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Processo nº 660/2010
(Autos de recurso contencioso)

Data: 5/Dezembro/2013

Assunto: Pensão de aposentação
  Actualização automática
  Artigo 264º, nº 4 do ETAPM


SUMÁRIO
   - Com a aposentação quebra-se a ligação funcional entre o aposentado e o lugar que o mesmo ocupava.
   - Por razões de coerência e unidade do sistema jurídico, deve entender-se que a actualização automática da pensão de aposentação contemplada no artigo 264º, nº 4 do ETAPM só existe quando haja alteração do valor do coeficiente 100 da tabela indiciária, e não nas situações em que for atribuído novo índice à categoria ou cargo com referência ao qual foi calculada a pensão do funcionário aposentado.
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 660/2010
(Autos de recurso contencioso)

Data: 5/Dezembro/2013

Recorrente:
- B

Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B, casado, médico, director de serviços aposentado, melhor identificado nos autos, notificado do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 25 de Junho de 2010, que indeferiu o pedido de rectificação do valor da sua pensão de aposentação, vem interpor o presente recurso contencioso de anulação, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. O acto recorrido – que indeferiu o pedido de rectificação/actualização do valor da pensão de aposentação do recorrente – é um acto verticalmente definitivo e, por isso, susceptível de recurso;
2. Foi proferido ao abrigo de competência de Sua Excelência o Chefe do Executivo delegada na entidade recorrida, sendo o TSI o tribunal competente para dele conhecer;
3. O recurso é tempestivo e o recorrente parte legítima;
4. O recorrente é director de serviços aposentado e subscritor do Fundo de Pensões, tendo-lhe sido fixada, por ocasião da sua aposentação voluntária, e por despacho de 25/04/2001 a aposentação no índice 1000, correspondente ao cargo de director dos serviços de saúde (director, coluna 2);
5. Através de requerimento de 23/03/2010, dirigido à Exm.a Presidente do CA do Fundo de Pensões e de idêntico requerimento de 03/06/2010 dirigido ao Exm.º Secretário para a Economia de Finanças, o recorrente solicitou a rectificação da sua pensão de aposentação com fundamento no art.º 265º, n.º 1 do ETAPM;
6. O acto recorrido indeferiu o pedido com fundamento em que a pensão do recorrente seria actualizada se o factor multiplicador do índice em que fora aposentado (1000) fosse alterado mas tal actualização já se não verificaria lá quando fosse alterado o índice correspondente ao cargo em que fora aposentado, o que só poderia acontecer com a publicação de uma nova lei que prescrevesse essa actualização e com fundamento em que os trabalhadores que se aposentaram antes de 01/07/2007 não são abrangidos pela rectroactividade prevista na Lei 15/2009, a qual só se aplicaria ao pessoal no activo;
7. Um tal entendimento é artificial e artificioso, porque, mau grado o art.º 178º do ETAPM estipule que «o vencimento dos trabalhadores da administração pública é o fixado na tabela indiciária em vigor, para o respectivo cargo ou categoria e escalão», o art.º 264º, n.º 4, aferindo embora as pensões de aposentação a um índice da tabela indiciária, determina a sua revisão sempre e na medida em que o forem os vencimentos do pessoal no activo, independentemente do facto dessa revisão (entenda-se: dos vencimentos do pessoal no activo) se processar através da alteração do factor multiplicador do índice ou através da atribuição de um novo índice;
8. Do que resulta a conclusão de que não tem qualquer fundamento a contraposição feita no acto recorrido entre revisão por efeito da alteração do factor multiplicador do índice e revisão por atribuição de um novo índice ao cargo (correspondente), uma vez que a pensão de aposentação é revista sempre e na medida em que o for o vencimento do pessoal no activo;
9. O fio condutor do estatuto passa, neste domínio, e essencialmente, por duas normas: (a)a pensão é fixada na base de um vencimento (relativo a um cargo) – art.º 265º, n.º 1; e (b) se o vencimento é alterado, na mesma medida o será o valor da pensão – art.º 264º, n.º 4, sendo irrelevante que a revisão resulte de alteração do factor multiplicador do índice ou de atribuição de um novo índice ao cargo ou categoria de que se trate;
10. A interpretação do DL 27/92/M feita nos pareceres anexos ao acto recorrido, não é uma interpretação em conformidade com a lei;
11. As aposentações constituídas antes da entrada em vigor do DL 86/89/M referiam-se, nomeadamente, a cargos que deixaram de ter correspondência na sistematização das carreiras por ele introduzida, o qual teve subjacente uma modernização de todo o sistema;
12. O DL 27/92/M corrigiu as pensões de aposentação e de sobrevivência, fixadas antes de Outubro de 1984 e as fixadas antes de Janeiro de 1989, pois se tratava de pensões de aposentação fixadas quando não vigorava nem o actual sistema de carreiras aprovado pelo DL 86/89/M nem o ETAPM;
13. O mapa 2 anexo à Lei 15/2009 veio substituir o mesmo mapa anexo ao DL 85/89/M, em que se fixam os índices de vencimento do pessoal de direcção, pelo que a referência feita ao valor constante no diploma revogado (DL 85/89/M) tem de se ter por feita, agora, ao valor constante no diploma revogatório (Lei 15/2009);
14. Não pode invocar-se, em sentido contrário, o disposto no art.º 265º, n.º 1 do ETAPM, que mais não diz do que o vencimento tomado em consideração para cálculo da pensão de aposentação é o da categoria ou cargo à data da aposentação;
15. Nem pode vir a invocar-se – contra a pretensão do recorrente em ver revisto o valor da sua pensão de aposentação – que ele teria, como base da sua pretensão, que regularizar o que quer que fosse junto do Fundo de Pensões, face ao disposto no n.º 6 do art.º 259º do ETAPM, no qual se contempla o caso do recorrente;
16. Ao retroagir a 01/07/2007 as valorizações indiciárias, a Lei 15/2009 fê-lo com o propósito de beneficiar o pessoal no activo e provocou, automática e simultaneamente, uma actualização do valor das pensões de aposentação, por efeito da norma do art.º 264º, n.º 4 do ETAPM;
17. Tal diploma legal não tinha necessidade de prever a actualização das pensões, porque ela resultava já expressa e automaticamente da lei;
18. A interpretação da conformidade do entendimento da entidade recorrida com o art.º 25º da LB, com fundamento nos princípios que identifica na Lei n.º 15/2009, é pouco rigorosa, discricionária e ofensiva da lei e do princípio da igualdade;
19. A forma mais comum de actualização de vencimentos e das pensões correspondentes é através da alteração deste valor 100 da tabela indiciária mas que isso apenas ocorre por uma razão de simplificação e que não por qualquer outra razão que se não descortina, nem sequer nos suportes do acto recorrido, e que é, por isso, uma razão inexistente;
20. A Lei 15/2009 veio comprovar que existem outras formas de actualizar o salário do pessoal no activo, o que tem expressão no ETAPM, no art.º 264º, n.º 4, no sentido de que, sendo fixados com referência a um índice da tabela indiciária, são actualizados nos mesmos termos em que forem os vencimentos do pessoal no activo e, portanto, independentemente do modelo técnico encontrado para essa actualização;
21. A interpretação da conformidade que a entidade recorrida faz do seu entendimento com o art.º 25º da LB com fundamento nos princípios que identifica na Lei n.º 15/2009 é pouco rigorosa, discricionária e ofensiva da lei e do princípio da igualdade consagrado na citada disposição da Lei Básica e no art.º 5º do CPA;
22. O acto recorrido é inválido nos termos gerais de direito administrativo;
23. O acto recorrido violou, nomeadamente, a norma do n.º 4 do art.º 264º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e o princípio da igualdade no art.º 5º do Código de Procedimento Administrativo e no 25º da Lei Básica.
Pedindo o recorrente que se julga procedente o recurso, anulando-se o acto recorrido.
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Regularmente citada, pela entidade recorrida foi apresentada a contestação constante de fls. 67 a 71 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Findo o prazo para alegações, o Ministério Público deu o seguinte parecer:
“Admitimos que a redacção do n.º 4 do art.º 264º ETAPM possa não ser inequívoca na sua interpretação, já que, reportando embora a fixação das pensões de aposentação com referência a um índice da tabela indiciária, determina a sua revisão sempre e na medida em que o forem os vencimentos do pessoal do activo, não resultando claro se tal revisão operará apenas com a alteração do coeficiente 100 da tabela indiciária, constante actualmente do Mapa 1 do Anexo 1 do Dec Lei 86/89/M de 21/12, como pretende a entidade recorrida, ou se a mesma poderá e deverá ocorrer aquando da atribuição de um novo índice à categoria ou cargo com base no qual foi calculado o montante inicial, conforme pretende o recorrente.
O elemento literal, de facto, por si só, não é esclarecedor, sendo certo que, por um lado, o facto de a norma falar em revisão dos vencimentos e não em alteração dos índices, não invalida que esta última alteração não implique, por norma, a revisão desses vencimentos e, por outro, que a norma se reporte, clara e expressamente, à referência a “um índice”, o que pareceria afastar a revisão automática no caso de alteração desse índice.
Importa, pois, de acordo com o preceituado no art.º 8º do CC, reconstituir, a partir do texto, o pensamento legislativo, tendo designadamente em conta a unidade e congruência do ordenamento jurídico.
Como bem acentua a recorrida, a atribuição e novos índices a determinados cargos ou categorias reveste, notoriamente, a natureza de reorganização administrativa.
Sendo certo que, com a aposentação se quebra a ligação funcional entre o aposentado e o lugar que o mesmo ocupava, mal se vê que as “revisões” que, posteriormente, tal lugar possa sofrer por força daquela reorganização, hajam, por força, que se impor automaticamente na evolução da aposentação.
Quiçá devido a tal entendimento, o legislador, através de legislação ordinária, tem vindo a tratar autonomamente a questão da revisão do montante das pensões, de que são exemplo os Dec. Leis 27/92/M de 25/5 e 61/89/M de 18/9, onde se ajustaram as pensões independentemente de qualquer aumento salarial ou reestruturação indiciária, actualização que, obviamente, se não revelaria necessária se a evolução das pensões beneficiasse sempre do mecanismo automático de actualização.
Donde, entender-se que a coerência e unidade do sistema jurídico aponta no sentido de a actualização automática das pensões contemplada na norma em questão – n.º 4 do art.º 264º ETAPM – actuar apenas quando haja alteração do valor do índice 100, forma consagrada de revisão dos vencimentos dos funcionários no activo.
Finalmente, actuando, na matéria, a Administração no exercício de poderes vinculados, mal se percebe a suposta afronta da princípio da igualdade, já que a lei lhe não deixa qualquer liberdade de decisão, designadamente quanto à oportunidade e conveniência da mesma, pelo que, a existir tal violação, a mesma só poderá resultar da lei, não sendo, manifestamente, este o meio adequado para a enfrentar, não deixando, contudo, de se expressar que, ainda que assim não sucedesse, nada impediria o tratamento diferenciado de situações tão diferentes quanto são as dos trabalhadores no activo e os aposentados.
Termos em que, não se divisando a ocorrência de qualquer dos vícios ao acto assacados, ou e qualquer outro de que cumpra conhecer, se nos afigure não merecer provimento o presente recurso.”
*
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
O recorrente é director de serviços aposentado e subscritor do Fundo de Pensões com o nº XXXXX(1), tendo-lhe sido fixada, por ocasião da sua aposentação voluntária, e por despacho de 25 de Abril de 2001 do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, publicado no Boletim Oficial de Macau de 9 de Maio de 2001, a aposentação no índice 1000, correspondente ao cargo de director dos serviços de saúde.
Através de requerimento apresentado em 23 de Março de 2010, dirigido à Exmª. Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões, o recorrente solicitou a rectificação da sua pensão de aposentação com os seguintes fundamentos:
- o cálculo da sua pensão fora fixado com base na alínea a) do nº 1 do artigo 265º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, por contar 36 anos de serviço;
- segundo o nº 1 do artigo 265º do referido diploma legal, para o cálculo da pensão releva o vencimento único respeitante ao cargo, no caso, director, coluna 2;
- a pensão fora calculada com base no índice fixado para o cargo que desempenhava à data da sua aposentação, devendo ser rectificada sempre que haja actualização do índice deste cargo, de acordo com o cálculo previsto no artigo 265º, nº 1 do ETAPM;~
- a Lei nº 15/2009, de 27 de Julho de 2009, veio actualizar o índice correspondente ao cargo de director, subindo-o para o índice 1100, com efeitos a partir de 1 de Julho de 2007.
Em 3 de Junho de 2010, o recorrente dirigiu idêntico pedido ao Exmº. Secretário para a Economia e Finanças.
O despacho do Exmº Secretário Adjunto para a Economia e Finanças, de 25 de Junho de 2010, exarado na Informação nº 356/DRAS-DAS/FP/2010, é do seguinte teor:
“Concordo com a proposta. Indefiro o pedido.
Assinatura, 25/6/10”
Consiste o teor da citada Informação no seguinte:
“Pedido de rectificação da pensão de aposentação – B
1. Na sequência do pedido de rectificação da pensão apresentado pelo Sr. Dr. B ao Fundo de Pensões em 22/03/2010, foram obtidos pareceres jurídicos da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) e do consultor jurídico do próprio Fundo, tendo por conseguite, e com base nas conclusões dos referidos pareceres, elaborado a Informação nº 302/DRAS-DAS/FP/2010, de 28/05/2010, na qual foi proposto o indeferimento do referido pedido.
2. Contudo, no decurso do procedimento, o requerente apresentou um outro pedido datado de 02/06/2010, desta vez dirigido ao Exmº. Senhor Secretário para a Economia e Finanças no sentido de manter este Fundo cumprir a lei e mandar rever a sua pensão de aposentação, de acordo com o nº 4 do artigo 264º do ETAPM, com efeitos retroactivos.
3. O referido pedido foi oficialmente encaminhado para o Fundo de Pensões pelo Exmº. Senhor Secretário para a Economia e Finanças para efeitos de aposentação de informação.
4. Assim sendo, tendo em conta a nova fundamentação invocada pelo requerente, o Conselho de Administração, reunido em 09/06/2010, atendendo à necessidade de conhecer a posição defendida pelos SAFP sobre a disposição legal referida, deliberou no sentido de obter novo parecer jurídico junto dos SAFP e, assim, mandar notificar o requerente da necessidade de prorrogação do prazo para conclusão do procedimento.
5. Em resposta ao nosso pedido feito através do ofício nº 2446/049/CA/FP/2010, de 10/06/2010, os SAFP, através do ofício dº 1006140002/DTJ, datado de 14/06/2010, informou o seguinte:
“…
5.Ao abrigo do nº 4 do artigo 264º do ETAPM, as pensões de aposentação são fixadas com referência a um índice da tabela indiciária, sendo revistas sempre e na medida em que forem os vencimentos do pessoal no activo. Ora esta revisão prende-se com a alteração do factor multiplicador do índice 100, e não com a revisão dos índices da tabela indiciária. Assim, sempre que o valor do índice 100 seja alterado, o valor da pensão de aposentação fixada com referência a um índice, também o é. No entanto, se a pessoa se aposentou com o índice 770, a sua pensão terá sempre por base esse índice e não um outro mais elevado que o venha a substituir. Esta foi, igualmente, a posição defendida pelo Fundo de Pensões no ofício nº 0164 026/CA/2009, de 22 de Junho de 2009.
6.Em abono do que se afirma, veja-se o Decreto-Lei nº 27/92/M, de 25 de Maio, o qual formula uma correcção extraordinária das pensões de aposentação e sobrevivência, consignando-lhes os respectivos índices mínimos. No seu preâmbulo, pode ler-se:
“As pensões de aposentação e sobrevivência têm sofrido uma gradual diminuição do seu valor real, atentas as reestruturações de carreiras e salariais supervenientes que vieram beneficiar apenas as classes activas.
Assim, pelo presente diploma, incorpora-se nas pensões um factor correctivo do valor percentual diferente, atendendo ao momento da fixação das pensões que ora se pretendem revalorizar e, para evitar situações de fixação de pensões com valores manifestamente baixos, cria-se um valor mínimo para as pensões de aposentação e sobrevivência.”
7.Como se vê, resulta claramente do preâmbulo do diploma acima referido que do aumento dos índices de determinadas carreiras, não resulta automaticamente o aumento das pensões daqueles que se aposentaram na carreira cujos índices foram aumentados. Por esse facto, houve necessidade de através de uma lei, proceder ao aumento dessas pensões. O mesmo se passa com o aumento dos índices dos cargos de direcção e chefia. De forma a que, face ao disposto na Lei nº 15/2009, se pudesse fazer corresponder a pensão de aposentação de quem se aposentou antes de 1 de Julho de 2007 aos novos índices dos cargos de direcção e chefia, teria que haver uma lei nesse sentido, o que não acontece.
   8.Resta referir que não existe, também, qualquer violação do disposto no nº 4 do artigo 264º do ETAPM, quando refere que a pensões de aposentação são fixadas com referência a um índice da tabela indiciária, uma vez que o índice 1000 continua a existir.
…”
6. Assim, em face das conclusões emitidas nos pareceres jurídicos dos SAFP e do consultor jurídico do próprio Fundo, julgo se de propor o indeferimento do pedido de rectificação da pensão de aposentação apresentado pelo requerente.
À consideração superior.”
O recorrente foi notificado do referido despacho por carta registada com aviso de recepção expedida em 1 de Julho de 2010.
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    Artigo 264º, nº 4 do ETAPM
    A principal questão que se coloca no presente contencioso é saber qual a correcta interpretação do nº 4 do artigo 264º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, em que diz que “as pensões de aposentação são fixadas com referência a um índice da tabela indiciária, sendo revistas sempre e na medida em que o forem os vencimentos do pessoal do activo.”
    De acordo com a referida disposição legal, prevê-se aqui uma revisão automática do índice da tabela indiciária do aposentado, mas em que termos?
    Será que a pensão de aposentação seja revista sempre que for atribuído um novo índice à categoria ou cargo com base na qual foi calculado o seu montante, conforme pretende o recorrente, ou apenas quando houver alteração do coeficiente 100 da tabela indiciária, tal como defende a entidade recorrida.
    Para resolver a questão, convém recorrer ao disposto no artigo 8º, nº 1 do Código Civil de Macau, em que diz que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
    Importa, assim, reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo.
    Começamos pelo Decreto-Lei nº 115/85/M, de 28 de Dezembro, que promulgou o Estatuto da Aposentação e Sobrevivência, diploma que vigorou até ao aparecimento do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM).
    A norma que prevê a actualização automática das pensões foi introduzida já nessa altura, através do seu artigo 7º, nº 4, estatuindo-se que “as pensões de aposentação são fixadas com referência a um índice da tabela aplicável, sendo revistas sempre e na medida em que o forem os vencimentos do pessoal do activo”.
    Em 1989, por meio do Decreto-Lei nº 61/89/M, de 18 de Setembro, foi aplicado às pensões de aposentação e sobrevivência um ajustamento adicional e suplementar.
    Depois, pelo Decreto-Lei nº 27/92/M, de 25 de Maio, foram actualizadas as pensões, por se verificar nessa altura uma gradual diminuição do valor real das pensões de aposentação e sobrevivência, atentas as reestruturações de carreiras e salariais supervenientes que vieram beneficiar apenas as classes activas.
    Salvo o devido respeito, entendemos ser correcta a interpretação no sentido de o disposto no artigo 264º, nº 4 do ETAPM não ser aplicável em qualquer situação de aumento dos vencimentos do pessoal do activo, mas somente restringido à alteração do coeficiente 100 da tabela indiciária.
    Vejamos o seguinte argumento.
    Ora bem, se não fosse essa a interpretação, então não se compreenderia qual a necessidade de o legislador ter introduzido os dois referidos diplomas legais sobre o ajustamento das pensões de aposentação e sobrevivência, a saber, os Decreto-Lei nº 61/89/M e Decreto-Lei nº 27/92/M, se os aposentados pudessem beneficiar do mecanismo automático previsto quer no Decreto-Lei nº 115/85/M (artigo 7º, nº 4) quer no próprio ETAPM (artigo 264º, nº 4).
    Por outras palavras, se a atribuição de novos índices salariais a determinados cargos e categorias tivesse o efeito de desencadear o mecanismo de actualização automática previsto no artigo 264º, nº 4 do ETAPM, como pretende o recorrente, então não faria sentido haver actualização das pensões de aposentação e sobrevivência através de diplomas legais autónomos, já que os respectivos índices seriam actualizados automaticamente sem necessidade de intervenção do legislador.
    Contrapondo o recorrente esse entendimento com o argumento de que o Decreto-Lei nº 27/92/M veio apenas actualizar as pensões fixadas antes da criação do novo regime de carreiras introduzido pelo Decreto-Lei nº 85/89/M, de 21 de Dezembro, por falta de correspondência entre os cargos a que estavam as pensões anteriormente fixadas e os cargos criados pelo novo regime de carreiras.
    Mas mesmo aqui temos outro argumento que permita rebater a tese do recorrente.
    Ora bem, se admitisse o entendimento perfilhado pelo recorrente, no sentido de que o Decreto-Lei nº 27/92/M pretendia estabelecer uma modernização de todo o sistema por haver cargos que deixaram de ter correspondência na sistematização das carreiras novas que foram introduzidas pelo Decreto-Lei nº 85/89/M, também não se justificaria uma revisão global de todas as pensões.
    Melhor dizendo, se aceitasse essa interpretação do recorrente em relação ao artigo 264º, nº 4, no sentido de a norma ser aplicável em qualquer situação de alteração de vencimento, e neste caso concreto, na atribuição de novos índices a determinadas categorias ou cargos, então não se compreendia por que razão teria o legislador (do Decreto-Lei nº 27/92/M) necessidade de rever todas as pensões, pelo contrário, bastaria aqueles cargos que deixaram de ter correspondência na sistematização das carreiras novas introduzidas pelo Decreto-Lei 86/89/M, porque os outros cargos ainda estariam abrangidos pelo próprio artigo 264º, nº 4 do ETAPM.
    Tal como referiu o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, e bem, com a aposentação se quebra a ligação funcional entre o aposentado e o lugar que o mesmo ocupava, e não se vê que as “revisões” que, posteriormente, tal lugar possa sofrer por força daquela reorganização, hajam, por força, que se impor automaticamente na evolução da aposentação.
    Face ao exposto, não se descortina que o entendimento defendido pelo recorrente tem suporte em termos legislativos, ao passo que, por razões de coerência e unidade do sistema jurídico, salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos que a actualização automática das pensões contemplada no artigo 264º, nº 4 do ETAFM apenas haverá lugar quando haja alteração do valor do coeficiente 100 da tabela indiciária, e não nas situações em que for atribuído novo índice à categoria ou cargo com referência ao qual foi calculada a pensão do funcionário aposentado.
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    Violação do princípio da igualdade
    Ora, no caso em apreço, a Administração limitou-se a aplicar a lei, no exercício de poderes vinculados, pelo que não se descortina qualquer violação do princípio.
    Conforme se decidiu neste TSI, no Processo nº 520/2010, “A violação do princípio da igualdade só faz sentido perante situações exactamente iguais; a diversidade de situações – mesmo que com fortes pontos de contacto – não pode gerar a violação do princípio ante diferentes decisões administrativas.”
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
Custas pelo recorrente, com 6 U.C. de taxa de justiça.
Registe e notifique.
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Macau, 5 de Dezembro de 2013

Presente Tong Hio Fong Vítor Manuel Carvalho Coelho (Relator)
   Lai Kin Hong
   (Primeiro Juiz-Adjunto)
   João A. G. Gil de Oliveira (Segundo Juiz-Adjunto)



Processo 660/2010 Página 1