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Processo nº 589/2013 Data: 24.10.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “reentrada ilegal”.
Erro notório na apreciação da prova.



SUMÁRIO

1. Comete o crime de “reentrada ilegal”, p. e p. pelo art. 21° da Lei n.° 6/2004 “quem violar a proibição de reentrada” (do art. 12°).

2. Se provado está que o arguido, com antecedentes criminais em matéria de “imigração ilegal”, assinou com o seu próprio punho a “ordem de expulsão” onde constava expressamente que ficava interdito de reentrar em Macau, e que se o fizesse incorria em responsabilidade criminal, declarando ter ficado ciente, e que (mesmo assim) voltou a Macau, após pouco tempo, acertado não se mostra de dar como não provado que agiu sem “dolo”, sabendo que a sua conduta era proibida e pnida por Lei.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 589/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Sob acusação pública e nos Autos de Processo Comum Singular n.° CR4-13-0176-PCS, respondeu, no T.J.B., B (B), arguido com os restantes sinais dos autos, vindo, a final, a ser absolvido da prática como autor e em concurso real de 1 crime de “falsas declarações sobre a identidade” e outro de “reentrada ilegal”, p. e p. pelos art°s 19°, n.° 1 e 21° da Lei n.° 6/2004; (cfr., fls. 95 a 97-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o Ministério Público recorreu.
Motivou para, a final, e em síntese, imputar à sentença recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “falta de fundamentação”; (cfr., fls. 102 a 105).

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Sem resposta, e após admitido o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I., onde, em sede de vista, e em douto Parecer, pugnou a Ilustre Procuradora Adjunta no sentido da procedência do recurso; (cfr., fls. 114).

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Nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 95 a 97, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o Ministério Público recorrer da sentença que absolveu o arguido dos autos da imputada prática como autor e em concurso real, de 1 crime de “falsas declarações sobre a identidade” e outro de “reentrada ilegal”, p. e p. pelos art°s 19°, n.° 1 e 21° da Lei n.° 6/2004.

É de opinião que a sentença recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova” e “falta de fundamentação”.

Desde já, e tendo em conta o teor da motivação e conclusões do recurso, cabe notar que o presente recurso tem tão só como “objecto” o segmento decisório que diz respeito ao crime de “reentrada ilegal”.

E dito isto, vejamos.

–– Começando-se pela alegada (nulidade por) “falta de fundamentação”, cremos que não se pode reconhecer razão ao ora Recorrente.

De facto, na sentença em questão não deixou o Mmo Juiz a quo de emitir pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a matéria de facto que do julgamento resultou provada e não provada, expondo os motivos desta sua decisão assim como da absolvição que decretou.

Pode-se, obviamente, não concordar com tal “fundamentação”, porém, tal não concordância não implica (equivale a) “falta de fundamentação”.

Improcede, assim, o recurso na parte em questão.

–– Quanto ao “erro notório”.

Repetidamente tem este T.S.I. afirmado que: “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 30.07.2013, Proc. n.° 485/2013 do ora relator).

Exposto que assim cremos ficar o sentido e alcance do alegado vício, cremos que, na parte em questão, tem o Recorrente razão.

Vejamos.

O Mmo Juiz a quo justificou a absolvição do arguido, afirmando, em síntese, que não tinha sido possível apurar qual a sua verdadeira identidade, isto é, se a sua verdadeira identidade era a que constava neste processo, sob o nome B, ou a que constava nos Autos de Processo Comum Singular com as referências CR1-07-0108-PCS, CR1-10-0334-PCS, e CR1-12-0194-PCS, onde o (mesmo) arguido tem o nome de C, ou C1 (C).

E, nesta conformidade, acabou por decidir também que o arguido tinha agido sem “dolo”, (dando como não provado que tenha agido de forma voluntária e consciente, e com conhecimento que a sua conduta era proibida e punida por Lei), daí o absolvendo dos crimes que lhe eram imputados.

Ora, como é bom de ver, e sem prejuízo do muito respeito por diversa opinião, não se pode subscrever este entendimento, pois que não se nos mostra compatível com as normais regras de experiência.

Eis o que se nos oferece dizer.

Independentemente do demais, nomeadamente da matéria referente ao crime de “falsas declarações”, (que por falta de recurso está “definitivamente arrumada”), e ainda que apurada não esteja a verdadeira identidade do arguido, não se pode olvidar que os presentes autos demonstram (de forma clara e segura) que em causa está a “mesma pessoa”, e que o arguido, (ainda que, na altura, com outra identidade), assinou, com o seu próprio punho, a “ordem de expulsão” datada de 11.10.2008 e redigida em língua chinesa, que até continha uma sua fotografia, e onde constava expressamente que tinha tomado “conhecimento da presente ordem de expulsão … que a violação à interdição de reentrada neste Território é punida nos termos do Art°. 21°. da Lei N°. 6/2004 de 02 de Agosto de 2004, com pena de prisão”; (cfr., fls. 5).

Por sua vez, não se pode também olvidar que o mesmo arguido já foi por duas vezes condenado, não sendo propriamente um iniciante no que toca a ilícitos relacionados com a imigração clandestina e suas sanções penais.

E, perante isto, e em conformidade com as ditas normais regras de experiência, razoável não se mostra de dar como não provado que em relação ao crime de “reentrada ilegal”, tenha o arguido agido sem “dolo”, (desconhecendo que o não podia fazer e que fazendo violava a proibição de reentrada decretada), aqui se identificando o vício de “erro notório” que implica, necessariamente, o reenvio dos autos para novo julgamento, nos termos do art. 418° do C.P.P.M..

Tudo visto, e outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.

Decisão

4. Em face do expendido, acordam reenviar o processo para novo julgamento nos exactos termos consignados.

Custas, pelo arguido, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Honorários à Exma. Defensora no montante de MOP$2.500,00.

Macau, aos 24 de Outubro de 2013

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 589/2013 Pág. 10

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