as informações sobre a escuta telefónica de fls. 615 do anexo 7a dos autos).
35.
Uma vez que C e O não eram capazes de pagar os juros dos empréstimos pedido a J e que O não queria vender a fracção autónoma no Edf. ……, C e O discutiram, via telefone, sobre os montantes devidos a J e a respectiva responsabilidade (vd. o relatório de escuta telefónica e o anexo sobre as informações referentes à escuta telefónica de fls. 923 e 976 do Vol. 6 dos autos, nomeadamente os dados respeitantes aos dias 29 de Fevereiro a 9 de Março de 2012).
36.
Por outro lado, a fim de pagar as dívidas e os juros a J, os dois arguidos B e C planearam roubar o responsável de uma sala de VIP do casino no Hotel H, mas o plano não foi realizado (vd. o relatório de escuta telefónica e o anexo sobre as informações referentes à escuta telefónica de fls. 973 a 978 do Vol. 6 dos autos).
37.
A fim de evitar o pagamento das obrigações e responsabilidade pelas mesmas, os dois arguidos B e C decidiram arranjar o arguido F para entrar em Macau clandestinamente com objectivo de queimar os documentos de J sobre os montantes pedidos.
38.
Assim, o arguido C deslocou-se ao Interior da China para se encontrar com o arguido F e pedir-lhe que viesse para Macau para queimar documentos. Ele prometeu ao arguido F uma remuneração depois de ter realizado o acto. Posteriormente, o arguido F prometeu vir para Macau para praticar o acto criminoso (vd. o relatório de escuta telefónica e o anexo sobre as informações referentes à escuta telefónica de fls. 976 do Vol. 6 dos autos).
39.
Então, os dois arguidos B e C contactaram muitas vezes o arguido D para este organizar a entrada clandestina em Macau do arguido F. Ao mesmo tempo, o arguido C mandou o arguido F ficar no domicílio de O em Tanzhou à espera de instruções (vd. o relatório de escuta telefónica e o anexo sobre as informações referentes à escuta telefónica de fls. 974 a 978 do Vol. 6 dos autos).
40.
Para tal, o arguido D deu ao arguido C o número telefónico de contacto de “Sam Mou”. Depois, o arguido C e O obtiveram de Q um montante de dez mil renminbi e entregaram-no a “Sam Mou” como despesas para o transporte clandestino do arguido F (vd. o relatório de escuta telefónica e o anexo sobre as informações referentes à escuta telefónica de fls. 974 a 978 do Vol. 6 dos autos).
41.
Mas, dado que “Sam Mou” não conseguiu arranjar o transporte clandestino, o arguido D arranjou, a pedido dos arguidos B e C, outro “cabeça de cobra” que se chamava “Hoi Nam Leong 海南良 (Ah Leong 阿良)” para arranjar o transporte clandestino (vd. o relatório de escuta telefónica e as informações referentes à escuta telefónica de fls. 1296 a 1300 do Vol. 7 dos autos).
42.
Sob instruções do arguido D, “Sam Mou” entregou o referido montante de dez mil renminbi a “Hoi Nam Leong” que servia das despesas do transporte clandestino do arguido F para Macau. Depois, com a disposição do arguido D e “Hoi Nam Leong”, o arguido F entrou clandestinamente em Macau de barco (vd. o relatório de escuta telefónica e as informações referentes à escuta telefónica de fls. 1296 a 1300 do Vol. 7 dos autos).
43.
A 1 de Abril de 2012, pelas 20:00, o arguido F consegiu entrar clandestinamente, com sucesso, em Macau e deslocou-se à zona ao pé do Restaurante V no bairro de T´oi Sán para se juntar ao arguido C sob instruções deste. A seguir, dirigira-se os dois ao Restaurante “W” do T´oi Sán (vd. o relatório de escuta telefónica e o anexo sobre as informações referentes à escuta telefónica de fls. 1296 e 1300 do Vol. 7 dos autos, nomeadamente o anexo 47: informações da escuta telefónica do dia 1 de Abril, nº 904XXXXXX, e os dados relativos a rastreios de fls. 292 a 298 do anexo 10).
44.
No citado restaurante, os arguidos C e F discutiram o plano sobre a queimadura dos documentos na Agência Imobiliária “X Real Estate” relativos aos empréstimos entre o arguido B, O e J (vd. os dados relativos a rastreios de fls. 292 a 298 do anexo 10 e o auto de visionamento de vídeos de fls. 1712 a 1720 do Vol. 9 dos autos).
45.
Em 2 de Abril de 2012, pela 0:40, o arguido C levou com ele o arguido F à frente da entrada do Bloco III ...... Kok do Edf. ...... San Chuen, sita na Rua do ...... no T´oi Sán para aguardar. Em breve, o arguido B chegou para se juntar a eles. Este mais o arguido C arranjaram que o arguido F se escondesse na casa de bombas de bombeiros do terraço do referido edifício (vd. os dados relativos a rastreios de fls. 292 a 298 do anexo 10, o auto de visionamento de vídeos de fls. 1243 a 1263 e as fotografias de fls.1309 a 1316 do Vol. 7 dos autos).
46.
No mesmo dia, ou seja, no dia 2 de Abril de 2012, de manhã, pelas 9:30, os dois arguidos B e C foram, conforme planeado, a uma loja de ferramentas sita na Rua do ...... e compraram lá duas garrafas de diluente (thinner) e, a seguir, deslocaram-se ao supermercado Z (Z) no bairro de Fai Chi Kei e compraram lá uma faca afiada de cor prata (vd. o relatório de escuta telefónica e as informações referentes à escuta telefónica de fls. 1296 a 1300 do Vol. 7, nomeadamente o anexo 6: informações da escuta telefónica do dia 1 de Abril, nº 904XXXXXX, os dados relativos a rastreios de fls. 292 a 298 do anexo 10 e o auto de visionamento de vídeos de fls. 1273 a 1294 do Vol. 7 dos autos).
47.
No mesmo dia, ou seja, 2 de Abril de 2012, pelas 11:00, os dois arguidos B e C deslocaram-se outra vez ao Bloco III do Edf. Ki...... San Chuen e entregaram lá o diluente referido, a faca afiada e um telemóvel ao arguido F. Depois disso, os arguidos B e C foram-se embora do dito edifício (vd. os dados relativos a rastreios de fls. 292 a 298 do anexo 10 e o auto de visionamento de vídeos de fls. 1243 a 1263 do Vol. 7 dos autos).
48.
No mesmo dia, ou seja, 2 de Abril de 2012, pelas 11:49, o arguido C telefonou ao arguido F para este se encontrar com ele no rés-do-chão do Edf. ...... San Chuen (vd. o auto de visionamento de vídeos de fls. 1243 a 1263, o relatório de escuta telefónica e as informações referentes à escuta telefónica de fls. 1296 a 1300 do Vol. 7, nomeadamente o anexo 47: informações da escuta telefónica do dia 2 de Abril, nº 904XXXXXX e os dados relativos a rastreios de fls. 292 a 298 do anexo 10).
49.
Depois, o arguido C levou o arguido F às proximidades da Agência Imobiliária “X Real Estate” para observar as circunstâncias, durante o qual, os dois contactaram um com o outro por telemóvel. O arguido C indicou o local para actuar e o caminho para fuga, entregando, ao mesmo tempo, um isqueiro ao arguido F (vd. os dados relativos a rastreios de fls. 292 a 298 do anexo 10, o relatório de escuta telefónica e as informações referentes à escuta telefónica de fls. 1296 a 1300 do Vol. 7, nomeadamente o anexo 47: informações da escuta telefónica do dia 2 de Abril, nº 904XXXXXX e 904XXXXXX. O anexo 48: informações da escuta telefónica do dia 2 de Abril nº 904XXXXXX, 904XXXXXX e 904XXXXXX).
50.
O arguido C passou pela Agência Imobiliária “X Real Estate” e telefonou ao arguido F para actuar depois de ter confirmado que estava J sozinha na loja (vd. os dados relativos a rastreios de fls. 292 a 298 do anexo 10, o relatório de escuta telefónica e as informações referentes à escuta telefónica de fls. 1296 a 1300 do Vol. 7, nomeadamente o anexo 47: informações da escuta telefónica do dia 2 de Abril, nº 904XXXXXX, 904XXXXXX e 904XXXXXX. O anexo 48: informações da escuta telefónica do dia 2 de Abril nº 904XXXXXX).
51.
No mesmo dia, em 2 de Abril de 2012, pelas 12:50, quando F andou na passagem superior para peões no cruzamento da Avenida de ...... e da Praça das ...... em direcção para a Agência Imobiliária “X Real Estate”, foi detido pelos agentes da Polícia Judiciária (PJ) que estava dispostos ali perto.
52.
Os agentes da PJ encontraram na posse do arguido F os seguintes objectos (vd. o auto de apreensão de fls. 1119 do Vol. 7 e o relatório de fls. 1785 a 1786 do Vol. 9 dos autos):
- 1 faca afiada de cor prata na sua cintura,
- 1 garrafa com líquido transparente na sua mochila,
- 1 isqueiro vermelho e uma quantia de RMB600,00 no bolso esquerdo das suas calças,
- uma quantia de MOP308,00 no bolso direito das suas calças,
- 1 telemóvel preto com um cartão inteligente (números de telefone 63890533 e 18063890533) na sua mão.
53.
Procedido o exame, verificou-se que o comprimento total da faca é de 33cm, a lâmina de 20,5cm e o punho de 12,5cm, sendo a lâmina muito afiada (vd. o auto de exame directo de fls. 1124 do Vol. 7).
54.
Procedido o exame, revelou-se que o líquido transparente na referida garrafa é diluente (thinner) (vd. o relatório pericial de fls. 1692 a 1696 do Vol. 9 dos autos).
55.
Posteriormente, os agentes da PJ detiveram o arguido C no Centro de Diversões AA Lok Un (AA樂園遊戲機中心), sita na Estrada de .......
56.
No mesmo dia, ou seja, 2 de Abril de 2012, ao meio dia, segundo a informação obtida, a PJ deslocou-se à residência do arguido B sita no Edf. ...... na Rua de ...... nº …, para proceder a investigação. Na altura, o arguido B, que estava dentro do apartamento A do 5º andar do edifício, recusou-se de abrir o portão de ferro instalado entre os 4º e 5º andares e saiu do dito apartamento munido de uma faca de mato para se confrontar com a polícia. Depois, os agentes da PJ arrombaram o portão de ferro para entrarem no apartamento e detiveram o arguido B.
57.
Os agentes da PJ encontraram logo no apartamento os seguintes objectos (vd. o auto de apreensão de fls. 1137 e o relatório de fls. 1785 do Vol. 9 dos autos):
- uma faca de moto e a sua bainha em cima da mesa na sala de estar do apartamento,
- um telemóvel de cor vermelha e preta com cartão inteligente (número de telefone 62XXXXXX) em cima da mesa na sala de estar,
- uma quantia de três mil e quinhentas dólares de Hong Kong e um computador com hard disk em cima da mesa de jantar no andar acima do apartamento.
58.
Procedido o exame, revelou-se que o comprimento total da faca de mato é de 49cm, a lâmina de 35cm e o punho de 14cm, sendo a lâmina muito afiada (vd. o auto de exame directo de fls. 1139 do Vol. 7 dos autos).
59.
No mesmo dia, ou seja, no dia 2 de Abril de 2012, na esquadra da PJ, o agente da PJ encontrou na posse do arguido C um telemóvel preto com dois cartões inteligentes (números de telefone 66XXXXXX e 62XXXXXX) e um cartão inteligente (número de telefone 66XXXXXX, vd. o auto de apreensão de fls. 1158 e o relatório de fls. 1785 a 1786 do Vol. 9 dos autos).
60.
Os telemóveis e os cartões inteligentes encontrados aos dois arguidos C e F e na dita residência do arguido B eram instrumentos utilizados para comunicarem entre si na prática do crime.
61.
A faca afiada encontrada na cintura do arguido F foi a faca que lhe foi dada pelos dois arguidos B e C. Tal faca pode ser usada como arma de agressão.
62.
O diluente e o isqueiro encontrados na mochila do arguido F foram fornecidos a ele pelos dois arguidos B e C, no sentido de queimar, na Agência Imobiliárias “X Real Estate”, os documentos sobre os empréstimos entre o arguido B, O e J.
63.
A faca de mato encontrada na residência do arguido Y pode ser usada como arma de agressão e ele não justificou a posse da faca em questão.
64.
Os quatro arguidos B, C, D e F actuaram livre, voluntária e conscientemente.
65.
Os três arguidos B, C e F agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, pensaram profundamente e planearam com cuidado o homicídio do ofendido I, tendo persistido na intenção de matar por mais de 24 horas.
66.
Os dois arguidos B e C agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, com propósito de retirar e apoderar-se dos bens que o ofendido estivesse a usar quando este perderia a capacidade de resistir durante o homicídio, não logrando, contudo, a consumação do crime por circunstâncias alheias às suas vontades.
67.
Os três arguidos B, C e F agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, com propósito de queimar os documentos pertencentes a J que comprovam os empréstimos pedidos a J pelo arguido B e O, o que apenas não lograram conseguir por razões inteiramente alheias às suas vontades.
68.
Os três arguidos B, C e D agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, sabendo bem que o arguido F e P não possuíram autorização para entrarem e permanecerem legalmente em Macau, mas ajudaram e organizaram a entrada em Macau do arguido F e P e, posteriormente, a do arguido F por via ilegal.
69.
Os dois arguidos B e C sabiam bem que o arguido F e P eram immigrantes ilegais mas ainda acolheram e colocaram-nos na referida residência e no quarto, e posteriormente, aolheram o arguido F outra vez.
70.
O arguido F e P estavam em situação de permanência ilegal quando praticaram o acto.
71.
Os três arguidos B, C e D organizaram a entrada ilegal em Macau do arguido F e do residente do Interior da China P. Ao mesmo tempo, os dois arguidos B e C organizaram que o arguido F e P praticassem homicídio e roubo quando estes estavam em situação de permanência ilegal, indicando-lhes ainda o caminho para fuga, por qual os dois arguidos B e C incentivaram e utilizaram imigrantes ilegais para realizarem em Macau os seus fins ilícitos.
72.
Os quatro arguidos B, C, D e F sabiam bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”.

Deu também como “provado” que:
“Conforme o certificado de registo criminal, o 1º arguido B não é primário e tem os seguintes antecedentes criminais:
1. A 18 de Novembro de 2010 e no âmbito do processo CR1-09-0568-PCS do TJB, o 1º arguido B foi condenado, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 dias de multa à taxa diária de MOP80,00, perfazendo a quantia total de MOP7.200, e foi condenado na pena de inibição de condução pelo período de um ano. O arguido já pagou a multa.
2. A 1 de Junho de 2012 e no âmbito do processo CR2-11-0002-PCC do TJB, foi condenado, pela prática de um crime de estupro, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, sob condição de pagar à ofendida uma indemnização no valor de oitenta mil patacas no prazo de seis meses após o trânsito em julgado da decisão, aguardando-se, neste momento, a decisão do recurso.
Além disso, o 1º arguido B alegou ser funcionário de secção de contabilidade antes de estar preso preventivamente, auferindo mensalmente doze mil patacas, tendo o 3º ano de escolaridade e tendo a seu cargo a mulher e dois filhos.
Conforme o certificado de registo criminal, o 2º arguido C é primário.
Além disso, o 2º arguido C alegou ser agente imobiliário antes de estar preso preventivamente, auferindo mensalmente dez mil patacas. Disse ter o 9º ano de escolaridade e ter a seu cargo o pai.
Conforme o certificado de registo criminal, o 3º arguido D é primário.
Além disso, o 3º arguido D alegou ser operário de obra de decoração e renovação antes de estar preso preventivamente, auferindo mensalmente dez mil patacas. Disse ter o 6º ano de escolaridade e ter a seu cargo os pais e a mulher.
Conforme o certificado de registo criminal, o 4º arguido F é primário.
Além disso, o 4º arguido F alegou ser empregado de mesa antes de estar preso preventivamente, auferindo mensalmente oitocentos renminbi. Disse ter o 11º ano de escolaridade e ter a seu cargo os pais”.

Por sua vez, julgou “não provados” os seguintes factos:
“1. O hipotecou a fracção autónoma, sita na Rua do ...... nº …, Edf. ……, …º andar – …, a favor de J.
2. Dado que o arguido B não aguentava as injúrias do ofendido I e também se preocupava com que o mesmo ia descobrir o facto de ele ter falsificado a conta do restaurante, surgiu então na sua cabeça a ideia de matar o ofendido I. O mesmo contou a sua ideia ao arguido C.
3. Em Novembro de 2011, o arguido B revelou ao arguido C que iria matar o ofendido I.
4. Na última dezena de Dezembro de 2011, o arguido D informou o arguido B de que era necessário pagar as despesas de entrada clandestina no valor de 40 mil renminbi.
5. Em 30 de Dezembro de 2011,o arguido B pediu a J uma quantia de cem mil dólares de Hong Kong, a fim de pagar as despesas relativas às actividades criminosas nesta causa.
6. Nos dias 5 e 6 de Janeiro de 2012, o arguido C entregou um montante de 40 mil renminbi a “Sam Mou” como despesas para a entrada clandestina em Macau.
7. Em 7 de Janeiro de 2012, às 20:00, o arguido C contou ao arguido F e P a situação do ofendido I em Macau.
8. Em 7 de Janeiro de 2012, “Sam Mou” conduziu barco para transportar ilegalmente o arguido F e P para Macau.
9. No homicídio do ofendido I, devido a que o arguido F ficou ferido, ele mais P não retiraram os bens que o ofendido usava
10. Foram desferidos no total 20 golpes no pescoço, no tórax e na zona de ombros e costas do ofendido.
11. A partir de Fevereiro de 2012, C e O discutiam, via telefone, o homicídio de J e de um homem não identificado, no sentido de evitar o pagamento e responsabilidade pela referida dívida.
12. Para tal, os arguidos B e C decidiram arranjar o arguido F para entrar em Macau clandestinamente com objectivo de matar J.
13. Assim, o arguido C deslocou-se ao Interior da China para procurar o arguido F e pedir-lhe para matar pessoa em Macau. O arguido F aceitou o seu pedido.
14. A 1 de Abril de 2012, à noite, os arguidos C e F discutiram o plano do homicídio de J no Restaurante “W” do T´oi Sán.
15. A 2 de Abril de 2012, ao meio dia, quando estavam fora da porta do domicílio do arguido B sito no Edf. ...... na Rua de ...... nº …, os agentes da PJ ouviram gritos das várias mulheres vindo do interior de tal apartamento.
16. A faca afiada encontrada na cintura do arguido F foi a faca que lhe foi dada pelos arguidos B e C para matar J.
17. Os arguidos B, C e F agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, matando o ofendido I por avidez.
18. O arguido F agiu de comum acordo e em conjugação de esforços (sic), com propósito de retirar e apoderar-se dos bens que o ofendido estivesse a usar quando este perderia a capacidade de resistir durante o homicídio, não logrando a consumação do crime por circunstâncias alheias à sua vontade.
19. Os arguidos B, C e F agiram de comum acordo e em conjugação de esforços e intentos. Por avidez, pensaram profundamente e planearam com cuidado o homicídio de J, tendo persistido na intenção de matar por mais de 24 horas, o que apenas não lograram conseguir por razões inteiramente alheias às suas vontades.
20. O arguido D organizou a entrada ilegal em Macau do arguido F e do residente do Interior da China P para que os dois praticassem homicídio e roubo quando eles estavam em situação de permanência ilegal e indicou-lhes o caminho para fuga, incentivando e utilizando imigrantes ilegais para realizarem em Macau os seus fins ilícitos”.

Seguidamente, fundamentando a “convicção do Tribunal”, consignou-se no Acórdão recorrido o que segue:
“Na audiência, o arguido B negou ter discutido com o ofendido I sobre a situação de exploração do estabelecimento de comidas “K美食” ou ter participado na contratação de assassinos para Macau para matar o ofendido I ou ir matar a ofendida J, alegando, no entanto, ter sugerido que o arguido C arranjasse alguém para roubar os bens do ofendido I, tais como pulseiras e anéis, quando o referido arguido lhe revelou que não conseguia pagar o empréstimo pedido à ofendida J. Além disso, alegou ter apresentado o arguido D ao arguido C, mas isso era apenas apresentação entre amigos sem ter outra intenção. Acrescentou o mesmo arguido que ele usou a quantia de cem mil dólares de Hong Kong pedida à ofendida J em 30 de Dezembro de 2011 para explorar uma mercearia, tendo ele combinado com a ofendida J que o dinheiro devido a ela podia ser descontado das receitas do estabelecimento de comidas que foi aberto por ele no bairro de T´oi Sán, Macau. Por outro lado, o mesmo arguido disse que, em 8 de Janeiro de 2012, a pedido do arguido C, ele emprestou o apartamento no Edf. ……, …º andar – … para alojar os dois amigos do dito arguido, acrescentando ter levado do carro de matrícula MI-XX-XX os referidos dois indivíduos para comerem fora. Alegou ainda que, no dia em que foi assassinado o ofendido I, ele e o 2º arguido C deslocaram-se juntos ao Edf. U para tratarem das formalidades de transferência de nome do automóvel MI-XX-XX, referindo não conhecer o indivíduo do Interior da China Q. Ele tinha conversado ao telefone com os dois arguidos C e D sobre tráfico de estupefacientes, imigração clandestina, plano de roubo de carros, rapto, roubo e compra de armas, mascaras, “adesivo” e “clorofórmio”, entre os quais o “adesivo” e o “clorofórmio” eram os materiais usados pelo arguido na montagem de candeeiros. Ele tinha ouvido que os dois arguidos C e D deram auxílio a alguém para entrar em Macau clandestinamente através de “Sam Mou” e “Hoi Nam Leong” que arranjam “cabeças de cobra” para tal efeito, mas disse que não sabia bem da situação concreta. O mesmo arguido admitiu ter ido com o 2º arguido C à casa de bombas de água no terraço do ...... Kok a pedido de último e foi comprar diluente e uma faca com o 2º arguido C, todavia, negou ter entregado em conjunto com o arguido C os referidos objectos ao arguido F.
Na audiência, o 2º arguido C alegou que foi O que pediu dinheiro à ofendida J, não foi ele, acrescentando que não participou na contratação de assassino para Macau para matar o ofendido I e ir matar a ofendida J. No entanto, referiu que, quando revelou ao arguido B que ele não conseguia pagar o empréstimo pedido à ofendida J, o arguido Y sugeriu-lhe que arranjasse alguém para roubar as pulseiras e anéis do ofendido I. Alegou ainda que, incumbido pelo um amigo de Zhuhai O, levou, em 9 de Janeiro de 2012, o arguido F e outro homem, ou seja, P ao apartamento no Edf. ……, …º andar – … para eles morarem ali temporariamente. Mas o mesmo negou ter entregado em conjunto com o arguido B naquele apartamento duas facas afiadas ao arguido F e P, admitindo, porém, ter levado, em conjunto com o arguido B, o arguido F e P com o carro de matrícula MI-XX-XX para comerem fora no dia em que foi assassinado o ofendido I. Ademais, alegou o mesmo arguido que, no dia em que o ofendido I foi morto, quando ele e o 1º arguido B foram-se embora da loja de carros do ofendido e iam se deslocar ao Edf. U para tratar das formalidades de transferência de nome do carro de matrícula de MI-XX-XX, recebeu o telefonema de O, pedindo-lhe que aguardasse os dois amigos de O, ou seja, o arguido F e P. Portanto, ficou ao pé da loja à espera dos dois para entrarem no carro. Na altura, não notou qualquer coisa especial ou ferimentos no arguido F e P. O mesmo arguido adiantou que por estar enfadado ele tinha conversado ao telefone com o indivíduo do Interior da China, Q, dois arguidos B e D e O, falando, na conversa, de tráfico de estupefacientes, imigração clandestina, plano de roubo de carros, rapto, roubo e compra de armas, mascaras, “adesivo” e “clorofórmio”. Mas disse que ninguém deles tinha vontade de actuar. Além disso, o mesmo arguido alegou ter contado ao arguido B que O não era capaz de pagar o montante pedido à ofendida J e que tinha discutido ao telefone com O sobre o pagamento da dívida. Na altura, ele aceitou a sugestão de O de arranjar o arguido F para Macau para queimar a cópia do contrato detida por J. Paratal, o mesmo arguido obteve o número de telefone de “Sam Mou” através do arguido D, que lhe foi apresentado pelo arguido B. Depois, sob recomendação de “Sam Mou”, um homem que se chamava “Hoi Nam Leong” organizou o transporte clandestino do arguido F para Macau. Em 1 de Abril de 2012, à noite, sob instruções de O dadas por telefone, ele deslocou-se ao Restaurante V no T´oi Sán à espera do arguido F que entrou em Macau clandestinamente. A seguir, arranjou ao arguido F alojamento na casa de bomba de bombeiros no terraço do Bloco ...... Kok do Edf. Ki...... San Chuen. Depois, acompanhado do arguido B, ele comprou diluente sob instruções de O, e, a pedido do arguido F, (este entregou-lhe MOP50) comprou uma faca afiada para se defender. Em seguida, ele e o arguido B entregaram o diluente e a faca afiada ao arguido F e foram-se embora depois de ter dirigido, por telefone, o arguido F à zona adjacente à Agência Imobiliária “X Real Estate”. Durante o qual ele indicou o arguido F para levantar um isqueiro.
Na audiência, o arguido D alegou que, na altura do caso, ele prometeu os pedidos do arguido B por causa da amizade com os dois irmãos mais velhos do arguido B, tendo organizado duas vezes a entrada ilegal em Macau de dois indivíduos do Interior da China para jogar – na primeira vez organizou a entrada ilegal em Macau para dois indivíduos do Interior da China e na segunda um indivíduo do Interior da China. Nas duas actividades de transporte ilegal, ele recomendou um “cabeça de cobra” que se chamava “Sam Mou” para organizar a entrada ilegal. Contudo, nas duas vezes “Sam Mou” não conseguiu realizar a actividade de entrada ilegal, por isso, ele recomendou aos arguidos B e C outro “cabeça de cobra” que se chamava “Hoi Nam Leong”. Além disso, alegou ter conversado ao telefone com os dois arguidos B e C, tendo ouvido que os arguidos falaram dos assuntos tais como tráfico de estupefacientes, imigração clandestina, plano de roubo de carros, rapto, roubo e compra de armas, mascaras, “adesivo” e “clorofórmio”. Mas ele achava que essa conversa era só para passar tempo, portanto não ligou ao que disseram.
Na audiência, o 4º arguido F admitiu que entrou ilegalmente em Macau com P pela primeira vez era para executar o pedido do arguido C de matar o ofendido I, mas disse que na segunda vez que veio outra vez ilegalmente para Macau era para executar o pedido do arguido C de queimar os documentos indicados pelo arguido C que se encontravam guardados numa loja, não tendo nada ver com homicídio. Alegou ainda que, através da apresentação por O, ele e P tiveram um encontro com o 2º arguido C num bar em Tanzhou. Naquele momento, o 2º arguido pediu-lhe e a P que fossem a Macau para matar uma pessoa, por qual podendo cada um deles obter uma remuneração no valor de quarenta mil renminbi. O arguido C não falou nada de roubar bens de outrem, mas exigiu que a cena do crime fosse arranjada como o caso de homicídio por roubo e mesmo também não disse qual foi o motivo para fazer isso. Depois, o arguido C pagou para se organizar a entrada clandestina dele e de P em Macau e os dois arguidos C e B arranjaram-lhes alojamento no Edf. ……, …º andar – …. Posteriormente, o arguido B conduziu o arguido C mais o arguido F e P de um carro com caracteres chineses “K美食” à loja de carros do ofendido I para observarem o lugar para realizar o homicídio e o caminho para fuga, durante o qual o arguido C exigiu que devessem matar o ofendido para evitar ser identificado e responsabilizado. Depois, em 10 de Janeiro de 2012, à tarde, dois arguidos B e C levaram-no e P utilizando o referido carro até às proximidades da loja de carros do ofendido para ali se emboscarem. Após os arguidos B e C confirmaram que o ofendido I estava sozinho na loja, ele e P entraram na loja de carros e mataram-no. Logo depois do assassino, ele e P fugiram da loja de carros e foram ter com o arguido C no sítio ao pé e apanharam o referido carro conduzido pelo arguido B para a residência. No homicídio do ofendido, ele aleijou a parte entre o polegar e o dedo de indicação da sua mão direita e, depois, os dois arguidos B e C levaram-lhe gaze para embrulhar a ferida. Na noite do mesmo dia, ele e P voltaram para Zhuhai clandestinamente do barco arranjado pelo 2º arguido C. Posteriormente, o 2º arguido C pediu-lhe outra vez para entrar em Macau ilegalmente a fim de queimar documentos na loja de alguém. Uma vez que o arguido C recusou-se a pagar ao arguido F e P as remunerações pela razão de os dois não conseguirem matar o ofendido, o mesmo arguido não ligou a esse pedido do arguido C, mas aceitou finalmente o seu pedido de vir a Macau para queimar documentos de alguém por o 2º arguido ter prometido pagar-lhe remuneração. Para esse fim, quando o “cabeça de cobra” chamado “Sam Mou” não conseguiu arranjar a sua entrada ilegal em Macau, o arguido C incumbiu o arguido D de arranjar um “cabeça de cobra” chamado “Hoi Nam Leong” para organizar a sua entrada clandestina em Macau, tendo o mesmo arguido presenciado que o arguido D entregou, no Hotel BB de Zhuhai, a “Hoi Nam Leong” um montante de 10 mil dólares que foi recuperado de “Sam Mou”. Depois, no dia 1 de Abril de 2012, à noite, o arguido C encontrou-se em Macau com o arguido F, que entrou clandestinamente na Região, e levou-o ao terraço de um prédio para ali pernoitar. No dia seguinte, ou seja, no dia 2 de Abril, os dois arguidos B e C entregaram ao arguido F duas garrafas de diluente, uma faca afiada, um telemóvel e um isqueiro. Naquele dia, o arguido C indicou-lhe, por telefone, o caminho para a Agência Imobiliária “X Real Estate” a fim de queimar os documentos naquela agência, no entanto, foi apanhado pela polícia no caminho. Alegou o arguido F que, na segunda vez que entrou em Macau, o arguido C só pediu-o para queimar os documentos indicados, não lhe pedindo para matar alguém. Disse ainda que o montante de trezentas e oito patacas que a polícia encontrou na sua posse foi o resto do dinheiro para pequenos gastos que lhe foi dado pelo arguido C na primeira vez que veio para Macau para praticar o homicídio. Ademais, o mesmo arguido alegou que, na primeira vez que ele e P vieram para praticar homicídio, embora o arguido C exigisse que os dois retirassem os objectos valiosos do ofendido tais como relógio e acessórios, a fim de fazer com que fosse um caso de roubo. Porém, ele e P não retiraram os bens do ofendido quando o mataram, porquanto entenderam que o destino principal de tal acto era matar o ofendido.
Na audiência , a testemunha, ou seja, a ofendida J relatou detalhadamente o facto de que ela explorou o estabelecimento de comidas “K美食” em conjunto com o ofendido I e o seu irmão, o arguido Y e o seu sogro na altura da ocorrência do caso, falando do facto de que o ofendido I tinha discutido com o arguido B sobre a perda do restaurante. Alegou ainda que tinha perguntado ao 1º arguido B pela foram de pagamento do montante que O lhe devia, mas ela própria não reclamou o pagamento da dívida a O. Além disso, disse a mesma testemunha que o arguido B pediu-lhe um montante de cem mil dólares de Hong Kong, invocando que tal dinheiro era para pagar os salários dos empregados do restaurante “K美食”. Mas ela nunca reclamou ao arguido B o pagamento de tal montante. Disse ainda que viu o arguido C passou rapidamente pela porta da “X Real Estate” antes do meio-dia do dia 2 de Abril de 2012, altura em que a polícia deteve o arguido F. Naquele momento, ela queria chamar o dito arguido para lhe perguntar sobre o tratamento das formalidades do cancelamento de registo de hipoteca do imóvel de O que O tinha combinado com ela para irem tratar naquele mesmo dia, mas não conseguiu falar com o arguido C porque ele passou por ali rapidamente. A testemunha alegou não ter conhecimento sobre o facto de que alguém queria a matar.
Na audiência, a testemunha, ou seja, a mulher do ofendido I, CC (CC), contou a situação do estabelecimento “K美食” antes do homicídio do ofendido I, referindo que o seu marido I suspeitou que o arguido B fabricou facturas falsas de compras de mercadorias quando tomava conta do estabelecimento de comidas, com intenção de se apoderar do dinheiro de tal restaurante, pelo que discutiu com o dito arguido.
Na audiência, a testemunha L (L), ou seja, o irmão mais velho do ofendido I, contou a situação do estabelecimento “K美食” antes do homicídio do ofendido I, referindo que o ofendido I suspeitou que o arguido B fabricou facturas falsas de compras de mercadorias quando tomava conta do estabelecimento de comidas, com intenção de se apoderar do dinheiro de tal restaurante, e a quantia monetária de que se apoderou atingiu quinhentas mil patacas, pelo que discutiu com o dito arguido.
Na audiência, a testemunha, ou seja, o guarda policial DD (DD) relatou a investigação do presente caso, explicando detalhadamente sobre a análise da gravação do vídeo e da escuta feita nesta causa.
Na audiência, a testemunha, ou seja, o guarda policial EE (EE) falou das medidas de inquérito do caso em que ele participou, explicando detalhadamente a medida de visionamento da gravação dos vídeos antes e posterior ao homicídio do ofendido I. Alegou ainda que, com o apoio da autoridade policial do Interior da China, ele deslocou-se ao Interior da China para investigar P e Q, arguidos deste caso que foram detidos no Interior da China.
Na audiência, a testemunha, ou seja, o guarda policial FF (FF) relatou a investigação global desta causa, por qual se responsabilizou, explicando detalhadamente sobre a análise da escuta telefónica neste caso.
Na audiência, duas testemunhas, ou seja, os guardas policiais GG e HH (HH) relataram o modo como detiveram o 4º arguido F.
Na audiência, a testemunha N (N), ou seja, o sogro do 1º arguido B, contou a situação do estabelecimento de comidas “K美食” na altura do caso, referindo que o arguido B tinha discutido não intensamente com o ofendido I sobre a conta do estabelecimento de comidas e alegando que, sob sugestão desta testemunha, o arguido B pediu a testemunha J um montante de cem mil dólares para explorar sozinho uma mercearia. Ademais, alegou que, segundo o seu conhecimento, o arguido B tinha investido no estabelecimento de comidas “K美食” para participar na exploração de tal restaurante.
*
Este Juízo dá como provados os factos baseando-se nas regras de experiência e na análise lógica das declarações dos quatro arguidos B, C, D e F prestadas em audiência, dos depoimentos testemunhais e das provas documentais constantes dos autos, nomeadamente os relatórios elaborados pela autoridade policial, tais como relatórios analíticos de escuta telefónica e de visionamento de gravação de vídeos, relatório de rastreio, autos de busca e de apreensão, relatório de autópsia e relatório do exame biológico realizado ao sangue do arguido F recolhido na cena do homicídio do ofendido I e no automóvel ligeiro de matrícula de MI-XX-XX. Existe prova suficiente para o reconhecimento dos factos”.

Do direito

3. Feito que está o relatório que antecede, e transcrita que também ficou a decisão do T.J.B. sobre a “matéria de facto”, vejamos.

Seis são os recursos trazidos à apreciação deste T.S.I..

Um, “interlocutório”, e os restantes cinco, do “Acórdão do T.J.B.”.

Considerando-se que a procedência do “recurso interlocutório” pode implicar uma anulação, (ainda que parcial), do Acórdão também recorrido, (podendo prejudicar igualmente o conhecimento de questões colocadas nos recursos finais), mostra-se de começar por aquele.

3.1. Do “recurso interlocutório” do (2°) arguido C.

Pois bem, o presente recurso tem como objecto uma decisão do Colectivo do T.J.B. que indeferiu um pedido de leitura das declarações pelo (4°) arguido F prestadas em sede de Inquérito; (cfr., fls. 2675 a 2675-v).

Em síntese, diz o (2°) arguido ora recorrente que a decisão recorrida viola o estatuído no art. 338° do C.P.P.M.; (cfr., fls. 2679 a 2684).

E, da reflexão que sobre a questão nos foi possível efectuar, cremos que o recurso não merece provimento.

Eis o que se nos mostra de consignar.

Nos termos deste art. 338° do C.P.P.M.:

“1. A leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido só é permitida:

a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou

b) Quando, tendo sido feitas perante o juiz ou o Ministério Público, houver contradições ou discrepâncias sensíveis entre elas e as feitas em audiência que não possam ser esclarecidas de outro modo.

2. É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 7 e 8 do artigo anterior”.

No caso dos autos, foi o seguinte o que sucedeu.

Em audiência de julgamento, e após as declarações do (4°) arguido F, requereu o Exmo. Defensor do (2°) arguido C, (ora recorrente), que se procedesse à leitura das declarações por aquele (4°) arguido em sede de Inquérito prestadas perante o Mmo Juiz de Instrução Criminal e Ministério Público.

Entendeu, (invocando o art. 338°, n.° 1, al. b) do C.P.P.M.), que havia diferença nas declarações por este (4°) arguido tinha antes prestado em sede de Inquérito e nas que prestou em audiência de julgamento.

Considerando o Tribunal a quo que não havia uma “divergência sensível”, veio-se a decidir que a pretendida leitura não era essencial para a descoberta da verdade, indeferindo-se o pedido deduzido.

Quid iuris?

Como se deixou consignado, afigura-se-nos de confirmar o decidido.

Com efeito, o art. 338°, n.° 1, al. b) apenas permite a leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido quando “houver contradições ou discrepâncias sensíveis entre elas e as feitas em audiência que não possam ser esclarecidas de outro modo”.

Ora, no caso, considerou o Tribunal que não havia “divergência sensível”, o que, (desde já), e em nossa opinião, não deixa de “esvaziar” de sentido a questão. Porém, independentemente do demais, (mesmo que assim não seja), mostra-se de consignar (também que importa atentar na parte final do estatuído na al. b), pois) que sempre se poderia esclarecer qualquer (eventual) divergência na própria audiência, sem que nos pareça que por isso pudesse existir qualquer inconveniente para qualquer sujeito processual.

Com efeito, ainda que as declarações pelo (4°) arguido F prestadas em audiência de julgamento pudessem (eventualmente) ser menos favoráveis do que as antes prestadas para o (2°) arguido, ora recorrente, sempre poderia este, em sede da mesma audiência, esclarecer através da inquirição daquele, tudo o que entendesse oportuno e conveniente.

Se (naquela altura) não o fez, (por motivos que lhe são exclusivos e que se desconhecem), não nos parece que possa vir dizer que terá sido prejudicado, e, nesta conformidade, e face à redacção do preceito em questão, (cfr., art. 338°, n.° 1, al. b), “in fine”), evidente é que improcede o recurso.

Continuemos.

3.2. Dos “recursos do Acórdão do T.J.B.” .

Como atrás já se deixou consignado, cinco são os recursos interpostos do Acórdão do Colectivo do T.J.B.: um, do Ministério Público, e os restantes quatro, dos arguidos.

Da análise que se efectuou às motivações e conclusões dos ditos cinco recursos, constata-se que:
- o recurso do Ministério Público tem (tão só) como objecto o segmento decisório que absolveu os (1°, 2° e 4°) arguidos B (B), C (C) e F (F), da imputada prática de 1 outro crime de “homicídio”, na forma tentada, afirmando padecer tal decisão de “erro notório na apreciação da prova”, insurgindo-se também o mesmo recorrente contra as penas fixadas pelo 2° crime de “auxílio” e “acolhimento” pelos ditos (1° e 2°) arguidos B (B) e C (C) cometidos;
- no recurso do (1°) arguido B (B), insurge-se o mesmo contra a sua condenação, em relação a todos os crimes, pedindo a sua absolvição por entender que o Acórdão recorrido incorreu nos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”; “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”, pedindo ainda a redução da pena para o crime de “arma proibida”;
- no recurso do (2°) arguido C (C), diz o mesmo que a decisão recorrida padece de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a sua absolvição quantos aos crimes de “homicídio”, “armas proibidas”, “dano” e “auxílio”, afirmando, também, a título subsidiário, que excessiva é a pena pelos crimes de “homicídio” e “auxílio”;
- no seu recurso, pede o (3°) arguido D (D) a redução da pena fixada para o crime de “auxílio”; e
- no recurso do (4°) arguido F (F), pede o mesmo a atenuação especial da pena para o crime de “homicídio” e “arma proibida”.

Ponderando nas questões colocadas em sede dos mencionados recursos, afigura-se de apreciar em primeiro lugar os recursos dos arguidos.

3.2.1. Nesta conformidade, comecemos pelo recurso do (1°) arguido B (B).

Este arguido foi condenado como autor da prática em concurso real de:
- 1 crime de “homicídio qualificado”, p. e p. pelo art. 129°, n.° 2, al. g) do C.P.M., na pena de 21 anos e 6 meses de prisão;
- 1 crime de “dano”, na forma tentada, p. e p. pelo art. 206°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão;
- 2 crimes de “detenção de arma proibida”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M., em conjugação com o art. 1°, n.° 1, al. f) e o art. 6°, n.° 1, al. b) do D.L. n.° 77/99/M, na pena de 3 anos e 3 meses e 3 anos de prisão, respectivamente;
- 2 crimes de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, nas penas de prisão de 4 anos e 6 meses e de 3 anos e 3 meses, respectivamente; e,
- 2 crimes de “acolhimento”, p. e p. pelo art. 15°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, nas penas de prisão de 9 meses e de 5 meses, respectivamente;
- em cúmulo jurídico das penas aplicadas aos oito crimes cometidos, foi o (1°) arguido B condenado na pena única de 27 anos de prisão.

E, tal como se deixou relatado, insurge-se o mesmo contra a sua condenação, em relação a todos os crimes, pedindo a sua absolvição por entender que o Acórdão recorrido incorreu nos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”; “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”, pedindo ainda a redução da pena para o crime de “arma proibida”.

Cremos, porém, que – no que toca ao segmento decisório (condenatório) em questão – não tem o ora recorrente razão, necessária não sendo uma longa fundamentação.

Vejamos.

–– Quanto aos imputados “vícios da matéria de facto”.

Repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:

- o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas se verifica “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 21.03.2013, Proc. 113/2013);

- só ocorre “contradição insanável” quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 18.04.2013, Proc. n° 185/2013); e que,

- “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 30.07.2013, Proc. n.° 485/2013 do ora relator).

E, nesta conformidade, sem esforço se mostra de concluir que inexiste qualquer “insuficiência”, pois que de uma mera leitura ao Acórdão recorrido se constata que o Colectivo a quo emitiu pronúncia sobre “toda a matéria objecto do processo”, elencando a factualidade que considerou provada e não provada, justificando também esta sua decisão.

Por sua vez, (e igualmente quanto ao segmento decisório em questão), não se vislumbra também qualquer “incongruência” ou “incompatibilidade”, o mesmo sucedendo quanto ao imputado “erro notório”, já que, também, neste capítulo, não se divisa qualquer desrespeito a regras sobre o valor da prova tarifada, regras de experiência ou legis artis.

O ora recorrente limita-se a invocar os vícios e alguns elementos de prova sujeitos ao “princípio da livre apreciação” do art. 114° do C.P.P.M., controvertendo a matéria de facto sem justificada razão, sendo, pois, de improceder o recurso, na parte em questão.

–– Quanto à “pena” pelo crime de “arma proibida”, a mesma é a solução.

Com efeito, o ora recorrente foi condenado pela prática de 2 crimes de “detenção de arma proibida”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M., em conjugação com o art. 1°, n.° 1, al. f) e o art. 6°, n.° 1, al. b) do D.L. n.° 77/99/M, na pena de 3 anos e 3 meses e 3 anos de prisão, respectivamente.

E sendo que a este crime cabe a pena de 2 a 8 anos de prisão, evidente é que excessivas não são tais penas.

Não se pode olvidar das “circunstâncias” da prática dos ditos crimes – nomeadamente, a prática de 1 crime de “homicídio (qualificado)” – que o arguido agiu com dolo intenso e directo, e que as penas fixadas estão apenas a 1 ano e 1 ano e 3 meses do seu limite mínimo, fortes sendo as necessidades de prevenção.

Posto isto, improcede o recurso.

3.2.2. Do “recurso do (2°) arguido C”.

Como se viu, foi este arguido condenado pela prática de:
- 1 crime de “homicídio qualificado”, p. e p. pelo art. 129°, n.° 2, al. g) do C.P.M., na pena de 21 anos e 6 meses de prisão;
- 1 crime de “dano”, na forma tentada, p. e p. pelo art. 206°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão;
- 1 crime de “detenção de arma proibida”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M., em conjugação com o art. 1°, n.° 1, al. f) e o art. 6°, n.° 1, al. b) do D.L. n.° 77/99/M, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão;
- 2 crimes de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, nas penas de prisão de 4 anos e 6 meses e de 3 anos e 3 meses, respectivamente; e,
- 2 crimes de “acolhimento”, p. e p. pelo art. 15°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, nas penas de prisão de 9 meses e de 5 meses, respectivamente;
- em cúmulo jurídico das penas aplicadas aos sete crimes cometidos, foi o (2°) arguido C condenado na pena única de 26 anos e 6 meses de prisão.

E, como também já se deixou consignado, é de opinião que a decisão recorrida padece de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a sua absolvição quantos aos crimes de “homicídio”, “armas proibidas”, “dano” e “auxílio”, afirmando, também, a título subsidiário, que excessivas são as penas impostos pelos crimes de “homicídio” e “auxílio”.

–– Ora, em relação ao alegado “erro notório”, mostra-se de dar como reproduzido o que atrás se deixou escrito em relação ao recurso do (1°) arguido B, pois que não se vislumbra onde, como, ou em que termos, tenha o Colectivo a quo violado qualquer regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, sendo que, na parte em questão, limita-se também o recorrente a tentar sindicar a convicção do Tribunal, formada em conformidade com o princípio da livre apreciação da prova, (cfr., art. 114° do C.P.P.M.), o que, como é óbvio, não pode proceder.

–– Quanto às “penas” para os crimes de “homicídio qualificado” e “auxílio”, vejamos.

Pelo crime de “homicídio qualificado”, foi o recorrente condenado na pena de 21 anos e 6 meses de prisão.

Por sua vez, pelos 2 crimes de “auxílio”, foi condenado nas penas de 4 anos e 6 meses e 3 anos e 3 meses.

Ora, ao crime de “homicídio qualificado”, cabe a pena de 15 a 25 anos de prisão, e, ao de “auxílio”, a de 2 a 8 anos de prisão.

E, perante estas molduras penais, a factualidade provada e atento também os critérios do art. 40° e 65° do C.P.M., cremos que, também aqui, não se mostra de considerar excessivas tais penas.

De facto, o ora recorrente agiu com dolo directo e intenso, alheando-se do resultado da sua conduta, sendo prementes as necessidades de prevenção criminal, notando-se ainda que em relação ao 2° crime, o “auxiliado” foi precisamente o “executante” (autor material) do crime de “homicídio qualificado” pelo qual foram condenados.

Nesta conformidade, e constatando-se que também em sede de cúmulo jurídico se observou escrupulosamente o art. 71° do C.P.M., improcede o recurso.

3.2.3. Do “recurso do (3°) arguido D”.

Pois bem, foi este recorrente condenado como autor de:
- 2 crimes de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, nas penas de prisão de 9 meses e de 3 anos e 3 meses, respectivamente;
- em cúmulo jurídico das penas aplicadas aos dois crimes cometidos, foi o (3°) arguido D condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.

Diz que excessiva é a pena de 3 anos e 3 meses de prisão, pedindo a sua redução, e que em cúmulo lhe seja aplicada uma pena suspensa na sua execução.

Ora, não se mostra de acolher tal pretensão.

Com efeito, como se deixou explicitado, o crime em questão é punido com a pena de 2 a 8 anos de prisão, e a pena de 3 anos e 3 meses, apenas excede o seu limite mínimo em 1 ano e 3 meses, não se podendo esquecer que agiu também o arguido com dolo directo e intenso, fortes sendo as necessidades de prevenção criminal.

No que toca ao cúmulo jurídico, verifica-se também que na fixação da pena única se respeitou escrupulosamente o estatuído no art. 71° do C.P.M., e, assim sendo, atenta a sua medida, inviável é a pretendida suspensão da sua execução; (cfr., art. 48° do C.P.M.).

3.2.4. Do “recurso do (4°) arguido F”.

Foi este arguido condenado como autor da prática em concurso real de:
- 1 crime de “homicídio qualificado”, p. e p. pelo art. 129°, n.° 2, al. g) do C.P.M., na pena de 19 anos e 6 meses de prisão;
- 1 crime de “dano”, na forma tentada, p. e p. pelo art. 206°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão; e,
- 1 crime de “detenção de arma proibida”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M., em conjugação com o art. 1°, n.° 1, al. f) e o art. 6°, n.° 1, al. b) do D.L. n.° 77/99/M, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão;
- em cúmulo jurídico das penas aplicadas aos três crimes cometidos, foi o (4°) arguido F condenado na pena única de 21 anos e 9 meses de prisão.

E, no seu recurso alega que é primário, que confessou os factos, que deve beneficiar de uma atenuação especial ou redução das penas.

Ora, pouco há a dizer.

De facto, em relação à atenuação especial tem este T.S.I. entendido que a mesma apenas se justifica “em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 11.07.2013, Proc. n° 357/2013).

Não sendo, (nem de longe), a situação dos autos, e não se mostrando de considerar as penas parcelares e única excessivas, já que em sintonia com os critérios dos art°s 40°, 65° e 71° do C.P.M., com o dolo directo e intenso do arguido, atenta também a acentuada ilicitude da conduta e necessidade de prevenção criminal, visto está que não há margem para qualquer redução.

Aqui chegados, e improcedentes que são os recursos dos arguidos, passa-se para o recurso do Ministério Público.

3.2.5. Do “recurso do Ministério Público”.

Como já se deixou relatado, o presente recurso tem como objecto o segmento decisório que absolveu os (1°, 2° e 4°) arguidos B (B), C (C) – estes dois como “co-autores morais” – e F (F) – como “co-autor material” – da imputada prática de 1 outro crime de “homicídio qualificado”, na forma tentada, assim como com a decisão que fixou as penas pelo 2° crime de “auxílio” e “acolhimento” cometidos pelos referidos (1° e 2°) arguidos.

Em relação à “absolvição” do crime de “homicídio qualificado” na forma tentada, diz o Ministério Público que incorreu o Colectivo a quo em “erro notório na apreciação da prova”, e, quanto às penas para o 2° crime de “auxílio” e “acolhimento”, entende o Exmo. Recorrente que as mesmas são benevolentes, precisamente, dado que, aquando da sua fixação, não se ponderou a prática do referido crime de “homicídio tentado”.

Identificadas que assim parecem ficar as questões, vejamos.

Pois bem, no caso dos presentes autos, os (1° e 2°) arguidos B (B) e C (C) estavam também acusados da prática como co-autores morais e na forma tentada, de 1 outro crime de “homicídio qualificado”, na pessoa de J, pois que, em síntese, era-lhes imputado o “planeamento” e contacto com o (4°) arguido F (F), não residente em Macau, para executar o crime, a quem, nomeadamente, ajudaram a se deslocar a Macau, onde foi também acolhido, para o efeito.

Sucede porém que tal como se fez constar da acusação, e (nesta parte), assim resultou provado, no dia e momento em que era suposto dar-se execução a tal “plano”, estando este (4°) arguido F a caminho do local onde se encontrava a vítima, foi o mesmo interceptado e detido.

Mostra-se assim de considerar que, a primeira questão que importa solucionar é a de saber se tal “matéria”, (tal como constava da acusação), (pode) integra(r) a prática do dito crime de “homicídio, na forma tentada”?

Vejamos então, ainda que de forma abreviada; (pois que, se de sentido negativo for a resposta, inútil é verificar se houve “erro notório”).

Vale a pena aqui transcrever o que sobre a questão escreveu Figueiredo Dias in “Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A doutrina Geral do Crime”, Coimbra Editora, 2.ª edição, págs. 681 e segs.:
“A mera decisão de realização de um tipo de ilícito objectivo, independentemente de um começo de realização efectiva, não é punível. A esta conclusão conduz o princípio indiscutido cogitationes poenam nemo patitur. A justificação deste princípio deriva da própria função do direito penal de protecção subsidiária de bens jurídicos, não de puros valores morais: se o direito penal não visa, ao menos directamente, contribuir para a modelação moral do indivíduo, mas proteger uma ordenação social, só a violação dessa ordenação – e assim, a conduta externa do agente – pode constituir um ilícito. A decisão de realização analisa-se num puro processo interior, insusceptível, em si mesmo, de violar interesses socialmente relevantes. (…) Também a preparação da execução de um tipo de ilícito e os actos em que se traduz não são, salvo disposição em contrário, puníveis (art.21.º). Em perspectiva formal-legal esta solução – se definirmos actos preparatórios como aqueles que antecedem temporalmente e segundo a natureza das coisas a execução de um ilícito-típico – impõe-se logo na medida em que os actos preparatórios não se encontram descritos ou referidos na generalidade dos tipos legais e não constituam, por isso, pontos de apoio possíveis de uma responsabilização penal. (…) Em perspectiva material, os actos preparatórios definem-se em função da violação do bem jurídico, de ataque ao ordenamento social que a ordem jurídicas quer prevenir. A partir daqui se compreende que existam tipos de ilícito que abrangem logo a preparação de tais violações ou ataques, criando deste modo tipos (de perigo abstracto, em princípio) de actos materialmente preparatórios, mas formalmente transformados em crimes autónomos. (…) Isto, porém, só excepcionalmente deverá acontecer, uma vez que, quase sempre (…), os actos preparatórios, em si mesmos considerados, constituirão acções que estão completamente de acordo com o ordenamento social. Uma punição indiscriminada de tais actos estaria próxima, de novo, de uma ilegítima punibilidade de meras intenções. Finalmente, a lei prevê em certos casos, também excepcionais, a punição dos actos preparatórios, não como crimes autónomos, mas como actos preparatórios enquanto tais (…). Esta solução só se torna político-criminalmente aceitável sob dois pressupostos: que tais actos apontem já com alto grau de probabilidade para a realização do tipo de ilícito; e que se verifique a necessidade de uma intervenção penal específica num estádio particularmente precoce do iter criminis. (…) Diferentemente do que vimos suceder com os actos preparatórios, a tentativa de cometimento de um crime, em princípio, é punível. Como prática de “actos de execução de um crime que [o agente] decidiu cometer sem que este chegue a consumar-se (art. 22.º-1), a tentativa viola já a norma jurídica de comportamento que está na base do tipo de ilícito consumado. Como realização dolosa parcial de um tipo de ilícito objectivo ela representa uma violação do ordenamento social jurídico-penalmente relevante por meio da intranquilidade em que coloca bens jurídico-penais. (…) Necessário se torna, assim, que a “decisão” se exprima externamente em actos que constituam não meros actos preparatórios, mas se apresentem já como actos de execução. Porém, a forma como nesta via deva distinguir-se em concreto a “execução” da “preparação” é extraordinariamente discutida e, efectivamente, difícil de lograr; também podendo afirmar-se com inteira correcção, que o problema aqui implicado é o da determinação, dentro de um processo continuado, do momento em que se inicia a execução”.

Reflectindo este entendimento, prescreve o art. 21° do C.P.M. que:

“1. Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.
2. São actos de execução:

a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;

b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou

c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos indicados nas alíneas anteriores”.

E comentando o transcrito comando legal afirmam L. Henriques e S. Santos que:

“O n.° 2 deste artigo consagrou a formulação proposta por EDUARDO CORREIA, uma forma objectiva de distinção entre actos preparatórios e actos de execução, que não considera suficiente para fundamentar uma tentativa a mera intenção, e que exige que esta se exteriorize em actos que contenham já, eles próprios, um momento da ilicitude.
Mas como se caracterizam os actos que já importam um começo de execução?
As alíneas do n.° 2 fornecem-nos as respostas:
- se o tipo legal de crime é portador da valoração da ilicitude, o preenchimento de um elemento constitutivo de certo delito há-de revelar a actividade como acto de execução [al. a)];
- se o acto revela perigosidade, esta é também sintoma do seu carácter executivo [al. b)];
- se o acto, segundo a experiência comum, fizer crer que venham a acontecer as situações anteriormente previstas já é também acto de execução [al. c)].
As alíneas a) e b) tanto podem funcionar cumulativa como alternativamente; «em rigor poderia mesmo dizer-se que bastava para definir o acto de execução o princípio da alínea a); mas convém que se precise o conceito e para isso lá estão as alíneas seguintes» (EDUARDO CORREIA, BMJ 143 - 57).
Na síntese de FIGUEIREDO DIAS «haverá acto de execução e portanto tentativa, quando um certo acto preencha um elemento constitutivo de um tipo-de-ilícito ou – apreciado na base de um critério de idoneidade, normalidade ou experiência comum, ou na base do plano concreto de realização – apareça como parte integrante da execução típica» (op. cit., 21)”.

Ora, nesta conformidade, atento o teor do transcrito art. 21° do C.P.M., cremos nós que, de forma evidente se mostra de concluir que a “matéria de facto” em questão não se subsume ao preceituado na alínea a) e b) do seu n.° 2.

De facto, o (mero) “planeamento”do crime, e até a sua deslocação, sem mais, ao local onde a vítima se encontrava, não são actos que preenchem um “elemento constitutivo” do tipo de crime de “homicídio”, nem tão pouco são, por si, idóneos a produzir o resultado típico, no caso, a morte da vítima (J).

E será que em causa está a al. c)?

A resposta apresenta-se-nos como de sentido positivo.

Com efeito, toda a “conduta” desenvolvida e imputada aos arguidos é, segundo a experiência comum, de fazer crer que lhe seguisse a prática de actos de execução do crime de “homicídio”. Isto é, os factos (constantes da acusação), permitem, claramente, integrá-la como “actos de começo de execução”, porque idóneos a produzir o resultado típico e relativamente aos quais, segundo a experiência comum, seria de esperar que esse resultado, através deles, se concretizasse; (sobre situação análoga, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Évora de 25.06.2013, Proc. n.° 124/10).

Concluindo-se como se deixou exposto, (no sentido de que a matéria de facto imputada aos arguidos integrava efectivamente a prática de 1 outro crime de “homicídio tentado” na pessoa de J), continuemos.

Pois bem, como se deixou consignado, “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.

E, na parte em questão, cremos que (decidindo dar como “não provada” a matéria relativa ao crime atrás referido) incorreu o Colectivo a quo no aludido vício.

De facto, tendo presente o material probatório existente nos autos, (em especial, os registos das chamadas telefónicas entre os 1° e 2° arguidos B e C, onde, na parte em questão dá conta que se “planeou” a execução do crime de homicídio de J, cfr., v.g., fls. 538 e 577 do apenso identificado com a referência CR1-13-0062-PCC-D), assim como a grande semelhança do “modus operandi” do crime de “homicídio” (consumado) de I, (cfr., factos n.° 5 a 24), e do tentado, na pessoa de J, levam-nos pois a concluir que ao ora recorrente assiste razão.

Não se pode igualmente olvidar que o (4°) arguido F (que executou o homicídio de I) só iniciou a sua deslocação ao local onde se encontrava J após contacto no sentido de que esta se encontrava só, (tal como sucedeu com a vítima I), e que no momento em que foi interceptado trazia consigo uma faca de 33cm e diluente que dava para (dar início a) um grande incêndio.

Não se mostra assim razoável considerar que tivesse (unicamente) como intenção “queimar documentos” detidos pela J quanto aos seus empréstimos monetários ao (1°) arguido B e que, supostamente, estariam no local.

A ser assim, não seria melhor, (mais lógico, conveniente), esperar que ninguém estivesse no local para levar a cabo tal intento?

E, seria preciso (tanto diluente e) uma faca com 33cm?

Não nos parece.

Ponderando no que provado ficou em relação ao homicídio cometido na pessoa de I, os seus motivos, planeamento, e modus operandi, em tudo semelhante ao que aos arguidos era imputado em relação à ofendida J, não se mostra pois de confirmar o segmento decisório recorrido

Assim, e sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido distinto, impõe-se constatar a existência do imputado “erro notório” na decisão dos factos atrás elencados, dados como “não provados” e referenciados nos n°s 11 a 14, 16 e 19.

Não sendo possível a este T.S.I. sanar o vício em questão, há que dar observância ao estatuído no art. 418° do C.P.P.M., determinando-se o reenvio do processo para novo julgamento na parte em questão, prejudicada ficando a questão da adequação das penas fixadas aos (1° e 2°) arguidos pelo (2°) crime de “auxílio” e “acolhimento”.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento aos recursos dos arguidos, julgando-se parcialmente procedente o recurso do Ministério Público, e determinando-se o reenvio do processo para novo julgamento nos exactos termos consignados.

Pagarão os arguidos a taxa de justiça individual de 15 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso do (2°) arguido C, no montante de MOP$3.000,00, e aos Exmos. Defensores do (4°) arguido F, no montante de MOP$1.500,00 e MOP$1.200,00.

Macau, aos 21 de Novembro de 2013

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta) Tam Hio Wa
Proc. 550/2013 Pág. 78

Proc. 550/2013 Pág. 1