Processo nº 390/2013
(Recurso Cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 5/Dezembro/2013
Assuntos:
- Arrendamento
- Despejo por falta de pagamento de rendas
- Contrato não reduzido a escrito; prova do contrato
SUMÁRIO :
Não podem os arrendatários de uma casa invocar que não há contrato porque não reduzido a escrito, se tal ocorreu porque a Ré arrendatária disse que precisava de consultar o Réu, sendo-lhes imputável a falta dessa formalidade, sujeitando-se ao despejo e ao pagamento das rendas vencidas e vincendas, até sob pena de violação das regras da boa-fé e por abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 390/2013
(Recurso Civil)
Data : 5/Dezembro/2013
Recorrentes : B B
C C
Recorrido : D D
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I RELATÓRIO
D (D), mais bem identificado nos autos,
intentou contra
B (B) e C (C), igualmente mais bem identificados nos autos,
acção de despejo, pedindo que o Tribunal condenasse os Réus:
A restituir o local arrendado, devoluto; e a pagar as rendas vencidas no valor total de MOP$12.500,00, as rendas vincendas até despejo, os juros de mora e as respectivas despesas (os respectivos pedidos dão-se por integralmente reproduzidos).
Decretado despejo e condenados os RR a pagar as rendas vencidas, vincendas e juros, os RR. B (sic) (B) e C (C), inconformados com a sentença proferida, recorrem para este Tribunal de Segunda Instância, alegando em síntese conclusiva:
A) Em relação à existência ou não do contrato de arrendamento, o Tribunal recorrido apenas reconheceu o ponto 2 e ponto 6 dos factos provados.
B) Nos termos do artigo 1032, n.º 1 do CCM, O contrato de arrendamento é celebrado por escrito particular.
C) Nos termos do artigo 1032, n.º 2 do mesmo Código, Salvo disposição legal em contrário, o arrendamento será, não obstante a falta de título escrito, reconhecido em juízo, por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável à contraparte no contrato.
D) Neste caso, provou-se que os recorrentes celebraram com o recorrido, de forma verbal, o contrato de arrendamento. No entanto, o supracitado artigo 1032, n.º 1 do CP expressamente prevê que o contrato de arrendamento é celebrado por escrito particular.
E) O arrendamento será reconhecido em juízo por outro meio de prova apenas quando se demonstre que a falta é imputável à contraparte no contrato.
F) Em relação à falta do contrato escrito, o Tribunal não provou outro facto relevante além dos supra referidos pontos 2 e 6 dos factos provados, nem fez reconhecimento em relação à questão de imputabilidade desta falta, isto é porque o recorrido nunca sustentou qualquer facto de a falta ser imputável a qualquer parte no contrato.
G) Nestes termos, nos termos do artigo 1032 do CP, os factos provados neste caso não são suficientes para que o Tribunal reconheça a existência do contrato de arrendamento.
H) Mesmo que o ponto 6 dos factos provados indica: “a 1ª Ré disse que tinha que perguntar o 2º Réu, pelo que não celebrou de imediato com o Autor o contrato de arrendamento acima referido por escrito particular”, não se pode entender aqui que a falta de título escrito é imputável à 1ª ou ao 2º Réu.
I) Isto é porque nos termos do artigo 1032, n.º 2 do CC, não obstante a falta de título escrito… quando se demonstre que a falta é imputável à contraparte no contrato. Aqui se trata de uma ou duas partes principalmente responsável(s) pela não celebração do contrato escrito.
J) Entretanto, não há no acórdão nenhum facto que provou que a falta do contrato escrito era imputável à 1ª ou ao 2º Réu.
K) Isto quer dizer que, para além de insuficiência para a decisão dos factos tidos como provados, o Tribunal recorrido também padece do erro na interpretação e aplicação do disposto no artigo 1032, n.º 2 do CC, reconhecendo a existência do contrato de arrendamento e o seu efeito jurídico sem qualquer facto de imputabilidade.
L) Pelo que deve o Tribunal julgar nulo o contrato de arrendamento pela falta do requisito, e improcedentes todos os pedidos deduzidos pelo recorrido.
M) Caso assim não se entendam, o acórdão recorrido também padecem dos seguintes vícios.
N) Há contradições sensíveis entre o facto provado que “a 1ª Ré disse que tinha que perguntar o 2º Réu, pelo que não celebrou de imediato com o Autor o contrato de arrendamento acima referido por escrito particular” e o outro:“o Autor deu de arrendamento aos 1ª e 2º Réus, por acordo verbal, para habitação a fracção autónoma sita em Macau, na Rua do ...... n.º ..., Edifício ......, …º Andar “…””.
O) Do facto acima referido resulta expressamente que os recorrentes e o recorrido não chegaram a acordo quanto ao arrendamento da respectiva fracção autónoma, porque “a 1ª Ré disse que tinha que perguntar o 2º Réu” significa que eles nem sequer chegaram a um acordo verbal.
P) O acórdão recorrido entende que as partes chegaram a acordo verbal e, por outro lado, entende que não foi chegado acordo. Pelo que há contradições sensíveis entre os factos provados no acórdão recorrido.
Q) Um dos fundamentos que suporta o reconhecimento do Tribunal recorrido da existência entre as partes o contrato de arrendamento é que os Réus usaram o endereço da fracção em causa quando preencheram informações num serviço administrativo (Direcção dos Serviços de Finanças).
R) Tal documento apenas prova que os Réus usaram o endereço da fracção como o de contacto, facto esse que não pode fundamentar a existência do contrato de arrendamento entre os recorrentes e o recorrido.
S) Pelo que o Tribunal recorrido padece do erro notório na apreciação da prova.
Face ao exposto, pede se julgue procedente o recurso, se revogue o acórdão recorrido e se julgue nulo o contrato de arrendamento, indeferindo todos os pedidos do recorrido.
O recurso não foi contra-alegado.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os seguintes facto:
1. O Autor é proprietário da fracção autónoma sita em Macau, na Rua do ...... n.º ... a ..., Edifício ......, ...º Andar “...”.
2. O A. por acordo verbal, deu de arrendamento aos Réus B (B) e C (C), em 1 de Fevereiro de 2011, para habitação a fracção autónoma sito na Rua do ...... n.º ... a ..., Edifício ......, ...º Andar “...”.
3. Pelo prazo de um ano, com início naquela data, prorrogável por iguais e sucessivas período de tempo, mediante a renda mensal de MOP$2.500,00 (dois mil e quinhentas patacas), a pagar no local arrendado ao senhorio ou seu representante, no primeiro dia de cada mês.
4. Os RR. deixaram de pagar as rendas, a partir de Março de 2011.
5. Os RR,. apesar de frequente solicitações do A., por telefone, não pagaram as rendas em dívida.
6. Segundo a 1ª Ré, não celebrou de imediato com o Autor o contrato de arrendamento acima referido por escrito particular porque tinha que perguntar o 2º Réu.
III - FUNDAMENTOS
1. Ainda que os recorrentes identifiquem quatro questões no seu recurso, todas elas, no fundo, se reconduzem a saber se o despejo pode ir por diante, por falta de pagamento de rendas, alegando os RR que o contrato de arrendamento não foi reduzido a escrito, pelo que não pode ser com esse fundamento que o A. pode ver satisfeito o pedido consistente na entrega da coisa e no pagamento das rendas devidas.
Não têm razão os recorrentes.
2. A sentença recorrida louvou-se na seguinte motivação:
“A principal questão a ser resolvida neste caso é que se as partes celebraram o contrato de arrendamento.
Nos termos do artigo 1032º (Forma) do Código Civil,
1. O contrato de arrendamento é celebrado por escrito particular.
2. Salvo disposição legal em contrário, o arrendamento será, não obstante a falta de título escrito, reconhecido em juízo, por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável à contraparte no contrato.
Neste caso, apesar da falta do contrato escrito de arrendamento, este Tribunal entende, ouvidas as testemunhas e atento o disposto acima referido, que existe contrato de arrendamento entre as partes, que o celebraram em 1 de Fevereiro de 2011. Além disso, os dados constantes dos autos mostram que os Réus usaram o endereço da fracção em causa quando preencheram informações num serviço administrativo (Direcção dos Serviços de Finanças) (fls. 45).
Uma das obrigações do locatário é pagar a renda ou aluguer (Artigo 893, al. a) do CC).
Nos termos do artigo 794, n.º 1 e n.º 2, al. a) e artigo 993, n.º 1 do CC, os Réus ficaram constituídos em mora quando não tinham pago a renda do respectivo mês desde a data de vencimento. Os Réus deixaram de pagar as rendas, a partir de Março de 2011, isso constitui a causa de resolver do contrato pelo senhorio, ou seja, o Autor, nos termos do artigo 1034, al. a) do CC. O Autor também pode exigir aos Réus o pagamento de todas as rendas vencidas mas não pagas, incluindo os juros em mora.
Segundo os factos provados, condena-se os Réus no pagamento ao Autor das rendas devidas de Março a Julho de 2011, no valor total de MOP$12.500,00, e das rendas vincendas até despejo, acrescidos de juros legais contados desde o vencimento até integral pagamento.”
3. Ratifica-se no essencial o que acima foi expendido, sob pena de se criar uma situação de abuso de direito por venire contra factum proprium non valet, já que se provou que o contrato escrito não foi celebrado porque a Ré disse que precisava de ir consultar o outro réu (não sabemos do seu relacionamento) para esse efeito.
Este é um facto que vem comprovado e há que jogar com ele.
A não ser assim, teríamos uma situação muito injusta em que se celebrou um arrendamento, materialmente falando, os RR. aproveitam essa situação, tiram proveito da coisa, não se celebra a escritura por uma razão só a si imputável, deixam de pagar as rendas e, por fim, vêm dizer que dali ninguém os tira por esse motivo, porque não se pode provar o contrato de arrendamento, na medida em que aquele vício de forma integraria uma formalidade ad probationem.
O que restaria ao A.? Recorrer a uma outra acção, nomeadamente de natureza real, de restituição ou de reivindicação, tendo de esperar mais uns tantos anos, para correrem o risco de os RR. nessa acção virem a confessar a existência de um arrendamento e confessarem os factos integrantes da sua não realização por razão que lhes fosse imputável.
Seria uma situação, no quadro que se nos depara muito injusta e que a norma do n.º 2 do artigo 1032º do CC procura prevenir.
O presente arrendamento não deixará, pois, de ser reconhecido em juízo, face à matéria de facto que comprovada vem, na exacta medida em que somos a concluir poder o senhorio invocá-lo, pois que a falta de forma será de imputar aos inquilinos.
Se a nulidade por falta de forma é de interesse e ordem pública, também o é a ilegalidade do exercício do direito por abuso deste. Ao invocar a nulidade por falta de forma de um arrendamento habitacional, o arrendatário poderá exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, abusando do deu direito, o que se deve apreciar caso a caso 1No caso vertente, não temos dúvida alguma de que a invocação de nulidade por parte da Ré é claramente abusiva, tanto quanto é certo que sempre tratara o negócio em causa como válido, e também que tal invocação é feita com o fito de se esquivar ao pagamento das rendas vencidas e não pagas.
Mas, mesmo que fosse declarada essa nulidade, nem por isso tal serviria para isentar a Ré da obrigação de pagamento de tais rendas.2
Não deixaremos, contudo, de responder aos argumentos que vêm invocados.
4.Insuficiência para a decisão dos factos tidos como provados
Alegam os recorrentes que em relação à existência ou não do contrato de arrendamento, o Tribunal recorrido apenas reconheceu no seu acórdão que em 1 de Fevereiro de 2011, o Autor deu de arrendamento aos 1ª e 2º Réus, por acordo verbal, para habitação a fracção autónoma sita em Macau, na Rua do ...... n.º ..., Edifício ......, ...º Andar “...” (ponto 2 dos factos provados), e que a 1ª Ré disse que tinha que perguntar o 2º Réu, pelo que não celebrou de imediato com o Autor o contrato de arrendamento acima referido por escrito particular (ponto 6 dos factos provados).
Em relação à falta do contrato escrito, o Tribunal não provou outro facto relevante além dos supra referidos pontos 2 e 6 dos factos provados, nem fez reconhecimento em relação à questão de imputabilidade desta falta, isto é porque o recorrido nunca sustentou qualquer facto de a falta ser imputável a qualquer parte no contrato.
Nestes termos, face ao artigo 1032º do CC, os factos provados neste caso não seriam suficientes para que o Tribunal reconhecesse a existência e validade do contrato de arrendamento, pelo que o acórdão recorrido padece do vício de insuficiência para a decisão dos factos tidos como provados.
Refuta-se este argumento pois que vem claramente comprovado que o contrato não foi celebrado por escrito porque a 1ª Ré tinha de perguntar ao 2º Réu.
É certo que pode haver mil e uma razões para essa necessidade de a 1ª Ré ter de perguntar o que quer que fosse ao 2º Ré; uma coisa é certa: não se comprova que tenha sido por causa imputável ao A. que o contrato por escrito não foi celebrado.
5. Errada interpretação e aplicação da lei;
Não há no acórdão nenhum facto que provou que a falta do contrato escrito era imputável à 1ª ou ao 2º Réu, dizem estes nas suas alegações.
O Tribunal recorrido padece do erro na interpretação e aplicação do disposto no artigo 1032, n.º 2 do CC, reconhecendo a existência do contrato de arrendamento e o seu efeito jurídico sem qualquer facto de imputabilidade.
Temos para nós que o facto descrito sob o n.º 6 é suficiente para fazer recair sobre os RR. a imputabilidade da não redução a escrito do contrato, tanto mais que resulta de uma confissão da própria Ré, que não nega a celebração do contrato, mas apenas refere consultas que tinha de desenvolver para o fazer por escrito.
6. Patente contradição nos factos provados;
Haveria, adianta, contradições sensíveis entre o facto provado que “a 1ª Ré disse que tinha que perguntar o 2º Réu, pelo que não celebrou de imediato com o Autor o contrato de arrendamento acima referido por escrito particular” e o outro: “o Autor deu de arrendamento aos 1ª e 2º Réus, por acordo verbal, para habitação a fracção autónoma sita em Macau, na Rua do ...... n.º ..., Edifício ......, ...º Andar “...””.
Daí resulta que recorrentes e o recorrido não chegaram a acordo quanto ao arrendamento da respectiva fracção autónoma, porque “a 1ª Ré disse que tinha que perguntar o 2º Réu” o que significa que eles nem sequer chegaram a um acordo verbal.
Não há contradição alguma. Os recorrentes jogam com as palavras.
Está comprovada a existência de um contrato de arrendamento por acordo verbal. A consulta ou pergunta que a 1ª Ré teria de fazer ao 2ª não está objectivada, não significando necessariamente que fosse sobre a anuência à celebração do contrato, que materialmente não deixou de ser exercido por eles, praticando os actos normais de autênticos arrendatários, gozando o locado, pagando e deixando de pagar as rendas.
7. Erro notório na apreciação da prova
Um dos fundamentos que suporta o reconhecimento do Tribunal recorrido da existência entre as partes sobre a existência do contrato de arrendamento é que os Réus usaram o endereço da fracção em causa quando preencheram informações num serviço administrativo (Direcção dos Serviços de Finanças).
Tal documento apenas provaria que os Réus usaram o endereço da fracção como o de contacto, facto esse que não pode fundamentar a existência do contrato de arrendamento entre os recorrentes e o recorrido.
Como está bem de ver não foi nem é esse o argumento decisivo para a comprovação da existência do arrendamento.
Tanto basta para que se conclua pela improcedência do recurso
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Macau, 5 de Dezembro de 2013,
(Relator)
João A. G. Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho
1 - Ac. da RP de 11.5.89, in CJ, 1989, 3º, 192
2 - Ac. do STJ, Proc. n.º 00000459, de 11/06/2002 Ac. da RC de 16.1.90; Ac. RL de 8.6.89, in CJ, 1989, 3º, 192
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