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Processo n.º 739/2013/A
(Suspensão de eficácia de acto administrativo)

Relator: João Gil de Oliveira

Data: 5/Dezembro/2013


ASSUNTOS:
    
    - Acto negativo
    - Autorização de residência; indeferimento; suspensão do acto
    

SUMÁRIO:

Tem um conteúdo negativo o acto administrativo que indeferiu o pedido de autorização de residência temporária por investimento, tendo permanecido o requerente com autorizações provisórias de permanência na RAEM durante o pedido de apreciação, nada apontando que tal autorização viesse a ser concedida, pelo que a execução de tal acto é insusceptível de ser suspensa.


                Relator,
                João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 739/2013/A
(Suspensão de eficácia do acto)

Data : 5 de Dezembro de 2013

Requerente: B

Entidade Requerida: Secretário para a Economia e Finanças da RAEM

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    B, mais bem identificados nos autos vem pedir a suspensão de eficácia do acto do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 15 de Outubro de 2013, que indeferiu o seu pedido de autorização de residência apresentado junto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (I.P.I.M.), o que faz, alegando, no essencial:
    O procedimento de suspensão de eficácia requerida nos autos é um procedimento cautelar conservatório, destinado precisamente a acautelar o efeito útil do recurso contencioso, assegurando a permanência da situação existente aquando da ocorrência do litígio a dirimir no recurso contencioso,
    Tendo como finalidade manter o status quo perante a ameaça de um dano irreversível, de modo a manter inalterada a situação preexistente ao recurso contencioso, acautelando a situação, de facto ou de direito, e evitando alterações prejudiciais, isto é, a não produção de efeitos do despacho que indeferiu o pedido de concessão de residência do Requerente.
    Nomeadamente, evitando que a este seja cancelado o visto de permanência e com eles sejam também cancelados todos os direitos a eles inerentes tais como a liberdade de se deslocarem e fixarem em qualquer parte da Região Administrativa Especial de Macau, de viajar, sair da Região e regressar a esta etc,
    Tenham que cancelar todos os negócios que foram projectados a médio prazo,
    Vender os bens móveis que adquiriram em Macau, designadamente, a quota na sociedade C Consultadoria Limitada,
    Por ter que sair de Macau por falta da autorização de permanência.
    No caso em apreço todos os requisitos previstos na lei estão preenchidos, como melhor se procurará demonstrar.

    O ora Requerente realizou um investimento na RAEM.
    Se forem retirados os direitos de permanência na RAEM, como poderão estes fazer face às despesas em que o Requerente se constituiu na expectativa de adquirir a residência em Macau?
    Não se suspendendo a decisão de indeferimento da concessão da autorização de residência do Requerente, estamos face de um prejuízo de reparação impossível.
     Pese embora ainda não seja esta a sede para tal, o Requerente não pode deixar de registar o facto de a espera de quase 2 anos pela decisão ter criado expectativas Requerente de que iria ser bem sucedido no seu pedido.
    E, é essa demora na decisão do pedido formulado pelo Requerente que nos reconduz ao prejuízo de impossível reparação que a mesma provoca.
    Cancelando-se a autorização de permanência em Macau o Requerente terá que se ausentar de Macau com destino ao seu pais natal por um período não inferior a 55 dias,
    Cancelando-se desta forma todas as expectativas de negócios em Macau que foram criadas pelo Requerente durante este quase 2 anos,
    Vendendo-se também a quota na sociedade C Consultadoria Limitada que o Requerente adquiriu em Macau e que acaba por ser a razão de ser do pedido de residência,
    Impõe-se a suspensão de eficácia do acto recorrido e a suspensão da decisão de indeferimento da renovação da autorização de residência do Requerente até decisão final do recurso contencioso, de modo a evitar uma posterior situação de impossibilidade ou de irreversibilidade da legalidade.

    Não se vislumbra in casu qualquer interesse público relevante que se possa sobrepor ao interesse do Requerente.
    Ao invés, os danos na esfera jurídica do Requerente que resultam da recusa da providência requerida são evidentes.
Isto porque,
    Mesmo que se entenda nessas circunstâncias que resultaria alguma lesão do interesse público, a verdade é que, seria absolutamente desproporcionado o prejuízo irreparável da Requerente, conforme acima alegado, quando confrontado com uma eventual lesão do interesse público, que jamais poderia ser entendido como grave, e cuja avaliação sempre haveria que ser feita por recurso ao disposto no art. 121°, n.º 4 do CPA,
    Nas providências cautelares a exigência do fummus boni iuris quanto às condições de interposição do recurso contencioso de anulação ou pressupostos processuais dispensa a convicção da probabilidade do acolhimento do mesmo, bastando um juízo negativo de que "não seja manifesta" a falta de requisitos de natureza processual impeditivos do conhecimento do mérito.
    Ora, como já foi explanado ao longo deste requerimento, o recurso contencioso de anulação intentado encontra-se claramente fundamentado, uma vez que o acto suspendendo é evidentemente ilegal, padecendo de vários vícios de forma por preterição de formalidades e por erro de forma.
    Termos em que entende estarem preenchidos os requisitos para a suspensão da eficácia do acto recorrido, previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art. 121° do CPA, e bem assim verificados todos os pressupostos para a suspensão da decisão de indeferimento do pedido de autorização de residência do Requerente até decisão final do recurso contencioso de anulação, pelo que deverá a presente procedimento cautelar ser julgado procedente.
    
    O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças contesta, em síntese:
    1) O indeferimento do requerimento de autorização de residência apresentado pelo interessado é um acto administrativo de conteúdo puramente negativo, sem qualquer vertente positiva, pelo que, nos termos do art. 120° do CPAC, a sua eficácia não é susceptível de ser suspensa;
    2) A permanência não é condição do investimento na RAEM e
    3) O investimento também não é condição da permanência legal na RAEM;
    4) O interessado não prova o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art. 121° do CPAC (''prejuízo de difícil reparação ").
    Pelas razões expostas, entende que terá de ser negado provimento ao presente pedido de suspensão de eficácia.
    
    
    O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
    O acto suspendendo – despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 15/10/13 que indeferiu pedido de autorização de residência do requerente na RAEM – é, manifestamente, de conteúdo negativo, sem qualquer vertente positiva, tornando-se fácil a verificação de que, do eventual deferimento do presente meio processual nenhum efeito útil resultaria na esfera jurídica do peticionante : estava sem autorização para residir na Região e ficaria exactamente na mesma situação em caso de procedência da sua pretensão, sendo que a questão da sua permanência (arma com que parece querer esgrimir para o pretenso preenchimento dos necessários pressupostos, designadamente a ocorrência de prejuízo de difícil reparação) em nada se mostraria afectada por eventual decisão a proferir no presente meio processual preventivo, já que, além do mais, com bem adianta a recorrida, nem a permanência é condição de investimento na RAEM, nem esse investimento é condição de permanência na Região.
    Donde, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, sermos a entender ser de rejeitar o requerido, à luz do preceituado “a contrario”, no art. 120º, CPAC.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    II - FACTOS

Transcrevem-se seguidamente o despacho recorrido e os pareceres em que o mesmo se louvou:

“INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU

Parecer nº0521/Residência/2001 Pedido de residência por investimento relevante – 1ª vez
Requerente –B É aplicável o Reg. Adm. 3/2005
_______________________________________________________________________________________________


Despacho do Secretário para a Economia e Finanças
Autorizo a proposta.
(Ass. vide o original)
3/10/13













Parecer do Departamento do Director-Adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência
Concordo.
2 SEP. 2013
                     (Ass. vide o original)
                      XXXXX
                      Director-Adjunto
Assunto: Apreciação do pedido da autorização de residência temporária
Comissão executiva:
1. Identificação do interessado:
N.º
Nome
Relação
Identificação
N.º
Prazo de validade
1
B
Requerente
Passaporte da Nigéria
A02XXXXXX
2017/08/29
O requerente apresentou o pedido no primeiro com o passaporte n.º A00XXXXXX (vide a fls. 6) e posteriormente entregou o passaporte referido com prazo de validade mais longo.

2. Ao abrigo do despacho n.º 120-I/GM/97, proferido pelo então Governador de Macau, a CPSP emitiu parecer relativamente do documento de viagem do interessado e notificou este Instituto que estiveram preenchidas as condições para o requerente apresentar o pedido da autorização de residência.

3. O requerente apresentou o pedido da autorização de residência temporária fundamentando-se em que é titular de 60% das quotas da C Consultadoria, Limitada.

4. O requerente entregou os documentos comprovativos (vide a fls. 19) que revelou o investimento seguinte:
Nome comercial: C Consultadoria, Limitada
Data de abertura: 20 de Julho de 2011
Capital registado: MOP$500.000,00
Quotas do requerente: 60%, no valor de MOP%300.00,00 (sic.)
O requerente é membro do órgão de administração, o outro sócio que detém 40% das quotas não apresentou o pedido da autorização de residência, é também membro do órgão de administração.
Área de exploração: procura de negócios, consultadoria do mercado africano, representante de produtores, propostas de negócios
Sede da pessoa jurídica: Rua de ……, n.º …, Edifício ……, …º andar, apartamento … (sic.)

8. De acordo com o impresso do plano de investimento entregue (vide as fls. 12 a 14), a empresa pretendeu investir no ano 2012 os valores seguintes. Calculando-se com a proporção de 60% das quotas, detida pelo requerente, lançaria um valor de MOP$423.000,00. Previu-se contratar 10 trabalhadores residentes. De acordo com a guia da contribuição para o fundo de segurança social de Fevereiro de 2012, a empresa contratou 1 assalariado:
1. Compra de equipamentos e instrumentos
150.000,00
2. Despesa preliminar
5.000,00
3. Despesa de recursos humanos
50.000,00
4. Outras custas anuais da exploração em Macau
500.000,00
Valor de investimento previsto no ano 2012 em Macau
705.000,00

9. De acordo com o impresso do plano de investimento entregue (vide as fls. 16 a 17), a empresa dedica-se em Macau à consultadoria relativamente ao mercado e negócios africanos.

7. Considerando:
1) A C Consultadoria, Limitada dedica-se em Macau à consultadoria relativamente ao mercado e negócios africanos, em sede de registo num apartamento de habitação.
2) De acordo com o impresso do plano de investimento fornecido, previu-se o valor total de investimento de 2012 no montante de MOP$705.000,00. Após feita sintetizadamente uma análise, entende-se que o projecto de investimento não se mostra relevante, calculando-se à razão proporcional das quotas do requerente.
3) De acordo com a guia da contribuição para o fundo de segurança social de Fevereiro de 2012, a empresa contratou 1 assalariado, assim sendo, não contribuiu da forma óbvia para o mercado local de emprego.
Pelo exposto, entende-se que não se considera relevante o projecto de investimento do requerente, o que, deste modo, não se mostra favorável ao pedido da autorização de residência do requerente.

8. Pelo que, este Instituto realizou audiência escrita por ofício n.º 07037/GJFR/2013 de 4 de Julho de 2013 (vide a fls. 45).

9. O requerente entregou a contestação escrita (vide as fls. 34 a 44) em 22 de Julho de 2013, alegando:
1) No início da exploração, já se registou a residência como a sede da pessoa jurídica da empresa;
2) Muitas empresas, no início da exploração, não são conhecidas pelos consumidores, nem ganham a confiança destes, portanto, o valor de exploração é reduzido; como muitos clientes do Interior da China não conhecem bem o mercado africano, a empresa precisa de mais tempo para construir a confiança deles no investimento na África ou em Macau;
3) No âmbito de investimento, como acima dito, a empresa precisa de vários anos para construir a confiança dos consumidores, pelo que não se pode ver como o valor de investimento da empresa o valor de investimento previsto de 2012;
4) A empresa também contribuiu para o mercado local de mão-de-obra porque contratou um assalariado em Fevereiro de 2012 e um empregado a tempo inteiro em Março de 2013.

10. Quanto à contestação referida, entende-se que:
1) De acordo com a guia da contribuição para o fundo de segurança social fornecida, a empresa contratou no 2º trimestre de 2013 um trabalhador residente, mas ainda não contribuiu da forma óbvia para o mercado local de mão-de-obra;
2) As facturas e cotações entregues pelo requerente demonstram apenas as suas actividades comerciais, não há prova que revela uma alteração do valor de investimento previsto;
3) Pelo que ainda não se considera relevante o projecto de investimento do requerente.

Concluída a apreciação:
Propõe-se que seja indeferido o pedido da autorização de residência do interessado seguinte.

Nome
Relação
1.
B
Requerente
À consideração superior.

Técnico superior
Ass. vide o original
XXXXX(XXXXX)
24 de Julho de 2013”

    
    IV - FUNDAMENTOS
    1. O caso
    B, portador de um passaporte da Nigéria, a título de ter feito investimentos na RAEM, que se traduziram na constituição de uma sociedade, a C, Consultadoria, Limitada, instalada num apartamento de habitação, detendo o requerente de uma quota de 60% do capital social de MOP$500.000,00 e com um investimento previsto para o ano de 2012 de MOP$705.000,00 requereu oportunamente autorização de residência, pedido este que lhe foi indeferido.
    É desse acto, proferido pelo Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças que foi interposto recurso contencioso, acompanhado de pedido de suspensão de eficácia, sendo este pedido que ora se passa a apreciar.
    
    2. Dos pressupostos da suspensão de eficácia do acto
    
    
Prevê o art. 120º do CPAC:
    A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.

    
E o art. 121º do CPAC:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
    Da observação desta norma é fácil verificar que não importa nesta sede a análise da questão de fundo, de eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, tendo, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, que se partir, por um lado, da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos - fumus boni iuris -, por outro, de um juízo de legalidade da interposição do recurso.
    Tal como foi decidido no acórdão do Tribunal de Última Instância de 13 de Maio de 2009, proferido no processo n. 2/2009, para aferir a verificação dos requisitos da suspensão de eficácia de actos administrativos é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido. O objecto do presente procedimento preventivo não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório. Assim, não cabe discutir neste processo a verdade dos factos que fundamentam o acto impugnado ou a existência de vícios neste.1

    3. Acto negativo
    Mas antes de verificar se se observam os apontados requisitos, importa ver se estamos perante um acto negativo, puro, ou, não obstante negativo, se contém alguma vertente positiva, caso em que se vem admitindo a possibilidade de suspensão de eficácia.
Como já entendeu o TUI2, numa situação ainda que diferente, “parece que com o indeferimento do pedido de permanência em Macau, não foi introduzida nenhuma alteração na esfera jurídica dos interessados, já que tanto o filho menor como a sua família continuam na mesma situação jurídica em que se encontravam antes da prática do acto, afigurando intocada a sua esfera jurídica.
    É verdade que, com tal indeferimento e a consequente execução do acto administrativo, o menor deve sair de Macau .
    No entanto, tal não implica nenhuma alteração na sua esfera jurídica nem na esfera jurídica da sua família.”
    O que importará, para se determinar se um acto administrativo é de conteúdo positivo ou negativo e se um acto negativo tem ou não vertente positiva, é a influência, a alteração introduzida pela prolação do acto na esfera jurídica do interessado, acrescentou-se ainda naquele aresto.
    Ou como se escreveu em acórdão deste TSI: “O indeferimento de uma pretensão constitutiva exemplifica muito bem a situação: se alguém pede o licenciamento para iniciar a exploração de um bar, o indeferimento deixa o requerente exactamente como se encontrava antes; nada na sua esfera mudou. Sendo assim, trata-se de um acto administrativo que para o interessado é neutro, do ponto de vista dos efeitos, uma vez que para si tudo permanece como anteriormente.
    A jurisprudência tem considerado que a eficácia de tais actos não é susceptível de ser suspensa, com a justificação de que não seria possível extrair de uma sentença favorável um efeito contrário ao que deles emanava (no exemplo fornecido, a suspensão nunca permitiria que o requerente pudesse dar início à exploração do negócio) porque isso poderia representar uma usurpação de poderes administrativos pelos tribunais, e na medida em que, portanto, dessa suspensão não adviria qualquer efeito útil para o interessado, nomeadamente o afastamento do espectro de uma situação de facto danosa com a caracterização qualitativa e quantitativa que o art. 121º, nº1, al. a), estabelece. Por isso, são actos normalmente arredados da suspensibilidade (cfr. a contrario, art. 121º, al. a), do CPAC).
    É certo que há situações em que para alguns interessados o mesmo acto administrativo é inerte, na acepção acabada de referir, ao passo que simultaneamente para outros ele é positivo, na medida em que interfere com o seu anterior status ou, noutras palavras, com a sua situação jurídica substantiva anterior. Podemos dizer que, em tal hipótese, é acto misto do ponto de vista dos efeitos plurisubjectivos. Todavia, quando falamos em acto de conteúdo negativo em termos da providência de suspensão de eficácia, apenas nos atemos à correspondência entre os efeitos directos do acto para o requerente e o objectivo que se pretende alcançar com a providência. Quer dizer, não é pelo facto de o acto introduzir alterações na situação jurídica de alguns interessados que ele passa a ser acto positivo tout court. O que interessa neste particular é que seja negativo para aquele interessado directo no incidente em que nos encontramos. E neste caso, como veremos adiante, o acto é negativo para a requerente em apreço.”3
    Aí se tomou posição, na esteira da Jurisprudência deste TSI que é acto puramente negativo aquele que indefere ao interessado um pedido de “autorização de residência” na RAEM, mesmo que ele tenha vivido em Macau ao abrigo de “autorizações de permanência” por curtos períodos.
    Não é um acto puramente negativo, por ter uma vertente positiva, aquele que ocorre na não renovação da autorização, em que haverá uma alteração da situação que se vinha mantendo, em que se quebra uma expectativa que se terá criado, expectativa ainda que não tutelada mas que radica em toda uma estruturação de vida pessoal, familiar e empresarial a que não se deixa de pôr termo com o abandono da RAEM.
Se um interessado tem estado em Macau e não tem estado ao abrigo de qualquer “autorização de residência”, mas sim em consequência de uma situação de “permanência” por curtos períodos, como cidadão não residente, daí não lhe advém uma situação relevante em termos de tutela jurídica de forma a que possa transformar uma situação de facto com força para produzir efeitos contra a Administração que não a autoriza nem que de alguma forma lhe deu azo, sob pena de os tribunais se auto investirem em poderes executivos.
    Aliás, a “autorização de residência” ao abrigo do art. 9º a 11º da Lei nº 4/2003, de 17/03 é diferente da “autorização de permanência” na RAEM (art. 9º a 13º do Regulamento Administrativo nº 5/2003) porque assente em requisitos legais distintos.

    4. Integração do caso
    Projectando aqueles princípios no caso concreto, se o requerente não tinha autorização de residência, continuou a estar sem essa autorização após o acto em causa. Este acto não alterou a situação jurídica do requerente.
Estamos, pois, perante um acto negativo.
O requerente tem permanecido, é certo, em Macau, mas ao abrigo de uma permanência esporádica, concedida a título de turista, com base no seu passaporte, o que é completamente diferente de uma situação que passa por uma autorização ainda que temporária de residência. Essa situação não é de molde a criar expectativas que possam ser frustradas em termos de tutela jurídica por um indeferimento do pedido formulado.
A situação de facto a que alude, os negócios e investimentos feitos, só a si se devem, por sua conta e risco, devendo o interessado assumir as consequências de um indeferimento de autorização de residência, mesmo que, abstractamente considerando, tal se houvesse de repercutir na manutenção e desenvolvimento daqueles.
Nem se diga, como diz o requerente, que os quase dois anos que teve de esperar pela decisão adensam os prejuízos em face da demora. Note-se que o requerente equaciona aí a questão em sede dos prejuízos e não já em termos de a demora poder ser uma fonte de expectativas, de modo a considerar-se aí uma qualquer vertente positiva.
O tempo de demora na apreciação do pedido não pode ser fundamento para converter numa certeza aquilo que é incerto. Aconselharia a prudência que, face à não pronúncia sobre o projecto de investimento, não se avançasse com o investimento. Daí que não pode colher esse argumento de forma a dar relevância a uma eventual frustração dos negócios desenvolvidos.
Para além de que os prejuízos, não obstante o requerente falar em cancelamento dos negócios e na necessidade da venda da quota, para além de não se evidenciar a necessidade da sua concretização - pois sempre poderiam ser conduzidos à distância, como bem anota a entidade recorrida -, não estão suficientemente concretizados de forma a apurar-se da sua real projecção e condução próxima por parte do interessado.
Estamos, com isto, a entrar pela análise de um dos requisitos, que se situa em momento posterior ao da admissibilidade prévia da não executoriedade do acto (art. 120º do CPAC), qual seja o do prejuízo de difícil reparação para o requerente (art. 121º do CPAC), questão que, pelas razões aduzidas, por falta do pressuposto ao decretamento da providência, o da natureza ou vertente positiva dos efeitos do acto com repercussão na esfera jurídica do requerente, se mostra prejudicada.
    Nem sequer estamos perante um caso de admissibilidade da suspensão de actos negativos, como refere Vieira de Andrade, por falta de utilidade nessa suspensão e de aparência de bom direito,4 considerando que nem sequer está em causa a suspensão de efeitos secundários ablativos determinados administrativamente ou sequer qualquer expectativa que tenha sido criada por situação de facto conformada por acto administrativo anterior.

Por tudo isto não se atenderá ao pedido formulado.
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia.
Custas pelo requerente, com taxa de justiça em 3 UC.
Macau, 5 de Dezembro de 2013,

Presente João A. G. Gil de Oliveira Vítor Manuel Carvalho Coelho (Relator)
Ho Wai Neng (Primeiro Juiz-Adjunto)

José Cândido de Pinho (Segundo Juiz-Adjunto)
    
1 Ac. TUI 37/2009, de 17/Dez.
2 - Ac. 29/2005, de 7 de Dez
3 - Ac. do TSI, Proc. n.º 947/2012, de 13/12/2012

4 - Lições de Dto Administrativo e Fiscal, 124 e ac. STA, processo n.º 042206, de 15/5/97
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