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Processo nº 590/2013 Data: 24.10.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “ofensa qualificada à integridade física”.
Erro notório na apreciação da prova.
Dolo.
Agente da P.S.P..
Pena.



SUMÁRIO

1. O vício de erro notório na apreciação da prova apenas ocorre quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 590/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em audiência colectiva no T.J.B. responderam B (B) e C (C), (1ª e 2ª) arguidas com os restantes sinais dos autos.
Realizado o julgamento, proferiu o Colectivo Acórdão condenando as arguidas nos termos seguintes:
- a (1ª) arguida B, como autora da prática em concurso real de 2 crimes de “ofensa qualificada à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 e 140° do C.P.M., na pena de 6 meses de prisão cada, e, em cúmulo na pena única de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, na condição de a arguida pagar uma indemnização de MOP$1.000,00 à ofendida identificada nos autos;
- a (2ª) arguida C, como autora da prática de 1 crime de “ofensa qualificada à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 e 140° do C.P.M., na pena de 6 meses de prisão também suspensa na sua execução por 2 anos, na condição de pagar uma indemnização de MOP$1.000,00 à ofendida identificada nos autos; (cfr., fls. 218 a 225).

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Inconformadas, as arguidas recorreram.
Nas suas motivações e conclusões, dizem, em síntese, que agiram sem dolo, imputando (ainda que “indirectamente”) ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 254 a 276 e 280 a 301).

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Em Resposta, pugna o Ministério Público pela improcedência dos recursos; (cfr., fls. 306 a 308).

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Neste T.S.I., juntou a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer com o seguinte teor:

“B, ora 1.a arguida dos presentes autos, foi condenada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de ofensa qualificada à integridade física p.° p.° pelos art.°s 137 n.° 1 e 140 do C.P.M., na pena de 6 meses de prisão, em cúmulo jurídico, das penas parcelares na pena conjunta de 9 meses de prisão, com execução suspensa por 2 anos, bem como no pagamento da indemnização referenciada na fls. 224v..
C, ora 2.a arguida dos presentes autos, foi condenada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa qualificada à integridade física p.° p.° pelos art.°s 137 n.° 1 e 140 do C.P.M., na pena de 6 meses de prisão, com execução suspensa por 2 anos, bem como no pagamento da indemnização referenciada na fls. 224v ..
Ambos inconformadas com as decisões, vêm recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, invocando violação dos art.°s 400 n.°s n. 1 e 114 do C.P.P.M., bem como dos art.°s 64, 65 e 45, 137 n.° 1 e 140 do C.P.M ..
Analisados os autos, em sintonia com a Digna resposta do M.P. à motivação do recurso, entendemos correcta a decisão do Tribunal a quo, por força da consequência jurídica exigida pelos art.°s 137 n.° 1 e 140 do C.P.M., não se vislumbrando que o douto Acórdão ora recorrido tenha violado as regras e as normas legais acima mencionadas.
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Nas suas motivações de recursos, ambas as recorrentes alegaram que não agiram com dolo na prática de actos de agressão contra os agentes policiais ofendidas, insatisfazendo assim o requisito subjectivo da disposição dos art.°s 137 n.° 1 e 140 do C.P.M ..
Concordamos sempre que, em harmonia com a douta decisão do Processo n.° 677/2012, de 6/9/2012, do T.S.I., é adquirida a convicção sobre os factos objecto do processo pelos julgadores, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova, em conjugação com as regras da experiência, nos termos do art.° 114 do C.P.P.M., independendo da quantidade de prova produzida durante o julgamento, nem a atitude de confissão dos arguidos acusados.
Nunca se aceita que os factos dados como provados, quer objectivos quer subjectivos, baseiem na atitude de confissão dos arguidos acusados.
In casu, tendo em conta todas as provas produzidas durante a audiência de julgamento e os documentos comprovativos constantes nos autos, nomeadamente as fotografias constantes a fls. 28 e 29, entendemos que a convicção do Tribunal a quo foi formulada certamente segundo as regras da experiência, nos termos do art.°114 do C.P.P.M ..
Em relação à escolha de pena, como se sabe que é sempre livre o tribunal para fixar a pena, dentro da moldura penal de cada crime, e, como já foi demonstrado na fundamentação da decisão recorrida, concordamos com o entendimento da inadequação da aplicação de pena não privativa da liberdade estipulada no art.° 45 do C.P.M., optando assim pela pena de prisão, em consideração da influência negativa para a ordem social, derivada dos actos de ataque às agentes policiais pelas recorrentes (cfr. fls. 222v. e 223 dos autos)
Quanto à medida de pena, foi demostrado também no douto acórdão recorrido a consideração das circunstâncias de que as recorrentes são residentes da R.A.E.M. e primárias, sem atitude de confissão da prática dos crimes, bem como as exigências de prevenção geral que se constituem como factores de risco para a ordem e tranquilidade social e a integridade física dos agentes policiais que desempenham as tarefas que a lei lhes atribui.
Não se afigura excessiva a condenação em pena de prisão de 6 meses à recorrente C e a de 9 meses, em cúmulo jurídico, à recorrente B, tendo em consideração as molduras abstractas das penas previstas para os crimes, a culpa das recorrentes e as exigências de prevenção criminal previstos no art.° 65 do C.P.M., tendo em linha de conta a necessária ponderação dos fins da protecção de bens jurídicos e a reintegração das recorrentes na sociedade previstos no art.° 40 do mesmo Código.
E, ao aplicar-se a sua suspensão da execução das penas em dois anos às arguidas recorrentes, não se vislumbra, no douto acórdão recorrido, nenhuma violação das regras e das normas legais que as recorrentes desejam imputar.
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Pelo exposto, dêem ser julgados improcedentes os recursos das arguidas B e C”; (cfr., fls. 318 a 319-v).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 220 a 221-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Como se deixou relatado, vem as arguidas recorrer do Acórdão que as condenou nos termos já expostos, imputando ao mesmo aresto (e ainda que indirectamente) o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”.

Cremos porém que nenhuma razão lhes assiste, sendo os recursos de rejeitar dada a sua manifesta improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.M.).

–– Comecemos pelo “erro notório na apreciação da prova”.

Pois bem é sabido que o vício em questão apenas ocorre “quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 30.07.2013, Proc. n.° 485/2013 do ora relator).

No caso dos autos deu o Colectivo a quo como provado que as arguidas agrediram (3) agentes (do sexo feminino) da P.S.P., e que o fizeram com “dolo”: agindo livre e voluntariamente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

E, “contra” o assim decidido, dizem as arguidas que, dada a sua idade, (são nascidas em 1950 e 1955), e regras de experiência, não devia o Tribunal concluir que “agiram com dolo”.

Ora, admite-se que a idade de uma pessoa (e a “experiência de vida” que com a mesma se adquire), pode influir no seu carácter e maneira de ser, levando-a a ser mais racional e, quiçá, mais prudente.

Mas, como em tudo na vida, e em especial, no que diz respeito ao ser humano, sua personalidade e reacções, não cremos possível uma “regra-padrão” como a proposta pelas recorrentes, evidente sendo a improcedência do recurso na parte em questão.

Aliás, cabe salientar também que não se divisa onde, como ou em que termos tenha o Colectivo a quo violado qualquer regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, tendo proferido a decisão com respeito ao princípio da livre apreciação da prova (cfr., art. 114° do C.P.P.M.), sendo ainda de notar que na audiência foram ouvidas um total de 11 testemunhas e que a decisão proferida tem claro suporte nos documentos (nomeadamente fotografias) juntos aos autos.

–– Quanto à “pena”, pouco há a dizer.

Como tem esta Instância entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 30.05.2013, Proc. n° 293/2013).

No caso dos autos, e como já se deixou dito, as arguidas agrediram (3) agentes (do sexo feminino) da P.S.P. que, no momento, encontravam-se devidamente uniformizadas (fardadas) e em serviço, tentando manter a ordem pública no âmbito de uma manifestação.

E, independentemente do demais, da idade das arguidas e do facto de serem primárias, cremos que evidente é que acentuada é a ilicitude da sua conduta, a reclamar uma “reacção penal adequada”, em resposta das prementes necessidades de prevenção criminal.

É óbvio que a todos assiste o “direito à manifestação” e o de se opor e reagir a medidas e decisões que se lhes pareçam injustas.

Todavia, não se pode aceitar o “vale tudo” sob pena de uma total anarquia e caos social.

No caso, retira-se dos autos que as arguidas não só não acataram as ordens que lhes foram dadas pela P.S.P. a fim de a manifestação em que participavam poder decorrer ordeiramente, tendo, agredido agentes da P.S.P. fardados e que cumpriam o seu dever de manutenção da ordem pública.

Ora, mostra-se-nos patente assim que bem andou o Tribunal a quo ao optar por uma pena privativa da liberdade, em detrimento de uma outra não privativa, (cfr., art. 64° e 44° do C.P.M.), certo sendo que não deixou de suspender a sua execução.

Por sua vez, nenhuma censura merece também a decisão na parte que fixa a “medida da pena”, pois que em total respeito com a sua moldura penal aplicável e em sintonia com o estatuído nos art°s 40°, 65° e 71° do C.P.M., que como sabido é, regulam a matéria da determinação da pena (parcelar e única).

Tudo visto, e apresentando-se-nos os recursos “manifestamente improcedentes”, imperativa é a sua rejeição.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar os recursos; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagarão as recorrentes 5 UCs de taxa (individual) de justiça, e como sanção pela rejeição dos seus recursos, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Macau, aos 24 de Outubro de 2013

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 590/2013 Pág. 16

Proc. 590/2013 Pág. 1