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Processo nº 768/2013 Data: 23.01.2014
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “ofensa à integridade física”.
Ausência do arguido em sessão do julgamento.
Nulidade.
Reconhecimento pessoal.



SUMÁRIO

1. Não padece de nulidade a decisão de prosseguir (continuar) com a audiência de julgamento sem a presença do arguido (e sem justificação da falta), se este, prestou declarações em anterior sessão, tenso sido nesta expressamente notificado que a continuação teria lugar na nova data designada mesmo se à mesma faltasse, nada tendo requerido na altura.

2. O “reconhecimento pessoal do arguido” pelo ofendido é, sem dúvidas, um meio de prova de que aquele é o “autor do crime”, porém, não é o único, (havendo outras formas para a sua identificação, como, v.g., o depoimento de testemunhas), não padecendo a decisão de erro notório na apreciação da prova por falta do dito reconhecimento.


O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 768/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor de 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 3 meses de prisão, assim como no pagamento de MOP$3.000,00 a favor do ofendido dos autos; (cfr., fls. 141 a 145, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para a final produzir as conclusões seguintes:

“1ª Imputa o ora recorrente à decisão recorrida a inobservância da presença obrigatória do arguido na audiência de julgamento, cominada com nulidade insanável nos termos n.° 3 do art.° 400.° e art.° 106 c) e 313.° n.°l do Código de Processo Penal; o vício de erro notório na apreciação da prova; o vício de erro de direito - "quaisquer questões de direito de que pudesse conhecer a decisão recorrida" - no que concerne sobre questão vícios sobre a não suspensão da execução da pena de prisão
2ª O Código Penal de Macau, no seu art.° 313.° n°.l determina que "é obrigatória a presença do arguido na audiência, sem, prejuízo do disposto nos artigos, 315.° e 316.°".
3ª A audiência de julgamento foi designada para o dia 24/9/13, e para o efeito foram, notificados, todos os intervenientes com as respectivas antecedências.
4ª A vítima ,B por carta de .19/9/13, recusou primeiramente de comparecer para a audiência e manifestou o desejo de não declarar procedimento judicial.
5ª No dia 23/9/13, ou seja na véspera da audiência de julgamento a vítima B, dirigiu-se, de novo uma carta por fax, para solicitar o Tribunal a quo que seja adiado o julgamento para o dia 15/10/13, pelas 11H00
6ª No dia 24/9/13, o Tribunal a quo decidiu abrir a audiência de julgamento sem a presença da vítima testemunha B porque decidiu que iria abrir mais uma segunda audiência no dia 15/10/2013.
7ª Apesar de concordar perfeitamente que para a descoberta da verdade e o bem da justiça, há necessidade do Tribunal em convocar indispensávelmente todos os intervenientes para a audiência do julgamento, mas questiona-se se uma testemunha tem direito de requerer na última hora ao tribunal para fixar uma hora determinada para tomada exclusiva do seu depoimento numa audiência?
8ª Questiona-se também o porquê do Tribunal a quo não optou o adiamento de todo o julgamento para o dia 15/10/13, evitando a, falta de alguns intervenientes numa audiência de julgamento?
9ª O Tribunal a quo violou o princípio de concentração consagrado no art.° 309.° do Código do Processo Penal, porque conduziu uma situação de, prejuízo para a dfesa do arguido.
10ª Ao terminar a primeira audiência de julgamento o tribunal advertiu ao recorrente, conforme consta na acta, que em virtude do seu depoimento já foi terminado pelo que, se porventura o recorrente não comparecer na continuação de julgamento, a segunda, audiência iria ser julgada à sua revelia.
11ª Na segunda audiência de julgamento no dia 15/10/13, compareceu à audiência a vítima B, mas por sua vez faltou o arguido, ora recorrente.
12ª Conforme consta na acta, o Tribunal a quo considerou que o arguido já tinha completado o seu depoimento na primeira audiência de julgamento, pelo que realizou a segunda audiência de julgamento sem a presença do arguido.
13ª Certo é que, o arguido, ora recorrente, nunca requereu ou consentiu que a audiência tenha lugar na sua ausência nos termos do art. 315.° n.° 2 do Código do Processo Penal.
14ª O Tribunal a quo colocou uma situação que o recorrente não podia exercer o seu direito contraditório, consagrado pelos arts.° 304.° al. g) e 308 n.° 2 do Código do Processo Penal, nomeadamente o direito de intervenção, de se pronunciar e contraditar o depoimento e outros elementos de prova ou argumentos ocorridos na segunda audiência de julgamento, confrontando nomeadamente com a vítima.
15ª A revelia não consentida ou requerida do recorrente na segunda audiência de julgamento trata-se de uma ilegalidade de prova cominada sob pena de nulidade absoluta e insanável nos termos do art.° 106.° c) do Código do Processo Penal, nulidade essa que pode ser arguida em qualquer procedimento.
16ª Impugna nos termos do n.° 3 do art.° 400.° do Código de Processo Penal a nulidade da segunda audiência de julgamento realizada pelas 11H00 do dia 15/10/13, devendo proceder a absolvição do crime imputado ou a anulação do julgamento e o reenvio do processo para novo julgamento.
17ª Acresce, ainda e porém, que o tribunal recorrido permitiu o julgamento à revelia do recorrente na segunda audiência de julgamento, impossibilitou a vítima de proceder o reconhecimento físico do arguido.
18ª Apesar que o recorrente tenha sido surpreendido nas proximidades do local do crime pelas duas testemunhas agentes policiais, mas de certo é que estes agentes captores não chegaram a presenciarem directamente na ocorrência.
19ª As testemunhas polícias apenas fizeram o encalço do criminoso a pedido da vítima. E interceptaram o recorrente baseado os dados e elementos fornecidos pela vítima.
20ª Na sentença condenatória consta que as testemunhas polícias afirmaram taxativamente que o recorrente se tratava do criminoso que ofendeu a vítima, essencialmente porque interceptaram o recorrente por ter as fisinomias e vestuário semelhantes do criminoso.
21ª E afirmaram com firmeza que foi o recorrente quem ofendeu a vítima porque o recorrente trazia na altura um cachecol.
22ª Ora, o acontecimento dos factos foi registado por volta da meio noite do dia 31/12/11.
23ª Tratando-se duma época de Inverno não sendo estranho as pessoas trazerem na rua cachecóis ou vestuário com protecção do pescoço.
24ª E também não devia apenas o recorrente trazer cachecol naquela noite.
25ª Por outro lado, os factos constantes nos autos afirma que o recorrente só ficou interceptado após de virado a curva para outra artéria e que as testemunhas reconheceram o recorrente porque o recorrente trazia um cachecol e que naquele momento a rua não estava movimentada outras pessoas.
26ª Questiona-se assim, se as afirmações das testemunhas na realidade são tão seguras, porque não podemos excluir hipótese que o criminoso teria já fugido do local ou escondido num local qualquer logo após de ter virado a curva?
27ª Só a vítima B e a outra testemunha C que seriam capaz de reconhecer as feições do criminoso porque o tinham cruzado directamente e encarado na escadaria .
28ª Todavia, no decorrer de todo o inquérito, a vítima B, nunca nele interveio e colaborou, nem sequer prestou algum depoimento na fase de inquérito, e por isso nunca tinha procedido o reconhecimento físico na pessoa do ora recorrente.
29ª É profundamente insuficiente de corpo delito sem o devido reconhecimento físico. Insuficiência essa que poderia ser suprida na audiência de julgamento mas com a não intervenção do recorrente não foi assim realizada.
30ª Uma condenação dum arguido sem ser reconhecido fisicamente, é altamente perigoso violando gravemente os direitos de defesa do arguido.
31ª Com a carência desta diligência indispensável o Tribunal a quo incorreu, em vício de erro notório previsto na al. c) do n.° 2 do art.° 400.° do Código de Processo Penal.
32ª Foi o arguido ora recorrente condenado por ofensa simples à integridade física que provocou à vítima lesão que necessitou um dia de doença, o que, comparativamente com outras ofensas, entende-se de uma diminuição acentuada de ilicitude, pelo que foi condenado pelo Tribunal a quo numa pena de 3 meses de prisão.
33ª Porém, o Tribunal a quo não suspendeu a execução desta prisão de 2 meses.
34ª Não suspendeu a execução da pena levando em consideração da profissão do recorrente – agente da Polícia de Segurança Pública - que devia ter especial dever de cumprir as leis, não está arrependido (não confissão) e não sendo delinquente primário.
35ª Ora, os factos dados por assentes foram ocorridos fora do exercício das funções do recorrente nem a elas motivadas ou inerentes.
36ª Acrescerque a não confissão do recorrente não devia ser levado como uma ponderação da acentuada da culpa do agente, ou não arrependimento.
37ª Prescreve o art.° 48.° do Código Penal: «O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
38ª A suspensão da execução da pena, nos termos da norma acabada de citar, depende dum pressuposto material, é limitado por duas coordenadas: a salvaguarda das exigências mínimas essenciais de defesa do ordenamento jurídico (prevenção geral) e o afastamento do agente da criminalidade (prevenção especial).
39ª Na verdade, tal normativo (art.° 48.°) sem referir, expressamente, que o tribunal só deve suspender a execução da pena se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tem que ser, assim, interpretado, embora tenha feito uma prognose negativa do recorrente e tenha invocado razões de repressão e prevenção geral para negar a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena, atendendo a que pertence ao domínio dos poderes de livre apreciação e convicção dos tribunal que conhecem matéria de facto, o juízo de prognose sobre as capacidades e potencialidades do arguido em adoptar imã postura socialmente conforme, em sede de ponderação da suspensão da execução da pena fixada, podem Vossas Excelências, Senhores Juízes, conhecer esta questão, face à matéria fáctica provada e aos elementos existentes nos autos, o que se requer.
40ª A determinação da pena a aplicar, em concreto, ao arguido terá sempre que ser feita em função da sua culpa e tendo em conta os fins das penas: as exigências específicas da prevenção da prática de novos crimes por parte do ora recorrente.
41ª Denota-se no presente caso, que a medida da pena não se coaduna com as exigências de prevenção especial. Pelo contrário, face às circunstâncias concretas, a pena de prisão efectiva, porque desproporcional, terá um efeito totalmente dessocializante. “A prisão é a maior escola do crime”.
42ª O Juiz deverá afastar o perigo de o tratamento do delinquente condizir a uma efeito desintegrador.
43ª A Sociedade não é só responsável pela protecção dos seus membros perante o criminoso, mas tem, também, o dever de contribuir para a sua recuperação.
44ª Não se tratou, ademais, de crime de especial gravidade.
45ª A pena de prisão efectiva aplicada, face ao princípio da proporcionalidade (l.s.), nas suas três decorrências – adequação, necessidade e proporcionalidade (s.s.) – encontra-se totalmente em desarmonia com a culpa do agente.
46ª Perante a situação familiar e social do agente, idade e a condição económica, é adequada à culpa do agente e suficiente para realizar a tutela dos bens jurídicos protegidos, crendo-se que seja suspensa a execução da pena de prisão de 3 meses por um período de 2 anos”; (cfr., fls. 161 a 181).

*

Em Resposta entende o Ministério Público que nenhuma censura merece a decisão recorrida; (cfr., fls. 183 a 187).

*

Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer com o teor seguinte:

“Devidamente analisado todos os elementos constantes nos presentes autos, a conclusão que chegamos não pode ser outra senão a improcedência total do recurso interposto.
Em primeiro lugar, pensamos que a nossa colega junto ao tribunal "a quo" já evidenciou na sua resposta a falta de razão dos fundamentos invocados no recurso.
*****
Para nós, resta aqui só chamar a atenção pela seguinte:
Relativamente à questão de admissibilidade de continuação de julgamento na ausência do arguido, temos de dizer que a tese de nulidade processual defendida pelo recorrente não tem pés para andar.
Em primeiro lugar, a lei prevê casos excepcionais em que a audiência de julgamento pode ser adiada ou interrompida (art° 309 do C.P.P.M.), conforme se a audiência de julgamento se tenha sido iniciada ou não.
No caso dos autos, para além de não ser criticável a decisão do tribunal "a quo" em iniciar o julgamento na data marcada, entendemos que tal decisão foi feita à luz do princípio de celeridade processual, princípio também de grande relevância para todos os intervenientes processuais, entre os quais o próprio arguido (recorrente), pelo que a decisão de não adiar o julgamento foi totalmente correcta e legal.
Por outro lado, outra questão principal relaciona-se com a prescindibilidade ou não da presença do arguido na segunda audiência retomada.
No nosso entendimento, o procedimento adoptado pelo tribunal "a quo" não merece de nenhuma censura.
Embora sendo certo que a presença do arguido na audiência de julgamento seja obrigatória, com vista à salvaguarda do seu direito de defesa de contraditório e só é admissível a sua ausência no caso de obter previamente o seu próprio consentimento ou na revelia dele.
Porém, tal não significa que pode permitir ao arguido de criar obstáculo ao andamento normal de audiência, prejudicando a eficácia de todas as provas já produzidas. É por isso mesmo que o legislador consagra no art°313, n° 3 do C.P.P.M. que se o arguido se afastar da sala de audiência, pode esta prosseguir até final se o arguido já tiver sido interrogado e o tribunal não considerar indispensável a sua presença, sendo para todos os efeitos representado pelo defensor.
No caso em apreço, não se deve esquecer que o arguido não foi, de forma alguma, "proibido" de participar na segunda secção de audiência de julgamento. Bem pelo contrário, foi ele que faltou, sem justificação nenhuma, a audiência. Daí que a ausência do recorrente nunca pode ser imputada ao tribunal "a quo".
Para nós, a situação ocorrida no presente caso é um caso ainda mais flagrante do que o caso de afastamento do arguido durante a audiência, prevista no art° 313, n° 3 do C.P.P.M, e essas duas situações são manifestamente dois casos semelhantes e com a mesma razão de ser, fazendo com que se justifique o mesmo tratamento jurídico com recuso à analogia.
Embora com regulamentação não totalmente idêntica, pareça que em Portugal também partilha do mesmo entendimento o Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código do Processo Penal, pag, 827, 11, onde se diz que:
" A audiência retoma-se a partir do último acto processual praticado na audiência interrompida ou adiada. O novo n° 4 torna claro que a audiência retoma sempre o último acto processual praticado na audiência adiada, mesmo quando esse adiamento tenha sido por período superior a oito dias. Se o arguido falta na data em que a audiência I recomeça, a audiência deve prosseguir nos termos do art° 332, n° 5 e 6, que vale por maioria de razão para o afastamento do arguido na audiência depois da interrupção ou adiamento."
Ou seja, não há qualquer violação legal em proceder à continuação de audiência na ausência do arguido, caso este já tivesse sido interrogado e seja representado pelo defensor.
Assim sendo, a arguição de nulidade não procede.
*****
Em segundo lugar, alega o recorrente que se verificou na sentença recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova, sustentando que com a falta de realização da prova por reconhecimento, não é segura a convicção formada só com as restantes provas.
Salvo o respeito, não nós pareça que a tese do recorrente seja correcta.
Pois, em termos legais, a lei não distingue, em princípio, a força probatória entre todos os meios de provas admitidos (com excepção na prova pericial e determinado tipo de prova documental), até a lei não exige determinado tipo de meio de prova para determinado tipo do crime. Assim, é-nós impossível de dizer que com a falta de realização de prova por reconhecimento, nunca é possível de provar determinado facto.
E no caso em apreço, a convicção do tribunal "a quo' baseou-se em provas testemunhais e periciais, e entendeu-se que tais provas eram suficientes para formar uma convicção sá e ponderada.
Com efeito, pensamos que o recorrente se caiu num equívoco, confundindo a fronteira onde acaba o princípio de livre convicção do tribunal e onde começa o vício de erro notório na apreciação da prova.
No caso em apreço, não podemos deixar de afirmar que existem meios de provas claras em apontar para o preenchimento do tipo de crime em causa, tanto no seu aspecto objectivo como no seu aspecto subjectivo.
E o mais importante é que não se descortina no caminho da formação de convicção do tribunal qualquer coisa que implica uma violação manifesta das regras de lógica e de experiência comum, assim, podemos afirmar, sem qualquer margem para dúvida, que a convicção assim formada é inatacável.
Assim sendo, o recurso também não merece de provimento nesta parte.
*****
Quanto à questão de suspensão de execução da pena.
Embora o recorrente alegue a possibilidade de suspensão de execução da pena, mas não alegou nenhum facto concreto para sustentar esta tese.
Francamente, não encontramos nenhuma circunstância no caso em que se indicia uma diminuição da culpa ou de necessidade de prevenção do crime. Pelo contrário, pensamos que a conduta do recorrente manifestada nos factos é ainda mais censurável na medida em que o recorrente já não é primário à data dos factos, acresce que não se registou nenhuma confissão dele e em consequência, não se deduz qualquer arrependimento sincero.
E não menos relevante é o facto de o recorrente é agente de P.S.P., circunstância essa que terá muita influência negativa em termos de prevenção geral do crime.
Neste contexto, tanto em termos de prevenção especial como em termos de prevenção geral, duvidamos que o recorrente mereça ainda confiança por parte do tribunal.
Por outras palavras, a decisão de não suspender a execução da pena foi totalmente correcta.
Por tudo acima ficou dito, o recurso não merece de provimento e deve ser rejeitado.
Eis o nosso parecer”; (cfr., fls. 196 a 199).

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 166-v a 167, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença do Mmo Juiz do T.J.B. que o condenou como autor de 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 3 meses de prisão assim como no pagamento de uma indemnização no valor de MOP$3.000,00 a favor do ofendido dos autos.

E, como resulta das suas conclusões de recurso que se deixaram transcritas, é em síntese o recorrente de opinião que devia ser absolvido ou beneficiar de uma suspensão da execução da sua pena.

Sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, não se mostra de acolher o assim considerado.

Vejamos.

Em concreto, coloca o recorrente as seguintes questões: nulidade em consequência da sua ausência na segunda sessão da audiência de julgamento; falta de reconhecimento pessoal pelo ofendido, e, assim, erro notório na apreciação da prova, e violação do art. 48° do C.P.M..

–– E, começando pela primeira questão, pouco há a dizer.

De facto, após início (1ª sessão) da audiência em 24.09.2013, o Tribunal a quo declarou esta suspensa, designando a data de 15.10.2013 para a sua continuação, tendo notificado (pessoalmente) o arguido ora recorrente que a audiência teria lugar mesmo no caso da sua não comparência, o que, como se viu, veio efectivamente a suceder.

E, nesta conformidade, mal se compreende o inconformismo do ora recorrente.

Com efeito, foi o mesmo devida e regularmente notificado de tal possibilidade, nada tendo dito na altura, e, na data designada, não compareceu, sem justificar a sua ausência e com pleno conhecimento que a audiência iria ter lugar sem a sua presença.

Invocar agora “nulidade” em consequência da sua ausência, raia a má fé processual…

Com efeito, é verdade que nos termos do art. 313° do C.P.P.M., “é obrigatória a presença do arguido na audiência” (n.° 1), e que “após a sua comparência não pode afastar-se dela até ao seu termo”, (n.° 2), porém, não se pode olvidar, que se se vier a afastar, “pode esta prosseguir até final se já tiver sido interrogado e o Tribunal não considerar indispensável a sua presença, sendo para todos os efeitos representado pelo seu defensor” (n.° 3).

Ora, atento o assim estatuído, interrogado que já tinha sido o ora recorrente, e certo sendo que, na segunda sessão da audiência, em 15.10.2013, declarou até o Defensor do arguido que não se opunha a realização da audiência sem a presença do ora recorrente, bem se vê que mais não é preciso dizer sobre a questão.

–– Quanto à “falta de reconhecimento pessoal” e consequente “erro notório na apreciação da prova”.

Também aqui não tem o recorrente razão.

Na verdade, e como repetidamente temos afirmado, “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 05.12.2013, Proc. n.° 714/2013 do ora relator).

E, nesta conformidade, nenhum sentido faz dizer o ora recorrente que não se podia dar como provado ser ele o autor do crime que lhe era imputado tão só porque não foi objecto de “reconhecimento pessoal (e directo)”.

É óbvio que a dita diligência é um meio para se identificar determinada pessoa, porém, (como é natural e evidente), não é o único, outro havendo, como v.g., o depoimento de testemunhas, e, desta forma, (com o que alega), mais não faz o recorrente que (tentar) sindicar a livre apreciação da prova pelo Tribunal, afrontando, o estatuído no art. 114° do C.P.P.M. que, como é patente, não colhe.

–– Por fim, da pretendida “suspensão da execução da pena”.

Em relação a esta matéria, firme tem sido o entendimento deste T.S.I. no sentido de que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 31.10.2013, Proc. n° 648/2013).

No caso, é verdade que, de alguma forma, se pode dizer que o crime em questão é (apenas) um crime de “ofensa simples à integridade física”, que provocou à vítima lesão que necessitou de 1 dia para se restabelecer.

Todavia, o arguido é agente da P.S.P., não sendo primário, sendo a segunda vez que, com esta qualidade, incorre em ilícitos de natureza penal que deram lugar a penas de prisão, a anterior, suspensa na sua execução.

E, nesta conformidade, atenta também a sua “conduta processual”, há que dizer que difícil se torna o necessário juízo de prognose favorável.

Com efeito, sendo agente da P.S.P., óbvio é que maior obrigação tem de respeitar as normas de convivência social, (devendo disto ser exemplo) e de colaborar com as instituições públicas, nomeadamente, com os órgãos judiciais.

Porém, e sendo que a anterior conduta criminosa – a prática de 1 crime de “simulação de crime”, p. e p. pelo art. 330°, n.° 1 do C.P.M. – ocorreu já com a qualidade de agente da P.S.P., não se coibiu de voltar a delinquir, cometendo o crime dos autos, assumindo ainda uma postura que não demonstra arrependimento (nem respeito pelos Tribunais, pois que, com se disse, faltou a audiência sem sequer – tentar – justificar a sua não comparência).

Não se nega, que se devem “evitar penas de prisão de curta duração”; (cfr., Ac. de 12.12.2013, Proc. n.° 728/2013).

Todavia, como também temos vindo a afirmar “não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta”; (cfr., Ac. de 12.12.2013, Proc. n.° 728/2013).

Perante isso, motivos não existem para se alterar a decisão recorrida, sendo, assim, de julgar improcedente o recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça de 6 UCs.

Macau, aos 23 de Janeiro de 2014

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

Proc. 768/2013 Pág. 28

Proc. 768/2013 Pág. 27