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Processo n.º 689/2013 Data do acórdão: 2013-12-12 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– consumo ilícito de estupefaciente
– condução sob influência de estupefaciente
– concurso efectivo de crimes
– art.o 90.o, n.o 2, da Lei n.o 3/2007
– art.o 14.o da Lei n.o 17/2009
– art.o 19.o da Lei n.o 17/2009
– art.o 72.o, n.o 1, do Código Penal
– conhecimento superveniente do concurso
– cúmulo jurídico das penas
– suspensão da pena única de prisão
– art.o 72.o, n.o 3, do Código Penal
– art.o 71.o, n.o 4, do Código Penal
– pena de inibição de condução
– manutenção da inibição aplicada na sentença anterior
– período total da inibição de condução
– execução da inibição de condução
– desconto do período de inibição
S U M Á R I O

1. O tipo legal de consumo ilícito de estupefaciente do art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, pretende evitar que o seu agente tenha a sua própria saúde prejudicada pelo efeito consabidamente nocivo decorrente de todo o consumo ilegal de substância estupefaciente.
2. Enquanto o tipo legal de condução sob influência de estupefaciente do art.º 90.º, n.º 2, da Lei n.º 3/2007, de 7 de Maio, procura evitar o compreensível grande perigo de ofensa a acarretar pela conduta de condução do agente à vida e/ou à integridade física e/ou aos bens de outras pessoas.
3. Tutelando esses dois tipos legais de crime interesses eminentemente distintos, só há concurso efectivo real entre os dois tipos, e não concurso aparente, nem qualquer relação de absorção do primeiro pelo segundo.
4. Estando em causa a condenação do arguido não só pelo crime do art.o 14.o da Lei n.º 17/2009, mas também pelo crime de condução sob influência de estupefaciente (que, devido à maior importância dos interesses que se pretende tutelar com a respectiva incriminação, é de natureza mais grave do que a do crime de consumo), já não lhe é aplicável, sob pena da petição de princípio, o regime do art.o 19.o da mesma lei, conclusão essa que faz precludir também a tese de aplicação, no caso concreto dele, do subsequente art.o 25.o.
5. O tribunal responsável pela feitura do cúmulo jurídico das penas nos termos do art.º 72.º, n.º 1, do Código Penal, por conhecimento superveniente do concurso, tem toda a liberdade, prudente, de decidir em suspender, ou não, a pena única a fixar finalmente ao mesmo agente dos crimes, nos termos gerais do art.o 48.o do Código Penal, mesmo que alguma das penas de prisão aplicadas aos crimes objecto da punição em concurso tenha sido anteriormente decretada como suspensa na sua execução.
6. À luz do n.o 3 do art.o 72.o do Código Penal, a pena de inibição de um ano de condução aplicada ao recorrente num processo anterior mantém-se. E por comando do n.o 4 do art.o 71.o do mesmo Código, a pena de inibição de dois anos de condução aplicada propriamente no subjacente processo actual é sempre aplicada ao mesmo arguido, mesmo depois de feito o cúmulo jurídico das penas principais.
7. É, pois, nesta perspectiva jurídica, que se deve entender a afirmação exposta pelo tribunal autor da sentença ora recorrida, no sentido de que o período total da inibição efectiva de condução é de três anos, isto sem embargo de o já decurso total do período de um ano de inibição de condução imposta no anterior processo dever ser computado, sob forma de desconto total, na futura execução do dito período total de inibição.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 689/2013
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): B (B)




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida em 26 de Setembro de 2013 a fls. 190 a 195 dos autos de Processo Comum Singular n.° CR3-13-0227-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material, na forma consumada, de dois crimes de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto (doravante abreviada como Lei de droga), na pena de 45 dias de prisão por cada, e de dois crimes de condução sob influência de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 2, da Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio (Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), na pena de quatro meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico operado dessas quatro penas, na pena única de seis meses de prisão efectiva, com pena também de inibição efectiva de condução por dois anos, imposta nos termos do art.º 90.º, n.º 2, da LTR, e a ser executada depois da futura soltura prisional, sanções todas essas que, em cúmulo jurídico operado com as penas aplicadas no Processo Sumário n.º CR1-12-0145-PSM (quais sejam, a pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses, e a pena de inibição efectiva de condução por um ano, tudo por um crime de condução sob influência de estupefaciente), fizeram impor finalmente a pena única de oito meses de prisão efectiva, com inibição efectiva de condução por um período total de três anos, a ser executada depois da futura soltura prisional, veio o arguido B (B), já aí melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para alegar na sua essência e pedir o seguinte, na sua motivação apresentada a fls. 205 a 214 dos presentes autos correspondentes:
– os factos descritos como provados no texto da sentença ora recorrida não podiam suportar a condenação simultânea dele como autor de dois crimes de consumo ilícito de estupefaciente e de dois crimes de condução sob influência de estupefaciente, pois ante a existência de uma relação de concurso aparente entre o tipo legal de consumo ilícito de estupefaciente e o de condução sob influência de estupefaciente, ou de uma relação de absorção do primeiro tipo pelo segundo, ele deveria ter sido condenado tão-só em sede do tipo legal da condução sob influência de estupefaciente, com necessária e devida absolvição dos dois crimes de consumo, pelo que ficou a decisão condenatória recorrida a padecer do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, aludida no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP);
– e fosse como fosse, a mesma decisão recorrida ficou a enfermar também do excesso na medida da pena, porquanto tendo ele, muito toxicodependente desde o ano de 2007, confessado integralmente e sem reserva os factos acusados na audiência, e demonstrado profundo arrependimento, e tendo já interiorizado (e com muito remorso), sob o desvelo e acompanhamento prestados pelos pais, o erro da sua conduta de condução sob influência de estupefaciente na sequência da anterior condenação no Processo n.º CR1-12-0145-PSM, e tendo ingressado voluntariamente em 10 de Agosto de 2012 no programa de tratamento de toxicodependência do Centro de Formação Desafio Jovem de Macau (do qual saiu em 10 de Novembro de 2012 por precisar de voltar a trabalhar na sociedade), tendo começado a partir dessa data a aceitar a fiscalização do Instituto de Acção Social de Macau através da realização de testes de urina, com exibição de bom comportamento até agora, e tendo deixado de contactar droga há cerca de um ano e tal, e tendo já pedido o registo de casamento com uma senhora (já grávida) junto da Conservatória do Registo Civil de Macau, tendo os pais também a seu cargo economicamente, e tendo patrocinado, através da Organização “World Vision”, as despesas de sobrevivência de cinco crianças vindas de diversas regiões do Mundo, como forma de resgatar o seu pecado, as penas de prisão aplicadas na sentença recorrida eram demasiado severas, ao arrepio dos art.os 40.º, 64.º e 65.º do CP, com a agravante de que deveria o Tribunal recorrido ter aplicado penas não privativas de liberdade, aplicando concretamente penas de multa nos termos do art.º 45.º do CP, ou o instituto da pena suspensa à luz do art.º 48.º do CP, com imposição até de regras de conduta tais como a sujeição ao programa de tratamento de toxicodependência do Instituto de Acção Social (visto inclusivamente, e sobretudo, o disposto nos art.os 19.º e 25.º da Lei de droga);
– por outro lado, sempre violou a sentença recorrida o art.º 71.º do CP na parte respeitante à operação do cúmulo jurídico das sanções do presente processo com o Processo n.º CR1-12-0145-PSM, devendo ser revogada a decisão de cúmulo jurídico das sanções, visto que a pena de prisão então aplicada nesse anterior processo ficou suspensa na sua execução, e com tal não podia ser considerada como uma pena de prisão efectiva exequível, daí que não se podia dar por verificados todos os pressupostos da feitura do cúmulo jurídico, com a agravante de que sob pena da violação do disposto no art.º 107.º, n.º 2, alínea d), e no art.º 476.º do CPP, a eventual revogação do benefício da pena suspensa só podia ser decidida pelo Tribunal titular daquele processo anterior, depois da necessária audição prévia do próprio arguido, sendo certo que fosse como fosse, nunca se poderia dar por verificada a situação prevista no art.º 54.º, n.º 1, do CP, ao que acresceria também a consideração de que como o período de inibição de condução por um ano imposto no mesmo processo anterior já tinha terminado em 10 de Setembro de 2013, essa pena de inibição anterior não poderia ter entrado na operação de cúmulo jurídico feito na sentença ora recorrida.
Ao recurso respondeu (a fls. 226 a 232) a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido, no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 240 a 242), pugnando também pela improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos com pertinência à solução do recurso:
1. Da acta da audiência de julgamento realizada perante o Tribunal recorrido (lavrada a fls. 189 a 189v), consta que o arguido confessou integralmente e sem reserva os factos acusados.
2. No texto da sentença ora recorrida, proferida em 26 de Setembro de 2013 (no subjacente Processo Comum Singular n.o CR3-13-0227-PCS), deu-se por provado, na sua essência, o seguinte:
– em 16 de Julho de 2011, cerca das 08:00 horas da noite, o arguido comprou em Macau e consumiu logo depois, no assento de condutor de um veículo automóvel com chapa de matrícula n.o MK-XX-XX, uns pós de Ketamina;
– cerca das 08:45 horas dessa mesma noite, quando o arguido conduziu o referido automóvel a passar um cruzamento estradal em Macau, embateu este automóvel numa bicicleta no lado da estrada, tendo o pessoal policial de segurança pública encarregado do tratamento desse acidente descoberto uns pós brancos dentro do mesmo automóvel;
– do exame laboratorial feito, saiu confirmado que tais pós brancos continham 0,106 grama líquido da substância de Ketamina;
– do exame feito ao arguido na mesma noite, cerca das 09:10 horas, no Centro Hospitalar Conde de São Januário, resultou que o arguido tinha reacção positiva à Ketamina;
– em 8 de Junho de 2012, cerca das 08:00 horas e tal da noite, o arguido comprou no Interior da China um saco de pós de Ketamina, e consumiu parte desses pós em Macau;
– cerca da 00:55 hora da madrugada do dia seguinte (dia 9), quando o arguido estava a conduzir numa via pública em Macau o veículo automóvel com chapa de matrícula n.o MK-XX-XX, este veículo foi interceptado pelo pessoal policial de segurança pública para efeitos de investigação, na sequência da qual foi descoberto pela polícia no corpo do arguido um total de 2,597 gramas líquidos da Ketamina, destinados ao seu consumo próprio;
– cerca das 02:00 horas e tal da mesma madrugada, do exame feito ao arguido no Centro Hospitalar Conde de São Januário, resultou que o arguido tinha reacção positiva à Ketamina;
– o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de praticar os factos acima referidos, por duas vezes detendo produto estupefaciente para seu consumo próprio, e conduzindo veículo automóvel em via pública após consumido o produto estupefaciente referido;
– o arguido conhecia bem a natureza do produto estupefaciente referido, e sabia claramente que a sua conduta era ilegal e punível por lei;
– conforme o certificado de registo criminal, o arguido tinha nomeadamente os seguintes antecedentes criminais:
– em 16 de Agosto de 2007, no Processo n.o CR3-07-0153-PSM, foi condenado por um crime, praticado em 16 de Agosto de 2007, de detenção ilícita de droga para consumo pessoal, na pena de mil e duzentas patacas de multa, multa essa já paga em 3 de Outubro de 2007;
– em 1 de Novembro de 2011, no Processo n.o CR2-11-0272-PCS, foi condenado por um crime, praticado em 21 de Outubro de 2007, de ofensa à integridade física, na pena de nove meses de prisão, suspensa na sua execução por 24 meses, sob condição de pagamento de quarenta mil patacas de indemnização à pessoa ofendida no prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado da decisão, decisão essa que transitou em julgado em 11 de Novembro de 2011; mais tarde, por decisão de 4 de Dezembro de 2012, transitada em julgado em 14 de Dezembro de 2012, tal prazo de suspensão da pena veio a ser prorrogado até 36 meses, prazo esse que ainda não terminou;
– em 3 de Agosto de 2012, no Processo n.o CR1-12-0145-PSM, foi condenado por um crime, praticado em 3 de Agosto de 2012, de condução sob influência de estupefaciente, na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses, com inibição de condução por um ano, decisão essa que transitou em julgado em 10 de Setembro de 2012, com prazo de suspensão ainda não terminado;
– o arguido declarou ter por habilitações académicas o 1.o ano do ensino secundário complementar, com cerca de vinte mil patacas de rendimiento mensal, e a esposa a seu cargo.
3. Conforme o teor da sentença de 3 de Agosto de 2012 do acima referido Processo n.º CR1-12-0145-PSM (certificado a fls. 175 e 180 dos presentes autos), o arguido foi condenado na pena de quatro meses de prisão, suspensa na execução por 18 meses, com inibição efectiva de condução por um ano, contado a partir da data do trânsito em julgado dessa própria sentença, trânsito em julgado esse que ocorreu em 10 de Setembro de 2012.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
O arguido começou por preconizar a tese de concurso aparente entre o crime de consumo ilícito de estupefaciente do art.o 14.o da Lei de droga e o crime de condução sob influência de estupefaciente do art.o 90.o, n.o 2, da LTR.
Mas, para o presente Tribunal ad quem, evidentemente sem razão nenhuma (sendo de notar, desde logo, que a questão assim posta pelo recorrente, como é de foro exclusivamente jurídico, não pode ter a ver com o também alegado vício previsto na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP).
Com efeito, tal como já observou o Ministério Público na resposta ao recurso e no parecer emitido neste TSI, tutelando esses dois tipos legais de crime interesses eminentemente distintos, só há concurso efectivo real entre os dois tipos legais, e não concurso aparente, nem qualquer relação de absorção do primeiro tipo pelo segundo.
Na verdade, pretende aquele primeiro tipo legal evitar que o seu agente tenha a sua própria saúde prejudicada pelo efeito consabidamente nocivo decorrente de todo o consumo ilegal de substância estupefaciente; enquanto o segundo tipo legal procura evitar o compreensível grande perigo de ofensa a acarretar pela conduta do agente de condução sob influência de estupefaciente, à vida e/ou à integridade física e/ou aos bens de outras pessoas.
Termos em que muito bem andou o Tribunal recorrido ao decidir condenar o recorrente como autor de dois crimes de consumo ilícito de estupefaciente e de dois crimes de condução sob influência de estupefaciente.
O arguido não deixou de pretender também a aplicação, em seu favor, da pena de multa, em detrimento da pena de prisão.
Dois dois tipos legais de crime em causa, só o de consumo ilícito de estupefaciente é que é punível com pena de prisão ou com pena de multa.
Entretanto, se o facto de o recorrente ter chegado a ser condenado em 2007 em pena de multa por um crime de detenção ilícita de droga para consumo pessoal nem lhe conseguiu evitar o cometimento, nesta vez, dos dois novos crimes respeitantes ao consumo de droga, é inviável, em prol precisamente das exigências da prevenção especial do crime, a opção pela pena de multa quanto a estes dois crimes de consumo – cfr. o critério material vertido no art.o 64.o do CP.
Entendeu o arguido que a sentença recorrida ficou a padecer também do excesso na medida da pena, ao arrepio dos art.os 40.o e 65.o do CP.
Improcede claramente esta objecção do recorrente, porque tendo ele já, em Agosto de 2007, um antecedente criminal relativo à prática de um crime de detenção ilícita de droga para consumo pessoal, com a agravante de que veio praticar, em Junho de 2012, um crime doloso ilícito de consumo de estupefaciente e um crime doloso de condução sob influência de estupefaciente, ainda na plena vigência do período inicial, de 24 meses, da suspensão da execução da pena de nove meses de prisão imposta num seu anterior Processo com o n.o CR2-11-0272-PCS, são realmente muito elevadas as exigências da prevenção especial que fazem com que mesmo sob os padrões da medida da pena ditados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, já não haja mais margem para a pretendida redução das penas parcelares aplicadas na sentença recorrida quer aos dois crimes de consumo quer aos dois crimes de condução sob influência de estupefaciente, não podendo, outrossim, por identidade da razão acabada de ser aduzida em sede da prevenção especial como uma das finalidades da punição, mais benévola ao arguido a pena única de oito meses de prisão finalmente achada na sentença recorrida depois de considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido, como resultante do cúmulo jurídico (feito nos termos do art.o 71.o, ex vi do art.o 72.o, n.o 1, ambos do CP) das penas de prisão dos quatro crimes praticados nesta vez, com a pena de quatro meses de prisão imposta num outro Processo anterior com o n.o CR1-12-0145-PSM por um crime de condução sob influência de estupefaciente.
Desejou o arguido também a suspensão da execução da sua pena de prisão, invocando em seu favor o disposto nos art.os 19.o e 25.o da Lei de droga.
Não pode deixar de naufragar evidentemente este pedido, na esteira do acima analisado no tocante às exigências da prevenção especial.
Efectivamente, não sendo ele um delinquente primário, e tendo vindo ele praticar um crime de consumo e um crime de condução sob influência de estupefaciente ainda na vigência do período inicial da suspensão da execução da pena de prisão imposta num dos processos anteriores seus já referidos, é patente que a despeito das condições pessoais, económicas e familiares do recorrente e da sua confissão integral e sem reservas dos factos na audiência realizada perante o Tribunal autor da sentença ora recorrida (confissão essa que, aliás, tem pouco valor atenuativo, por ele não poder negar a verdade dos factos descoberta pela polícia aquando da operação de investigação de veículo, e confirmada posteriormente pelos exames laboratorial e hospitalarmente feitos), a mera censura dos factos e a ameaça da execução da prisão jamais conseguirão satisfazer as finalidades da punição na vertente da prevenção especial (cfr. o critério material vertido na parte final do n.o 1 do art.o 48.o do CP), pelo que andou também muito bem o Tribunal recorrido ao decidir pela imposição da pena de prisão efectiva ao arguido, sendo certo que estando em causa a condenação do arguido não só pelo crime do art.o 14.o da Lei de droga, mas sim também pelo crime de condução sob influência de estupefaciente (que, devido à maior importância dos interesses que se pretende tutelar com a respectiva incriminação, é de natureza mais grave do que a do crime de consumo), já não é aplicável, sob pena da autêntica petição de princípio, o regime do art.o 19.o da Lei de droga, conclusão essa que faz precludir também a tese de aplicação do art.o 25.o da mesma Lei de droga.
E agora, uma nota final a fazer a propósito da suscitada questão de ilegalidade da decisão de cúmulo jurídico tomada na sentença recorrida.
Dos elementos processuais coligidos na parte II do presente acórdão de recurso, vê-se que o Tribunal autor da sentença condenatória de 26 de Setembro de 2013, ora sob impugnação, decidiu proceder ao cúmulo jurídico das penas de prisão dos quatro crimes praticados pelo arguido nesta vez (concretamente, dois dos quais em Julho de 2011 e os outros dois em Junho de 2012), com a pena de prisão então imposta num dos processos anteriores do arguido (ou seja, no Processo n.o CR1-12-0145-PSM) por um crime de condução sob influência de estupefaciente, praticado em 3 de Agosto de 2012.
A pena de quatro meses de prisão desse processo anterior, aí encontrada decretada – por decisão condenatória proferida em 3 de Agosto de 2012, transitada em julgado em 10 de Setembro de 2012 – como suspensa na sua execução, ainda não foi objecto de declaração da extinção (por decurso completo do período da suspensão).
Assim sendo, estão in casu totalmente reunidos todos os seguintes pressupostos legalmente previstos no n.o 1 do art.o 72.o do CP, para a feitura, por conhecimento superveniente do concurso, do cúmulo jurídico das cinco penas de prisão parcelares acima referidas, traduzidos no seguinte, conjuntamente falando:
– depois daquela anterior condenação (no Processo n.o CR1-12-0145-PSM) transitada em julgado (em 10 de Setembro de 2012), mas antes de a respectiva pena (de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses) estar extinta, veio estar provado (no subjacente ora Processo n.o CR3-13-0227-PCS) que um mesmo arguido tinha praticado já em Julho de 2011 e Junho de 2012, ou seja, tudo anteriormente àquela condenação em 3 de Agosto de 2012 (naquele Processo n.o CR1-12-0145-PSM), quatro crimes (i.e., dois crimes de consumo ilícito de estupefacientes e dois crimes de condução sob influência de estupefaciente).
Daí que são claramente aplicáveis a esses quatro crimes e ao outro crime objecto do dito processo anterior as regras da punição do concurso gizadas no art.o 71.o do CP, sendo certo que tem o Tribunal responsável da feitura deste tipo de cúmulo por conhecimento superveniente do concurso toda a liberdade, prudente, de decidir em suspender, ou não, a pena única a fixar finalmente ao mesmo agente dos crimes, nos termos gerais do art.o 48.o do CP, mesmo que alguma das penas de prisão aplicadas aos crimes objecto da punição em concurso efectivo tenha sido anteriormente decretada no respectivo processo como suspensa na sua execução, pelo que não só há que cair por terra, por estar irremediavelmente prejudicada, toda a tese do ora recorrente segundo a qual o Tribunal recorrido, pelo modo concreto em que procedeu ao acima aludido cúmulo das penas, violou materialmente o disposto nos art.os 107.o, n.o 2, alínea d), e 476.o do CPP, como também está fora da causa o disposto no n.o 1 do art.o 54.o do CP.
E antes de terminar, uma observação ainda acerca da questão da pena de inibição de condução.
É certo que no referido Processo anterior n.o CR1-12-0145-PSM, foi imposta também ao mesmo arguido a inibição efectiva de condução por um ano, concretamente contado a partir de 10 de Setembro de 2012, pelo que é de considerar que o período dessa inibição já se terá completado no dia 10 de Setembro de 2013, ou seja, antes do proferimento, em 26 de Setembro de 2013, da sentença ora recorrida.
É também certo que o Tribunal autor da sentença recorrida determinou aí que o recorrente passou a ter o período total de três anos de inibição efectiva de condução, resultante da soma aritmética do período de dois anos de inibição efectiva imposta propriamente no subjacente processo penal, com o período de um ano de inibição efectiva aplicada no dito processo anterior.
Ora, à luz do n.o 3 do art.o 72.o do CP, a pena de inibição de um ano de condução aplicada na sentença anterior (ou seja, no dito processo anterior) mantém-se. E por comando do n.o 4 do art.o 71.o do CP, a pena de inibição de dois anos de condução aplicada propriamente no subjacente processo actual é sempre aplicada ao mesmo arguido, mesmo depois de feito o cúmulo jurídico das penas principais.
É nesta perspectiva jurídica falando, que se deve entender tal afirmação exposta pelo Tribunal autor da sentença ora recorrida, no sentido de que o período total da inibição efectiva de condução é de três anos (dois mais um). Isto sem embargo, naturalmente, de o considerado já decurso total do período de um ano de inibição de condução inicialmente imposta no dito anterior processo penal dever ser computado, sob forma de desconto total, na futura execução, em concreto, do dito período total de inibição.
Mostrando-se evidentemente infundado o recurso nos termos supra demonstrados, é de rejeitá-lo em conferência, nos termos ditados nos art.os 409.o, n.o 2, alínea a), e 410.o, n.o 1, do CPP, sem mais desenvolvimento atento o disposto no n.o 3 desse art.o 410.o.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em rejeitar o recurso, por ser manifestamente improcedente.
Custas do recurso pelo arguido, com doze UC de taxa de justiça, e sete UC de sanção pecuniária referida no art.o 410.o, n.o 4, do Código de Processo Penal.
Comunique, desde já, a presente decisão aos Processos n.os CR2-11-0272-PCS e CR1-12-0145-PSM do Tribunal Judicial de Base, e ao Instituto de Acção Social.
Macau, 12 de Dezembro de 2013.
___________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
___________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
___________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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