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Processo nº 729/2013 Data: 05.12.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “consumo ilítico de estupefacientes”.
Crime de “condução sob influência de estupefacientes”.
Pena.
Suspensão da execução.



SUMÁRIO

1. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

2. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.

3. Devem-se evitar penas de prisão de curta duração.

Porém, não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 729/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B., decidiu-se condenar B (B), como autor da prática em concurso real de 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão, e 1 outro de “condução sob influência de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007, na pena de 3 meses de prisão e na pena acessória de inibição de condução por 1 ano e 3 meses.
Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 4 meses de prisão e na dita pena acessória; (cfr., fls. 98 a 102 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu para, em síntese, dizer que excessivas são as penas parcelares e única, pedindo a substituição desta última por uma pena não privativa da liberdade assim como a suspensão da execução da pena acessória; (cfr., fls. 112 a 119).

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Respondendo, diz o Ministério Público que se deve confirmar, na íntegra, a decisão recorrida; (cfr., fls. 137 a 138-v).

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista emitiu o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, admitindo a suspensão da execução no que toca à pena acessória; (cfr., fls. 148 a 151-v).

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Nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 99-v a 100, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Tal como se deixou relatado, vem o arguido dos autos recorrer da sentença que o condenou como autor da prática em concurso real de 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão, e 1 outro de “condução sob influência de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007, na pena de 3 meses de prisão e na pena acessória de inibição de condução por 1 ano e 3 meses, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 meses de prisão (e na dita pena acessória).

Considera que excessivas são as penas que lhe forem aplicadas, pedindo uma pena não privativa da liberdade assim como a suspensão da execução da pena acessória.

–– Comecemos então pelas “penas parcelares”.

O crime de “consumo ilícito de estupefacientes” é punido com a pena de prisão até 3 meses ou pena de multa até 60 dias; (cfr., art. 14° da Lei n.° 17/2009).

Por sua vez, ao crime de “condução sob influência de estupefacientes” cabe a pena de prisão até 1 ano; (cfr., art. 90°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007).

Nos termos do art. 64° do C.P.M.:

“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

No caso, considerando a matéria de facto provada e tendo presente que o arguido não é primário, ponderando as necessidades de prevenção, entendeu o Mmo Juiz a quo que adequada não era uma pena não privativa da liberdade para o crime de “consumo ilícito de estupefacientes”.

E, efectivamente, atento o C.R.C. do arguido, com condenações por outros crimes “relacionados com a droga” – vd. Processo n.° CR3-10-0055PCC – cuja pena foi declarada extinta por despacho de 27.02.2013, (cfr., fls. 19 a 24), constatando-se que os crimes dos autos foram cometidos em 07.10.2013, a menos de meio ano da decretada extinção, apresenta-se-nos também inviável a opção por uma pena não privativa da liberdade.

Nesta conformidade, e sabendo-se que na fixação da pena se deve ter em conta o estatuído no art. 40° e 65° do C.P.M. – sobre os “fins das penas” e “critérios para a determinação da pena” – vejamos.

Nos termos do art. 40°:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Em relação ao estatuído no art. 65°, tem este T.S.I. considerado que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 30.05.2013, Proc. n° 293/2013).

Atento o exposto, tendo o arguido agido com dolo directo e intenso, e tendo presente as respectivas molduras penais e as necessidades de prevenção criminal, não se mostra de censurar as penas parcelares fixadas.

Quanto ao “cúmulo jurídico”, (“pena única”), vejamos.

Nos termos do art. 71° do C.P.M.:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”.

E, em sede de cúmulo jurídico temos considerado que “na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente; que na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., o Ac. de 11.10.2012, Proc. n.° 703/2012, e mais recentemente, de 07.02.2013, Proc. n.° 1010/2012).

Face ao que até aqui se expôs, óbvio se mostra de concluir que reparo também não merece a pena única (de 4 meses de prisão) fixada, em escrupulosa sintonia com o transcrito art. 71° do C.P.M..

E, aqui chegados, cabe verificar se justa e adequada é a não suspensão da execução da pena única.

Pois bem, em matéria de suspensão da execução da pena é este T.S.I. de opinião que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 11.07.2013, Proc. n° 402/2013).

E, tendo em conta este entendimento (que não se mostra de alterar), evidente é que não se pode decidir pela pretendida suspensão da execução da pena única decretada.

É verdade que se devem evitar penas de prisão de curta duração.

Porém, não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta; (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 12.09.2013, Proc. n.° 472/2013).

–– Quanto à “pena acessória”.

Evidente sendo que censura não merece a sua medida – 1 ano e 3 meses, apenas, 3 meses acima do limite mínimo – óbvio também se mostra de concluir que há que se confirmar o decidido.

De facto, a (pretendida) suspensão desta pena acessória é possível nos termos do art. 109°, n.° 2, da Lei n.° 3/2007, perante “motivos ponderosos”.

E, no caso dos autos, atenta a personalidade pelo recorrente revelada com os seus “antecedentes criminais”, entende-se que, também aqui, reparo não merece o decidido.

Tudo visto, e apresentando-se-nos o recurso manifestamente improcedente, resta decidir pela sua rejeição.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Macau, aos 05 de Dezembro de 2013

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 729/2013 Pág. 14

Proc. 729/2013 Pág. 1