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Processo n.º 764/2013 Data do acórdão: 2013-12-19 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– pena suspensa
– condenação em novo crime
– art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal
– critério para decisão sobre a revogação da suspensão
S U M Á R I O

A condenação em novo crime durante o período da pena suspensa não revela, por si só, que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, devendo o tribunal apreciar os ingredientes do caso concreto, para indagar se se verifica o critério material vertido na parte final da alínea b) do n.º 1 do art.º 54.º do Código Penal para a questão de revogação da suspensão.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 764/2013
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguida): A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o despacho judicial proferido em 7 de Novembro de 2013 a fl. 74 a 74v dos autos de Processo Sumário n.o CR3-13-0159-PSM do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, nos citados termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), a suspensão da execução da sua pena de três meses de prisão, veio a arguida condenada A, já melhor identificada nesses autos, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação do despacho revogatório da pena suspensa, alegando, para o efeito, e na sua essência, que o dito despacho judicial violou o n.o 1 do art.o 54.o do CP, porquanto, no seu entender, atendendo a que ela praticou o tipo de crime em questão não de modo aberto, mas sim de forma camuflada, com o fim somente de aliviar os problemas económicos da sua família, o grau de dolo dela era leve, ela já sentia profundo arrependimento, e o mesmo tipo de crime não era grave se comparado com outros tipos legais contra o património, a integridade física ou a vida em sociedade, etc., deveria ter sido mantida a suspensão da prisão (cfr. o teor da motivação, apresentada a fls. 88 a 91 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido no sentido de improcedência da argumentação da recorrente (cfr. o teor da resposta de fls. 93 a 94v).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 104 a 105, pugnando também pela manutenção da decisão recorrida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do objecto do recurso, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por sentença de 6 de Setembro de 2013 do Processo Sumário n.o CR3-13-0159-PSM do 3.º Juízo Criminal do TJB, subjacente à presente lide recursória, a arguida ora recorrente foi condenada como delinquente não primária, e com confissão espontânea e sem reserva dos factos acusados, pela autoria material, em 5 de Setembro de 2013, e na forma consumada, de um ilícito p. e p. pelos art.os 1.o, 2.o e 4.o, n.o 1, da Lei n.o 10/78/M, de 8 de Julho, inclusivamente na pena de três meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses (cfr. o teor dessa sentença, a fls. 42 a 44v dos presentes autos correspondentes);
– a arguida já tinha chegado a ser condenada em 28 de Junho de 2013 (com decisão transitada em julgado em 8 de Julho de 2013), no Processo Sumário n.o CR3-13-0117-PSM do 3.o Juízo Criminal do TJB, pela prática de um mesmo ilícito, inclusivamente em 60 dias de prisão, substituída por igual tempo de multa;
– em 24 de Setembro de 2013, veio a arguida condenada (com decisão transitada em julgado em 4 de Outubro de 2013) no Processo Sumário n.o CR1-13-0174-PSM do 1.o Juízo Criminal do TJB, pela autoria material, em 23 de Setembro de 2013, e de forma consumada, de um mesmo ilícito, inclusivamente na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos (cfr. a certidão da correspondente sentença condenatória, ora junta a fls. 61 a 65 dos presentes autos);
– em face dessa nova condenação da arguida, o Tribunal titular do subjacente processo ouviu a arguida em 7 de Novembro de 2013, a qual declarou que já sabia do erro, ficava muito arrependida e tinha praticado o ilícito por querer ganhar dinheiro para resolver problemas económicos da família (cfr. o teor do auto de fls. 73 e seguintes dos presentes autos);
– nesse mesmo dia, e depois de finda a audição da arguida, o Tribunal ora recorrido acabou por decidir em revogar, nos citados termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, a suspensão da execução da pena de três meses de prisão inicialmente aplicada à arguida, com fundamento nuclear de que esta tinha voltado a praticar um mesmo ilícito a menos de um mês contado da emissão da decisão condenatória dos presentes autos, sendo isto revelador da falta de respeito básico por parte dela para com o ordenamento jurídico de Macau, para além do seu desprezo dado à sentença judicial (cfr. o teor do despacho revogatório a fls. 74 a 74v).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Na sua motivação, a arguida limita-se a levantar a questão de violação, pelo despacho recorrido, do disposto no art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do CP.
Como se sabe, nos termos do disposto no o art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Cumpre apreciar os ingredientes do caso concreto, para indagar se se verifica o critério material vertido na parte final do preceito legal acabado de ser referido, visto que o facto de prática de um mesmo ilícito no pleno período da suspensão da execução da pena de prisão não revela, por si só, que as finalidades que estavam na base dessa suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
No caso dos autos, é certo que a arguida voltou a cometer um mesmo ilícito a menos de um mês contado da emissão da sentença condenatória dos presentes autos.
Entretanto, explicou ela que tinha feito isto, porque queria ganhar dinheiro para resolver os problemas económicos da família.
Pelos elementos até agora carreados aos presentes autos, sabe-se que a arguida já foi julgada sucessivamente, em três vezes, pela prática dolosa, na forma consumada, de um mesmo ilícito, tendo ficado punida na primeira vez inclusivamente com pena de prisão substituída por multa, e na segunda vez (no âmbito do presente processo) e na terceira vez, idêntica e inclusivamente com pena de prisão suspensa na sua execução.
Pois bem, atendendo a que no novo processo condenatório (da terceira vez da arguida), não se decidiu em impor, para já, pena de prisão efectiva à arguida, crê-se que se pode continuar, por ora, a suspender a pena de prisão inicialmente aplicada no presente processo (correspondente à segunda vez da arguida), embora com imposição, a determinar agora à arguida, do dever de cumprir rigorosa e pontualmente o regime de prova a ser traçado e vigiado, de três em três meses, pelo Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar provido o recurso, revogando o despacho revogatório da pena suspensa, com consequente manutenção da pena suspensa da arguida recorrente, mas com sujeição dela ao regime de prova nos termos acima referidos.
Sem custas.
Fixam em mil e oitocentas patacas os honorários a favor do Ex.mo Defensor Oficioso da arguida, a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique à Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça.
Macau, 19 de Dezembro de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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