打印全文
Processo nº 824/2010
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 28 de Novembro de 2013
Descritores:
-Contrato a favor de terceiro
-Contratação de mão-de-obra não residente

SUMÁRIO:

A celebração de um “contrato de prestação de serviços” entre uma empresa fornecedora de mão-de-obra não residente em Macau e outra empregadora dessa mão-de-obra, no qual esta assume desde logo um conteúdo substantivo mínimo das relações laborais a estabelecer com os trabalhadores que vier a contratar, tal como imposto por despacho governativo, representa para estes (beneficiários) um contrato a favor de terceiro, cuja violação por parte da promitente empregadora gera um correspondente direito de indemnização a favor daqueles.





Processo nº 824/2010

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, com os demais sinais dos autos, intentou no TJB contra “B Limitada” (doravante, apenas “B”), acção de processo comum laboral pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a importância de Mop$ 102.143,00, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento.
*
Por sentença de 13/07/2010 foi a acção julgada improcedente e a ré absolvida do pedido.
*
É dessa sentença que agora recorre o autor, em cujas alegações formulou
as seguintes conclusões:
«1. Ao contrário do que terá concluído o Tribunal a quo não será correcto entender-se que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, veio definir os requisitos formais para a contratação de trabalhadores não residentes, contudo, não define o regime legal a que os respectivos contratos estão sujeitos;
2. Do mesmo modo, não será exacto afirmar que até à publicação da recente Lei n.º 21/2009 não tinha sido legalmente definido o regime da contratação dos não residentes;
3. Ao invés, basta ver que, desde 1988, o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, fixa(va) as condições de contratação (procedimento) e de trabalho (conteúdo) em que devem ser contratados os trabalhadores não residentes, assumindo claramente uma natureza normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes e que, em caso algum, poderá ser afastada pelas partes;
4. Neste sentido, a fixação legal de condições tidas como mínimas, em si mesma constitui um direito que escapa à liberdade da autonomia das partes, visto terem sido consagradas por uma razão - de ordem pública - maxime de protecção dos interesses da generalidade dos trabalhadores residentes (cfr. preâmbulo do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
5. Do mesmo modo, o direito às condições mínimas fixado no despacho de autorização configura um direito indisponível e, porquanto, subtraído ao domínio da vontade das partes;
6. Assim, da natureza “especial” do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, não deveria ter resultado qualquer dúvida ou receio por parte do Tribunal a quo quanto à sua directa aplicabilidade à relação sub judice e, bem assim, quanto à circunstância de se tratar de um regime imperativo que respeita à contratação de trabalhadores não residentes, afastando as regras gerais que o contrariem e que se encontrem estabelecidas no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
Sem prescindir, sempre se dirá que,
7. Mesmo que aos autos se entende ser de aplicar as disposições do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril - por analogia - haveria então que retirar daquela aplicação todas as suas legais consequências, maxime em matéria de descanso semanal, feriados obrigatórios, férias, salário justo e, bem assim, de indemnização rescisória por denúncia unilateral por parte da Ré, porquanto em causa estariam preceitos inderrogáveis constantes do Regime Jurídico das Relações Laborais, o que igualmente não terá sido feito;
8. A construção jurídico-civilistica constante da Sentença revela-se desnecessária em face da relação material controvertida apresentada pelo Autor, pelo que a decisão se revela incorrecta, por errada qualificação jurídica;
9. Porém, caso se entenda que a qualificação jurídica operada pelo Tribunal a quo se revelava necessária, ainda assim a conclusão enferma de um vício de raciocínio, visto que, em qualquer dos casos, os únicos beneficiários da promessa seriam os trabalhadores e, in casu o Autor, ora Recorrente, e nunca a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau;
10. Ao contrário do que terá entendido o Tribunal a quo, a questão central dos presentes autos traduz-se no desrespeito pela Ré do procedimento legal e positivo, designadamente o constante do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro e, bem assim o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças que in casu autorizou a Ré a admitir trabalhadores não residentes, nos quais se incluiu o Autor, ora Recorrente;
11. Assim, a premissa na qual se fundou a decisão do Tribunal a quo para julgar os presentes autos é incorrecta e em muito se afasta dos factos e fundamentos trazidos aos autos quer pelo Autor, quer pela Ré, sendo a mesma nula nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 571.º do Código do Processo Civil;
12. Por outro lado, ao contrário do que erradamente concluiu o Tribunal a quo, em caso algum é verdade que a concreta causa de pedir apresentada pelo Autor tenha consistido na violação das cláusulas do contrato de trabalho;
13. Assim, tendo o Tribunal a quo se afastado do quid decisório, sem que para tal apresente as razões de facto ou de Direito, é a Sentença nula por ausência de fundamento legal;
14. Não é correcto concluir que das condições administrativas exigidas pela Região Administrativa Especial de Macau relativamente à contratação de mão de obra estrangeira não resulta a imposição de contratar nestes ou noutros termos, pois dali não resultam imperativos legais para a entidade patronal e/ou empregado de contratar em determinados termos;
15. Pelo contrário - uma vez mais se sublinha - o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, toma de forma clara e expressa uma natureza assumidamente normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes, obrigando a uma contratação em condições mínimas acordadas com a empresa prestadora de serviços (Cfr. neste exacto sentido, o Ac. do TSI, de 15 de Dezembro de 2009, Processo de Recurso n.º 739/2009);
16. Tendo na Sentença ficado prejudicada a análise da matéria relativa ao subsídio de alimentação e subsídio de efectividade e constante da matéria de facto dada por provada e não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre a totalidade do pedido, a decisão deverá ser nula, por violação da al. d) do n.º 1 do art. 571.º do Código de Processo Civil.
Nestes termos, e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deverá a Sentença do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base ser declarada nula pelas razões supra expostas e substituída por outra que julgue nos termos pedidos pelo Autor na sua Petição Inicial, porquanto só assim se fará a já costumada JUSTIÇA!».
*
“B” apresentou contra-alegações, as quais concluiu do seguinte modo:
«I. Veio o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” que decidiu julgar a acção improcedente procedente porque não provada e em consequência absolver a Ré do pedido;
II. Não merece reparo o entendimento do douto Tribunal a quo de que o Despacho n.º 12/GM/88 cuida apenas dos requisitos formais para a contracção de trabalhadores não residentes, não definindo o regime legal a que ficam sujeitos os contratos de trabalho com os mesmos posteriormente celebrados, e que, até à publicação da Lei 21/2009 existia uma lacuna no que respeita ao regime jurídico das relações laborais estabelecidas entre empregadores residente e trabalhadores não residentes.
III. O Despacho nº 12/GM/88 não tem uma natureza normativa e de cariz imperativo, destinando-se as suas normas apenas a conformar o processo administrativo de contratação de trabalhadores não residentes, pelo que, o mesmo não afecta a relação laboral estabelecida entre Recorrente e Recorrida.
IV. O Despacho n.º 12/GM/88 é um acto normativo proferido pelo Governador no âmbito da respectiva função executiva, e não no domínio da sua função legislativa derivada.
V. O Despacho n.º 12/GM/88 cuida apenas dos procedimentos a adoptar para a contratação de trabalhadores não residentes, e não do conteúdo da concreta relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
VI. Face à natureza jurídica do Despacho não poderá o mesmo coarctar a liberdade contratual das partes, e gerar na esfera jurídica de qualquer delas direitos ou deveres que não tenham sido livre e reciprocamente acordados.
VII. Do mesmo modo, o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças emitido ao abrigo e no seguimento das normas procedimentais estabelecidas no referido Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro pela sua natureza jurídica não poderá também criar na esfera jurídica do Autor quaisquer direitos.
VIII. Não obstante, o Recorrente demonstrar o seu desacordo com a sentença recorrida, a verdade é que, desse mesmo desacordo não retira qualquer consequência e nem identifica qual o vício de que padece a decisão em recurso, por haver decidido da forma como decidiu.
IX. Para que tivesse havido condenação em quantidade superior ao pedido teriam necessariamente que ter sido alegados factos que conduzissem a essa condenação, nomeadamente no que respeita a matéria de descanso semanal, feriados obrigatórios, férias, salário justo e, bem assim, de indemnização rescisória por denúncia unilateral por parte da Ré, o que a Recorrente não fez, pelo que, deve também quanto a este ponto improceder o Recurso por si apresentado.
X. Não merece reparo o exercício de determinação da natureza jurídica do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré, ora Recorrida, e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, afastada que foi a imperatividade e o carácter normativo do Despacho 12/GM/88 e consequentemente do Despacho de autorização governativa.
XI. No que concerne à alegada contradição entre os fundamentos e a decisão, o referido vício não ocorre quando a decisão está em oposição com os fundamentos trazidos aos autos quer pelo Autor, quer pela Ré, mas antes quando ocorre uma contradição lógica entre os fundamentos da própria sentença e a decisão.
XII. No caso dos autos o douto Tribunal a quo fez um louvado percurso lógico, decidindo de modo coerente com o raciocínio expedido ao longo do aresto.
XIII. O douto Tribunal a quo nunca poderia ignorar a natureza jurídica do contrato de prestação de serviços e os efeitos jurídicos produzidos pelo mesmo, uma vez que, por um lado, anteriormente já havia afastado a natureza normativa e imperativa do Despacho n.º 12/GM/88, e por outro, é no referido contrato de prestação de serviços que o Autor fundamenta o seu direito a uma alegada diferença salarial e outros créditos de que se arroga titular.
XIV. O Recorrente descontextualiza a afirmação contida na sentença em Recurso de que a causa de pedir apresentada pelo Autor consistiu na violação das cláusulas do contrato de trabalho, acusando assim douto Tribunal a quo de se afastar do quid decisório, quando, o douto Tribunal a quo apenas faz a mencionada afirmação, após afastar um a um os vários fundamentos que constituíam a causa de pedir do Autor.
XV. Não sendo o Autor parte do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, para que o mesmo pudesse produzir efeitos na sua esfera jurídica havia que afastar o princípio “res inter alias acta aliis neque nocet neque prodest”, enquadrando-o num dos “casos especialmente previstos na lei” (artigo 400º, nº 2 do CC).
XVI. À celebração do contrato de prestação de serviços não esteve subjacente a criação de direitos/deveres na esfera jurídica de outrem que não os seus originais outorgantes, ao que acresce o facto da aprovação administrativa a que foi sujeito não lhe ter conferido tal virtualidade.
XVII. A análise realizada pelo douto Tribunal a quo dos vários tipos contratuais em que se poderia enquadrar o contrato de prestação de serviços celebrado entre a ora Recorrida e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada por forma a produzir efeitos na esfera jurídica do Autor não merece reparo, tendo ficado devidamente demonstrado que as partes primitivas não tiveram qualquer intenção de atribuir a terceiros quaisquer vantagens decorrentes desse mesmo contrato.
XVIII. A falta de análise de uma questão por parte do Tribunal a quo por considerar que a apreciação da mesma ficou prejudicada pela solução dada a qualquer outra questão colocada no âmbito do mesmo processo, não é recondutível ao vício de omissão de pronúncia previsto na alínea d), do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas mui doutamente suprirão deve o recurso interposto pelo Recorrente ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.».
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
«a) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores;
b) Desde o ano de 1993, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior»;
c) Deste 1992, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»: nº 9/92, de 29/06/1992; nº 6/93, de 01/03/1993; nº 2/94, de 03/01/1994; nº 29/94, de 11/05/1994; nº 45/94, de 27/12/1994;
d) O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o “Contrato de Prestação de Serviços nº 02/94”;
e) Do contrato referido em d) cuja cópia está a de fls.28 a 33 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$ 90,00 diárias, acrescidas de MOP$ 15,00 diárias a titulo de subsidio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau,
f) A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos «contratos de prestação de serviço» supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes;
g) Entre 24.05.2002 e 31.05.2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”;
h) Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré;
i) Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades;
j) Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor;
k) A Ré apresentou ao Autor um contrato individual de trabalho o qual foi assinado pelo Autor, assim como outros contratos individuais de trabalho, cujas cópias o Autor não dispõe;
l) Entre Junho de 2002 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$ 2,000.00 mensais;
m) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$ 2,100.00 mensais;
n) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$ 2,288.00 mensais;
o) Entre 24.05.2002 e Junho de 2002, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$ 10.00 por hora;
p) Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$ 11.00 por hora;
q) Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2006, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$ 11.30 por hora;
r) O autor só teve conhecimento do efectivo e concreto conteúdo de um «contrato de prestação de serviços» assinado entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, já depois de cessada a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), a pedido do Autor em 2008;
s) Entre 24.05.2002 e 30.06.2002, o A. prestou 135 horas de trabalho extraordinário;
t) Entre 01.07.2002 e 31.12.2002, o A. prestou 684 horas de trabalho extraordinário;
u) Entre 01.01.2003 e 28.02.2006, o A. prestou 5062 horas de trabalho extraordinário;
v) Entre 01.03.2006 e 31.12.2006, o A. prestou 1411 horas de trabalho extraordinário;
w) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo autor à razão de MOP$ 11.50 por hora;
x) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação;
y) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho;
z) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias».
***
III - O Direito
1- Da nulidade da sentença
Nas alegações do recurso, o recorrente imputa à sentença a nulidade a que se refere o art. 571º, nº1, al. c), do CPC, por a premissa em que ela se fundou para julgar a improcedência ser incorrecta e em muito se afastar dos fundamentos trazidos pelo autor (conclusão 11ª).
Nula, ainda, em sua opinião, nos termos da alínea d), do nº1, do mesmo artigo, com a justificação de o juiz não se ter pronunciado sobre o direito que reclamava em relação ao subsídio de alimentação e de efectividade (conclusão 16ª).
Apreciando.
Nenhuma das razões invocadas procede. Com efeito, a circunstância de o Juiz se afastar dos fundamentos trazidos pelo então autor não é mais do que um exercício intelectual que é próprio da sua tarefa de julgador. O juiz, condicionado embora pela causa de pedir, não se serve unicamente dos fundamentos jurídicos elegidos pelo autor, antes pode buscar outras fontes e outros argumentos julgados pertinentes em ordem a convencer o impetrante da sua sem razão, até mesmo para lhe proporcionar o alcance dos melhores motivos para uma decisão favorável. Por conseguinte, se a posição do julgador aqui não foi de molde a acompanhar o iter fundamentativo do então autor, isso não significa mais do que mera divergência de opinião e, logo, representação de um discurso divergente sobre o mérito que, se errado, apenas pode conduzir a uma decisão de provimento do recurso jurisdicional.
Quanto ao segundo argumento, mais patente ainda é a sem razão do recorrente. Com efeito, o próprio juiz “a quo” disse no ponto 3 da sua fundamentação (fls. 31 da sentença/fls. 210 dos autos) que a apreciação das questões referentes aos peticionados créditos se deveriam considerar prejudicados, face à resposta negativa dada à questão que acabara de tratar: a de apurar qual a natureza do contrato celebrado entre B e Sociedade de Apoio e se dele nasciam direitos para o recorrente. Isto significa que a sua actuação cabe na previsão da 2ª parte do nº 2 do art. 563º do CPC.
Razão, pois, para julgar improcedente a invocação da nulidade.
*
2- Do mérito da sentença recorrida
Revisitando o panorama factual do presente caso, teremos por adquirido que:
Em 11/12/1993 o Ex.mo Secretário Adjunto para A Economia e Finanças autorizou a “B, Limitada” (de ora em diante referir-nos-emos a esta entidade como B) a admitir ao seu serviço novos trabalhadores do exterior, autorização condicionada à apresentação de contrato de prestação de serviços com a entidade habilitada como fornecedora de mão-de-obra não residente, nos termos da alínea c), do nº 9, do Despacho nº 12/GM/88, de 1 de Fevereiro (cfr. doc. 1, a fls. 22-23 dos autos).
Entre “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, ldª” e “B, Limitada” (de ora em diante referir-nos-emos a esta entidade como Sociedade de Apoio) foram celebrados vários contratos de prestação de serviços (nomeadamente o nº 2/94: doc. nº3 a fls. 28-33). Por ele, ficou clausulado que a B deveria proceder à contratação de mão-de-obra não residente, estabelecendo-se aí as condições remuneratórias mínimas diárias dos trabalhadores a contratar (90 patacas por dia) e a determinação do pagamento de subsídio de alimentação diária de 15 patacas (3.1), de bonificações adicionais iguais às pagas pela B aos trabalhadores residentes (3.3) e um subsídio de efectividade mensal igual ao salário de 4 dias, sempre que o trabalhador não tivesse dado no mês anterior qualquer falta ao serviço (3.4). Além dessas estipulações, também foi acordado o regime do horário de trabalho (8 horas diárias), alojamento, de assistência, dos deveres dos trabalhadores, da cessação da relação laboral e repatriamento, o prazo de duração do contrato, entre outras obrigações vinculativas para a B.
O autor/recorrente foi contratado pela B, tendo no início assinado um contrato individual de trabalho que, posteriormente, foi sendo objecto de renovações, até à data da cessação da relação laboral por iniciativa da re/recorrida, o que viria a verificar-se em 31 de Maio de 2008.
A acção que foi intentada no TJB teve por fundamento o pagamento de valores salariais inferiores ao clausulado naquele contrato de prestação de serviços.
*
1ª questão
Que tipo de relação administrativa se estabeleceu entre B e a Administração?
Quando a ora recorrida se dirigiu à Administração pedindo admissão, nos termos do Despacho nº 12/GM/88 (leia-se autorização) para contratar não residentes, fê-lo como mero interessado particular que, para ver proferido o acto permissivo, deveria observar certos requisitos.
Superados os primeiros obstáculos através dos pareceres pertinentes favoráveis (cfr. nº9, a, b, do referido Despacho), a entidade competente proferiu despacho de admissão, condicionando-a, porém, à apresentação do contrato a celebrar entre requerente (B) e entidade fornecedora de mão-de-obra não residente (Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda).
Aquele despacho disse, ainda, que a autorização implicava a sujeição da requerente a determinadas obrigações específicas: a) - manter um número de trabalhadores residentes igual à média dos que lhe prestaram serviço nos últimos três meses; b) - garantir a ocupação diária dos trabalhadores residentes ao seu serviço e manter-lhes os respectivos salários a um nível igual à média verificada nos três meses anteriores; c)- observar uma conduta compatível com as legítimas expectativas dos trabalhadores residentes).
Estamos, portanto, perante um acto administrativo cuja eficácia foi diferida para momento posterior, em virtude de os seus efeitos dependerem da verificação do requisito ulterior (arts. 117º, nº1 e 119º, al.c), do CPA): apresentação do contrato de prestação de serviço com a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente.
Ora, este contrato é, para este efeito, um contrato-norma com estipulações vinculantes para ambas as partes.
Ou seja, a Administração, satisfez-se com a celebração daquele instrumento negocial em que o futuro empregador (contratante B) declarava contratar futuros trabalhadores não residentes e prometia conceder-lhes as condições e regalias a que ali mesmo, livremente, se deixou subjugar. Claro está que, em nossa opinião, deveria ser mais natural e lógico que a condição fosse mais longe ao ponto de se exigir de todo e qualquer interessado na aquisição de mão-de-obra não residente em Macau a demonstração da efectiva contratação nos moldes em que o compromisso foi assumido perante a entidade fornecedora. Faria mais sentido, realmente, que a condição do acto não se ficasse pela realização de uma mera “declaração de intenções” ou de uma simples “promessa de facere”, que podia não ser, como não foi, cumprida. Na verdade, a vinculação entre as partes contratantes iniciais (B e Sociedade de Apoio) podia bem ser quebrada sem conhecimento do Governo, o qual assim nada podia fazer para repor as condições de trabalho que estiveram na base da autorização, ou até mesmo para a cancelar. Isto é, parece absurdo que se estabeleçam requisitos de contratação, que as partes iniciais acolheram no contrato-norma para que o despacho autorizativo adquirisse eficácia, e depois o autor do acto se desligue completamente da sorte dos contratos de aplicação dando azo a toda a sorte de incumprimentos e abusos eventuais. Não se deveria esquecer que os contratos de aplicação devem obediência não só ao contrato-norma, como ao acto autorizativo. E, por isso mesmo, é de questionar quais as consequências derivadas da violação dos contratos celebrados com o trabalhadores e quais os efeitos para estes (futuros e incertos) decorrentes desse contrato-norma. À primeira questão – sem sermos muito categóricos – somos de parecer que nem o Despacho 12/GM/88, nem o contrato firmado na sequência do despacho autorizativo estabelecem sanções. À segunda questão já somos obrigados a responder, e essa é tarefa que nos ocupará já de seguida.
*
2ª Questão
Quais os direitos para os trabalhadores contratados na sequência daquele contrato de prestação de serviços celebrado entre B e Sociedade de Apoio?
Tal como a sentença o afirma, ao caso não pode ser aplicável o DL nº 24/89/M, de 3/04, uma vez que este diploma se aplica aos trabalhadores residentes.
E também é certa, em parte, a ideia que emana da mesma decisão, segundo a qual o Despacho nº 12/GM/88 não visa estatuir sobre os contratos a celebrar entre empregadores e trabalhadores não residentes. Visa sim, e nessa medida reflecte-se sobre eles, determinar um conjunto de conteúdos mínimos que o empregador deve respeitar nos contratos a celebrar. Contudo, não desce ao pormenor dos direitos e regalias concretas, embora se refira no art. 9, d.2 ao dever de ser averiguado no contrato de prestação de serviços se se encontra satisfeita a garantia do pagamento do salário acordado com a empresa empregadora. Ora, como pode ser prestada esta garantia se depois do contrato com o trabalhador ninguém mais controla o cumprimento do clausulado! E como garantir no contrato-norma algo que só no contrato de aplicação pode ser constatado! Por conseguinte, só indirectamente se pode dizer que os contratos celebrados com os trabalhadores têm no referido despacho a sua regulação normativa.
A Lei nº 4/98/M, de 29/97, por seu turno, também não passa de um conjunto de normas programáticas inseridas naquilo que é uma Lei de Bases (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais), não preenchendo as necessidades de regulação as normas que constam do art. 9º, uma vez que aí igualmente nada é estabelecido sobre o conteúdo das relações laborais entre aqueles.
Só a Lei nº 21/2009/M de 27/10, sim, define um conjunto de regras a que deve obedecer a contratação de trabalhadores não residentes, mas escapa ao nosso raio de alcance, atendendo ao momento em que surge a lume.
De qualquer modo, assentem os contratos celebrados com os trabalhadores não residentes indirectamente no Despacho nº 12/GM/88, ou derivem eles directamente do contrato firmado entre B e Sociedade de Apoio, a verdade é que ninguém se atreve a dizer que aquele instrumento contratual e o Despacho em causa são de todo inertes e indiferentes ao clausulado que viesse a integrar o contrato entre empregador e trabalhadores. A questão só se complica na medida em que se trata de pessoas que não intervieram no referido instrumento. Daí que se pergunte a que título dele nasceram direitos para a sua esfera.
Não se pode dizer com total tranquilidade que há lacuna de regulamentação, se for de pensar que a vinculação do instrumento entre B e Sociedade de Apoio é suficiente, isto é, se for de considerar que, mesmo que por causa do despacho autorizativo e do Despacho 12/GM/88, os direitos nascem com aquele instrumento. Faltaria apurar somente a que título.
A sentença em crise entende, porém, que não, por não sentir emergir daquele contrato de prestação de serviços nenhuma das figuras contratuais que costumam associar terceiros não intervenientes, como foi o caso.
Por outras palavras, a questão é a do apuramento da natureza jurídica desse contrato no que a estes terceiros concerne.
E considerando não se estar perante um contrato de trabalho, um contrato de trabalho para pessoa a nomear, ou um contrato de cedência de trabalhadores – por razões que explicita e com as quais concordamos, mas que, por comodidade e desnecessidade ao desfecho decisório do recurso nos dispensamos de reproduzir – acabou por concluir que, do mesmo modo, não se estaria em presença do contrato a favor de terceiros, mas eventualmente ante um contrato de promessa de celebrar um contrato de trabalho com pessoa a nomear (sem qualquer efeito na relação laboral contratada entre empregador e trabalhador) e que apenas permitiria à beneficiária (Sociedade de Apoio) reclamar prejuízos resultantes do incumprimento.
E para assim concluir, arrancando da leitura do art. 437º do Código Civil, foi peremptório em afirmar que no conceito da figura do contrato a favor de terceiro avulta o requisito da “prestação”, que aqui julga não ser possível, uma vez que essa prestação apenas equivaleria à “celebração de outro contrato” (ver fls. 20 vº a 22 da sentença). Argumento a que ainda adita o de que de um contrato a favor de terceiro não podem nascer obrigações para este. Dois obstáculos, portanto, que, em sua óptica, o impediam de preencher os elementos-tipo desta espécie contratual.
A solução a dar a ambos estes impedimentos invocados pelo Ex.mo juiz “a quo” merece um tratamento em bloco.
Vejamos.
Segundo o art. 437º do CC:
“1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais”.
No contrato a favor de terceiro, como se vê, existem três elementos pessoais a considerar: dois contraentes e um beneficiário; de um lado, o promitente, a pessoa que promete realizar a prestação e o promissário, a pessoa a quem é feita a promessa; do outro, o terceiro beneficiário, estranho à relação contratual, mas que adquire direito à prestação. Eis aqui um bom exemplo de desvio à relatividade dos contratos ou ao princípio do efeito relativo (inter-partes) dos contratos1.
Claro que se poderia alvitrar que, para valer perante um qualquer terceiro, este deveria ser designado no contrato como beneficiário, o que implicava desde logo a sua identificação. Todavia, este eventual obstáculo tomba sob o peso da norma criada pelo art. 439º, ao permitir que a prestação pode ser estipulada a favor de terceiro indeterminado, bastando que o beneficiário seja determinável no momento em que o contrato vai produzir efeitos a seu favor.
Regra geral, portanto, do contrato nasce um direito a uma prestação2, a uma vantagem3, não uma obrigação4. Por isso se diz que o efeito para a esfera do “beneficiário” deva ser positivo5.
A questão está, agora, em saber duas coisas:
Uma, se esse efeito positivo ou de vantagem é incompatível com a atribuição de deveres; outra, como deve esse efeito ser conferido, isto é, qual a forma de manifestação da prestação.
A primeira questão, é respondida com relativa facilidade. É certo que através de um contrato entre duas partes não pode impor-se apenas uma obrigação a outra pessoa que nele não tenha figurado, enquanto objecto único dos efeitos pretendidos em relação a ela. Isso contraria o espírito da relatividade contratual na sua essência mais pura e escapa, pela letra do preceito transcrito, à sua mais estrita previsão. Não é disso, porém que aqui se trata.
Por outro lado, a imposição de deveres, num quadro mais alargado de uma posição jurídica que também envolva vantagens, não tem qualquer eficácia se o terceiro não os aceitar dentro da sua livre determinação e no quadro do exercício da sua vontade. De resto, é hoje pacífico que podem ser fixados ónus e deveres ao terceiro, sem que com isso resulte afectada a sua margem de liberdade. As partes atribuem-lhe vantagens, se de benefícios o negócio unicamente tratar. Mas, se a atribuição do efeito positivo carecer de uma atitude posterior do beneficiário da qual resulte a assunção de deveres, através da sua adesão por qualquer facto6, não se vê em que isso contrarie o objectivo do contrato. A vantagem é, para este efeito, cindível ou autonomizável. Por conseguinte, tudo ficará cometido ao seu livre arbítrio e alto critério pessoal: o terceiro é livre de acatar ou não os deveres, sendo certo que se a sua resposta for negativa, perderá o direito à vantagem e ao efeito positivo7 resultante daquele contrato.
A segunda pode ser mais problemática, mas a solução acaba por ser pacífica, segundo se crê, se for de entender que “dar trabalho”, isto é, conceder um posto de trabalho, proporcionar emprego a alguém nas condições estipuladas no contrato-norma é uma prestação de facere ou uma prestação de facto8, mesmo que incluída numa relação jurídica a constituir. O contrato a celebrar com o terceiro não seria o fim último da situação de vantagem reconhecida e prometida pelo contrato entre B e Sociedade de Apoio, mas sim e apenas o instrumento jurídico através do qual se realizaria o benefício, a vantagem, o direito.
De resto, também se não deve negar que, para além do efeito positivo traduzido no próprio emprego prometido oferecer, qualquer cláusula que ali o promitente assumiu em benefício do trabalhador a contratar (v.g, valor remuneratório, garantia de assistência, etc.) ainda representa uma prestação positiva a que B se obrigou.
Por conseguinte, os obstáculos erigidos na sentença a este respeito, salvo melhor opinião, não têm consistência. O que equivale a dizer que, contra a tese da sentença sob censura, o contrato a favor de terceiro9 será aquele que melhor se adequa à situação em apreço e é nesse pressuposto que avançaremos para as consequências daí emergentes.
*
3- A compensação devida
3.1- Diferenças salariais
O recorrente defende no recurso, e já o fazia na petição da acção, que o salário a considerar é aquele que resulta do “contrato a favor de terceiro”, não o que foi estipulado entre si e B.
Tem, efectivamente, razão. Na verdade, se daquele contrato de prestação de serviços advém uma vinculação da parte que promete contratar com o ora recorrente nos termos ali convencionados, será, obviamente, a partir das suas cláusulas e do direito correspondente que lhe nasce o direito de accionar o incumpridor.
Assim, tendo os contratos celebrados entre o trabalhador e B estabelecido valores remuneratórios abaixo dos mínimos além fixados e tendo sido pagas quantias inferiores (factos das alíneas l) a q)) àquelas que deveriam ter sido observadas (cfr. al. e), dos factos), o ora recorrente terá direito à respectiva diferença (a diferença que deverá estabelecer-se entre clausulado no contrato de prestação de serviços e aquilo que foi efectivamente pago).
A este respeito, o então autor, apurando a diferença entre o devido e o prestado, encontrou o valor de Mop$33,720.20. Valor que não foi posto em causa na impugnação vertida na contestação, a qual se limitou a afirmar ter pago aquilo a que se sujeitou no contrato de trabalho celebrado com o aqui recorrente. Será, pois, esse o valor a considerar nesse capítulo de diferenças salariais.
*
3.2- Trabalho extraordinário
O autor tinha apurado o valor total de Mop$ 9.143,00 a título de diferença de remuneração do trabalho prestado em serviço extraordinário, diferença resultante entre o valor de cada hora efectivamente paga e o valor por que devia ser paga à luz do salário diário normal de 90 patacas estipulado no contratado celebrado entre B e Sociedade de Apoio acrescida de mais uma pataca (Mop$1.00) a título de justo diferencial especial.
Sucede que, não tendo empregador e trabalhador acordado o valor do trabalho remunerado, como podia ter acontecido (art. 11º, nº1, al. b), do DL nº 24/89/M, de 3/04), aquele acréscimo não pode ser levado em consideração, por falta de base legal, nem sequer a título de equidade por falta dos respectivos pressupostos (art. 3º do Código Civil).
Assim sendo, as diferenças a levar em linha de conta devem apurar-se em função do valor pago (cfr. factos o) a q) da matéria assente) e do valor da remuneração horária calculada a partir do vencimento diário, constante do contrato a favor de terceiro (90: 8: al. e) dos factos). Termos em que a totalidade do valor se calcula em Mop$ 339,75 (por o valor pago nos períodos entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2006 e entre Março de 2006 e 31/12/2006 já exceder a remuneração horária normal e, como se disse, não poder entrar no cômputo da indemnização o valor de 1 pataca diária a título de diferencial especial).
*
3.3- Subsídio de alimentação
Do contrato de prestação de serviços ficou clausulado que os trabalhadores não residentes teriam direito a receber o valor de Mop$ 15,00 diariamente, a título de subsídio de alimentação (ponto 3.1 do contrato), que a B nunca chegou a pagar (ver alínea x) da matéria de facto).
Assim, atendendo à duração da relação laboral (entre 12.03.97 e 31.05.2008) e aos dias de serviço correspondentes (2200), o valor devido a atribuir será de Mop$33.000,00.
*
3.4- Subsídio de efectividade
Do mesmo contrato (cláusula 3.4) resulta que o trabalhador teria direito a auferir um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta ao serviço.
Ora, da matéria de facto apurada resulta que o ora recorrente nunca faltou ao trabalho (facto y), nem foi compensado com tal subsídio (facto z da matéria de facto assente na sentença).
Significa isto que, atendendo ao número de meses de duração do contrato (2200:30 = 73), terá que ser indemnizado pelo valor de Mop$ 26.280,00 (73x360 patacas).
*
Significa que a indemnização global ascende a Mop$ 93.339,95.
***
IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
a) Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida;
b) Julgar parcialmente procedente a acção e, por via disso, condenar a B a pagar ao recorrente a importância global de Mop$93.339,95, acrescida dos juros legais, contados pela forma referida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
TSI, 28 / 11 / 2013
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

1 Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudos de Direito Civil, pag. 492
2 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, pag. 410;
3 Digo Leite de Campos, Contrato a favor de terceiro, 1991, pag. 13.
4 Ob. cit, pag. 417
5 Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 493. Também, E. Santos Junior, Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito, Almedina, pag. 165.
6 Inclusive pela forma que as partes contraentes entendam indicar: Autor e ob. cit, pag. 519. Nós entendemos que isso pode ser feito pela via do contrato a celebrar.
7 Neste sentido, por outras palavras, ver Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 494.
8 Neste sentido, ver Ac. do TSI no Proc. nº 574/2010, de 19/05/2011 e referências ali feitas à noção de prestar por Pessoa Jorge, in Obrigações, 1966, pag. 55, e Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 1º, pag. 336 e 338.
9 O TSI assim tem considerado de forma insistente (v.g., Ac. TSI, de 23/06/2011, Proc. nº 69/2011; 25/07/2013, 25/04/2013, Proc. nº 372/2012, 13/09/2012, Proc. nº 396/2012).
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------