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Processo nº 334/2013

Relator: João Gil de Oliveira

Data: 12/Dezembro/2013


Assuntos:
- Apoio Judiciário
- Patrocínio oficioso; prazo de propositura de acção ou de interposição
de recurso contencioso
- Prazo; efeitos do prazo concedido ao patrono sobre os prazos em curso


    SUMÁRIO :
1. O prazo de interposição de recurso contencioso é um prazo substantivo.
2. O prazo concedido ao patrono para a propositura de uma acção não tem a virtualidade de alargar o prazo substantivo em curso.
    
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira





Processo n.º 334/2013
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)

Data : 12 de Dezembro de 2013

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Presidente do Instituto de Habitação

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
   A, inconformada com a sentença proferida no Tribunal Administrativo, dela vem recorrer, alegando, em sede de conclusões:
   
   a. O recurso vertente tem como objecto a decisão feita pelo Mm. Juiz a quo em 20 de Fevereiro de 2013 - “decide este Tribunal rejeitar o presente recurso contencioso por intempestividade”.
   b. A sentença recorrida fundamenta-se na jurisprudência uniformizada pelo TUI mediante o seu acórdão de 14 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 57/2012, isto é, “O prazo para interposição de recurso contencioso de actos anuláveis suspende-se no momento em que o interessado formula pedido de nomeação de patrono e volta a correr a partir da notificação do despacho que dele conhecer, sem inutilização do prazo corrido desde a notificação ou publicação do acto administrativo.”
   c. O dito acórdão de uniformização de jurisprudência, tendo sido publicado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 50, I. Série, de 11 de Dezembro de 2012, constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais de Macau a partir da publicação, por força do art.º 167.º, n.º 4 do CPAC.
   d. Com base nisto, o Mm. Juiz a quo, com observância desta jurisprudência obrigatória, decidiu em 20 de Fevereiro de 2013 pela rejeição do recurso contencioso.
   e. Salvo o devido respeito pela jurisprudência uniformizada no acórdão proferido pelo TUI em 14 de Novembro de 2012 e no processo n.º 57/2012, a recorrente considera que tal jurisprudência uniformizada viola as disposições da Lei Básica da RAEM (em específico, os seus art.ºs 25.º, 36.º, n.º 1, e 40.º), prejudicando, assim, os direitos fundamentais dos cidadãos, além de que se mostra contrária aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, bem como à intenção legislativa original da Lei n.º 21/88/M e do Decreto-Lei n.º 41/94/M.
   f. A sentença ora recorrida enferma do vício de grave violação de lei, visto que o Mm.º Juiz a quo proferiu tal decisão com base na supracitada decisão de uniformização de jurisprudência, que se mostra contrária às disposições da Lei Básica da RAEM (prejudica, assim, os direitos fundamentais dos cidadãos), aos princípios da igualdade e proporcionalidade, assim como à intenção legislativa original da Lei n.º 21/88/M e do Decreto-Lei n.º 41/94/M.
   g. Afigura-se à recorrente que não existe incompletude no Decreto-Lei n.º 41/94/M, nem há necessidade de integrar “lacuna jurídica”. Acresce que, o mencionado acórdão de uniformização de jurisprudência constitui uma discriminação, uma desigualdade contra os interessados que recorram ao apoio judiciário por insuficiência de meios económicos, mostrando-se contrário ao disposto nos art.ºs 25.º, 36.º, n.º 1 e 40.º da Lei Básica da RAEM.
   h. O referido acórdão de uniformização de jurisprudência contraria os pactos internacionais, nomeadamente o «Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos».
   i. Segundo o dito acórdão de uniformização de jurisprudência, para ficarem em igualdade o interessado que pede patrocínio judiciário e aquele que a ele não recorre, o patrono nomeado deve interpor recurso contencioso no prazo restante, quer dizer, o prazo volta a correr quando o advogado é nomeado, entendimento esse que, obviamente, está em desconformidade com os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
   j. O apoio judiciário compreende a dispensa, total ou parcial, do pagamento de preparos e custas, ou o seu diferimento, e bem assim o patrocínio oficioso (cfr. art.º 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 41/94/M). A situação a que se refere o respectivo acórdão de uniformização de jurisprudência é o patrocínio oficioso.
   k. O art.º 26.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 41/94/M estabelece a solução relativa à questão de saber quando é que se considera interposto o recurso no caso de o recorrente requerer patrocínio judiciário para interposição de recurso contencioso de anulação. Na causa vertente, como a patrona foi nomeada antes da propositura da acção, deve a mesma interpor recurso contencioso no prazo de 30 dias.
   l. Foi por insuficiência de meios económicos que a recorrente pediu apoio judiciário, a fim de obter auxílio jurídico e interpor recurso contencioso em defesa dos seus interesses pessoais. É isso exactamente a intenção legislativa original da Lei n.º 21/88/M e do Decreto-Lei n.º 41/94/M, isto é, a intenção de evitar que alguém não possa defender os seus interesses pessoais por via judicial devido à insuficiência de meios económicos.
   m. É obrigatória para os particulares a constituição de advogado nos processos do contencioso administrativo. Portanto, foi a insuficiência de condições objectivas que não permitiu à recorrente interpor recurso contencioso, e não se está perante um caso de caducidade do direito de recurso caduca em resultado da inércia do seu titular.
   n. Na formulação de pedido de apoio judiciário, a recorrente já demonstrou a pretensão de impugnar, por via judicial, a decisão tomada pela Administração, pelo que já exerceu o seu direito de recurso, só que não podia interpor recurso contencioso devido à insuficiência de condições objectivas, situação essa que absolutamente não equivale àquela prevista no art.º 25.º, n.º 2 do CPAC em que o direito caduca se não for exercido.
   o. No caso de o interessado recorrer ao patrocínio judiciário para a interposição de recurso contencioso de anulação, o patrono nomeado deve interpor recurso contencioso no prazo legal em cumprimento do art.º 26.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 41/94/M.
   p. Estipula-se no art.º 320.º do Código Civil que nos casos especialmente previstos na lei, é possível o prazo de caducidade suspender-se ou interromper-se. Eis a situação prevista no n.º 2 do art.º 16.º do Decreto-Lei n.º 41/94/M, ou seja, tal prazo interrompe-se nos termos dos art.ºs 13.º e 27.º do dito Decreto-Lei.
   q. Como se indicou na declaração de voto de vencido do respectivo acórdão de uniformização de jurisprudência, se a lei não distinguir, o intérprete-aplicador não deve distinguir. De facto, o legislador não fez distinções em relação ao “prazo em curso” mencionado no n.º 2 do art.º 16.º do Decreto-Lei n.º 41/94/M, não se limitando a referir-se expressamente a um prazo de natureza processual de uma acção ou recurso pendente.
   r. Aquando da prolação da respectiva decisão de uniformização de jurisprudência, devia-se observar os princípios fundamentais estabelecidos na Lei Básica da RAEM, proteger os direitos fundamentais dos residentes e não prejudicar os interesses dos intervenientes. Em caso de dúvida relativa à interpretação da lei, seria aplicado o princípio de favorecer os interessados (從優原則), isto é, o princípio da não redução dos direitos dos interessados.
   s. É manifesto tal jurisprudência uniformizada ter imposto uma interpretação contrária à intenção original do legislador, tendo, na realidade, violado a Lei Básica da RAEM e os pactos de direitos humanos, e privado a recorrente do direito fundamental de defender os seus interesses pessoais por via judicial.
   t. A recorrente entende que a jurisprudência uniformizada supramencionada não é aplicável ao presente recurso contencioso.
   u. No dia 19 de Abril de 2012, a recorrente recebeu o ofício n.º 1203190043/DAJ emitido pelo IH, que a notificou da decisão feita pelo Presidente do IH na Informação n.º 0074/DAJ/2012.
   v. Inconformada com a respectiva decisão, a recorrente, em 23 de Abril de 2012, veio requerer ao Tribunal Judicial de Base a concessão de apoio judiciário, com vista à interposição de recurso contencioso da decisão do Presidente do IH.
   w. Por despacho de 28 de Maio de 2012, o Tribunal Judicial de base nomeou patrona à recorrente para praticar actos processuais adequados. A carta de notificação deste despacho foi enviada no dia 30 de Maio de 2012.
   x. No dia 2 de Julho de 2012, a recorrente, através da sua patrona oficiosa, interpôs recurso contencioso.
   y. Não é extemporâneo o recurso contencioso interposto pela recorrente.
   z. Aquando da nomeação de patrono, o Tribunal Judicial de Base da RAEM referiu “ao mesmo tempo, notifique a requerente para contactar a patrona nomeada imediatamente e fornecer à mesma todas as informações necessárias para que esta possa praticar actos processuais adequados em sua representação dentro do prazo de 30 dias.”
   aa. O aludido acórdão de uniformização de jurisprudência não é aplicável ao recurso contencioso vertente, devendo a patrona da recorrente interpor recurso contencioso no prazo de 30 dias à luz do despacho proferido pelo Mm.º Juiz a quo em 28 de Maio de 2012.
   bb. O supracitado despacho de nomeação deu-se por notificado à patrona da recorrente em 2 de Junho de 2012. Contando-se a partir da mesma data, o respectivo prazo deve terminar no dia 2 de Julho de 2012. Por sua vez, a patrona da recorrente apresentou ao Tribunal a quo os respectivos documentos de recurso contencioso por meio de fax em 2 de Julho de 2012, e em 3 de Julho de 2012, apresentou ao mesmo os originais dos documentos.
   cc. a recorrente e a sua patrona apresentaram os documentos de recurso contencioso dentro do prazo legal e em conformidade com o despacho do Mm.º Juiz a quo, razão pela qual o presente recurso contencioso não foi interposto extemporaneamente, não devendo ter sido rejeitado.
   dd. Tendo o recurso contencioso sub judice sido apresentado ao Tribunal a quo em 2 de Julho de 2012, o processo já correu cerca de quatro meses. Contudo, o mencionado acórdão de uniformização de jurisprudência foi publicado em 11 de Dezembro de 2012 e começou a produzir efeitos a partir de então. Nesta conformidade, a referida jurisprudência uniformizada, mesmo tendo efeito retroactivo, não seria aplicável ao presente recurso contencioso, sob pena de violação do art.º 11.º do Código Civil.
   ee. A dita jurisprudência uniformizada limita-se a regular recurso contencioso futuro e/ou recurso que vai ser interposto em breve, mas não é aplicável a um processo já instaurado e que correu quatro meses. Assim, a referida jurisprudência uniformizada não é, de modo algum, aplicável ao recurso contencioso ora em apreço.
   ff. O fundamento invocado pelo Mm.º Juiz a quo para proferir o objecto do presente recurso viola as disposições da Lei Básica da RAEM, designadamente os seus art.ºs 25.º, 36.º, n.º 1 e 40.º, privando a recorrente do direito fundamental de defender os seus interesses pessoais por via judicial, e mostra-se contrário ao «Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos», aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, ao princípio de favorecer os interessados, além de que contraria a intenção legislativa original da Lei n.º 21/88/M e do Decreto-Lei n.º 41/94/M, bem como o disposto no art.º 11.º do Código Civil. Acresce que, o Mm.º Juiz a quo, ao proferir o objecto do presente recurso, não levou em consideração os fundamentos de facto constantes dos autos do processo de apoio judiciário. Verifica-se, nestes termos, erro notório na aplicação da lei, fazendo com que o objecto do presente recurso padeça de grave vício nos pressupostos de aplicação da lei e na sua interpretação, assim sendo, deve o mesmo ser revogado.

    Face ao exposto, solicita que se julgue procedente o recurso sub judice e se decida:
    - Anular a sentença proferida pelo Tribunal a quo (i. e. o objecto do presente recurso);
    - Reenviar o recurso contencioso ao Tribunal a quo para este efectuar julgamento e proferir decisão, até findo o respectivo processo.

    O Exmo Senhor Presidente do Instituto de Habitação da RAEM, recorrido nos autos acima epigrafados, com os demais sinais dos autos, contesta, dizendo, em suma:

I. A aplicação obrigatória da jurisprudência uniformizada
a. O recurso tem como objecto a sentença proferida pelo Tribunal a quo em 20 de Fevereiro de 2013, na qual, com base na jurisprudência uniformizada no acórdão do processo n.º 57/2012, o Tribunal a quo decidiu “rejeitar o presente recurso contencioso por intempestividade”.
b. A decisão de uniformização de jurisprudência consiste na aclaração jurídica definitiva feita pelo TUI nos termos legais a fim de eliminar as divergências entre os tribunais/juízes em relação à questão de direito em causa. Dispõe de força obrigatória para todas as decisões posteriores (incluindo as decisões a proferir nos processos pendentes) que os tribunais das diferentes instâncias de Macau vierem a proferir, e tem que ser observada.
c. Salvo se for substituída por uma nova decisão de uniformização de jurisprudência respeitante à mesma questão (cfr. art.º 167.º, n.º 5 do CPAC), a jurisprudência já estabelecida tem eficácia e autoridade absoluta, e é aplicável a todos os processos pendentes, não se permitindo que o tribunal, seja de que forma for, recuse a aplicá-la, nem que as partes a ilidam com qualquer fundamento (cfr. art.º 167.º, n.º 7 do CPAC)
d. Com base nisto, não se verifica a violação do disposto no art.º 11.º do Código Civil, invocada pela recorrente nos n.ºs 35 a 36 das suas alegações de recurso, e todos os fundamentos do recurso suscitados nas alegações devem ser julgados improcedentes. Assim sendo, é de indeferir o presente recurso.
II. A jurisprudência uniformizada em que se fundamenta a sentença recorrida não é contrária à Lei Básica da TAEM nem ao Decreto-Lei n.º 41/94/M.
e. Em consonância com o art.º 25.º, n.º 2, al. a) do CPAC, os residentes de Macau gozam do prazo de 30 dias para interpor recurso contencioso de actos anuláveis, sem distinção ou restrição em razão de situação económica, sejam as pessoas que pedem o patrocínio oficioso devido à insuficiência de meios económicos, sejam aqueles que contratam advogado por conta própria com vista à interposição de recurso contencioso.
f. Foi exactamente por isso que o TUI prolatou, em conferência, a mencionada decisão de uniformização de jurisprudência, no sentido de colocar o recorrente que pede o patrocínio judiciário na mesma situação daquele que não necessita deste patrocínio e que contrata desde logo um advogado, de forma a evitar a pessoa que pede o apoio judiciário por insuficiência de meios económicos encontrar-se em situação mais vantajosa do que aquele que não dispõe de patrocínio oficioso e que contrata um advogado por conta própria, já que isso pode provocar, indirectamente, um fenómeno da desigualdade.
g. Portanto, a referida jurisprudência uniformizada representa, de forma suficiente, o princípio da igualdade, integra-se no espírito subjacente ao Decreto-Lei n.º 41/94/M e à Lei Básica da RAEM, e, mais importantemente, não provocou nenhuma restrição, diminuição ou prejuízo ao direito de recurso contencioso da recorrente ou ao prazo de 30 dias de que dispõe para interpor recurso contencioso.
h. No caso concreto, foram efectivamente concedidos à recorrente pelo menos 30 dias inteiros como prazo de interposição de recurso contencioso, isto é, os dias 20 a 22 de Abril de 2012 (3 dias), mais os dias 3 a 29 de Junho de 2012 (27 dias). Por esse motivo, não se vislumbra, na jurisprudência uniformizada que serve de fundamento à sentença recorrida, qualquer violação dos art.ºs 25.º, 36.º, n.º 1 ou 40.º, n.º 2 da Lei Básica da RAEM, nem violação dos pactos de direitos humanos.
i. Por outro lado, o recorrido não acolhe a tese da recorrente de que a jurisprudência uniformizada em causa é contrária à intenção legislativa original do Decreto-Lei n.º 41/94/M.
j. É verdade que a intenção legislativa original subjacente ao Decreto-Lei n.º 41/94/M reside em evitar que alguém não possa defender os seus interesses pessoais por via judicial por insuficiência de meios económicos. Mas não quer isto dizer que aquele que recorre ao apoio judiciário não necessita de observar o prazo de caducidade previsto na lei.
k. No dia 19 de Abril de 2012, a recorrente recebeu o ofício n.º 1203190043/DAJ emitido pelo IH, que a notificou da decisão feita pelo Presidente do IH na Informação n.º 0074/DAJ/2012, e de que ela podia interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo no prazo de 30 dias a contar da recepção daquela notificação. Mas a recorrente só veio requerer ao Tribunal Administrativo a concessão de apoio judiciário no quarto dia posterior à recepção da notificação (i. e. em 23 de Abril).
l. Convém realçar que a recorrente podia e devia ter formulado o pedido de apoio judiciário mais cedo, só que ela não aproveitou aqueles 3 dias. Assim, o recorrido realmente não vê razão para que os 3 dias efectivamente corridos sejam excluídos da contagem do prazo de 30 dias para interposição de recurso contencioso só por causa da demora da recorrente.
m. Ainda por cima, salvo o devido respeito, o recorrido não concorda com as interpretações do art.º 26.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 41/94/M feitas pela recorrente nos n.ºs 14, 15 e 20 das suas alegações de recurso, pois considera o recorrido que este preceito legal não se está a referir ao exercício do direito de acção, mas sim a um prazo de natureza disciplinar para o patrono nomeado, o qual não obsta a que deva o patrono nomeado, atendendo à natureza e espécie do direito que o patrocinado pretende realizar, intentar a respectiva acção conforme as correspondentes disposições legais e dentro do prazo de caducidade do direito em causa.
n. Ademais, o recorrido não concorda com a afirmação no n.º 21 das alegações de recurso de que “tal prazo interrompe-se”, visto que, em harmonia com a aludida jurisprudência uniformizada e/ou o art.º 16.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 41/94/M, o prazo para o requerente interpor recurso contencioso suspende-se, mas não se interrompe.
o. Ainda, na opinião do recorrido, não assistia razão à recorrente quando ela disse no n.º 19 das suas alegações “na formulação de pedido de apoio judiciário, a recorrente já demonstrou a pretensão de impugnar, por via judicial, a decisão tomada pela Administração,” e assim concluiu “ (a recorrente) já exerceu o seu direito de recurso”, porque, tal como já se referiu no acórdão proferido no processo n.º 57/2012, “O interessado em interpor recurso contencioso não vê o respectivo prazo de caducidade interrompido quando se dirige a um advogado, o contrata e lhe pede que interponha o recurso. O prazo de caducidade só se interrompe quando o advogado dá entrada à petição de recurso no Tribunal.”
III. Os efeitos do despacho proferido no processo de apoio judiciário n.º 635/12-AJ (um dos processos acessórios do recurso contencioso sub judice)
p. Nos n.ºs 28 a 34 das suas alegações, a recorrente defendeu que foi no prazo determinado no despacho do Mm.º Juiz a quo que interpôs o recurso contencioso, não existindo, por isso, a questão de intempestividade. O recorrido não acolhe esta tese.
q. O Mm.º Juiz a quo manifestou no seu despacho prolatado em 28 de Maio de 2012 no processo n.º 635/12-AJ “notifique a requerente para contactar a patrona nomeada imediatamente e fornecer à mesma todas as informações necessárias para que esta possa praticar actos processuais adequados em sua representação dentro do prazo de 30 dias.” Os “actos processuais adequados” mencionados no supra despacho não devem ser compreendidos restritamente como sendo concedido à recorrente um prazo de 30 dias para interpor recurso contencioso. Parece que este despacho não serve de fundamento para ilidir ou não se aplicar a jurisprudência uniformizada estabelecida pelo Tribunal de Última Instância mediante o seu acórdão proferido, em conferência, no processo n.º 57/2012, nem se deve considerar como justo impedimento à apresentação tempestiva da petição de recurso contencioso.
r. É que, à luz do art.º 320 do Código Civil, o prazo de caducidade só se suspende ou se interrompe nos casos em que a lei o determine. Aliás, nem o Decreto-Lei n.º 41/94/M, nem os demais diplomas legais vigentes, concedem aos juízes de Macau o poder de alterar o prazo de caducidade previsto na lei. Portanto, é manifesto que o Mm. Juiz do Tribunal Judicial de Base não possa nem tenha competência para fixar por despacho um outro prazo de interposição de recurso contencioso contrário às normas vigentes.
s. Por outro, importa também indicar que, não foi concedida ao recorrido nenhuma oportunidade para se pronunciar ou deduzir oposição no processo de apoio judiciário supramencionado (cfr. art.º 18.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 41/94/M), pelo que, naturalmente, o prazo fixado no referido despacho não tem nenhuma força vinculativa ou força de caso julgado para o recorrido e o recurso contencioso vertente.
t. De qualquer modo, mesmo que o supracitado despacho de 28 de Maio enferme de vício, o que não se concede e apenas se admite por mera cautela, sempre se dirá que o prazo legal de 30 dias acima referido é de conhecimento oficioso, daí que, no decurso do recurso, deva o tribunal superior, em qualquer momento, rejeitar o recurso contencioso vertente por intempestividade em cumprimento oficioso da respectiva jurisprudência obrigatória (cfr. art.º 167.º, n.ºs 6 e 7 do CPAC).

Pelo exposto, solicita que se indefira o recurso sub judice.


O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
    O decidido, limitando-se a respeitar, na íntegra, a jurisprudência uniformizada e obrigatória constante do douto acórdão do TUI de 14/11/12, no âmbito do proc. 57/2012, não merece, como é óbvio, qualquer reparo, apresentando-se a argumentação relativa a pretensa ofensa, por parte daquele douto aresto, de diversos dispositivos da LBRAEM, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, dos princípios da proporcionalidade e igualdade e do art. 11º, Cód. Civil, como inócua.
    Assim sendo e porque, a propósito do estabelecimento da caducidade no caso concreto (prazo aplicável e respectiva contagem, data de prolação do acto e sua notificação, data do pedido de apoio judiciário, sua concessão e notificação e data de entrada do petitório inicial) nada se mostra questionado, somos a entender, sem necessidade de maiores delongas ou considerações, não merecer provimento o presente recurso, havendo, consequentemente, que manter o decidido.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:

  A. Por contrato outorgado no dia 19 de Outubro de 2011, o IH deu de arrendamento à recorrente a fracção autónoma sita XXXX sendo de 6 meses o prazo do arrendamento (cfr. fls. 12 a 13 dos autos do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
  B. No dia 26 de Janeiro de 2012, o Presidente substituto do IH proferiu despacho, manifestando a sua concordância com a Informação n.º 0056/DAHP/DFH/2012, no sentido de mandar notificar a recorrente para prestar esclarecimentos escritos no prazo de 10 dias sobre a sua conduta que teria infringido o art.º 11.º, n.º 1, al. 6) do Regulamento Administrativo n.º 25/2009, que dispõe “Não permitir a permanência na habitação, seja a que título for, de pessoa que não figure no contrato de arrendamento, salvo tratando-se de filho seu ou de elemento do agregado familiar inscrito, entretanto nascido ou adoptado.” (cfr. fls. 1 a 11 dos autos do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
  C. Através do ofício n.º 1202070154/DAJ, o IH notificou a recorrente para prestar esclarecimentos escritos (cfr. fls. 14 dos autos do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
  D. No dia 22 de Fevereiro de 2012, a recorrente apresentou esclarecimentos escritos ao IH (cfr. fls. 16 a 17 dos autos do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
  E. No dia 19 de Março de 2012, uma funcionária do IH elaborou a Informação n.º 0074/DAJ/2012, na qual se referiu que, como a recorrente infringiu o disposto no art.º 11.º, n.º 1, al. 6) do Regulamento Administrativo n.º 25/2009, consideravam-se improcedentes os seus esclarecimentos, daí que, à luz do art.º 19.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, devesse ser rescindido o contrato de arrendamento da XXX, celebrado entre a recorrente e o IH (cfr. fls. 19 a 22 dos autos do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
  F. No dia 30 de Março de 2012, o Presidente do IH fez o seguinte despacho “Concordo. À consideração superior. Após verificação, será emitida carta de advertência, esclareça.” (cfr. fls. 19 dos autos do processo administrativo)
  G. No dia 28 de Março de 2012, em relação ao despacho mencionado na alínea F dos factos provados, a funcionária do IH elaborou a Informação n.º 0086/DAJ/2012, em que disse “a consequência jurídica que a arrendatária (recorrente) deve assumir em resultado da violação da obrigação estabelecida na lei é a rescisão do contrato de arrendamento, mas não o pagamento de multa, sendo, portanto, inviável a substituição da rescisão do contrato de arrendamento pela emissão de carta de advertência.” (cfr. fls. 23 a 25 dos autos do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
  H. No dia 30 de Março de 2012, o Presidente do IH concordou com a supracitada informação (cfr. fls. 23 dos autos do processo administrativo).
  I. No dia 19 de Abril de 2012, por ofício n.º 1203190043/DAJ, a recorrente foi notificada pelo IH da decisão proferida pelo Presidente do IH na Informação n.º 0074/DAJ/2012. No mesmo ofício, ainda foi indicado que a recorrente, dentro do prazo legal, podia deduzir reclamação ao Presidente do IH ou interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo (cfr. fls. 26 e 27 dos autos do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
  J. No dia 23 de Abril de 2012, a recorrente veio requerer a este Tribunal a concessão de apoio judiciário (processo n.º 635/12-AJ).
  K. No dia 28 de Maio de 2012, este Tribunal proferiu despacho que deferiu o pedido de apoio judiciário da recorrente e que lhe nomeou patrona para efeitos de propositura da acção (cfr. fls. 20v dos autos do processo de apoio judiciário n.º 635/12-AJ).
  L. No dia 30 de Maio de 2012, este Tribunal enviou carta a notificar a patrona oficiosa da recorrente do despacho acima referido (cfr. fls. 21 dos autos do processo de apoio judiciário n.º 635/12-AJ).
  M. No dia 2 de Julho de 2012, a recorrente, representada pela sua patrona oficiosa, interpôs recurso contencioso dos actos administrativos a que se referem as alíneas F e H dos factos provados.
    IV - FUNDAMENTOS

1. O recurso tem como objecto a sentença proferida pelo Tribunal a quo em 20 de Fevereiro de 2013, na qual, com base na jurisprudência uniformizada no acórdão do processo n.º 57/2012, o Tribunal a quo decidiu “rejeitar o presente recurso contencioso por intempestividade”.
A recorrente vem dizer que aquele acórdão viola a Lei Básica;
De todo o modo, sempre o referido acórdão só disporia para o futuro.
Por último, foi o Tribunal que fixou o prazo de 30 dias, aquando da nomeação do patrono, para este actuar judicialmente em defesa dos interesses da patrocinada.
São estas as questões a conhecer.

2. Conforme aquele acórdão de uniformização de jurisprudência, “O prazo para interposição de recurso contencioso de actos anuláveis suspende-se no momento em que o interessado formula pedido de nomeação de patrono e volta a correr a partir da notificação do despacho que dele conhecer, sem inutilização do prazo corrido desde a notificação ou publicação do acto administrativo.”
A aludida decisão de uniformização de jurisprudência constitui jurisprudência obrigatória a partir da sua publicação no Boletim Oficial, I. Série, de 11 de Dezembro de 2012, conforme o disposto no art.652º-C, n.º 1 do CPC e 167º, n.º 4 do CPAC.
A decisão de uniformização de jurisprudência consiste na aclaração jurídica definitiva feita pelo TUI nos termos legais a fim de eliminar as divergências de interpretações judiciais, dispondo de força obrigatória para todas as decisões posteriores que os tribunais das diferentes instâncias de Macau vierem a proferir, e tem que ser observada. Salvo se for substituída por uma nova decisão de uniformização de jurisprudência respeitante à mesma questão (cfr. art.º 652º-D, n.º 1 e 167.º, n.º 5 do CPAC e ), a jurisprudência já estabelecida tem eficácia e autoridade absoluta, devendo considerar-se ser aplicável a todos os processos pendentes, o que resulta do facto de o próprio processo que originou o recurso uniformizador dever ser decidido em conformidade com o que tenha sido superiormente decidido.

3. O acórdão uniformizador, para além de se aplicar para o futuro, como é óbvio, não pode deixar de ser interpretativo, ao optar por uma das posições que se contrapõem e, se ainda não definitivamente decididas, devem ser resolvidas em conformidade com essa Jurisprudência obrigatória, pelo que não ocorre violação do disposto no art.º 11.º do Código Civil, invocada pela recorrente nos n.ºs 35 a 36 das suas alegações de recurso.

4. Com alguma ousadia a recorrente atreve-se a imputar ao acórdão proferido uma frontal violação da Lei Básica.
É certo que se devem recusar os argumentos de mera autoridade, mas não deixa de constituir algum atrevimento avançar com essa imputação em relação a um Alto Tribunal, a quem compete em primeira linha ser o guardião e defensor da Lei Básica, somos à partida a verificar que a imputação assacada ao Venerando TUI é completamente destituída de fundamento.
Afirma a recorrente que aquele acórdão uniformizador viola o disposto no artigo 25º, 36º, n.º 1 e 40º da Lei Básica e se mostra contrário ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, afrontando, nomeadamente o princípio da igualdade, do acesso ao Direito e da tutela jurisdicional efectiva.
É por demais evidente a falência da alegação proferida e raia até a má-fé, por se proferir uma afirmação totalmente desmentida com a fundamentação expendida no dito acórdão.
No referido acórdão uniformizador afirma-se claramente – sendo possível discordar dele, mas por razões jurídicas convincentes – que a solução encontrada garante até a igualdade em relação às pessoas que recorrem ao advogado sem precisarem de apoio judiciário. Haveria, sim, uma descriminação se o beneficiário do apoio judiciário tivesse mais prazo do que aquele que tem o cidadão com meios, para, por si, garantir judicialmente a tutela dos seus interesses, quando vai ao advogado no último dia do prazo. Por que razão, se o assistido judiciariamente negligenciasse igualmente a defesa dos seus interesses e deixasse correr o prazo, por que razão havia de ser beneficiado?
Chegámos a pronunciar-nos em acórdão contrário àquele uniformizador, mas as razões aí avançadas eram de outra ordem e perante aquela Jurisprudência nelas não importa mais voltar a insistir.
A jurisprudência uniformizada em que se fundamenta a sentença recorrida não é contrária à Lei Básica da RAEM nem ao Decreto-Lei n.º 41/94/M.
O princípio da igualdade, no seu sentido primário ou negativo em que primeiramente se enuncia, traduz-se na proibição de privilégios ou discriminações.1
Ora, a referida jurisprudência uniformizada respeita o princípio da igualdade, integrando-se no espírito subjacente ao Decreto-Lei n.º 41/94/M e à Lei Básica da RAEM, não provocou nenhuma restrição, diminuição ou prejuízo ao direito de recurso contencioso da recorrente ou ao prazo de 30 dias de que a recorrente dispunha para interpor recurso contencioso.
Para além de que um patrono não pode deixar de conhecer as limitações resultantes dos prazos, tendo o dever de pedir escusa ou arguir impossibilidade de patrocínio, se, no prazo restante, não tiver condições para defender os interesses que lhe estavam cometidos.

5. No dia 19 de Abril de 2012, a recorrente recebeu o ofício n.º 1203190043/DAJ emitido pelo IH, que a notificou da decisão feita pelo Presidente do IH na Informação n.º 0074/DAJ/2012, e de que ela podia interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo no prazo de 30 dias a contar da recepção daquela notificação. (cfr. alínea I da componente “Factos” da sentença a quo e fls. 26 dos autos do processo administrativo)
A recorrente só veio requerer ao Tribunal Administrativo a concessão de apoio judiciário no quarto dia posterior à recepção da notificação (i. e. em 23 de Abril) (cfr. alínea J da componente “Factos” da sentença a quo), não havendo razões para descontar aqueles dias em que o interessado permaneceu inerte.

É verdade que, no caso concreto, não foram deixados de ser efectivamente concedidos à recorrente pelo menos 30 dias completos como prazo de interposição de recurso contencioso.

Por outro lado, o direito à tutela jurisdicional efectiva não lhe deixou de ser garantida, face à sua insuficiência económica, mesmo na interpretação do acórdão uniformizador, facultando-se a concessão do patrocínio adequado, donde não se ver que o princípio subjacente, tutelado pela Lei Básica e pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos tenha sido postergado.
O acesso ao direito, a garantia de qualquer cidadão não pode ser excluído na defesa dos seus direitos por insuficiência económica não se pode transformar numa faculdade de actuação sem regra, sem freio, não podendo deixar de ser regulada, garantido as condições do seu exercício, de forma a que não o sejam em prejuízo, mas também o não sejam em vantagem, quer em relação à contraparte na relação jurídica controvertida, quer em relação aos demais demandantes por justiça, carenciados economicamente ou não.

Por esse motivo, não se vislumbra, na jurisprudência uniformizada que serve de fundamento à sentença recorrida, qualquer violação dos art.ºs 25.º, 36.º, n.º 1 ou 40.º, n.º 2 da Lei Básica da RAEM, nem violação do Direito Internacional Convencional.

6. Como é evidente também não colhe o argumento de que aquele acórdão uniformizador é contrário à intenção legislativa original do Decreto-Lei n.º 41/94/M, pois que, mesmo que o fosse, não foi essa a interpretação que o Venerando TUI adoptou e é essa que releva, para além de que os fins visados pelo Decreto-Lei n.º 41/94/M não são postos em causa com aquela interpretação, continuando-se a garantir o direito ao acesso aos Tribunais dos mais carenciados, acesso esse que não pode deixar de ser regulado, nomeadamente nos prazos de caducidade que são peremptórios e não podem deixar de ser respeitados.

7. Dos efeitos do despacho proferido no processo de apoio judiciário n.º 635/12-AJ (apenso ao processo principal de recurso contencioso)
Alega a recorrente que o Juiz ao nomear o patrono considerou um prazo de 30 dias para ele promover judicialmente a peça adequada à defesa dos interesses do seu patrocinado.
Nos n.ºs 28 a 34 das suas alegações, a recorrente defendeu que foi no prazo determinado no despacho do Mm.º Juiz a quo que interpôs o recurso contencioso, não existindo, por isso, a questão de intempestividade.

Esta questão é mais delicada.
Se se dá erradamente um dado prazo para o interessado impugnar ou de qualquer modo reagir ou adoptar um comportamento processual que tutele os interesses que visa acautelar, pareceria à primeira vista que o particular deve confiar em quem o notifica, quem o faz está dotado de poderes, autoridade e conhecimentos que o particular não tem, sendo legítimo admitir que este confie e que na boa-fé tenha por boa essa informação.
Mas as coisas não são tão lineares como parecem,
Imaginemos que essa errónea notificação é manifestamente descabida, inadmissível e facilmente dela se colhe que há erro. Não seria aceitável que esse erro facilmente desmontável pudesse relevar para justificar um aproveitamento indevido da situação, sendo que nesse caso o abuso de direito travaria uma invocável boa-fé.
Releverá ainda considerar o que está em causa na notificação, qual o objecto da mesma.
Depois, tratando-se de prazo, importa ainda verificar quem concede esse prazo; se é um funcionário, por sua livre iniciativa ou se o despacho dimana já de um despacho judicial, traduzindo uma dada interpretação da lei, se não mais é a própria lei que o concede, importando apurar para que fins.

8. Esta nuances têm sido vertidas na Jurisprudência da RAEM e na Jurisprudência Comparada.

É assim que encontramos o acórdão do TUI, Proc. n. 26/2004, de 10/6/2005, onde se entendeu que “Da decisão sancionatória de infracções administrativas cabe recurso contencioso para o Tribunal Administrativo. São recorríveis contenciosamente os actos de aplicação de multas previstas no Decreto-Lei n.° 58/90/M. Se a notificação da Administração Pública induzir o particular, que não agiu com culpa indesculpável, no erro de que do acto ainda não cabia recurso contencioso, deve permitir a contagem do novo prazo para a sua interposição com fundamento na anulabilidade do acto.”
Em termos comparados, encontram-se decisões, onde se afirma que a notificação do meio de defesa na notificação, no sentido de que se esta não torna idóneo o meio processual utilizado, determinando a convolação no meio processual adequado, mas já a errónea indicação do prazo para reagir judicialmente deve ser valorada quando a petição foi oferecida dentro do prazo assinalado na notificação, face ao princípio geral de direito da boa fé, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, por se tratar de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas. 2
    Mas encontramos também alguma jurisprudência que vai no sentido de que relevar um prazo contido numa errada notificação seria por essa via subverter aquilo que é contemplado na lei, de forma clara, absoluta e peremptória, a que todos devem obediência, mesmos as autoridades,3 não podendo sequer um magistrado ou um funcionário, ainda que por lapso, ter a faculdade de aumentar um prazo peremptório. Essa errónea indicação não pode fazer alterar tal prazo e o engano em que pode ter feito cair o interessado apenas poderia levar à aceitação da prática do acto extemporaneamente, se for causa de justo impedimento.
    
    Encontramos depois outros casos em que só perante as circunstâncias do caso, relevam ou não os termos da notificação, nomeadamente, se desta constam os elementos donde se pode aferir qual o prazo correcto, por exemplo por remissão para a norma aplicável, ou a qualidade do destinatário da notificação e se este deve ou não saber qual o prazo aplicável.4
    
    Tem-se até defendido que alguma jurisprudência tem vindo a adoptar o entendimento de que os interessados não devem ser prejudicados por erros de entidades competentes5, podendo até considerar-se que nada obsta à aplicação subsidiária do disposto no artigo 111º, n.º 6 e 144º, n.º 3 do CPC.
    
    A doutrina, por seu lado, aqui pela pena de B, C e D, em casos de identificação errónea, do órgão competente para apreciar a impugnação administrativa que se queira deduzir contra o acto notificado, dizem resultar como consequência o início de novo prazo de impugnação a partir do momento em que o interessado tomou conhecimento oficial de se ter dirigido ao órgão incompetente, ou então, reporta-se a impugnação feita perante o órgão competente à data da entrada da impugnação errada, para além de se se considerar a possibilidade de a Administração se constituir, perante os interessados, em responsabilidade pelos prejuízos que para eles derivem.6
    
    9. Posto isto, importa apreciar.
    Tomamos posição no sentido o de que só perante as circunstâncias de cada caso se pode aquilatar se se está perante uma situação de quebra da boa-fé ou se o erro é ou não relevante em termos conducentes à prorrogação de um prazo por desculpável numa situação próxima à do justo impedimento se legalmente admissível como suspensivo do prazo em curso.
    Verifica-se que, no caso, o Mm.º Juiz a quo manifestou no seu despacho prolatado em 28 de Maio de 2012 no processo n.º 635/12-AJ o seguinte: “notifique a requerente para contactar a patrona nomeada imediatamente e fornecer à mesma todas as informações necessárias para que esta possa praticar actos processuais adequados em sua representação dentro do prazo de 30 dias.”
    Só que esse prazo não foi concedido por livre alvedrio do Juiz, antes resulta do disposto na lei, ou seja do disposto no artigo 26, n.º 1 do DL n.º 41/94/M, de 3 de Agosto que prevê: “ O patrono nomeado antes da propositura da acção deve intentá-la nos trinta dias seguintes à notificação da sua nomeação e, se não o fizer, deve justificar o facto.”.
    
    A questão que agora se coloca é uma questão nova e que ainda não foi abordada. Qual o valor desse prazo, embora dado pelo Juiz, que se encontra previsto na lei, sendo um prazo que o legislador prevê para a propositura da acção?
    
    Vemos alguma dificuldade em fazer consumir aí o prazo de interposição de recurso. Este prazo é um prazo de caducidade, não se podendo entender que estamos perante um prazo processual. Ainda não há processo no momento em que ele começa a contar e antes de o direito (ao recurso contencioso) ser exercido.
    Tem o prazo constante do artigo 26º, n.º 1 do DL n.º 41/94/M, de 3/Agosto, a virtualidade de suspender ou interromper o prazo de caducidade em curso (no caso, o prazo de 30 dias, para arguir a anulabilidade do acto- art. 25º, n.º 2 do CPAC), ao abrigo do artigo 320º do CC?
    Somos a entender que Os “actos processuais adequados” mencionados no despacho do Mm.º Juiz a quo não devem ser compreendidos restritamente como sendo concedido à recorrente um prazo de 30 dias para interpor recurso contencioso. O prazo foi dado à interessada, aquando da notificação do acto para poder recorrer. O advogado ou profissional, como jurista que é, não pode deixar de atender aos prazos que decorrem da lei.
    Como dissemos acima, não estamos perante um prazo processual, mas sim perante um prazo de caducidade.7 O prazo a que alude o artigo 13º, n.º 2 do DL n.º 41/94/M, de 3/Agosto, pressupõe um prazo adjectivo, uma acção que esteja a correr, processualmente considerando, e não se aplica aos prazos de natureza substantiva.
    Num processo deste TSI n.º 839/2010, escrevemos já o seguinte “Importa não esquecer que a norma em apreço radica no regime do apoio judiciário como, ainda e sempre em termos de Direito Comparado, tal como regulado pelo DL n.º 387-B/87, de 29/12, correspondendo à norma do artigo 24º, n.º 2 desse diploma.
    Nesse caso, cabe à parte providenciar pela nomeação de um patrono, não havendo no nosso ordenamento uma norma como a do n.º 3 do artigo 34º do DL 387-B/87 que previa que a acção se considerava proposta no momento em que foi requerida a nomeação de patrono.
    Daqui se podia retirar que este efeito estaria incluído na previsão do nosso artigo 16º, n.º 2, respeitando este a todos e quaisquer prazos, tal como se entendeu no acórdão proferido anteriormente neste Tribunal.
    Foi este o entendimento, de que aquela previsão da lei do apoio judiciário não implicaria efeitos suspensivos ou interruptivos aos prazos substantivos, em acórdão analisados em termos de Jurisprudência comparada, reforçado o entendimento com esta dupla previsão normativa, donde não fazer sentido haver duas normas com os mesmos efeitos e previssem a mesma situação.8
    Só que em Macau não temos uma norma como a que existia no DL 387-B/87, de 29/12 (art. 34º), nem como a que existe actualmente em Portugal (34º, n.º3 da Lei do Apoio Judiciário, Lei 30-E/2000 e, depois , nº4 do art. 33º da Lei 34/2004 de 29 de Julho), prevenindo exactamente os efeitos de um pedido de apoio judiciário e a demora na sua concessão, o que não pode prejudicar o patrocinado. Aí, sim, faz sentido que o pedido de apoio judiciário corresponda à interposição da acção, salvaguardando-se o exercício do direito dentro dos prazos de caducidade de forma a evitar que esses prazos decorram sem que esse decurso se possa atribuir a inércia da parte.”
    Entendemos então haver uma lacuna que preenchíamos, relevando a suspensão do prazo a partir do momento em que o patrocínio era pedido.
    11. O Venerando do TUI afasta a possibilidade de se estar perante uma lacuna, ainda que não analisando o reflexo do prazo de 30 dias concedido ao defensor para a propositura da acção.
    É que são coisas diferentes considerar que o período de nomeação do patrono suspende a instância, que suspende ou interrompe os prazos adjectivos em curso, ou também os prazos substantivos e se o prazo concedido ao advogado se sobrepõe aos prazos em curso, sejam eles adjectivos ou substantivos.
    O prazo em causa, o da interposição do recurso por anulabilidade do acto, à luz do art. 320º do Código Civil, enquanto prazo de caducidade só se suspende ou se interrompe nos casos em que a lei o determine. Aplicando a doutrina do TUI, somos a entender que nem o Decreto-Lei n.º 41/94/M, nem os demais diplomas legais vigentes, concedem aos juízes o poder de alterar o prazo de caducidade previsto na lei, pelo que o despacho proferido tem de ser interpretado, nesse particular aspecto, como meramente ordenador e disciplinar, não podendo subverter as regras que se mostram definidas e que, no caso, não podiam deixar de ser ignoradas pelo destinatário.
    E retirar esse poder da lei em que se louva (citado art. 26ª, n.1) parece que também não faz grande sentido, pois isso significaria, nos prazos longos, por exemplo, de prescrição ou de caducidade um encurtamento inaceitável. Ou, então, nesses casos, o prazo não deixaria de ser ordenador, mas se assim fosse, não deixaria de haver uma quebra na interpretação da norma. Nuns casos, os trinta dias dados ao patrono oficioso alongariam o prazo, noutros, nos casos em que encurtasse o prazo estabelecido, já seria meramente ordenador ou disciplinar. Parece que não faria grande sentido.
    Consideramos também que o prazo “atingido pela suspensão é o que estiver relacionado com os fins em vista com o pedido de apoio judiciário formulado e não o da própria interposição do recurso”9

    Nesta conformidade o recurso não deixará de improceder.
    
    V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
    Custas pela recorrente, com 5 UC de taxa de justiça, devendo atender-se ao apoio judiciário concedido.
    
               Macau, 12 de Dezembro de 2013
Presente João A. G. Gil de Oliveira
Vítor Coelho Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho (com apresentação anexa de voto de vencido)








Proc. nº 334/2013

Voto de Vencido
Não acompanho a decisão pelos seguintes fundamentos:
O despacho que o juiz lavrou ao abrigo do art. 26º, nº1, do DL nº 41/94/M não é ordenador, nem disciplinar. É, antes, um despacho que faz cumprir a determinação do referido preceito, que no seu nº1 estatui que “O patrono nomeado antes da propositura da acção deve intentá-la nos trinta dias seguintes à notificação da sua nomeação e, se não o fizer, deve justificar o facto”. É a lei que estabelece o prazo, não é o juiz quem o fixa. Trata-se de um prazo que nos parece estar abrigado pela suspensão decorrente do pedido de nomeação de patrono, nos termos do art. 13º, nº1 do diploma legal, ou pela interrupção, nos casos do nº2 do mesmo artigo.
É claro que não ignoramos a dificuldade de harmonizar o preceituado no nº2, do art. 13º (que nos parece adequado às situações em que a acção não está intentada, ao contrário do nº1, expressamente dedicado aos casos em que o pedido é formulado na pendência da acção) com o disposto no referido art. 26º.
O TUI no seu acórdão uniformizador tirado no Proc. nº 26/2004 não teve necessidade de enfrentar expressa e especificamente o problema resultante do art. 26º, bem como dos efeitos que resultam de uma norma que, quando observada, pode fazer estender o prazo de que a parte inicialmente disponha para a impetrância.
Mas, a norma existe; está lá. Nesse sentido, estamos a fazer uma interpretação que não desrespeita o acórdão uniformizador de jurisprudência, uma vez que sobre ela o TUI não se pronunciou concretamente.
Ora, se fosse de seguir o projecto de acórdão do TSI, então estaríamos perante uma injustiça e um contra-senso: nomear-se-ia um advogado (patrono) para instaurar uma acção em defesa da posição jurídica da parte, mas ao mesmo tempo estar-se-ia a coarctar-lhe, em certos casos, desde logo a possibilidade de se preparar convenientemente para o estudo do caso e elaboração da peça num prazo que a lei permite que seja de 30 dias.
E não se venha dizer que a situação não é diferente daquela em que a parte procura o advogado no seu escritório nos últimos dias do prazo para, por exemplo, uma acção a instaurar ou para um recurso contencioso a interpor. O advogado constituído fica, realmente, com tão pouca margem para preparar a petição, que na prática se pode dizer que a sua representação poderá ser pouco eficaz. Mas aí estamos nas relações puramente internas entre constituinte e constituído. Se houver culpa pela pouca eficácia na representação ela só pode ser imputada à parte distraída ou relapsa.
Mas o caso aqui é diferente. É a própria lei que confere um prazo de 30 dias para o patrono nomeado preparar e intentar a acção ou o recurso. Se o tribunal lhe retirar esse prazo ou o reduzir ao tempo que falta para se esgotar o prazo de caducidade de que dispõe para o exercício do direito, então isso equivale a retirar pela janela o que se deu pela porta, ou seja, é o mesmo que dizer que o acesso ao direito e aos tribunais e o consequente direito à resolução do litígio ficam comprometidos pela entidade que, precisamente, mais a devia defender.
Entendemos, por isso, que o art. 26º não pode ser desprezado.
Aliás, se estivermos certos – como pensamos estar – ainda é preciso atentar no artigo 13º acima mencionado.
Na verdade, se o nº1 se pode aplicar aos prazos já em curso, porque “na pendência da acção”, então o nº2 está previsto para ser aplicado aos casos em que a acção ou o recurso ainda não foram interpostos. Repare-se: o que diz o preceito? Diz-nos o seguinte: o prazo que estiver em curso conta-se por inteiro a partir do momento em que for feita a notificação do despacho que conhecer do pedido de nomeação de patrono. O nº2, portanto, estabelece aqui uma regra interruptora: O prazo que estivesse em curso interrompe-se e volta a correr desde o início, a partir da notificação.
Ou seja, se não se levar em conta o art. 26º referido, ao menos haverá que lidar com esta disposição que é específica para o caso em que, antes de instaurar a acção, o interessado pede a nomeação de patrono.
Visto isto, se o patrono nomeado deve ser considerado notificado no dia 4 de Junho de 2012, começaria nesse instante a contagem do prazo de 30 dias para o recurso contencioso, que só terminaria no dia 4 de Julho. Sendo assim, também por esta via se deve considerar que o recurso contencioso interposto no dia 2 de Julho foi absolutamente tempestivo.
Por uma ou outra das razões, a solução não podia deixar de ser a revogação do despacho recorrido.
*
TSI, 12 de Dezembro de 2013

_________________________
José Cândido de Pinho

1 - Jorge Miranda, Dto Const., lições, 1980,441
2 - Acs. Do STA, 0122/12, de 4/12/12; 0461/09, de 9/9/09; 0993/2009, de 2/10/2010, 0154, de 2/6/2010; TCA Norte, 0017/07, de 3/11/2010 (onde se refere alguma Jurisprudência no mesmo sentido).
3 - Ac. STJ, proc. n.º 042627, de 11/11/1992
4 - Ac. STA, proc. n.º 0314/10, de 2/6/2010 e 0312/11, de 6/1/2011
5 - cfr. acórdãos do STA de 5/05/87, 24/10/96 e 31/05/05, nos recursos n.ºs 23.205, 39.578 e 46.544.
6 - Código de Procedimento Administrativo, Almedina, 2ª ed., 357
7 - Por todos, Ac. do STA, proc. n.º 027094, de 23/6/1992
8 - Ac. RC, rec. 82/98, de 25/6/98, CJ Ano XXIII, Tomo 3, 72
9 - Ac. STJ, de 6/7/1994, BMJ n.º 439 e de 22/3/1995, CJ, III, 2, 163
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334/2013 32/36