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Recurso nº 630/2012
Data: 9 de Janeiro de 2013

Assuntos: - Nulidade de prova
- Colheita da amostra de sangue
- Facto novo




SUMÁRIO
1. A colheita da amostra de sangue, em lado sensus, poderia eventualmente consubstanciar-se uma ofensa à integridade física, por tanto, o acto de colheita da amostra de sangue cujo procedimento não satisfaz os requisitos legais poderia provocar a nulidade da prova, nos termos do 113º do CPP.
2. Enquanto o arguido não fez qualquer contestação escrita, com a articulação, para a sua defesa, de facto respeitante ao não consentimento da tal colheita, como lhe cumpre provar, vem agora em sede de recurso alegar a colheita da amostra de sangue não consentida, é um facto novo, que não fez parte do objecto do processo, o tribunal de recurso não podia, nem lhe é possível consignar por assente esse facto novo, sem cumprimento do contraditório.
O Relator,
Choi Mou Pan
Recurso nº 630/2012
Recorrente: B



Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
O arguido B respondeu nos autos do Processo Comum Singular nº CR3-10-0241-PCS perante o Tribunal Judicial de Base.
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal proferiu sentença decidindo:
- Condenar a arguida B pela prática de um crime de condução sobre a influência de álcool p. e p. pelo artigo 90° n° 1 na pena de 4 meses de prisão, que é substituída pela multa, à taxa de 80 pataca diário, no montante total de MOP$9600, e caso não pague a multa cumprirá a prisão de 4 meses.
- Ordenar a inibição a condução por um período de um ano e 9 meses, devendo o arguido entregar a sua carta de condução na PSP, em 5 dia após o trânsito da sentença, sob pena de cometer o crime da desobediência qualificada.
- Condenar o arguido a contribuição de MOP$600,00 ao Cofre de Justiça.
    
    Inconformado com a decisão, recorreu o arguido B, que motivou, em síntese, o seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença de 7 de Janeiro de 2011 que o condenou na pena de 4 meses de prisão, ora substituída por MOP9,600.00 de multa e caso não pagar cumprirá a pena de 4 meses de prisão; e na pena de inibição de condução pelo período de 9 meses.
2. A douta Sentença padece do vício de erro notório na apreciação da prova do art. 400º nº 2 alínea c) do CPP. Por ter valorado uma prova essencial nula – nos termos do disposto conjugado com o art. 113º nº 1 do CPP – com que levou a condenação do ora recorrente para a decisão.
3. O tribunal a quo condenou o recorrente pelo aludido crime com base em elementos factuais nulas, porque valorou a prova da recolha de sangue - um acto cujo procedimento exige a Lei do consentimento do interessado e caso contrário constitui uma ofensa à integridade física da mesma - violou por conseguinte o disposto do n° 1 do artigo 113º do CPP.
4. Não se provou na audiência de julgamento qualquer outra prova que pudesse provar o consentimento do recorrente na recolha de sangue nem prova da sua condução sob influência de álcool ou estupefaciente, não pode ser condenado por tal crime.
5. O que se provou, o Tribunal a quo foi tão só que no processo de recolha de sangue do arguido/ora recorrente não consta a declaração de recusa de recolha de sangue.
6. Do exposto decorre que nos encontramos perante um caso de erro notório na apreciação da prova, prevista na al. c) do n.º 2 do artigo 400.º conjugado com o n° 1 do art. 113º, ambos do C.P.P.
7. Com os elementos constantes dos autos, de onde decorre que o recorrente não praticou o crime, pelo que deverá ser absolvido do crime.
Pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogado a Sentença e absolvendo o recorrente do crime em apreço.

A este recurso, respondeu o Ministério Público nos seguintes termos:
1. O recorrente questionou a douta sentença recorrida pelo vício por erro na apreciação da prova, por entender a recolha de sangue ter sido obtido sem consentimento do recorrente que constitui provas nulas por ter obtida com a ofensa da integridade física do recorrente.
2. Na parte de fundamentação, que no decurso da recolha de sangue, o recorrente ficou consciente, com capacidade de comunicação e não se registou quaisquer declarações por parte do recorrente em recusar a análise de sangue.
3. Segundo os factos apurados, não se verifica recusa do recorrente no exame de pesquisa de álcool no sangue, aliás através da própria conduta do recorrente já pode deduzir que existe um consentimento tácito ou presumido por parte do recorrente.
4. Atendendo a realização do exame de pesquisa de álcool no sangue numa pessoa com estado permitida só é capaz e possível feita quando o examinado dá a devida colaboração, ou seja, se o próprio examinado ficasse inquieto, nunca poderia concluir o exame de recolha de sangue, por isso, parece-me que, segundo as disposições prevista no art° 115º nº 4 e nº 5 da Lei 3/2007, o legislador quis que só a recusa da recolha de sangue deve ser feita expressamente.
5. No nosso caso concreto, não nos parece verificada situação acima referida que consubstancia o vício suscitado pelo recorrente.
6. Pelo que, o tal fundamento deve ser rejeitado.
   Nestes termos e nos demais de direito, deve V. Excel6encias Venerandos Juízes julgar o recurso improcedente, mantendo a douta sentença recorrido em íntegra.

Nesta instância, o Digno Procurador-Adjunto apresentou o seu douto parecer que se transcreve o seguinte.1

Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juíze-Adjuntos.
Cumpre-se decidir.

À matéria de facto, foi dada assente a Seguinte factualidade:2
Conhecendo.
O recorrente impugnou a sentença pelo vício por erro na apreciação da prova, por entender a recolha de sangue ter sido obtido sem consentimento do recorrente que constitui provas nulas por ter obtida com a ofensa da integridade física do recorrente, o que consubstancia tanto a nulidade da prova produzida nos termos do artigo 113° do Código de Processo Penal, como a ilegal valoração da prova nos termos do artigo 336° do Código de Processo Penal.
Vejamos.
O artigo 113.º (Métodos proibidos de prova) do Código de Processo Penal dispõe que:
“1. São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral da pessoa.
2. São ofensivas da integridade física ou moral da pessoa as provas obtidas, mesmo que com consentimento dela, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3. Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
4. Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos no presente artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.”
A priori, podemos dizer que a colheita da amostra de sangue, em lado sensus, poderia eventualmente consubstanciar-se uma ofensa à integridade física, por tanto, o acto de colheita da amostra de sangue cujo procedimento não satisfaz os requisitos legais poderia provocar a nulidade da prova.
Prevê o artigo 115º (Exame de pesquisa de álcool da Lei de Trânsito Rodoviário) que:
1. Os agentes de autoridade podem submeter os condutores a exame de pesquisa de álcool no ar expirado.
2. O exame referido no número anterior é obrigatório para os condutores ou para quaisquer outras pessoas envolvidas em acidente de que resultem mortos ou feridos, sempre que o seu estado o permita.
3. Quando não tiver sido possível a realização do exame de pesquisa de álcool no ar expirado, o médico do estabelecimento de saúde, oficial ou legalmente designado para o efeito, a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.
4. Se o exame de pesquisa de álcool no sangue não puder ser feito, quer por razões médicas, quer por recusa do examinando, deve proceder-se a exame médico para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
5. Quem se recusar injustificadamente a submeter-se ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado ou ao exame médico previstos neste artigo é punido pelo crime de desobediência.
6. Nos casos de recusa previstos no número anterior, pode ainda ser aplicada a sanção de inibição de condução prevista no n.º 3 do artigo 96.º”
O recorrente invocou o não consentimento da colheita da amostra de sangue.
Compulsados os autos, apesar da negação durante o julgamento dos factos acusados, o arguido não fez qualquer contestação escrita, com a articulação, para a sua defesa, de facto respeitante ao não consentimento da tal colheita.
Como lhe cumpre provar a colheita da amostra de sangue não consentida e não fez, vem agora em sede de recurso alegar um facto novo, que não fez parte do objecto do processo. Pois, o tribunal de recurso não podia, nem lhe é possível consignar por assente esse facto novo, sem cumprimento do contraditório.
Dos factos provados e não provados, não resulta que o procedimento da colheita da amostra de sangue tinha sido feito sem o seu consentimento, ou com força. Daí, afigura-se manifestamente improcedente a arguição da nulidade da prova, e a consequente manifesta improcedência do presente recurso.
Ponderado resta decidir.

Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em rejeitar o recurso interposto pelo arguido.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 3 UC’s, e o mesmo montante punitivo nos termos do artigo 410° n° 4 do Código de Processo Penal.
RAEM, aos 9 de Janeiro de 2014
(Relator)
Choi Mou Pan

(Primeiro Juiz-Adjunto)
José Maria Dias Azedo

(Segundo Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

1 Esta parte tem a seguinte versão em chinês:
  經分析本上訴的上訴理由,我們讚同駐原審檢察院司法官在其上訴答覆中所主張的立場,就是上訴理由不成立,應予駁回。
  在這裡,我們僅需作出如下補充:
  本案的核心問題是考慮是否存在正如辯方所主張的“審查證據方面的明顯錯誤”,而這錯誤是反映在原審法院以一個“無效”證據作為定罪的標準。
  上訴人認為,其本人從未在交通意外後對於警方要求採集血液樣本表示過同意,因此,有關血液內的酒精檢測報告不能成為原審法庭定罪的有效證據,因為在獲得該證據的過程上違反了刑訴法典第第113條第1款之規定。
  首先,我們認為上訴人忽略了道路交通法第115條關於酒精測試的特別規定。這一規定明確表明,血液酒精測試乃其中之一種法定檢驗酒精之方式,而它的使用亦有著一定的前提,就是當呼氣式酒精測試未能成功作出時的一種替代方法。
  從卷宗資料輕易得知,正正是因為上訴人之不合作(情緒失控)導致呼氣測試未能進行,引致最後使用了抽血檢測的方式。
  同時,法律亦有預視受檢者可以選擇“拒絕”接受血液酒精測試的可能(在這情況下可能會面對其他的指控),但並未對該拒絕作出的方式及其形式作出任何具體要求。例如:檢測方需要以書面記錄受檢測方的不拒絕簽署。
  的確,倘若法律有如上述舉例的規定,那麼在本案可能的確出現證據無效的情況。
  但是,既然法律接受任何方式的意思表示,並在形式上亦沒有任何特定的要求,因此,上訴人亦不能一廂情願地主張不存在其本人的同意,因為這事實是完全可以透過其他證據加以證明。
  而原審法庭的確在這問題上作出了相關的調查,包括傳召事發當日為嫌犯進行抽血測驗的當值醫生出庭作證(見卷宗第89頁背頁及第101頁)。
  在這前提下,可以說原審法院已完全在庭審上顧及任何的可能性,並為著調查事實真相作出了可作出及該作出的措施。
  最後,可以說是經過正常的證據調查後法院形成心證,原審法院才認定整個抽血過程上都未發現不妥當或違規的地方,繼而接受有關驗血報告作為有效證據。
  其實,上訴人的主張 -- 不認同存在其本人的同意 --,乃一針對辯護事實的認定,但最後有關的主張沒有被原審法院所接納。因此,不能說在抽血檢測過程上缺乏上訴人明確的“同意”而導致相關證據無效。因這說法只屬一個上訴人個人的主張,並未得以證實,在這情況下,實難說原審法院在審查證據方面存在任何錯誤。相反,原審法院正是自由心證的原則下嚴格審查了該事實後而作出的心證。
換言之,在這前前下原審法院認定了有關檢測報告內容屬實並作為裁判的基礎亦屬正常。
綜上所述,我們認為上訴理由不足,上訴應予駁回。
 
2 Esta parte tem a seguinte versão chinesa:
- 2010年5月1日早上約6時30分,嫌犯B駕駛輕型汽車MO-XX-XX在澳門......大馬路與......大馬路交界發生一宗交通意外。
- 嫌犯其後被送往醫院接受血液酒精含量測試,測試結果為2.49克/公升(參閱卷宗第4頁)。
- 嫌犯酒後致使其每公升血液中的酒精含量超過1.2克,仍在公共道路駕駛車輛。
- 嫌犯在自由、自願及有意識地作出上述行為,且深知其行為是法律所不容。
- 嫌犯現職貿易商人,每月收入約澳門幣MOP$8,000.00元至9,000.00元,需供養兩小孩和妻子。
- 未證事實:無
- 證據方式:嫌犯庭審時作出的聲明、證人證言及其他文件證明,尤其包括山頂醫院對嫌犯進行的血液酒精測試結果記錄(見卷宗第4頁)。
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