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Processo nº 511/2013 Data: 19.09.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Inquérito.
Pedido de prestação de caução económica e busca.



SUMÁRIO

Perante um pedido do assistente no sentido de se determinar a prestação de uma caução económica de cerca de MOP$60.000.000,00 por parte dos arguidos, e, subsidiariamente, da feitura de uma busca, há que indeferir o primeiro se, nos autos, em fase de inquérito, não existirem ainda elementos probatórios que permitam concluir com alguma segurança, qual o (grau de) envolvimento dos arguidos e do (efectivo) prejuízo causado, nada obstando à efectivação da busca dado que, (para além de preenchidos os seus pressupostos legais), desta, como diligência tendente à recolha de prova, poder resultar uma clarificação das circunstâncias da prática do(s) crime(s) em investigação e seu(s) autore(s), (podendo até viabilizar um eventual novo pedido de pagamento de caução económica).

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 511/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A LIMITADA” (A有限公司), assistente nos Autos de Inquérito n.° 1276/2013-A, vem recorrer do despacho pelo Mmo Juiz de Instrução Criminal proferido, com o qual se indeferiu um seu pedido no sentido de se determinar a prestação de uma caução económica por parte dos arguidos identificados nos autos e, subsidiariamente, de realização de uma busca; (cfr., fls. 2 a 21 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Adequadamente processados os autos, e admitido que foi o recurso, vieram os autos a este T.S.I., onde, em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte Parecer:

“A Lda, na qualidade de assistente, recorre do despacho do MM. J.I.C. que indeferiu o seu requerimento de prestação de caução económica de MOP$59.740.000,00 pelo arguido, bem como o seu requerimento onde formula pedido de diligência de busca.
O Ministério Público não apresentou resposta à motivação do recurso, pese, embora, se tenha pronunciado, em 31/05/2013, a fls. 386 dos autos, pela sua não oposição ao deferimento de tais requerimentos.
Ora, em sede de recurso, o Ministério Público, atenta a matéria em apreço, entende por não pertinente pronunciar-se sobre o procedimento cautelar requerido pela assistente que tem como objectivo garantir o pagamento de eventual indemnização ou obrigação civil derivada do crime, em que o arguido possa vir a ser condenado, bem como não vê razão para pronunciar-se sobre pertinência da diligência de busca requerida pela assistente-recorrente.
As diligências requeridas pela assistente têm, a nosso ver, um carácter meramente facultativo. O Ministério Público emitiu a sua opinião de não oposição, arredando-se das questões suscitadas pela assistente, não nos parecendo oportuno pronunciarmo-nos sobre os fundamentos do indeferimento ou os da motivação do recurso.
Assim, como sempre, farão Vossas Excelências a habitual”; (cfr., fls. 440 a 440-v).

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Corridos os vistos dos Mmo Juízes-Adjuntos, e nada obstando, cumpre decidir.


Fundamentação

2. Como se deixou relatado, tem o presente recurso como objecto o despacho pelo Mmo JIC prolatado que indeferiu um requerimento pela assistente, ora recorrente, apresentado, e onde eram deduzidos dois pedidos: um, no sentido de se determinar a prestação de uma caução económica por parte dos arguidos, e, o outro, subsidiário, de se efectuar uma diligência de busca.

Identificadas que assim nos parecem ficar as questões a tratar, e sem mais demoras, vejamos.

–– Comecemos pela primeira, referente à pretendida “caução económica de MOP$59.740.000,00”.

Pois bem, os presentes autos encontram-se na fase de Inquérito, neste momento a correr termos contra 4 indivíduos constituídos arguidos, (por ora), suspeitos da prática de crimes de “furto”, “falsificação” e “dano a dados informáticos”, p. e p. pelos art°s 198° e 244° do C.P.M.. e art. 7° da Lei n.° 11/2009.

Nos termos do art. 250° do C.P.P.M.:

“1. Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução:

a) Proceder ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido;

b) Proceder à aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção da prevista no artigo 181.º, a qual pode ser aplicada pelo Ministério Público;

c) Proceder a buscas e apreensões em escritório de advogado, consultório médico ou estabelecimento bancário, nos termos do n.º 3 do artigo 162.º, do n.º 1 do artigo 165.º e do artigo 166.º;

d) Tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida, nos termos do n.º 3 do artigo 164.º;

e) Praticar quaisquer outros actos que a lei expressamente reservar ao juiz de instrução.

2. O juiz pratica os actos referidos no número anterior a requerimento do Ministério Público, de autoridade de polícia criminal em caso de urgência ou de perigo na demora, do arguido ou do assistente.
3. O requerimento, quando proveniente do Ministério Público ou de autoridade de polícia criminal, não está sujeito a quaisquer formalidades.
4. Nos casos referidos nos números anteriores, o juiz decide, no prazo máximo de 24 horas, com base na informação que, conjuntamente com o requerimento, lhe for prestada, dispensando a apresentação dos autos sempre que a não considere imprescindível”.

E, como se vê do n.° 1, al. b), assim como do n.° 2, do transcrito comando legal, legítimo e tempestivo foi o pedido pela assistente (então) apresentado ao Mmo JIC, a este assistindo igualmente competência para o apreciar.

Porém, e sem prejuízo do muito respeito por diverso entendimento, considera-se que motivos não há para, por ora, se deferir a peticionada prestação de caução.

Com efeito, na fase processual que os autos se encontram, e com contornos pouco definidos quanto à (eventual) participação dos arguidos nos crimes em investigação, prematura se nos afigura uma “medida de garantia patrimonial” no valor de cerca de MOP$60.000.000,00.

Sem dúvida que nos termos do art. 211°, n.° 2 do C.P.P.M.:

“Havendo fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da indemnização ou de outras obrigações civis derivadas do crime, o lesado pode requerer que o arguido ou o civilmente responsável prestem caução económica, nos termos do número anterior”.

Todavia, se a também pretendida “busca” tem como escopo a “recolha de elementos de prova dos crimes indiciariamente imputados aos arguidos”, adequado nos parece também que a esta se deve proceder em primeiro lugar, e, após se ter estes, (os crimes e seus autores), “verificados”, (clarificados), nomeadamente, quanto à sua participação, (envolvimento), e no caso, consequências a nível patrimonial, é que, (só) de seguida, (na posse destes elementos), se deve avançar para a ponderação e decisão quanto à adequação da pretendida “caução”, em especial, do seu montante.

Há pois que ter presente que a “caução económica”, visa assegurar o pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou, como se pretende, o pagamento de uma indemnização ou de outras obrigações civis derivadas do crime, e que deve obedecer a critérios de legalidade, adequação e proporcionalidade, devendo apenas ser decretada quando verificados estejam todos os seus pressupostos legalmente previstos, o que, no caso, perante os elementos disponíveis nos autos, não sucede.

Por fim, cremos que previamente a tal decisão, e em observância ao princípio do contraditório, deve-se proceder à audição do(s) visado(s), o que, como os autos demonstram, também não ocorreu.

–– Passemos agora para a pretendida “busca”.

Aqui, outra nos parece que deva ser a solução.

Vejamos.

Prescreve o art. 159° que:

“1. Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.
2. Quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.
3. As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.
4. Ressalvam-se das exigências contidas no número anterior as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos:

a) Em que houver razão para crer que a demora poderia representar grave perigo para bens jurídicos de valor relevante;

b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou

c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão.
5. Nos casos referidos na alínea a) do número anterior, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação”.

Face ao que até aqui se deixou relatado, e atento ao estatuído no n.° 2 do citado art. 159°, estando o arguidos indiciados da prática dos crimes atrás referidos, com montantes que envolvem quantias que rondam MOP$60.000.000,00, justificada se nos parece estar a diligência em questão.

Poder-se-á dizer, (claro está), que o local objecto da pretendida busca não está (directamente) relacionado com os crimes dos autos, e que pouco (ou nada) dela resultará, nomeadamente, agora, decorridos mais de 3 meses a contar do seu indeferimento.

Porém, seja como for, tal não parece dever ser motivo a considerar, (pelo menos, com o ênfase que se lhe parece ter atribuído).

Em investigação estão crimes dos quais resultaram (pelo menos alegadamente) prejuízos avultados, e mostrando-se, em nossa opinião, verificados os pressupostos legais da dita diligência, (e, até mesmo, em prol do princípio da verdade material), deve-se pois proceder à pretendida busca.

Na verdade, não nos parecem relevantes eventuais inconvenientes que a mesma possa causar, certo sendo igualmente que a sua não realização é que nada trará – de positivo ou negativo – ao processo.

Decisão

4. Em face do exposto, acordam julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido na parte que indeferiu a busca pela assistente requerida.

Pelo seu decaimento, pagará a recorrente a taxa de 3UCs, a mesma taxa suportando a arguida B (XXX) por ter sustentado a decisão recorrida.

Macau, aos 19 de Setembro de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa


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