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Processo nº 243/2012
(Autos de recurso contencioso)

Data: 28/Novembro/2013

Assunto: Caducidade da autorização temporária de residência
Fuga a impostos
Exercício de poderes discricionários
Erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários
Princípio da proporcionalidade

SUMÁRIO
     - O fim que a lei de fixação de residência visou ao conferir à Administração poderes discricionários de autorizar (ou não) a residência na RAEM era incentivar a captação de investimentos de reconhecida relevância económica e a fixação de recursos humanos de elevada qualidade.
     - É conferido à Administração, no exercício dos seus poderes discricionários, o poder ou a liberdade de escolher, de entre uma série de soluções possíveis, aquela que lhe pareça melhor para o caso concreto, a fim de satisfazer a necessidade e o interesse público legalmente previstos.
     - Não há erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, nem violação do princípio da proporcionalidade se, comprovada está a violação pelo recorrente das obrigações fiscais, vier a declarar-se caducas as autorizações de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar.
       
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 243/2012
(Autos de recurso contencioso)

Data: 28/Novembro/2013

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, casado, titular do passaporte da República Popular da China nº GXXXXXX2 e titular do BIR não permanente da RAEM, melhor identificado nos autos, notificado do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 21 de Fevereiro de 2012, que declarou a caducidade das autorizações de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar, vem interpor o presente recurso contencioso de anulação do referido despacho, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. 根據批示第3點及根據《行政訴訟法典》第25條第二款a)項之規定,本司法上訴之提起屬適時,貴院具有權限審理本司法上訴;
2. 此外,由於司法上訴人已對批示之行政行為提起效力之中止保全程序(第194/2012號卷宗),根據《行政訴訟法典》第130條第七款之規定,司法上訴人在期限內對可撤銷之行為提起司法上訴,行為效力之中止應予以維持;
因權利及事實前提錯誤而違反法律之瑕疵
3. 於2003年7月9日,司法上訴人依據第14/95/M號法令之規定,向澳門貿易投資促進局提出投資不動產之臨時居留申請;
4. 司法上訴人及其家團成員,包括妻子B、父親C、母親D及女兒E,均於2005年6月15日獲批於澳門地區定居之許可;
5. 直至2012年3月3日,被司法上訴所針對之實體作出批示,指出司法上訴人於購買位於澳門氹仔XX街XX號XX花園第XX座XX苑XX樓XX座獨立單位時,不實申報不動產之價值,以圖避稅,因此宣告司法上訴人及有關家團成員的臨時居留許可失效,對此,司法上訴人表示不同意;
6. 根據第14/95/M號法令第1條第一款b)項及第2條第一款d)項之規定,對不動產作投資金額不少於澳門幣一百萬元之長期性投資,已視為重大投資及符合在澳門地區定居之資格;
7. 但被司法上訴所針對之實體卻指司法上訴人將實為150多萬的價值虛報為1,009,400澳門元,以圖逃稅,並以相關不動產作為申請投資居留許可的依據,並宣告司法上訴人及有關家團成員的臨時居留許可失效;
8. 須特別指出,即使司法上訴人有否如被司法上訴所針對之實體所指虛報150多萬的價值虛報為1,009,400澳門元,司法上訴人仍完全符合申請投資不動產之臨時居留之條件;
9. 因為根據當時生效的第14/95/M號法令,有關投資金額不少於澳門幣一百萬元,已視為重大投資及符合在澳門地區定居之資格;
10. 訂立上述制度之目的,是為著澳門之經濟發展及所實行之投資促進政策,故有需要制定特定鼓勵措施,以吸納視為具有經濟效益之投資及使高質素之人力資源留下來,該等措施亦能使企業家、管理人員、具特別資格之技術人員留在本地區;
11. 因此,司法上訴人完全符合申請投資不動產之臨時居留之條件,此外,正如被司法上訴所針對之實體於2005年6月15日所批准一樣,司法上訴人及其家團成員符合於澳門臨時居留之資格;
12. 再者,根據《印花稅規章》第61條一款a)之規定,倘被司法上訴所針對之實體認為司法上訴人虛報150多萬的價值虛報為1,009,400澳門元,應要求司法上訴人支付有關稅款,並非在不給予司法上訴人聽證及提出證據之情況下,突然宣告司法上訴人及有關家團成員的臨時居留許可失效;
13. 因此,司法上訴人符合在澳門地區定居之前提下,被司法上訴所針對之實體不應宣告司法上訴人及有關家團成員的臨時居留許可失效;
14. 此外,就被司法上訴所針對之實體於批示中指,司法上訴人違反《行政程序法典》第62條第一款及第8條、第4/2003號法律第9條第二款(一)項之規定,從而宣告司法上訴人及有關家團成員的臨時居留許可失效,除應有尊重外,司法上訴人表示不同意;
15. 根據《行政程序法典》第5條第二款之規定,“行政當局之決定與私人之權利或受法律保護之行益有衝突時,僅得在對所擬達致之目的屬適當及適度下,損害該等權利或利益”;
16. 被司法上訴所針對之實體從沒有考慮司法上訴人及其家團成員在澳門生活多年,妻子已在澳門有工作,小孩正在讀書等因素,沒有對司法上訴人及其家團成員處以較為合適的決定,例如罰款及補交稅款等;
17. 除應有尊重外,被司法上訴所針對之實體沒有考慮上述因素,便作出較為嚴重侵害司法上訴人之決定,突然宣告司法上訴人及有關家團成員的臨時居留許可失效,違反適度原則;
18. 因此,根據《行政訴訟法典》第21條第一款d)項之規定,由於上述行政行為違反了第14/95/M號法令第2條第一款d)項及《行政程序法典》第5條二款之規定,故有關行政行為屬可撤銷。
行使自由裁量權時有明顯錯誤而違反法律之瑕疵-
19. 於2003年7月9日,司法上訴人依據第14/95/M號法令之規定,就購買位於澳門氹仔XX街XX號XX花園第XX座XX苑XX樓XX座獨立單位,向澳門貿易投資促進局提出投資不動產之臨時居留申請;
20. 司法上訴人及其家團成員,包括妻子B、父親C、母親D及女兒E,均於2005年6月15日獲批於澳門地區定居之許可;
21. 司法上訴人及其家團成員,自始便開始在澳門定居、生活、讀書及工作;
22. 司法上訴人之妻子B,於澳門博彩股份有限公司工作,由2006年11月21日工作至今;
23. 司法上訴人之女兒E,現年9歲,於澳門XX學校讀書,現正就讀小學三年級;
24. 於2008年8月21日,司法上訴人之妻子B誕下兒子F,持有澳門永久性居民身份證第1XXXXXX(2);
25. 兒子F現年4歲,於澳門XX學校就讀幼兒教育一年級D;
26. 司法上訴人及其父母、妻子、兒女均於澳門定居、有穩定工作、兒女由小到大一直在澳門地區接受教育及生活;
27. 直至2012年3月3日,被司法上訴所針對之實體作出批示,指出司法上訴人於購買位於澳門氹仔XX街XX號XX花園第XX座XX苑XX樓XX座獨立單位時,不實申報不動產之價值,以圖避稅,因此宣告司法上訴人及有關家團成員的臨時居留許可失效;
28. 根據第14/95/M號法令第1條第一款b)項及第2條第一款d)項之規定,對不動產作投資金額不少於澳門幣一百萬元之長期性投資,已視為重大投資及符合在澳門地區定居之資格;
29. 但被司法上訴所針對之實體卻指司法上訴人將實為150多萬的價值虛報為1,009,400澳門元,以圖逃稅,並以相關不動產作為申請投資居留許可的依據,並宣告司法上訴人及有關家團成員的臨時居留許可失效;
30. 須特別指出,即使司法上訴人有否如被司法上訴所針對之實體所指虛報150多萬的價值虛報為1,009,400澳門元,司法上訴人仍完全符合申請投資不動產之臨時居留之條件;
31. 因為根據當時生效的第14/95/M號法令,有關投資金額不少於澳門幣一百萬元,已視為重大投資及符合在澳門地區定居之資格;
32. 訂立上述制度之目的,是為著澳門之經濟發展及所實行之投資促進政策,故有需要制定特定鼓勵措施,以吸納視為具有經濟效益之投資及使高質素之人力資源留下來,該等措施亦能使企業家、管理人員、具特別資格之技術人員留在本地區;
33. 因此,司法上訴人完全符合申請投資不動產之臨時居留之條件,此外,正如被司法上訴所針對之實體於2005年6月15日所批准一樣,司法上訴人及其家團成員符合於澳門臨時居留之資格;
34. 再者,根據《印花稅規章》第61條一款a)之規定,倘被司法上訴所針對之實體認為司法上訴人虛報150多萬的價值虛報為1,009,400澳門元,應要求司法上訴人支付有關稅款,並非在不給予司法上訴人聽證及提出證據之情況下,突然宣告司法上訴人及有關家團成員的臨時居留許可失效;
35. 現被司法上訴所針對之實體所作出之決定,將嚴重影響司法上訴人及其父母、妻子、兒女的正常生活、妻子會因此而失去工作、9歲的女兒亦無法繼續在澳門地區讀書;
36. 此外,上述決定使司法上訴人及家團成員無法逗留於澳門,年僅4歲的兒子F將無人看管及照顧,同樣無法在澳門地區讀書及生活;
37. 當年僅9歲及4歲的小朋友因環境變遷而導致留級及學業被影響,有關後果及損害是難以彌補的,甚至將成為小朋友由小到長大後的遺憾,或以後被標籤化為留級生(見文件10至15),並對兩位小朋友的心理造成創傷;
38. 再者,由於年僅4歲的兒子F在澳門出生,持有澳門永久性居民身份證,因此其根本沒有中華人民共和國之戶籍及身份證,同樣不能跟隨司法上訴人及母親到中國內地生活;
39. 被司法上訴所針對之實體在行使自由裁量權作出決定時,並沒有考慮上述因素而對司法上訴人及其家團成員處以較為合適的決定,例如罰款及補交稅款等;
40. 此外,被司法上訴所針對之實體亦沒有考慮當時澳門社會之狀況,及普遍大眾巿民對申報樓宇價值之誤解,大多數巿民對申報樓宇價值之錯誤做法;
41. 綜上所述,被司法上訴所針對之實體在行使自由裁量權作出決定時,並沒有考慮上述因素而對司法上訴人及其家團成員處以較為合適的決定,亦沒有考慮當時澳門社會之狀況,及普遍大眾巿民對申報樓宇價值之誤解,大多數巿民對申報樓字價值之錯誤做法;因此,由於在行使自由裁量權時有明顯錯誤,以及絕對不合理行使自由裁量權,導致上述行為違反法律,有關批示存有可撤銷之瑕疵。
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Regularmente citada, pela entidade recorrida foi apresentada a contestação constante de fls. 45 a 50 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Findo o prazo para alegações, o Ministério Público deu o seguinte parecer:
“Exalado na Informação n.º 00248/GJFR/2012 (doc. de fls. 20 a 23 do P.A.), o acto recorrido de 《批准建議》implica o acolhimento dos fundamentos de facto e de direito aí expostos, sendo a base legal consistente no disposto no art. 11º do D.L. n.º 14/95/M ex vi art. 24º da Lei n.º 5/2003.
Antes de mais, vale mencionar que, a nosso ver, o efeito jurídico do acto recorrido não se traduz em declarar a caducidade das autorizações de residência temporária concedidas ao recorrente e ao seu agregado familiar, mas em revogar tais autorização.
E, cabe, desde logo, apontar que nos termos do n.º 3 do art. 68º do CPAC, não podem constituir fundamento deste recurso os argumentos sintetizados nas 2 e 5 conclusões das alegações facultativas, por não se tratar do conhecimento superveniente.
Sendo assim, resta-nos investigar se se verificarem os 2 vícios invocados na petição e reiterados nas alegações, quais são: de um lado, a violação do princípio de proporcionalidade e, de outro, o erro manifesto e total desrazoabilidade no exercício do poder discricionário.
Ora, a alínea 1) do n.º 2 do art. 9º da Lei n.º 4/2003 prevê expressamente o 《comprovado incumprimento das Leis da RAEM》. Daí decorre que o 《comprovado incumprimento das Leis da RAEM》 constitui um dos fundamentos típicos para não conceder a autorização de residência.
No procedimento conducente ao despacho em causa, o próprio recorrente A declarou (cfr. fls. 27 do P.A.):自己付了60多萬元現金給G先生,而G先生借了70至80萬元給本人用作買樓申請居留,當中並沒有簽署書面借貸合約。物業付款證明是由中介公司安排,本人用作居留申請的物業的購入價格實為150萬元,但為少交些稅款,而申報為上述購買價值(1,009,400澳門元)。
Ora bem, a dolosa declaração do recorrente, em sede do imposto de selo, sobre o valor do imóvel por si comprado para efeito previsto na d) do n.º 1 do art. 2º do D.L. n.º 14/95/M na redacção introduzida pelos D.L. n.º 22/96/M e D.L. n.º 22/97/M infringe grosseiramente o princípio de boa fé e o dever geral consagrados respectivamente nos arts. 8º e 62º do CPA.
De outro lado, o empréstimo clandestinamente dado ao recorrente por indivíduo de nome G, no valor de MOP$1.000.000,00, constitui intencional infracção do art. 5º n.º 3 do D.L. n.º 14/95/M na redacção introduzida pelos D.L. n.º 22/96/M e D.L. n.º 22/97/M.
O recorrente ainda confessou que (cfr. fls. 26 do P.A.): G é irmão da sua mãe, ele A é parentesco de 4º grau (堂兄弟) do indivíduo H – recorrente no Processo n.º 245/2012, e G tinha contraído empréstimo a ambos, sendo cada um na quantia de MOP$1.000.000,00.
Bem ponderados, tais factos indiciam fortemente um fraudulento conluio e simulação entre o recorrente A, seu tio G e seu irmão do 4º grau de nome H, como bem decidiu o Venerando TSI no Processo n.º 245/2012: 申言之,即使存在真正的不動產買賣(我們對此存疑),原房產所有人所收取的150萬元當中的150萬元是“左手交右手”的交易。
O certo é que ao pedir a autorização da residência, o recorrente cometeu dolosamente o duplo incumprimento de leis da RAEM, com forte conotação de fraudar a Administração. O que torna seriamente duvidosa a conformação do recorrente com o ordenamento jurídico de Macau.
No acórdão proferido no Processo n.º 815/2011, o Venerando TSI decidiu: À luz do disposto nos artºs 4º/2-3) e 9º/2-1) da Lei 4/2003, aplicável ex vi do artº 23 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, não é de censurar a decisão administrativa que indeferiu a renovação da autorização de residência temporária, com fundamento na comprovada falsidade das declarações, no que diz respeito à composição do seu agregado familiar, prestadas pelo requerente, no requerimento por ele formulado para pedir a autorização de residência temporária na modalidade de investimento imobiliário.
Nos termos comparativos, são, sem dúvida, muito mais gravosa a ilicitude da falsidade das declarações verificada in casu e também muito mais intensiva a intenção dolosa do recorrente. O que nos legitima extrair a conclusão de que não existe o invocado erro nos pressupostos de facto.
O recorrente assacou ainda a ofensa do princípio da proporcionalidade e a total desrazoabilidade no exercício do poder discricionário, argumentando que o acto recorrido afecta gravemente a vida normal de si, dos seus pais, da sua mulher e dos seus filhos.
No acórdão prolatada no Processo n.º 36/2006, o TUI enunciou, de forma clara e proficiente: Em princípio os interesses públicos de tranquilidade prevalecem sobre os interesses individuais de interessados de entrar e residir na Região.
Por sua vez, o TSI afirmou sensatamente no recente aresto emanado no Processo n.º 394/2011: Quando o legislador permite que os poderes discricionários sejam usados ao abrigo e para os fins do art. 9º da Lei n.º 4/2003, de 17/03, está a dar total amplitude ao depositário desses poderes em prol do bem comum, sem constrangimentos relacionados com os fins da reabilitação.
No mesmo douto aresto, perfilhou e sustentou também a seguinte perspectiva: Os fins da reabilitação, na medida em que servem propósitos particulares, devem ceder perante os fins públicos servidos pela norma ao conferir o poder discricionário ao seu titular.
Em esteira com tais bem deliberadas jurisprudências, cremos que não se verifica a total desrazoabilidade no exercício do poder discricionário e, nesta não parece possível surgir in casu a violação do princípio da proporcionalidade.
Pelo expendido, propendemos pela total improcedência do presente recurso.”
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
Em 9 de Julho de 2003, o recorrente formulou o pedido de fixação de residência em Macau, mediante o investimento na aquisição da fracção autónoma, sita na Taipa, Rua de XX nº XX, XX da XX Fase I, bloco XX, XXº andar XX.
O recorrente declarou aquando da aquisição do imóvel que o valor da compra e venda era de MOP$1.009.400,00.
Todavia, o valor real daquele negócio era no valor de cerca de $1.500.000,00.
A razão por que ter o recorrente declarado um valor mais baixo foi para pagar menos imposto.
O pedido foi deferido em 15 de Junho de 2005, tendo sido concedida autorização de fixação de residência temporária ao recorrente e seus familiares, a qual foi renovada até Janeiro de 2014.
Em 15 de Fevereiro de 2012, o IPIM recebeu do CCAC uma comunicação referindo que o recorrente tinha apresentado contrato de compra e venda de imóvel e escritura falsos aquando da apresentação do requerimento de fixação de residência em Macau na modalidade de investimento relevante, havendo, assim, suspeitas de violação do disposto na alínea d) do artigo 2º do DL nº 14/95/M.
Em consequência, o recorrente foi ouvido em declarações no IPIM na presença da sua advogada sobre os factos de compra e venda (conforme documento de fls. 26 do apenso).
Durante a inquirição, o recorrente admitiu que o preço real da compra e venda do imóvel adquirido para efeitos de requerimento de fixação de residência era cerca de $1.500.000,00, mas o recorrente apenas declarou perante as autoridades competentes o valor de MOP$1.009.400,00, para pagar menos imposto.
Em 21 de Fevereiro de 2012, o IPIM elaborou a Informação n.º 00248/GJFR/2012, na qual se propôs a declaração de caducidade das autorizações de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar, conforme o documento de fls. 20 a 23 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Nesse mesmo dia, pelo Sr. Secretário para a Economia e Finanças foi autorizada a proposta do IPIM.
O recorrente tem dois filhos, sendo a filha mais velha de nome E, nascida na China em 2003 e portadora do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente, e o filho mais novo de nome F, nascido em Macau em 2008 e portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM.
Os filhos estão a estudar, enquanto a esposa tem emprego fixo em Macau.
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    Alega o recorrente que não foi ouvido antes de ser declarada a referida caducidade, e mesmo que se considere ter o recorrente declarado falsamente o valor da compra e venda para fugir a impostos, o montante declarado era ainda superior ao valor mínimo exigido pelo DL nº 14/95/M, daí que se preencheria igualmente os requisitos previstos naquele diploma legal, bem como a decisão recorrida não teria ponderado a situação concreta e real do recorrente e do seu agregado familiar, uma vez que, deixando de se renovar as autorizações de residência, a filha menor terá que regressar à China Continental, enquanto o filho menor não possui documento legal na China, assim irão os mesmos sofrer prejuízos irreparáveis.
    Entende, assim, o recorrente que a decisão recorrida enferma dos vícios da falta da audiência do recorrente, erro sobre os pressupostos de facto, erro manifesto e grosseiro no uso de poderes discricionários com violação do princípio da proporcionalidade.
    Vejamos.
    No que tange à pretensa falta da audiência do recorrente, salvo o devido respeito, julgamos sem razão ao recorrente, pois verifica-se que depois de o IPIM ter recebido a comunicação enviada pelo CCAC em 15/2/2012, procedeu-se em 21 de Fevereiro à inquirição do recorrente, tendo o mesmo sido ouvido em declarações sobre os factos relacionados com a compra e venda do imóvel, e durante a inquirição estava ainda presente a mandatária do recorrente.
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    No respeitante ao pretenso vício de erro sobre os pressupostos de facto, salvo o devido respeito, não se descortina qualquer facto que esteja em desconformidade com a realidade.
    Ora, provado que na aquisição da fracção autónoma em causa, o recorrente declarou como valor de aquisição MOP$1.009.400,00 e não o valor real, facto esse aliás já confessado pelo próprio nas suas declarações perante o IPIM e comprovado pelas testemunhas, daí que não há qualquer erro sobre os pressupostos de facto.
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    Na verdade, o recorrente apenas discorda da decisão recorrida, entendendo que o facto praticado pelo recorrente não seria tão grave que merecesse a caducidade das respectivas autorizações de residência.
     Para o efeito, invoca o recorrente que havia erro manifesto e grosseiro no uso de poderes discricionários com violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 5º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo.
    Estatui-se no artigo 9º da Lei nº 4/2003, aplicável for força do disposto no artigo 11º do DL nº 14/95/M, de 27 de Março, o seguinte:
“1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.”
Mais se prevê no artigo 24º do Regulamento Administrativo nº 5/2003 que:
“São causas de caducidade da autorização de residência:
1) O decaimento de quaisquer pressupostos ou requisitos sobre os quais se tenha fundado a autorização;
     2) Qualquer circunstância que, nos termos da lei de princípios e do presente regulamento, seja impeditiva da manutenção da autorização, nomeadamente a falta de residência habitual do interessado na RAEM.”
     Trata-se aqui do exercício de poderes discricionários pela entidade recorrida, à qual é conferido pela lei o poder ou a liberdade de escolher, de entre uma série de soluções possíveis, aquela que lhe pareça melhor para o caso concreto, a fim de satisfazer a necessidade e o interesse público legalmente previstos.
     No fundo, o fim que aquela lei visou ao conferir à Administração esse poder de autorizar (ou não) a residência na RAEM era incentivar a captação de investimentos de reconhecida relevância económica e a fixação de recursos humanos de elevada qualidade.
     Ou seja, pretende com aquele diploma legal, entre outras finalidades, absorver pessoal de alta qualidade e de bom carácter, para aqui fixarem residência, de modo que permita promover o desenvolvimento económico e a qualidade dos cidadãos em geral, como uma mais valia para Macau.
     Estatui-se nos termos do artigo 21º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso que constitui fundamento do recurso, entre outros, o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
     Conforme se decidiu no Acórdão deste TSI, no Processo 363/2009, em 19 de Maio de 2011, “A desrazoabilidade a que alude o artigo 21º, 1, d) do CPAC, aliás, adjectivada de total, deve ser entendida de forma a deixar um espaço livre à Administração, salvaguardados os limites próprios do poder discricionário, nomeadamente os limites internos decorrentes dos princípios da imparcialidade, igualdade, justiça, proporcionalidade ou outros vertidos no Código do Procedimento Administrativo, assim se pondo cobro a eventuais abusos.”
     Também se referiu no Acórdão deste TSI, Processo 647/2010, que a expressão “total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários pode comportar-se o sentido de uma absurda e desmesurada aplicação do poder discricionário administrativo perante um determinado caso real e concreto. E a decisão desrazoável é aquela cujos efeitos se não acomodam ao dever de proteger o interesse público em causa, aquela que vai para além do que é sensato e lógico tendo em atenção o fim a prosseguir, um acto absurdo ou por vezes irracional”.
     No que respeita à questão de violação do princípio da proporcionalidade, dispõe o artigo 5º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar” – sublinhado nosso.
     Segundo as palavras do Acórdão do Venerando TUI, no Processo 38/2012, “de acordo com este princípio, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem revelar-se idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelos actos dos poderes públicos”.
     Sobre esta matéria, foi já objecto de abordagem pelo Venerando TUI, designadamente nos Acórdãos dos Processos nº 9/2000, 13/2012, 38/2012, transcrevendo-se, a seguir, parte de um desses arestos:
     “Não se têm suscitado dúvidas tanto na doutrina como na jurisprudência, que os tribunais podem fiscalizar o respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. A dúvida está em saber em que medida deverão os tribunais intervir nesta matéria.
     David Duarte, referindo-se à proporcionalidade em sentido estrito, “que engloba a técnica do erro manifesto de apreciação, técnica jurisdicional francesa que compreende, em termos avaliativos, para além do erro na qualificação dos factos, a utilização de um critério decisório proporcional que se revela numa decisão desequilibrada entre o contexto e a finalidade. O erro manifesto de apreciação, na vertente de controlo da adequação da decisão aos factos…é, como meio de controlo do conteúdo da decisão, uma dos degraus mais elevados da intervenção do juiz na discricionariedade administrativa. E, por isso, só é utilizável na medida da evidência comum da desproporção”.
     Nas mesmas águas navega Maria da Glória F. P. Dias Garcia, defendendo que “em face da fluidez dos princípios (da proporcionalidade, da igualdade, da justiça), só são justiciáveis as decisões que, de um modo intolerável, os violem.”
     No caso vertente, está comprovada a violação pelo recorrente das obrigações fiscais prevista no artigo 9º, nº 2, 1) da Lei nº 4/2003.
     E pese embora a caducidade das autorizações de residência temporária venha a causar efeitos negativos ao recorrente e ao seu agregado familiar, mas não é menos verdade que a entidade recorrida pretende, com a prática do acto recorrido, prosseguir um interesse público, a saber, de manutenção da boa e alta qualidade dos seus residentes e da estabilidade social, sendo assim, não podemos concluir que o sacrifício a ele imposto seja manifestamente desproporcionado ao interesse que se pretendia atingir com a prática do acto recorrido.
     Efectivamente, não se mostra o acto recorrido desrazoável nem desproporcional, é para negar provimento ao recurso.
     Decidiu-se recentemente pelo Venerando TUI, no Processo nº 59/2013, de 6 de Novembro de 2013, relativamente a um caso semelhante, no sentido de que “não se verifica erro manifesto ou grosseiro no uso de poderes discricionários ou violação dos princípios da adequação e proporcionalidade se a Administração declara caduca autorização temporária de residência, concedida mediante investimento imobiliário, com fundamento em fuga à sisa devida na compra e venda da fracção objecto do investimento, por considerar ter existido comprovado incumprimento das leis da RAEM”.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso contencioso.
Custas pelo recorrente, com 6 U.C. de taxa de justiça.
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Macau, 28 de Novembro de 2013

Tong Hio Fong (Relator)
Lai Kin Hong (Primeiro Juiz-Adjunto)
João Gil de Oliveira (Segundo Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng (Estive presente-Magistrado do M.oP.o)



Processo 243/2012 Pág 21