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Processo n.º 387/2013 Data do acórdão: 2013-12-16 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– art.o 115.o, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
– agente de autoridade
– guarda de segurança pública
– condutor
– exame de pesquisa de álcool no ar expirado
– art.º 115.º, n.o 5, da Lei do Trânsito Rodoviário
– art.o 312.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal
– crime de desobediência
– recusa injustificada à submissão ao exame
– recusa injustificada de colaboração para o teste
– não suspensão da pena de prisão
S U M Á R I O
1. O art.o 115.o da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR) reza, no seu n.o 1, que “Os agentes de autoridade podem submeter os condutores a exame de pesquisa de álcool no ar expirado”, e depois, no seu n.o 5, que “Quem se recusar injustificadamente a submeter-se ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado ou ao exame médico previstos neste artigo é punido pelo crime de desobediência”.
2. Assim sendo, e em conjugação com o disposto no art.o 312.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (CP), basta a recusa injustificada da pessoa condutora à submissão ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, para essa pessoa ficar responsável penalmente nos termos cominados no n.o 5 do art.o 115.o da LTR, desde que tal submissão tenha sido ordenada por agente de autoridade e que a ordem da submissão tenha sido objecto de comunicação regular à mesma pessoa condutora.
3. Isto porque: é a própria norma do n.o 1 do art.o 115.o da LTR que confere o carácter legítimo à ordem de submissão ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, e ao mesmo tempo, prevê que pode o agente de autoridade submeter a pessoa condutora a esse exame no ar expirado; e fazendo o n.o 5 do mesmo art.o 115.o a cominação da punição da desobediência, já não é necessário que o agente de autoridade faça previamente a correspondente cominação.
4. Sendo o guarda policial de segurança pública dos autos um agente de autoridade, pode ele ter exigido com toda a legitimidade legal, ao abrigo do n.o 1 do dito art.o 115.o, e mesmo desde já no local da operação de investigação de veículos, que o arguido condutor ora recorrente fizesse o teste de pesquisa de álcool no ar expirado.
5. A recusa injustificada de prestação de colaboração para realização, com sucesso, do teste de pesquisa de álcool no ar expirado (através da não observância, de propósito, do modo previamente demonstrado pelo polícia executor para a realização, com sucesso, desse teste) equivale à recusa injustificada à submissão a esse exame, sendo, por isso, certo que do facto de o arguido não ter observado, de propósito, tal modo previamente demonstrado, se deduz, com segura congruência, que a ordem policial de submissão ao teste por expiração do ar tinha já sido objecto de comunicação regular à sua própria pessoa.
6. Razões por que o recorrente tem que ser condenado como autor material de um crime consumado p. e p. conjugadamente pelo art.o 115.o, n.os 5 e 6, da LTR e pelo art.o 312.o, n.o 1, alínea a), do CP.
7. É inviável suspender a execução da pena de prisão do recorrente, posto que há que acautelar as inegáveis elevadas exigências da prevenção geral do delito penal de recusa injustificada à submissão ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 387/2013
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 121 a 127 dos autos de Processo Comum Singular n.o CR1-12-0412-PCS do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de um crime consumado de “desobediência, p. e p. pelo art.o 115.o, n.o 5, da Lei do Trânsito Rodoviário, e pelo art.o 312.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal”, na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano e seis meses, sob condição de prestação, no prazo de dois meses, de oito mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau, e na pena de inibição de condução por quatro meses nos termos cominados no n.o 6 do art.o 115.o da mesma Lei (doravante abreviada como LTR), veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a absolvição dele do crime, ou a declaração de nulidade da decisão condenatória, e, subsidiariamente, a substituição da pena de prisão por multa, tendo alegado, na sua essência, o seguinte na sua motivação (apresentada a fls. 156 a 172 dos presentes autos correspondentes):
– a sentença incorreu em erro de direito, porque não se podia dar por cometido o crime de desobediência do art.o 312.o do Código Penal (CP), por não se verificar um dos elementos integradores de tal tipo de ilícito, qual seja, “a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados”, uma vez que dos factos constantes dos autos, não resulta de modo nenhum que ao ora recorrente foi comunicado que incorria na prática de tal crime de desobediência caso não expirasse no analizador da taxa de alcoolemia, mas tão-só que caso ele não conseguisse exprirar no dito analizador, então seria obrigado a fazer o exame de pesquisa de álcool no sangue;
– ao mesmo tempo, a sentença, ao alterar a descrição da versão fáctica então acusada, com relevância para verificação do elemento “cominação” do dito tipo legal de crime (ou seja, do facto acusado de que “se se recusar à feitura do teste ao sangue, iria incorrer no crime de desobedência”, para o facto provado de que “se não fizesse tais testes, iria incorrer no crime de desobediência”), violou também o disposto no art.o 340.o, n.o 1, do Código de Processo Penal (CPP), com nulidade, assim, cominada na alínea b) do art.o 360.o do CPP, sendo certo que o Tribunal recorrido não deixou de cometer também erro notório na apreciação da prova, no tangente à indagação dessa parte do objecto probando;
– finalmente, e fosse como fosse, a pena de prisão deveria ser substituída por multa, à luz do art.o 44.o do Código Penal (CP).
Ao recurso respondeu (a fls. 174 a 178v) a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 234 a 236), pugnando pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada já a audiência de julgamento neste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da leitura da fundamentação fáctica da sentença recorrida, sabe-se que o Tribunal recorrido descreveu materialmente como provado o seguinte (escrito originalmente em chinês, e com tradução aqui feita para português pelo relator):
– em 17 de Agosto de 2011, cerca de uma hora e 55 minutos da madrugada, o pessoal policial de segurança pública mandou parar, para investigação, um veículo automóvel ligeiro, com a chapa de matrícula n.o ME-19-XX, na altura conduzido pelo arguido, e descobriu assim que o corpo do arguido fazia dissipar cheiro de álcool; o guarda policial n.o 151041 utilizou aparelho de teste rápido para proceder ao teste preliminar sobre o arguido, tendo a luz vermelha do aparelho ficado então acesa; por isso, exigiu ao arguido que fizesse teste de pesquisa do álcool no ar expirado, tendo demonstrado ao arguido o modo de feitura disto, mas o arguido não observou, de propósito, o modo demonstrado, e limitou-se a fazer a expiração do ar em tempo curto (não superior a dois segundos), o que acarretou o insucesso do teste, feito por cerca de oito vezes;
– depois, o referido guarda policial levou o arguido ao Comissariado de Trânsito, e continuou a exigir ao arguido a feitura do teste no ar expirado, mas com insucesso; o mesmo guarda advertiu o arguido de que se não conseguisse fazer com êxito o teste no ar expirado, então já precisaria de ir ao hospital para se submeter ao teste do sangue, e se não fizesse tais testes, iria incorrer no crime de desobediência; nesse instante, o arguido afirmou estar mal disposto e precisar de ser tratado no Hospital Kiang Wu; o mesmo guarda finalmente transportou o arguido a esse hospital para receber tratamento, o que levou a que o arguido não tenha conseguido ser transportado ao Centro Hospitalar Conde de São Januário para proceder ao teste do sangue;
– o arguido recusou-se a colaborar no local de investigação do veículo, não tendo concluído, de propósito, a feitura do teste de pesquisa do álcool no ar expirado, e mais tarde, já afirmou que se sentia mal disposto, com o objectivo de se furtar à pesquisa da taxa de álcool no sangue, pondo em causa a recolha da prova por parte do polícia conforme a lei;
– o arguido, ao praticar os actos referidos, agiu livre, voluntária e conscientemente, não tendo acatado a ordem legítima emitida pelo polícia, tendo a sua conduta posto em causa o exercício de funções por autoridade pública;
– o arguido sabia bem que a sua conduta era ilegal e punível por lei;
– o arguido está desempregado, precisa de ser sustentado por familiares; está casado, e por ora não tem ninguém a seu cargo; tem por habilitações académicas um curso superior completo;
– o arguido negou a prática dos factos acusados; e conforme o certificado de registo criminal, é delinquente primário.
Depois de feito o confronto dessa factualidade provada com a factualidade acusada pelo Ministério Público, sabe-se que há um ponto de diferença sobre o modo da advertência policial então feita ao arguido: em vez do acusado facto de que “se se recusar à feitura do teste ao sangue, iria incorrer no crime de desobedência”, o Tribunal acabou por dar por provado que “se não fizesse tais testes, iria incorrer no crime de desobediência”.
Por outro lado, consta do texto da sentença recorrida, a exposição, em três páginas (cada uma das quais com 24 linhas) e duas linhas (numa quarta página) (cfr. concretamente, o teor das páginas 4 a 7 da sentença, a fls. 122v a 124 dos autos), dos abundantes motivos que levaram o Tribunal recorrido a formar a sua convicção sobre a matéria de facto, motivos esses que se dão por aqui integralmente reproduzidos para efeitos de consto.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O art.o 115.o da LTR reza, no seu n.o 1, que “Os agentes de autoridade podem submeter os condutores a exame de pesquisa de álcool no ar expirado”, e depois, no seu n.o 5, que “Quem se recusar injustificadamente a submeter-se ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado ou ao exame médico previstos neste artigo é punido pelo crime de desobediência”.
Assim sendo, e em conjugação com o disposto no art.o 312.o, n.o 1, alínea a), do CP, é de concluir que basta a recusa injustificada da pessoa condutora à submissão ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, para essa pessoa ficar responsável penalmente nos termos cominados no n.o 5 do art.o 115.o da LTR, desde que tal submissão tenha sido ordenada por agente de autoridade e que a ordem da submissão tenha sido objecto de comunicação regular à mesma pessoa condutora.
Isto precisa e nomeadamente porque: (1) é a própria norma do n.o 1 do art.o 115.o que confere o carácter legítimo à ordem de submissão ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, e ao mesmo tempo, prevê que pode o agente de autoridade submeter a pessoa condutora a esse exame no ar expirado; (2) fazendo o próprio n.o 5 do mesmo art.o 115.o a cominação da punição da desobediência, já não é necessário que o agente de autoridade faça previamente a correspondente cominação.
Sendo o guarda policial de segurança pública dos autos indubitavelmente um agente de autoridade, pode ele ter exigido com toda a legitimidade legal, ao abrigo do n.o 1 do dito art.o 115.o, e mesmo desde já no local da operação de investigação de veículos, que o arguido condutor ora recorrente fizesse o teste de pesquisa de álcool no ar expirado.
Em sintonia com a matéria de facto já dada por provada na sentença recorrida (e como tal já referida na parte II do presente acórdão de recurso), o recorrente, já no local da dita operação, não observou, de propósito, o modo previamente demonstrado pelo próprio guarda policial dos autos para feitura, com sucesso, do teste de pesquisa do álcool no ar expirado, pois o recorrente se limitou a fazer a expiração do ar em tempo curto (não superior à duração de dois segundos), o que acarretou o insucesso do teste, feito por cerca de oito vezes, tendo-se ele recusado a colaborar no local da operação, não tendo concluído, de propósito, a feitura do teste de pesquisa do álcool no ar expirado, tendo ele agido livre, voluntária e conscientemente no não acatamento da ordem legítima emitida pelo polícia, pondo em causa o exercício de funções por autoridade pública.
Pois bem, a factualidade provada acabada de ser citada já dá para incriminar cabalmente o recorrente no tipo legal de “recusa injustificada à submissão ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado”, p. e p. conjugadamente pelo art.o 115.o, n.o 5 (e também no n.o 6), da LTR e pelo art.o 312.o, n.o 1, alínea a), do CP, porque a recusa injustificada de prestação de colaboração para realização, com sucesso, do teste de pesquisa de álcool no ar expirado (através da não observância, de propósito, do modo previamente demonstrado pelo polícia executor para a realização, com sucesso, desse teste, para, ao fim e ao cabo, pôr em causa o exercício de funções por autoridade pública) equivale, materialmente falando, à recusa injustificada à submissão a esse exame, sendo, por isso, certo que do facto de o arguido não ter observado, de propósito, tal modo previamente demonstrado, se deduz, com segura congruência, que a ordem policial de submissão ao teste por expiração do ar tinha já sido objecto de comunicação regular à sua própria pessoa.
Razões por que o recorrente tem que ser condenado como autor material de um crime consumado p. e p. conjugadamente pelo art.o 115.o, n.os 5 e 6, da LTR e pelo art.o 312.o, n.o 1, alínea a), do CP, ainda que com fundamentação algo diversa da invocada pelo Tribunal recorrido.
Decai, portanto, por já precludida ou prejudicada pela análise acima feita, toda a tese preconizada pelo arguido na sua motivação do recurso, no concernente não só à questão de alegada falta de advertência da prática do crime de desobediência no caso de não expiração no analizador da taxa de alcoolémia, como também à questão de alegada alteração, processualmente ilegal, por parte do Tribunal recorrido, do inicialmente acusado facto de que “se se recusar à feitura do teste ao sangue, iria incorrer no crime de desobedência”, para o facto, finalmente dado por provado, de que “se não fizesse tais testes, iria incorrer no crime de desobediência”.
E sempre se diria que da vasta fundamentação probatória da sentença, se vê logo que o Tribunal recorrido não terá violado o princípio da livre apreciação da prova vertido no art.o 114.o do CPP, pelo que não deixaria de improceder também o arguido vício de erro notório na apreciação da prova a que alude o art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP.
Finalmente, acerca da subsidiariamente almejada substituição da sua pena de quatro meses de prisão por multa, é realmente inviável este pedido do recorrente, posto que há que acautelar as inegáveis elevadas exigências da prevenção geral do delito penal em causa – cfr. o critério material para se decidir da substituição, ou não, da pena de prisão por multa, como tal vertido na parte final do n.o 1 do art.o 44.o do CP.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com doze UC de taxa de justiça.
Comunique o acórdão ao Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 16 de Dezembro de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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