打印全文
Processo nº 637/2013
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 28/Novembro/2013
   
   
   Assuntos:

- Contratação de não residentes
- Caducidade do contrato laboral
- Analogia; recurso à analogia na contratação não-residente
- Contratos a termo certo; possibilidade de conversão em contrato sem termo certo
- Enriquecimento sem causa
- Repetição do indevido
    
    
    SUMÁRIO :
    
    1. Não há que aplicar subsidiária ou analogicamente a Lei das Relações de Trabalho, a lei geral laboral destinada aos residentes, aos contratos laborais celebrados com um não-residente, se o contrato celebrado estabelece um prazo certo de três anos para o seu termo, não havendo razões para recorrer às disposições da LRT que não convertem os prazos de termo certo dos contratos com duração superior a dois anos em contrato sem termo certo.
    2. O legislador de Macau, quer antes da instauração da Região Administrativa Especial, quer depois, vem estabelecendo regras próprias para a contratação de trabalhadores não residentes, submetendo tais relações contratuais a normas e princípios que, pontualmente, se desviam das normas e princípios aplicáveis aos trabalhadores residentes.
    3. Do regime que enquadra a contratação de não-residentes resulta um regime especial ditado por razões próprias e específicas, para fazer face às necessidades da economia e do desenvolvimento, dele emergindo características de oportunidade, supletividade e temporalidade.
    4. Só perscrutando, interpretando e valorando o ordenamento podemos dizer se há ou não uma lacuna, se ocorre uma total intersecção, entre as teleologias imanentes a uma e outra situação, se estamos, face ao ordenamento jurídico de Macau, perante uma lacuna da lei de categoria teleológica.
5. Não obstante se reconheça uma importante zona em que os complexos de interesses e finalidades implicados e envolvidos nas relações de trabalho residente e não residente se intersectam, essa intersecção não é decisiva se tivermos em conta os superiores interesses da RAEM e que ditam os condicionamentos da contratação não residente.
6. Os pressupostos específicos do enriquecimento sem causa, na modalidade de enriquecimento por solutio indebiti, encontram-se previstos no artigo 470.° do Código Civil e passam por se reconhecer a possibilidade de alguém enriquecer injustificadamente por via de um pagamento que não era devido, o que pode determinar a repetição do indevido, salvo se o prestante pagou e sabia não ter o dever de o fazer. O pagamento indevido consiste em se pagar o que se não deve, ou a quem não se deve.
7. Não há lugar à repetição do indevido por enriquecimento em causa se o empregador pagou voluntariamente ao trabalhador as passagens de avião da sua mulher e filhos, bem sabendo que adviera um divórcio, que a esposa e filhos tinham já saído de Macau e que aquele pagamento não era devido.
8. Falando o contrato em esposa só com uma interpretação generosa se pode admitir que o trabalhador continuasse a ter direito às passagens alegando que vivia, após o divórcio, com uma senhora e com os filhos desta, facto de que o trabalhador deu conhecimento à empresa empregadora, não podendo esta alegar que pagou com desconhecimento da situação e de que o pagamento era devido, se ela própria questionou tal pagamento, o que veio, aliás, a ser factor de não renovação do contrato. Mas se assim fosse, se assim se entendesse, então, o pagamento era devido, pelo que não há lugar a qualquer restituição.
9. Nem pode a empregadora alegar que foi por desconhecer o facto de essa senhora ser casada que tal afastava a possibilidade de se configurar uma situação de união de facto, o que pressupõe que qualquer dos unidos não seja casado, mas pressupõe ainda, para além de outros requisitos, que os unidos vivam uma situação semelhante à dos cônjuges pelo menos há dois anos. Ora, a Ré, não podia ignorar este requisito, considerando que a comunicação ocorreu apenas alguns meses após o divórcio do trabalhador.
10. De qualquer modo, ainda que se conclua, por todo o circunstancialismo fáctico, pela verificação do requisito do n.º 1 do artigo 470º do CC, relativo à intenção de cumprir uma obrigação inexistente, não alegando o interessado na restituição do prestado tal requisito que, embora do foro íntimo e psicológico, é facto, sempre a sua pretensão estaria votada ao fracasso por falta de alegação e consequente comprovação dos pressupostos fácticos do seu pedido

O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 637/2013
(Recurso Civil)
Data : 28/Novembro/2013

RECORRENTES :
Recurso Principal A

Recurso Subordinado: B

RECORRIDOS : Os Mesmos

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. B, mais bem identificado nos autos, instaurou contra A, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$1,747,140.74, acrescidos de juros de mora contados à taxa legal, desde a data de citação até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
    - MOP$1,687,140.24 nos termos do art. 70 do LRT, conjugando com a cláusula 9.2., a título de dobro de indemnização;
    ou, subsidiariam ente
    - MOP$843,570.12 nos termos da cláusula 9.2., a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho sem justa causa;
    Ou se assim não se entender e em alternativa:
    - MOP$843,570.12, ser aceite que a R. procedeu a resolução do contrato de trabalho sem justa causa e conjugando com cláusula 9.2;
    Ou subsidiariamente:
    - MOP$843,570.12 ser admitida a aplicabilidade da mesma indemnização prevista na cláusula 9.2., a todos os casos de cessação contratual, incluindo a caducidade e;
    - MOP$60,000.00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
    
    2. A final veio a ser proferida a seguinte decisão:
    “Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e procedente a reconvenção e, em consequência, decide:
    - Condenar a R. a pagar ao A um montante de MOP$843,570.12, a título de indemnização de resolução do contrato sem justa causa; acrescerão os juros moratórios, e é de observar-se o decidido na jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI tirado em 02MAR2011, no processo n.° 69/2010;
    - Condenar o A a pagar a R. um montante de MOP$331,929.36, a título de repetição do indevido e os juros legais calculados à taxa legal, ao abrigo do disposto no art.474, n.º l , alínea b) do CCM;
    - Absolver a R. os restantes pedidos peticionados pelo A;
    - Absolver o A. os restantes pedidos de reconvenção pela R.;
    Custas pelos A e R. na proporção dos respectivos decaimentos.”
    
    3. A, em chinês A e, em inglês, A, inconformada com a sentença proferida veio recorrer, alegando, em síntese conclusiva:
   a) O Autor foi contratado pela Ré por contrato celebrado em 9 de Fevereiro de 2006, com início de vigência em 23 de Junho de 2006;
   b) Ao contrato foi fixado o termo de 3 anos;
   c) O Autor foi contratado na qualidade de trabalhador não residente, ao abrigo das normas contidas no Despacho n.º 49/GM/88;
   d) A Ré, até ao termo do prazo do contrato de trabalho do Autor, não o renovou;
   e) O contrato de trabalho caducou no terceiro aniversário a contar da data do seu início de vigência, por força do disposto no artigo 271.° do Código Civil e, por analogia, na alínea 1) do n.º 1 do artigo 73.º da LRT ;
   f) O n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 4/98/M impõe que a contratação dos trabalhadores não residentes seja sempre feita com limite temporal, isto é, a termo ;
   g) Por essa razão, as normas contidas no artigo 23.º da LRT não têm aplicação em relação aos trabalhadores não residentes, porquanto não existe lacuna que justifique integração analógica, conforme resulta do n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil ;
   h) Por outro lado, a analogia só pode ser usada quando no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei, o que não é o caso, conforme resulta do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil ;
   i) O contrato de trabalho do Autor não se converteu em contrato sem termo, nem se podia converter por expressa imposição legal ;
   j) A caducidade do contrato de trabalho não dá lugar ao pagamento de qualquer indemnização, por força da aplicação analógica do preceituado no n.º 2 do artigo 73.º da LRT ;
   k) Ao condenar a Ré no pagamento de indemnização pela resolução do contrato de trabalho sem justa causa, a decisão recorrida violou o disposto no n.º 1 do artigo 9.° da Lei n.º 4/98/M, na alínea 1) do n.º 3 do artigo 3.°, no artigo 73.° da LRT e nos artigos 9.° e 271.° do Código Civil.
    Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que determine a absolvição do pedido.
    
    4. B, Autor nos autos à margem identificados, notificado da interposição de recurso da sentença proferida nestes autos e não se conformando com a mesma na parte que lhe é desfavorável, veio interpor recurso subordinado da mesma, alegando, em suma:
    A. O A. discorda da decisão do Tribunal a quo, na medida em que não tem devidamente em conta os factos que ficaram provados, nem o regime do enriquecimento sem causa.
    B. Analisando os factos dados como provados, resulta claro que, independentemente do regime de atribuição dessas despesas de deslocação em vigor na empresa R., o A. comunicou claramente à R. que se tinha divoricado da sua mulher, que vivia com a Sra. C em união de facto e que esta tinha dois filhos à sua guarda.
    C. Resulta igualmente claro da factualidade acima exposta que a R. tinha perfeito conhecimento da situação familiar do A. e que continuou, consciente das circunstâncias do A., a pagar-lhe os subsídios de deslocação.
    D. a R. não só conhecia perfeitamente a situação do A., como também a aceitou, tendo continuado a pagar-lhe os subsídios de deslocação, bem como mantido a Sra. C no seguro de saúde.
    E. Decorre do art. 467º n.º 1 do CC que, para haver pretensão de enriquecimento sem causa, que se verifiquem os seguinte requisitos:
    - a existência de um enriquecimento;
    - que esse enriquecimento se obtenha à custa de outrem;
    - a falta de causa justificativa.
    F. Ainda que se entenda que os pressupostos gerais para o enriquecimento sem causa conforme previstos no art. 467º se encontram preenchidos, para que se verifique a obrigação de restituir a prestação por parte do enriquecido, torna-se ainda necessário analisar quais os requisitos desta obrigação.
    G. A contrario sensu estabelece o n.º 1 do art. 470º do CC que, se o empobrecido, ao efectuar a prestação, não o faz com a intenção de cumprir uma obrigação, o enriquecido não fica obrigado à repetição do indevido.
    H. ficou sobejamente demonstrado que a empresa R. pagou os subsídios de deslocação ao A. até ao momento em que deixou de estar ao serviço daquela, tendo perfeito conhecimento do facto de - de acordo com a R. - o A. não tinha direito de os receber.
    I. Conclui-se assim que a R. não efectuou as prestações (i.e. o pagamento dos subsídios de viagem) com a intenção de cumprir uma obrigação, mas antes com a perfeita consciência de que não tinha o dever de as fazer, pelo que, não fica o A. constituído na obrigação de restituir as prestações.
    J. não pode a R. exigir a devolução dos pagamentos efectuados a título de repetição do indevido e ao mesmo tempo alegar que já em Julho de 2008 tomou conhecimento dos factos que - na sua perspectiva imediatamente lhe retiravam o direito a receber os subsídios de viagem.
    K. a comunicação à R. dos factos constantes das ais. L), M) e N) (quesito 12°) era suficiente para o A. - de acordo com a posição defendida pela R. - deixar de ter direito aos subsídios de viagem, tendo a R. tomado conhecimento desses factos.
    Em conclusão, é mais que evidente que a R. sabia que não tinha qualquer obrigação de pagar os subsídios ao A., porém, optou por continuar a pagar as prestações mensais a título de subsídio de deslocação., pelo que, não se verificando todos os requisitos legais previstos no art. 470° n.º 1 do CC, não deve o A. qualquer quantia à R.
    Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se a revogação da decisão recorrida e a sua substituiçã por outra que determine a absolvição do pedido formulado pela R. em sede de reconvenção.
    
    5. A, em chinês A e, em inglês, A, Ré nos autos supra identificados, notificada do recurso subordinado interposto pelo Autor B, contra-alegou aí, dizendo, em síntese:
    Estando o Autor divorciado desde 17 de Maio de 2008 e encontrando-se a sua parceira casada com terceira pessoa até 9 de Julho de 2009, nunca poderia, durante todo este período, considerar-se preenchida a condição prevista na cláusula 7.ª do "Supplemental Employment Terms Agreement".
    A repetição do indevido não terá lugar porque o prestante tinha, alegadamente, conhecimento da inexistência da dívida.
    O Autor informou a Ré da sua condição de unido de facto. Mas não informou a Ré de que C ainda se encontrava unida matrimonialmente com terceiro. Essa informação só veio a ser dada à Ré muito mais tarde, conforme pode ser verificado pela leitura do documento 12 junto com a petição inicial. Em mensagem transmitida pelo Autor ao seu superior hierárquico, datada de 27 de Abril de 2009, o Autor comunica que se encontra em união de facto com C mas, do mesmo passo, acrescenta e esclarece (de forma totalmente contraditória, acrescente-se) que C não se encontra ainda divorciada por causa dos tribunais de Macau. Este esclarecimento é o que o Autor não havia anteriormente prestado à Ré, limitando-se a afirmar que se encontrava em união de facto com C.
    Cabia, ao Autor provar, pelo menos, que a Ré sabia que a alegada união de facto do Autor com C não era válida à face da lei - porque C mantinha um casamento não dissolvido com terceira pessoa - e, consequentemente, que não se enquadrava no âmbito da cláusula 7.ª do "Supplemental Employment Terms Agreement", pelo que quer C quer os seus filhos não integravam o conceito de agregado familiar e dependentes do Autor. A verdade é que essa prova não existe, a primeira comunicação que existe sobre o estado civil de C é, precisamente, o e-mail de 27 de Abril de 2009, dirigido pelo Autor a Benjamin Toh, seu superior.
    Antes pelo contrário, todos os factos indicam que a Ré, ao fazer o pagamento, ao Autor, do valor correspondente às passagens aéreas, fê-lo na convicção de estar a cumprir uma obrigação contratual, estipulada na cláusula 7.ª do "Supplemental Employment Terms Agreement". Caso contrário, estaria a proceder a uma liberalidade, sem que causa alguma o justificasse, situação que, de resto, sempre seria absolutamente excepcional no funcionamento de uma sociedade comercial.
    Termos em que deve o recurso interposto pelo Autor ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida no que respeita à condenação do Autor no pagamento de MOP331.929,36, acrescidas de juros à taxa legal.
    
    6. B contra-alega no recurso principal, concluindo:
    A. Analisando os factos dados como provados, resulta claro que embora o contrato celebrado entre Autor e Ré tivesse a duração de três anos, a sua efectiva duração estava condicionada à emissão de autorização de trabalho como trabalhador não residente de Macau a qual foi concedida por um período inicial de pouco mais de 2 anos, tendo sido posteriormente renovada por um novo período de 2 anos, isto é até 31 de Agosto de 2010.
    B. A própria Recorrente sabia que o contrato de trabalho celebrado com o Autor não estava sujeito ao regime da caducidade e como tal viu-se na contigência de efectuar uma comunicação de rescisão unilateral com justa causa, tal como consta dos quesitos 9º e 10º, e como tal não deve vir agora procurar fundamentar a sua argumentação da caducidade do contrato de trabalho com base numa aplicação premonitória do regime estabelecido pela Lei n.º 21/2009, que apenas entrou em vigor em 27 de Abril de 2010 e como tal não é aplicável ao caso vertente.
    C. Tendo as partes definido na cláusula 10ª do contrato de trabalho aplicar a lei laboral vigente em Macau e tendo-se iniciado a relação laboral em 23 de Junho de 2006 e terminado em Junho de 2009, facilmente se concluirá que nos termos do previsto no artigo 93º da LRT seria este o regime legal a aplicar quanto aos pedidos de indemnizações resultantes da cessação do contrato.
    D. A Recorrente interpretou mal o disposto no referido artigo 93º da LRT, ao arguir nas suas alegações que o Tribunal a quo deveria afastar a aplicação do regime da LRT seguindo antes o que a Recorrente entende serem os princípios aplicáveis à contratação de trabalhadores não residentes que estariam já vertidos na legislação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 21/2009, que não é aplicável a este litígio.
    E. Analisando o quadro legal aplicável à contratação de não residentes na altura dos factos, não se pode concluir, ao contrário do que defende a Recorrente, que o contrato de trabalho de um não residente seria necessariamente um contrato a termo certo (conforme está agora prescrito no art. 24° da Lei 21/2009).
    F. Uma mera imposição genérica de limite temporal estabelecido na Lei 4/98/M não pode ser considerado um regime análogo ao que vigora desde a entrada em vigor a referida Lei 21/2009, com a obrigação expressa e imperativa de o contrato celebrado com um não residente será sujeito a termo certo e não se converte em contrato sem termo.
    G. Não pode assim proceder o argumento da Recorrente de que a nova Lei 21/2009 (que, repita-se não se aplica a este pleito), apenas se limitou a converter em letra de lei normas que já vigoravam anteriormente.
    H. Sendo certo que antes da entrada em vigor da Lei 21/2009 a contratação de trabalhadores não residentes se destinava apenas a colmatar lacunas no mercado local de trabalho e estava sujeita a um limite temporal, tal não afasta a aplicação das regras gerais da LRT que não contrariem a legislação especial aplicável aos não residentes.
    I. O facto de naquele tempo a Lei 4/98/M prever a necessidade de um limite temporal não impede que um contrato de trabalho de não residente se possa converter em contrato sem termo.
    J. A limitação temporal já ficava assegurada pelo facto de as próprias autorizações de permanência no território dos não residentes ser sempre sujeita a determinado prazo.
    K. A Recorrente não poderá deixar de ter presente que, antes da entrada em vigor deste novo regime, a legislação em vigor em Macau quanto às relações laborais que envolvessem trabalhadores não residentes apenas regulava o procedimento prévio necessário à sua contratação e que a sujeitava à obtenção de uma autorização administrativa, a qual não estava dependente do termo estabelecido pelas partes no contrato de trabalho, sendo isso sim sujeita a avaliação administrativa que entendeu atribuir a mesma por um período máximo de 2 anos.
    L. Deste modo, deverá concluir-se pela improcedência do presente recurso uma vez que não se vislumbra qualquer fundamento de direito para a sua procedência, consistindo apenas numa tentativa meramente dilatória por parte da Recorrente de impedir que o Recorrido seja finalmente e devidamente compensado pela rescisão do seu contrato de trabalho.
    Termos em que deverão improceder as alegações apresentadas pela Ré e, consequentemente, ser confirmada a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo.
    
    7. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    
    “Factos Assentes:
    - O A. e a R. assinaram, em 9 de Fevereiro de 2006, um contrato individual de trabalho a termo certo com a duração de três anos, nos termos do qual aquele passou a desempenhar o cargo de Director Financeiro ("Director of Finance") (conforme Doc. n.º 1, cópia do contrato junto com p.i.) (A)
    - Conforme a cláusula 4a do contrato de trabalho referido no Doc. n.º l, a data efectiva de início do contrato de trabalho estava sujeita à condição da emissão da autorização de trabalho como trabalhador não residente da Macau (Blue Card), o que se verificou em 23 de Junho de 2006 (cfr. Doc. 3 junto com pi.). (B)
    - Nos termos do referido Contrato de trabalho, o A desempenhava a função de Director Financeiro, com o grau de "B 1", sob ordem, direcção, supervisão e fiscalização da R., assegurando assim os deveres e funções respeitantes ao referido cargo. (C)
    - Em contrapartida pelo trabalho prestado, a R. obrigou-se a pagar ao A, um salário base mensal de MOP133,900.00, o qual foi posteriormente aumentado para o salário base de MOP$140,595.02. (conforme demonstram os comprovativos de pagamento referentes aos meses de Março, Abril, Maio e Junho de 2009, vide docs. 4 a 7 junto com p.i.). (D)
    - De acordo com a cláusula l3a do referido contrato de trabalho, o A também rege-se pelos Termos Suplementares de Contrato de Trabalho, em inglês "Supplemental Employment Terms Agreement". (cfr. Doc. 1 e 2 junto com p.i.) (E)
    - Conforme os termos deste "Supplemental Employment Terms Agreement", foi acordado as seguintes cláusulas:
    - Da cláusula 2.2: "The initial Term shall not commence until the issuance of the Macau work permit and shall terminate upon the dose of business on the third "3rd" anniversary thereof ("Initial Term")"
    O prazo inicial não terá início antes da emissão da licença de trabalho de Macau e deve terminar após o fechamento dos negócios no terceiro «3.°» aniversário do mesmo. (tradução livre nossa) (F)
    - Da cláusula 9ª: ficou acordado os termos e condições se operariam sobre ª cessação do contrato com justa causa ou cessação do contrato sem justa causa. (G)
    - Da cláusula 9.2: confere ao A o direito a receber os seis meses de salário base, em caso de cessação do contrato sem justa causa, com seguintes termos: (cfr. Doc. 2 junto com p.i.)
    "Termination by the company without cause: In the event that the company terminates the Employee's employment Without Cause, the Employee shall thereupon be entitled to:
    a) Continuation of the Base Salary for a period of six (6) full months.
    b) (. .. ) c (. . .)"
    Cessação pela empresa sem justa causa: Em caso que a empresa termina o emprego do Empregado Sem causa, o empregado deverá então ter direito:
    a) Continuação do salário base por um período de seis (6) meses completos.
    b) ( .. ) c ( .. )" (tradução livre nossa) (H)
    - Da cláusula 7a: confere ao A. o direito de viagem com seguintes termos: (cfr. Doc. 2 junto com p.i.)
    "Employee shall receive eight (8) business class round trip air tickets from Macau to the point of hire for both Employee and his spouse and dependents annually".
    Empregado deve receber oito (8) em classe executiva bilhetes de ida e volta de ar de Macau para o ponto de contratação tanto para o empregado e seu cônjuge e dependentes anualmente. (tradução livre nossa) (I)
    - Da cláusula 14ª : "In any action or proceeding to enforce the terms of this Agreement, the prevailing party shall be entitled to reasonable attorneys ' fees and costs incurred, whether or not the action is reduced to judgment."
    Em qualquer acção ou processo para fazer executar os termos deste acordo, a parte vencedora terá direito a honorários advocatícios e custos razoáveis incorridos, quer a acção resulte em julgamento ou não. (tradução livre nosso) (J)
    
    - Em 7 de Agosto de 2008, a R. renovou a autorização de trabalho ("Blue Card") do A. junto do Governo da RAEM., estendendo-se a sua validade até ao dia 31 de Agosto de 2010 (cfr. doc. 8 junto com p.i.). (K)
    - Em 17 de Maio de 2008, o A. divorciou-se de D, a qual mudou-se para o Canadá com os dois filhos do casal. (cfr. doc. n.º l junto com a contestação) (L)
    - Entretanto, o A. terá estabelecido uma relação afectiva com C, com a qual terá contraído matrimónio em 2010. (cfr. Doc. n.º 11 junto eom p.i.) (M)
    - A referida Sra. XX tem dois filhos de um primeiro casamento, que se encontram à sua guarda. (N)
    - "A Comunicação do despedimento com alegada justa causa efectuada pela R., veio na sequência da apresentação pelo A. de uma queixa junto da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), reclamando a indemnização a que tem direito nos termos do Contrato." (O)
    - Por carta de 3 de Março de 2010, foi a R. interpelada para pagar as referidas indemnizações (cfr. Doc. 14 junto com p.i.) (P)
    - Sucede que a R., não obstante ter recebido a referida missiva, recusou-se a pagar esse montante até ao presente momento. (Q)
    - Após feita a queixa junto ao DSAL como descrito em O), o A. recebeu dois telefonemas de um representante da R., o Sr. E ("Associate General Counsel"), o qual intimou o A. a retirar imediatamente a queixa apresentada na DSAL, sob pena de o Sr. F (Presidente, responsável pela Região Ásia) transformar a "não renovação do Contrato" num "despedimento com justa causa" (R)
*
    Factos Provados:
    Durante a vigência da relação laboral, o A. desempenhou as suas funções com zelo e diligência e cumprindo com as obrigações decorrentes da relação de trabalho estabelecida com aquela sociedade. (2°)
    Respeitando e tratando com urbanidade e lealdade a sua entidade patronal no âmbito do trabalho, os seus superiores hierárquicos, os seus companheiros de trabalho e empregados que se encontravam sob a sua direcção, bem como as demais pessoas com as quais se relacionasse por força do exercício das suas funções de Director Financeiro. (3°)
    Obedecendo ao empregador e cumprindo com as ordens e instruções da R. e dos seus superiores hierárquicos, no âmbito do trabalho. (4°)
    Assegurando lealdade à R., cumprindo os seus deveres legais e contratuais como trabalhador da mesma. (5°)
    A 22 de Junho de 2009, o A. recebeu da R. uma carta em que esta manifestava a intenção de não renovar o contrato anteriormente celebrado, comunicando-lhe que aquele dia 22 de Junho de 2009 seria o seu último dia de trabalho. (6°)
    Aquela leva-lhe apanhar a supressa, uma vez o A. tem sempre expectativa de renovação do contrato de trabalho. (7º)
    A R. tem providenciado a renovação do TITNR, ora autorização de trabalho do A. até 31 de Agosto de 2010 (8°)
    Além de receber a carta de não - renovação, e decorrido de um mês, acerca de 21 de Julho de 2009, o A. recebeu mais uma comunicação do despedimento com alegada justa causa efectuada pela R., conforme o Doc. n.° 10 junto com PJ. e cujo teor aqui se reproduzir integralmente. (9° e 10°)
    As informações referidas em L), M) e N) foram transmitidas à R. oportunamente. (12°)
    Face as informações acima prestadas, a R. apenas conferiu à Sra. C o beneficio de seguro de saúde. (13°)
    A R. não pagou ao A. o título de Severence. (17°)
    Até à presente data, a R. não pagou ao A. as indemnizações devidas à cessação do contrato de trabalho. (20°)
    Quando foi contratado para trabalhar para a R., o A. era casado com D e tinha dois filhos menores do casamento, tendo-se toda a família mudado para Macau. (23°)
    Por essa razão, a R. atribuiu-lhe o direito a duas viagens de ida e volta, em classe executiva, para o local onde foi originariamente contratado, ou seja, Halifax, Nova Escócia, no Canadá, para si, para a sua esposa e para cada um dos seus dois filhos, num total de oito viagens. (24°)
    O custo, total das viagens, apurado pelo departamento de Recursos Humanos com base em valores médios de mercado, era creditado a favor do A., em duodécimos e pago mensalmente, juntamente com o seu vencimento. (25°)
    Em Julho de 2008, a R. apenas veio a tomar conhecimento de que o A. já se não encontrava casado com D e quando este pretendeu que C fosse abrangida pelo seguro de saúde da companhia. (26°)
    Confrontado com a situação de ter duas "esposas", o A. comunicou a R., em 17 de Julho de 2008, que a Sra. C era sua noiva, que pretendia ir casar com ela e que vivia com ela e com os filhos desta no mesmo lar. (27° e 28°)
    A Sra C era ainda, e sempre foi até à data de trânsito de sentença de divórcio em 09.07.2009, casada com outra pessoa. (29°)
    O A., quando confrontado com a impossibilidade de, num novo contrato, manter o mesmo beneficio de 6 das 8 viagens anuais aéreas em classe executiva para o Canadá, uma vez a ex-esposa e os filhos já não coabitavam com o A., procurou ainda que o valor correspondente às passagens aéreas lhe fosse reconhecido por conta da sua "common law wife" e filhos do A.. (32°)
    Nesta altura, a Sra. C ainda subsiste a relação de casamento com outrem e encontrava-se já em Macau com os filhos. (33°)
    A não renovação do contrato de trabalho resultou, em boa medida, deste desentendimento relativamente à pretensão de o A pretender continuar a beneficiar dos benefícios que lhe haviam sido atribuídos, só que substituindo o lugar da sua ex -esposa pela Sra. C. (34°)
    O A não quis abdicar de um benefício a que não tinha direito e assinar novo contrato, sem esse benefício. (35°)
    A R., por sua vez, não aceitou continuar a atribuir ao Autor um benefício que não fazia já qualquer sentido. (36°)
    Perante este impasse, o A decidiu levar a questão às instâncias superiores da empresa, convencido da sua imprescindibilidade, já que o grupo preparava, nessa altura, a cotação da Sands China Limited na Bolsa de Hong Kong. (37°)
    Nessa altura - Junho de 2009 - a empresa enfrentava dificuldades financeiras sérias e era crucial, para a sua sobrevivência, que o projecto de cotação na Bolsa de Hong Kong corresse bem e que o relacionamento com as entidades financiadoras fosse bem assegurado. (38°)
    O A, desempenhando o cargo de Director Financeiro, tinha um papel importante a desempenhar neste contexto. (39°)
    Tendo o A apresentado a queixa junto do DSAL, por cautela, a R. fiz a comunicação da rescisão unilateral com justa causa serviria, apenas, para o caso de se não considerar o contrato cessado, por caducidade, um mês antes. (41°)
    Por força do facto descrito em I), durante o período de 18 de Maio de 2008 a 22 de Junho de 2009, a R. pagou ao A, a título de viagens, a quantia de MOP$442,572.48, por conta das oito viagens anuais em classe executiva, que constam da tabela seguinte:
(42°)
Período
Valor

31/05/2008
19,982.21
(18/31)
30/06/2008
34,413.80

31/07/2008
34,413.80

31/08/2008
34,413.80

30/09/2008
34,413.80

31/10/2008
34,413.80

30/11/2008
34,413.80

31/12/2008
34,413.80

31/01/2009
31,685.00

28/02/2009
31,685.00

31/03/2009
31,685.00

30/04/2009
31,685.00

31/05/2009
31,685.00

30/06/2009
23,268.67
até 22/06/2009

442,572.48


    A partir de, pelo menos 17 de Maio de 2008, mas certamente antes, que a ex-esposa e os filhos próprios já não coabitavam com o A. (44°)
    Conforme as cláusulas do seguro, também pode beneficiar do seguro de saúde o "domestic partner", caso o empregado tenha feito uma declaração nesse sentido, a qual seja aceitável para a entidade patronal. (45°)
    O A. prestou declaração à R., em 17 de Julho de 2008, de que a Sra. C era sua noiva, que pretendia casar com ela e que vivia com ela e com os filhos desta no mesmo lar. (46°)
    A empresa R. incluiu a Sra. C como beneficiária do seguro de saúde, em 21 de Julho de 2008. (47°)
    No âmbito da regulação do poder paternal sobre os filhos do A. e da sua primeira mulher, aquando do divórcio decretado em 17 de Maio de 2008, ficou estabelecido que os filhos de ambos ficam à guarda conjunta do pai (ora A.) e da mãe ("joint custody"). (48°)
    A DSAL notificou a R. para fazer a reparação voluntária a fls. 162, cujo teor aqui se reproduz como integrante. (49°) “
    
    III - FUNDAMENTOS
    A - Recurso principal
    1. A questão
    A empregadora A e um não residente, B, em Junho de 2006, celebraram um contrato de trabalho, a termo certo, desempenhando este as funções de director financeiro, pelo prazo de 3 anos e na véspera do termo do prazo, a entidade patronal comunicou ao empregado que aquele contrato terminaria no dia seguinte.
    Não obstante, passado cerca de um mês a empregadora comunicou ao trabalhador a rescisão unilateral do contrato , alegando justa causa.
    A questão única que vem colocada é a de saber se o contrato celebrado entre o A. e a Ré era um contrato de termo certo, e, assim, se caducava ao fim de três anos, isto, independentemente de se apurar se houve ou não fundamentos para a rescisão operada pela empregadora, a título de justa causa ou se esta foi regularmente efectivada, questões estas que não vêm equacionadas.
    Como a Mma Juíza a quo entendeu que era aplicável ao caso a lei geral que não permitia contratos de trabalho com prazo certo superior a dois anos, a estipulação de um prazo de três anos terá convertido o contrato de termo certo em contrato sem termo certo e daí não se ter operado a sua caducidade.
    Por essa razão passou a analisar a situação de rescisão do contrato com justa causa, entendendo que se verificou justa causa para o despedimento, mas como não foi exercida em tempo, fixou a indemnização correspondente ao despedimento sem justa causa, nos termos do artigo 69, n.º4 da Lei n.º 7/2008 e do contrato entre as partes celebrado (seis meses de salário).
    A questão do despedimento do trabalhador sem justa causa ou a extemporaneidade da comunicação do despedimento não vem colocada no recurso.
    A recorrente, entidade patronal, alega basicamente que a lei geral não pode ser aplicada nem supletiva, nem analogicamente, aos contratos laborais com trabalhadores não-residentes, havendo toda uma lógica sistemática que impõe a celebração de contratos com termo certo nesse domínio.
    Como se viu, não foi este o entendimento vertido na douta sentença pela Mma Juíza a quo, no que é secundada pelo A., recorrido no recurso principal, nas suas contra-alegações, invocando, fundamentalmente, que o controle da limitação temporal é feito nessas situações pela concessão das autorizações de permanência e a imposição do limite temporal estabelecido na Lei 4/98/M não pode ser considerada análoga ao regime da Lei 21/2009, a própria empregadora sabia que não havia um prazo de caducidade do contrato e por isso teve necessidade de avançar para a rescisão unilateral com justa causa, mais dizendo que as próprias partes definiram na cláusula 10ª do contrato a remissão para a lei laboral vigente em Macau.
    Posto isto, o cerne da questão passa por saber se era aplicável a lei de Macau ao contrato em presença, ao estabelecer um limite temporal de 2 anos, convertendo os contratos celebrados por um prazo superior em contratos sem termo certo.
    
    2. Posição vertida na sentença recorrida
    Atentemos nas linhas-força da argumentação expendida:
    A R. foi autorizada a contratar o A, enquanto trabalhador não residente, cujas condições de trabalhos foram descritas no seu contrato de trabalho bem como nos Termos Suplementares do contrato de trabalho.
    A relação laboral entre o A e a R. inicia-se em 23/06/2006 e a nova lei da contratação de trabalhadores não residente (Lei n.º 21/2009) apenas entrou em vigor em 4/9/2010, sendo que no art. 37º, ainda que o diploma não se aplique aos contratos em vigor, celebrados anteriormente, não se deixará de aplicar se dele resultarem condições mais favoráveis para o trabalhador.
    Como o contrato em análise não se estendia para além de 4/9/2010, não se aplicaria a lei nova àquela relação laboral.
    As leis em vigor na vigência do contrato eram:
    A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais (aprovada pela Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série), em que artigo 9.° admitia a contratação de trabalhadores não residentes quando se verificassem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação ficava dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
    Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 1 de Janeiro de 2009 (com a entrada em vigor da nova lei de contratação de trabalhadores residentes), aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2. Ali se esclarecia que não seria aplicável a algumas relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontram em vigor, nos termos do artigo 3.°, n.º 3, alínea d).
    Essas normas especiais eram as previstas no Despacho n.º 12/GM/88 de 1 de Fevereiro.
    Enquanto regime especial, teria directa aplicabilidade a esta relação jurídica, bem como quanto à circunstância de se tratar de um regime imperativo no que toca à contratação de mão-de-obra não residente no território da RAEM afastando as regras gerais que o contrariem, estabelecidas no Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril.
    Mais se consignou que, conforme o contrato de trabalho entre o A e a R. (cfr. Doc. n.º1 junto com p.i.), a cláusula 10ª, “You acknowledge that this Agreement is governed by and interpreted in accordance with Macau (SAR) law, and the courts of Macau (SAR) shall have exclusive jurisdiction over any legal proceedings related to this agreement."
    Portanto, tal como estipulado no contrato, seria de aplicar a lei laboral vigente em Macau.
    Como a relação laboral entre o A. e a R. se iniciou em 23/06/2006, terminando em Junho de 2009, e a nova lei das relações de trabalho (Lei n.º 7/2008) entrou em vigor em 1/1/2009, estabelecendo o art. 93º que se aplicaria aos contratos celebrados anteriormente, excepto quanto às condições de validade formal e aos efeitos de factos ou situações totalmente passadas anteriormente àquele momento, decidiu-se no sentido de aplicar a Lei n.º 7/2008.
    Ora, de acordo com o art. 66º da Lei n.º 7/2008, o contrato de trabalho pode cessar por:
    1) Revogação (art. 67);
    2) Resolução (art. 68 a 72);
    3) Caducidade (art. 73);
    4) Denúncia (art. 74).
    Nos termos do art. 73º da Lei n.º 7/2008, "1. O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:
    1) Nos contratos de trabalho a termo, no termo do prazo fixado ou quando concluído o objecto estabelecido;
    2) Por impossibilidade superveniente do trabalhador prestar o trabalho, nomeadamente por motivo de doença permanente ou invalidez.
    Sem prejuízo do disposto no n.° 2 do art. 24, a cessação da relação de trabalho por efeito de caducidade do contrato não carece de aviso prévio, nem dá origem a qualquer indemnização."
    A caducidade opera sobretudo nos contratos de trabalho denominados a termo ou a prazo e a lei de Macau não exige que a entidade patronal tenha de proceder a qualquer comunicação ao trabalhador expressando a sua vontade de não renovar o contrato. Assim, o silêncio da entidade patronal no fim de prazo do contrato deve ser entendido como correspondente à sua vontade de não renovação do mesmo.
    No entanto, como a lei de Macau fixa um prazo máximo para o contrato a termo e as circunstâncias da conversão de contrato a termo certo para sem termo. (cfr. art. 21º e 2´3º da Lei n.º7/2008).
    Art. 21º, n.° 1 "O contrato de trabalho a termo certo dura pelo período acordado, não podendo exceder dois anos, incluindo renovações. (art. 21 da Lei n.º 7/2008)
    Art. 23º, n.° 1, "O contrato converte-se em contrato sem termo se:
    1) Forem excedidos os limites fixados no artigo 21.° ou no n.° 3 do artigo 22.°; ou
    2) Após o fim do período acordado, o trabalhador continuar a prestação do trabalho por indicação do empregador. "
    No contrato em apreço o termo excedeu o prazo máximo previsto na Lei n.° 7/2008.
    E conforme o art. 14º, n.º 2 e 3 da mesma lei, prevê-se que "os empregadores e trabalhadores podem acordar cláusulas contratuais dispondo de modo diferente do estabelecido na presente lei, desde que da sua aplicação não resultem condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as previstas na presente lei. // Consideram-se como inexistentes as cláusulas contratuais que estabeleçam condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as previstas na presente lei, sendo substituídas pelo disposto na presente lei."
    Sendo a fixação de um prazo de três anos para o termo do referido contrato de trabalho menos favorável para o trabalhador do que a prevista na supra citada lei, como o prazo excede o limite legal, converte-se para contrato sem termo, nos termos do art. 22, n.º l , da Lei n.º 7/2008.
    Assim se explanou e desenvolveu a douta sentença, concluindo no sentido da não sujeição do presente contrato ao regime de caducidade.
    
    3. Regime aplicável ao caso. Quadro legal abstracto especial da contratação não residente.
    
    3.1. É um facto que o legislador de Macau, quer antes da instauração da Região Administrativa Especial, quer depois, vem estabelecendo regras próprias para a contratação de trabalhadores não residentes, submetendo tais relações contratuais a normas e princípios que, pontualmente, se desviam das normas e princípios aplicáveis aos trabalhadores residentes.
    Algumas dessas normas estabelecem pressupostos e condicionalismos de contratação de não residentes, outros fixam um enquadramento de condicionalismos mínimos para essas relações laborais, outras ainda excluem do regime geral a contratação de não-residentes.
    A contratação de trabalhadores não residentes esteve sempre subordinada a um regime especial, podendo considerar-se que se traduz num expediente excepcional de angariação de mão-de-obra, que apenas deverá ser utilizado quando o mercado de trabalho local não possua os recursos necessários para o preenchimento dos postos de trabalho.
    Em princípio, só em relação aos residentes há liberdade negocial. A contratação dos não residentes está condicionada a uma autorização administrativa e se é assim actualmente, também o foi no passado.
    3.2. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
    Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n." 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n.º 3, alínea d).
    Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n.º 21/2009 de 27/10, no dia 25 de Abril de 2010 (de todo, já não aplicável ao caso), as previstas no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, considerando que o Dec.-Lei n.º 101º/84/M, de 25 de Agosto, onde no capítulo VII se previa a contratação de trabalhadores estrangeiros, apátridas e no capítulo VIII a de cidadãos chineses provenientes da RPC, aí se regulando os pressupostos de contratação e, em relação ao primeiro grupo ainda um conjunto de princípios que deviam enformar essa contratação, em particular a não discriminação baseada na nacionalidade (artigo 51º), foi revogado pelo já referido Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril.
    O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
    Não se trata de um regime jurídico de determinadas relações laborais, antes, de um prontuário procedimental a que devem obedecer as contratações de um determinado grupo de trabalhadores, traduzindo-se muitas das normas em condicionamentos e instruções dirigidas aos respectivos Serviços, não tendo ma natureza normativa instituidora de direitos e obrigações para os sujeitos da relação laboral.
    As normas específicas, constantes desse Despacho normativo, regulavam o procedimento para admissão em Macau de mão-de-obra não residente, elencando as condições mínimas de contratação que se propunham conceder ao trabalhador não residente, para obter a necessária aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, mas esse Despacho nada refere quanto aos princípios, às condições, aos direitos, deveres e garantias a que fica sujeita essa relação de trabalho.
    Esta questão não se coloca na actualidade uma vez que o artigo 20.° da Lei n.º 21/2009 de 27/Out. (Lei da contratação de trabalhadores não residentes) estabelece a aplicação subsidiária do regime geral das relações de trabalho aos contratos com trabalhadores não residentes (aplicação subsidiária essa que já é consentânea com a redacção do artigo 3.°, n.º 3, 1) da Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho), mas no âmbito do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, não existia qualquer remissão para o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º24/89/M, de 03 de Abril, sendo certo que este último diploma mesmo referia, como supra se consignou, que os contratos de trabalho celebrados entre empregadores e trabalhadores não residentes não seriam por ele abrangidos por estarem reguladas pelas normas especiais que se encontrem em vigor.
    Isto é, o contrato com um não residente só será possível se autorizada a celebração daquele contrato, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88:
    “9. O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes:
    a) O requerimento da entidade interessada será presente no Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos que despachará, mandando ouvir sobre o mesmo o Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia, ou determinará a prestação dos esclarecimentos que julgue convenientes;
    b) O Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia pronunciar-se-ão sobre o pedido no prazo de 10 dias úteis;
    c) Obtidos os pareceres referidos na alínea anterior, será proferido despacho que decidirá da admissão solicitada, determinando à requerente que, em caso afirmativo, faça presente o contrato de prestação de serviços com entidade habilitada como fornecedora de mão-de-obra não-residente, tal como previsto no n.º 7;
    d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes:
    d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;
    d.2. Pagamento do salário acordado com a empresa empregadora;
    d.3. Assistência na doença e na maternidade;
    d.4. Assistência em caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais;
    d.5. Repatriamento dos trabalhadores considerados indesejáveis. (Os deveres mencionados em d.3. e d.4. serão obrigatoriamente garantidos através de seguro);
    e) Fornecidos os elementos de informação referidos na alínea anterior será proferido despacho que decidirá da aprovação das condições de contratação dos trabalhadores não-residentes, fazendo remeter o processo ao Comandante das Forças de Segurança de Macau;
    f) O Comandante das Forças de Segurança de Macau proferirá despacho, determinando lhe seja presente a lista nominativa dos trabalhadores a recrutar, e decidindo, posteriormente, sobre a sua entrada e permanência no Território.”
    Nesse Despacho n.º 12/GM/88 estabelecia-se ainda que o parecer do então Gabinete para os Assuntos de Trabalho deveria contemplar essencialmente a eventual disponibilidade de mão-de-obra residente para as necessidades de trabalho a realizar (n.º 5, al. a)).
    O despacho referido no número anterior será proferido a requerimento da entidade interessada, depois de instruído com pareceres do Gabinete para os Assuntos de Trabalho e da Direcção dos Serviços de Economia (cfr. art. 4 do citado Despacho).
    De igual modo, no Despacho n.º 49/GM/88, dedicado a trabalhadores especializados e com aplicação ao caso vertente, é referido que a entidade interessada na contratação deverá, com o pedido de autorização de contratação, juntar modelo do contrato de prestação de serviços tido em vista.
    A Lei n.° 4/98/M, por sua vez, estabelece que a contratação de trabalhadores não residentes apenas é admitida quando, cumulativamente, vise suprir a inexistência ou insuficiência de trabalhadores residentes aptos a prestar trabalho em condições de igualdade de custos e de eficiência e seja limitada temporalmente (n.º 1 do artigo 9.°) e faz depender a contratação de trabalhadores não residentes de autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva (n.° 3 do artigo 9.º).
    A limitação temporal da contratação de trabalhadores não residentes é uma decorrência natural do carácter extraordinário da contratação, destinada a suprir as falhas reveladas pelo mercado local de trabalho, e tem reflexo no próprio processo de autorização de permanência a conceder pelos Serviços de Migração.
    A Lei n.º 21/2009, (não aplicável ao caso, na medida em que só entrou em vigor muito tempo depois da extinção do contrato) no seu artigo 2.°, mantém e reforça a necessidade de a contratação de trabalhadores não residentes ser sujeita a limites temporais, quando estabelece, entre os princípios aplicáveis, que o princípio da temporalidade - a contratação de trabalhadores não residentes está sujeita a limite temporal (alínea 2)). Por sua vez, dispõe o n. ° 1 do artigo 24. ° que o contrato de trabalho celebrado com trabalhador não residente está sujeito a termo certo e não se converte em contrato sem termo.
    É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, “como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador”. 1
    Razões estas, se não apodípticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, aí se contemplando, entre outros, os interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local.
    3.3. A contratação de não residentes, abstractamente considerada, deve, pois, ser iluminada por um conjunto de fontes reguladoras do regime jurídico aplicável a essas situações, podendo falar-se até de uma contratação administrativamente condicionada, a saber:
    - Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro;
    - Despacho n.º 49/GM/88
    - RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril) ou a LRT (Lei 7/2008), na medida em que remissivamente aplicável.
    - Lei n.º 4/98
    - Lei n.º 21/2009
    - Contrato concretamente celebrado;
    Desse quadro resulta, como se viu, claramente, um regime especial ditado por razões próprias e específicas, para fazer face às necessidades da economia e do desenvolvimento, dele emergindo características de oportunidade, supletividade e temporalidade.
    
    4. Regime concretamente aplicável
4.1. A contratação do Autor foi feita no cumprimento das regras aplicáveis, isto é, mediante pedido de autorização de contratação, conforme imposto pelo Despacho n.º 49/GM/88 e esteve submetido à respectiva a autorização 06083/IMO/DSAL/2006.
Regia-se, como é óbvio, pelos termos contratuais definidos, aí se prevendo, na cláusula 10º, que o contrato seria regido e interpretado de acordo com a lei de Macau.
Quanto à celebração de contratos de trabalho a termo, cumpre notar que a lei em vigor à data da contratação do Autor (o Decreto-Lei n.° 24/89/M) não continha qualquer disposição sobre o assunto, sendo matéria integralmente entregue à disponibilidade das partes. Só com a entrada em vigor da LRT veio a ser introduzida regulamentação expressa sobre esta matéria, nos seus artigos 21.° a 23.°.
Está em causa a celebração de um contrato a termo celebrado por 3 anos e que a lei da Macau não consente. Quid juris? Aplica-se o que foi estipulado no contrato ou aplica-se a lei de Macau como norma imperativa?
    Se se aplica o contrato, está-se a admitir a celebração de um contrato com termo certo com tempo superior àquele que é consentido para os residentes, em desfavor do trabalhador, mas respeitando a contratação que deve, em princípio pontificar nestas relações contratuais. Se se aplica a lei, em benefício do trabalhador não residente, converte-se um contrato em termo certo em contrato sem termo, desvirtuando-se toda a lógica ínsita à temporalidade da contratação não residente.
Põe-se, então, a questão de saber se é aplicável ao caso a LRT que rege as relações laborais dos residentes.

4.2. Põe ainda a recorrente, previamente, a questão sobre qual o fundamento na sentença sob recurso para se aplicar o regime geral à situação sub judice.
Sobre esta questão diremos que se depreende bem que terá sido no facto de o contrato celebrado entre as partes prever que seria regido e interpretado de acordo com a lei de Macau.
Mas desde logo nos interrogamos se será legítimo reconduzir esta lei de Macau à lei laboral de Macau, pois não é pelo facto de não se aplicar a lei laboral de Macau que o contrato em causa e a relação laboral por este estabelecida se deixam de reger pela lei de Macau aplicável aos não residentes.
Não deixamos de dar razão à recorrente, desde logo, nesta particular questão.

4.3. Mas mesmo que assim se não entenda, também não deixaremos de nos pronunciar pela primeira daquelas questões, isto é, se será legítimo aplicar ao caso a lei geral numa situação particular (conversão de contratos a termo certo sem termo certo, por excedido o prazo de dois anos, limite consagrado na lei laboral geral de Macau (dentro de um quadro igualmente especial) contratação de não residentes.
Diz o n.° 3 do artigo 3.° da LRT que as relações de trabalho estabelecidas com trabalhador não residente são reguladas por legislação especial.
Esta norma tem sido interpretada no sentido de não impedir uma aplicação analógica do regime da LRT aos trabalhadores não residentes, nem que seja por recurso aos princípios gerais de direito do trabalho nela ínsitos, por força de uma analogia iuris.2
A analogia é forma de integração de lacunas da lei mas, conforme dispõe o artigo 9.° do Código Civil, a analogia apenas se aplica aos casos que a lei não preveja e só há analogia quando no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (n.ºs 1 e 2).
A lacuna, como diz o Prof. Oliveira Ascensão, é uma fatalidade, uma incompleição do sistema normativo que contraria o plano deste3. Fatalidade que vai ao ponto de se negar a sua própria existência, porquanto no ordenamento jurídico não pode haver verdadeiras lacunas, enquanto ausência de solução jurídica para o caso omisso.4
Deixemos no entanto a asserção lata do conceito - vazio do ordenamento jurídico para regulamentação do caso - para indagar se há uma lacuna no conceito mais vulgar, isto é, de falta, entre as fontes reguladoras da relação laboral em presença uma disposição que se aplique directamente ao caso. E o que vemos é que foi estabelecido um prazo de 3 anos para aquele contrato. Se esse prazo se compagina ou não com os condicionamentos administrativos essa é outra questão. O contrato estabelecido foi a termo certo.
Argumenta-se que esse prazo excede o prazo de 2 anos estabelecido como limite máximo no art. 21º da lei 7/2008, conduzindo à conversão da sua natureza nos termos do art. 23º . Será legítimo adoptar esse regime para uma situação especial de contratação de não residentes e defender que há uma lacuna do sistema neste particular domínio, ou seja, sobre o efeito que resulta do facto de não existir limitação temporal máxima na contratação não residente?
Só perscrutando, interpretando e valorando o ordenamento podemos dizer se há ou não uma lacuna, se ocorre uma total intersecção, entre as teleologias imanentes a uma e outra situação, se estamos, face ao ordenamento jurídico de Macau, perante uma lacuna da lei de categoria teleológica. As lacunas teleológicas são lacunas de segundo nível, a determinar em face do escopo visado pelo legislador ou seja, em face da ratio legis de uma norma ou da teleologia imanente a um complexo normativo. A analogia serve aqui para determinar a existência de uma lacuna e para o preenchimento da mesma.
Não obstante se reconheça uma importante zona em que os complexos de interesses e finalidades implicados e envolvidos nas relações de trabalho residente e não residente se intersectam, essa intersecção não é decisiva se tivermos em conta os superiores interesses da RAEM e que ditam os condicionamentos da contratação não residente.
Ora, na obediência daquelas tarefas, logo se divisa uma norma genérica que abarca a situação dos trabalhadores residentes em que se estabelece uma proibição de contratação a termo certo, manifestamente em benefício do trabalhador. Aplicar o mesmo regime ao trabalhador não residente seria erigir esse seu interesse em importância superior ao que dimana de uma contratação excepcional, supletiva, limitada no tempo, o que flui de toda a regulamentação já acima citada.
Não se nos afigura estarmos perante um caso omisso, não previsto na lei e que justifique o recurso à analogia.
Esta tese não contraria as posições que já se tomaram neste Tribunal e que admitiram o recurso à analogia com integração de algum regime da contratação não residente ser colmatado com a lei laboral comum. É que haverá analogia quando a ela deva haver lugar, aqui residindo a diferença entre as situações consideradas nos outros arestos e a que ora se julga.
Aliás, a operar-se a conversão da natureza do contrato, tal penalizaria ou inibiria a entidade patronal que deixaria de contratar por um período adequado às suas necessidades, contrariando-se as finalidades prosseguidas com a permissão dessa contratação, pois que se veria na contingência de arrostar com as consequências daí decorrentes, se porventura viesse a ser denegada a autorização de permanência do trabalhador em causa.
A lei em vigor é clara ao estabelecer que a contratação de trabalhadores não residentes está sujeita ao princípio da temporalidade, conforme decorre de forma transparente do disposto no n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 4/98, quando aí se estabelece que a contratação tem de ser limitada temporalmente.
As razões que poderão estar por detrás da decisão legislativa de operar a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo não são, pelas razões já apontadas, aplicáveis aos trabalhadores não residentes, tal como lhes não são aplicáveis as razões subjacentes à fixação do prazo máximo de 2 anos para os contratos de trabalho a termo.

5. Nem se argumente com o facto de a empregadora ter reconhecido que o contrato subsistiu, daí o facto de passado um mês, após o seu termo, ter procedido à rescisão por alegada justa causa, pois vem claramente provado que o fez por cautela, exactamente para prevenir que se pudesse entender que o contrato não caducara em Junho de 2009.

6. Nem se diga que a temporalidade que perpassa pela contratação não residente deve ser resolvida por via das autorizações administrativas de residência, na medida em que se trata de coisas diferentes. De um lado, temos a liberdade contratual que não deixará de estar sujeita aos condicionamentos administrativos, mas se não coincidentes, não será o clausulado privatístico que determinará a decisão administrativa, sendo que já esta pode interferir na relação laboral estabelecida.

7. Tratando-se, como se viu, o contrato de trabalho do Autor, de um contrato de trabalho a termo, e não tendo sido renovado, caducou5 com o decurso do prazo nele fixado de 3 anos a contar da autorização para a contratação, não se prevendo nessa situação qualquer indemnização.
Assim se julga procedente o recurso principal, o que conduz à revogação da douta sentença proferida em conformidade, absolvendo-se a Ré do pedido.

B - Recurso subordinado
1. Foi o A. condenado a pagar à ré as quantias consideradas indevidamente recebidas, a título de repetição do indevido, referentes às passagens aéreas da esposa e filhos do A. que já não residiam em Macau e entretanto tinham ido para o Canadá, na sequência do divórcio do A, com fundamento no enriquecimento sem causa previsto no art. 470º do CC.
Foram indevidamente recebidas tais quantias? Há lugar à sua devolução?

2. Discorda o recorrente (do recurso subordinado), o A. na acção, da fundamentação em que se louvou a sentença para dar como integrada a justa causa no despedimento, dizendo até haver total contradição com factos provados nos autos, nomeadamente os constantes da al. d), e) i) o) e p) do ponto 5 destas alegações, os quais dão como assente que o A. assegurou lealdade à empresa R., que lhe transmitiu o divórcio e a sua situação familiar e que a R. tomou conhecimento desses factos, tendo incluído a Sra. C como beneficiária do seguro de saúde na mesma altura.
Mais adianta que a R. não só conhecia perfeitamente a situação do A., como também a aceitou, tendo continuado a pagar-lhe os subsídios de deslocação, bem como mantido a Sra. C no seguro de saúde, não se preenchendo todos os pressupostos legais que levaram à procedência do pedido reconvencional.
Para além de que não basta que se verifiquem apenas os requisitos gerais do enriquecimento sem causa, mas também os requisitos necessários para a repetição do indevido (arts. 467°, n.º 2, e 470° do CC), por se estar perante a realização de uma prestação, sem que, no entendimento do Tribunal a quo, exista a obrigação subjacente.
Como a empresa R. pagou os subsídios de deslocação ao A. até ao momento em que deixou de estar ao serviço daquela, tendo perfeito conhecimento do facto de - de acordo com a R. - o A. não tinha direito de os receber, a restituição do que foi pago não deve ter lugar.
Não pode a R. exigir a devolução dos pagamentos efectuados a título de repetição do indevido e ao mesmo tempo alegar que já em Julho de 2008 tomou conhecimento dos factos que - na sua perspectiva - imediatamente lhe retiravam o direito a receber os subsídios de viagem. Os factos que ela própria alegou e provou nos autos reforçam que estava ciente da situação, tendo até expressamente confrontado o A. e pedido explicações.
O facto de a Sra. C se encontrar ainda casada (com processo de divórcio pendente e tendo contraído matrimónio com o A. em 2010 - cfr. al. M) dos factos assentes), não tem qualquer relevância, porquanto esse facto tinha apenas impacto na sua inclusão no seguro de saúde, questão que não cabe no âmbito do presente recurso.

3. Vejamos o que se disse na sentença sobre esta questão:
«Porém, quanto ao comportamento do A. em continuar a receber o dinheiro de "home leave (point of origin) travell allowance" para toda a sua família, vimos o seguinte:
Conforme o facto assente I): a cláusula 7º do "Supplemental Employment Terms Agreement" confere ao A. o direito de receber oito (8) passagens aéreas de ida e volta em classe executiva de ida e volta de Macau para o ponto de contratação tanto para o empregado e seu cônjuge e dependentes, anualmente.
Mais, conforme o documento a fls. 313 a 316, refere-se que o direito de duas viagens de ida e volta, segundo a política da R, é fornecido aos trabalhadores estrangeiros, contratados fora de Macau, as passagens áreas anuais para o lugar da respectiva contratação, abrange além do trabalhador, também o seu cônjuge e dependentes que acompanhem o trabalhador contratado para Macau.
Portanto, tal como comprovado nos factos provados n.ºs 23 e 24, foi essa razão que a R. atribuiu ao A. o direito a duas viagens de ida e volta, em classe executiva, para o local onde foi originariamente contratado, ou seja, Halifax , Nova Escócia, no Canadá, para si, para a sua esposa D e para cada um dos seus dois filhos, num total de oito viagens.
Assim sendo, uma vez que a ex-mulher e filhos do A. tinham deixado Macau e regressado ao Canada por causa do divórcio, conforme o facto provado sob n.º 44, desde 17 de Maio de 2008, a ex-esposa e os filhos próprios já não coabitavam como o A. Assim, o A. perderia esta regalia de "home leave (point of origin) travell allowance" destes mencionados membros.
Pelo exposto, é suportável o fundamento da R. no que se refere ao Á. estava ciente sobre as regras de "Expatriate Compensation and Benefits", e sabia que não tinha o direito a continuar a receber esse "home leave (point of origin) travell allowance" desde que a sua família não estava mais em Macau.»
Para se dizer ainda em sede própria da análise da reconvenção:
“Vem a R. pedir ao A., em sede de reconvenção, o pagamento de MOP$331,929.36, a título de repetição do indevido, bem como os juros e os honorários dos advogados e despesas em que a R. incorreu por força desta acção.
Ao abrigo do art. 470 do Código Civil de Macau, "Sem prejuízo do disposto acerca das obrigações naturais, o que for prestado com a intenção de cumprir uma obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação"
Art. 474 do Código Civil de Macau, "O enriquecido passa a responder também pelo perecimento ou deterioração culposa da coisa, pelos frutos que por sua culpa deixem de ser percebidos e pelos juros legais das quantias a que o empobrecido tiver direito, depois de se verificar algumas das seguintes circunstâncias: A) Ter sido o enriquecido citado judicialmente para a restituição. B) Ter ele conhecimento da (alta de causa do seu enriquecimento ou da (alta do efeito que se pretenda obter com a prestação."
Como ficou provado, durante o período de 18 de Maio de 2008 a 22 de Junho de 2009, a R. pagou ao A., a título de viagens, a quantia de MOP$442,572.48, por conta das oito viagens anuais em classe executiva (42°), bem como a partir de, pelo menos 17 de Maio de 2008, mas certamente antes, que a ex-esposa e os filhos próprios já não coabitavam com o A. (44º).
Assim, entre estas oito viagens, que incluem também as despesas de deslocação para o aeroporto de HK, o A. tinha apenas direito a duas. Relativamente às restantes seis viagens, porque o A. encontrava-se já divorciado da sua esposa que já tinha regressado ao Canadá com os filhos do casal desde 17/05/2008, o A. não tinha direito a elas a partir desta data.
Como ele recebeu as seis viagens indevidamente, deve ele reembolsar ao A. um montante de MOP$331,929.36.
Mais, como ficou provado que o A. tinha conhecimento de que o pagamento daquelas quantias era destituído de causa (32º), assim, deverá o A. pagar juros calculados à taxa legal, ao abrigo do disposto no art. 474º, n.º 1, alínea b) do CCM.”

4. Os pressupostos específicos do enriquecimento sem causa, na modalidade de enriquecimento por solutio indebiti, encontram-se previstos no artigo 470.° do Código Civil e passam por se reconhecer a possibilidade de alguém enriquecer injustificadamente por via de um pagamento que não era devido,6 o que pode determinar a repetição do indevido, salvo se o prestante pagou e sabia não ter o dever de o fazer.7 O pagamento indevido consiste em se pagar o que se não deve, ou a quem não se deve, como diz, com a clareza que lhe é conhecida, Galvão Telles.8
A sentença recorrida acentua o facto da inexistência da obrigação, em face da ausência de Macau, post divórcio, ocorrido em 17 de Maio de 2008, da esposa e filhos do A.
O A., nas suas contra-alegações enfoca o facto de a empregadora ter conhecimento dessa situação familiar relativa ao seu estado de divorciado e, não obstante ter pagado tais importâncias.

5. Chegados a este ponto, aparentaria estar correcta a argumentação do autor do recurso subordinado, o trabalhador, ao dizer o seguinte: nada tenho que devolver, no que respeita às viagens, pois, não obstante não ter direito a elas, porque a minha ex-mulher e filhos saíram de Macau, facto de que o patrão teve conhecimento, não obstante isso, pagou. Se pagou, foi porque quis, sabia que tal não era devido, logo, não devo restituir o que voluntária e conscientemente foi prestado.
Atentemos no que realmente se passou.
Anota-se que o alegado injustificado benefício era creditado em duodécimos e pago mensalmente, com o seu salário.
É verdade que o A. deu conhecimento à Ré, em Julho de 2008, que já não se encontrava casado com D, quando pretendeu que C fosse abrangida pelo seguro de saúde da empresa. Nessa mesma altura, o Autor comunicou à Ré que C era sua noiva, que com ela pretendia casar e que com ela vivia, juntamente com os dois filhos desta, situação, segundo ele, prevista no contrato. Nessa medida, o Autor poderia manter o direito ao benefício que, como tal, lhe continuou a ser pago e é legítimo pensar que esse direito que era concedido por via do casamento continuava por via de uma situação de união marital se tal se viesse a consumar ou união de facto com uma outra senhora, numa interpretação generosa da cláusula 7ª do contrato - “"Employee shall receive eight (8) business class round trip air tickets from Macau to the point of hire for both Employee and his spouse and dependents annually". Empregado deve receber oito (8) em classe executiva bilhetes de ida e volta de ar de Macau para o ponto de contratação tanto para o empregado e seu cônjuge e dependentes anualmente. (tradução livre nossa) (I)”.
Tal interpretação (da extensão ao unido de facto), na tese da Ré, empregadora, seria consentida pelo artigo 10.º do contrato de trabalho, de modo que ao contrato seria aplicável a lei de Macau, acrescentando nós que “ex vi” aplicação da lei pessoal, o da residência do A. (de nacionalidade canadiana mas residente em Macau, ainda que como trabalhador não residente), face ao disposto nos artigos 24º e 30º do CC, também o seu novo estado civil ou nova situação familiar não deixa de ser regida pela lei de Macau.
6. O que a Ré vem dizer é que era legítimo pensar que para a empresa fosse indiferente essa alteração da situação. O que tinha era de revestir os pressupostos da sua atribuição. Ora o que aconteceu, é que o Autor não disse à Ré é que C continuava casada, conforme casamento que só por sentença de divórcio de 9 de Julho de 2009 foi dissolvido, isto é, depois de cessada a relação laboral do Autor com a Ré. Nestas circunstâncias, não podia nunca o Autor estar em relação de união de facto com C, por força da existência de um impedimento que resultava de um casamento anterior não dissolvido.
Sobre esta questão, diremos nós que se sabe que em princípio, normalmente, não apenas a da RAEM, para que qualquer jurisdição, nomeadamente as de "common law", em particular a do Canadá, dê relevância legal à união de facto ("common law husband" ou "common law wife") é necessário que qualquer dos parceiros não esteja unido com terceira pessoa por um vínculo matrimonial não dissolvido, exigindo-se até um período mínimo de convivência como se casados fossem, mínimo de 2 anos, como acontece também naquele citado país, da nacionalidade do A. - “To be considered a common law marriage, the couple must live together a certain period of time. The amount of time varies from province to province, as this is covered by provincial legislation, but is generally two to three years.”9
Assim é também em Macau, face à lei local, aplicável ao caso, como se viu, face ao disposto no artigo1472º, onde se estabelecem as condições gerais de relevância da união de facto:
“1. Salvo disposição legal em contrário, só se considera relevante para os efeitos estabelecidos no presente Código a união de facto de pessoas que:
a) Sejam maiores de 18 anos;
b) Não se encontrem em qualquer das condições referidas nas alíneas b) e c) do artigo 1479º e no artigo 1480º; e
c) Vivam na situação descrita no artigo anterior há, pelo menos, 2 anos.
2. Na contagem do tempo da vida em união de facto observar-se-ão as seguintes regras:
a) Se a coabitação se tiver iniciado durante a menoridade de um ou de ambos os unidos de facto, o prazo só se conta a partir da data em que a mais jovem tenha atingido a maioridade;
b) Se qualquer dos unidos de facto tiver sido casado, o prazo só se conta a partir da separação de facto.”

7. Perante este condicionalismo pode ruir por terra a argumentação mui inteligente da Ré, ao pretender que o que Autor só declarou à Ré, em 17 de Julho de 2008, que a Sra. C era sua noiva, que pretendia casar com ela e que vivia com ela e com os filhos desta no mesmo lar. Isto é, o Autor informou a Ré da sua condição de unido de facto, mas já a não informou de que essa Senhora ainda se encontrava unida matrimonialmente com terceiro, informação que só veio a ser dada à Ré muito mais tarde, em 27 de Abril de 2009.
Independentemente da prova da existência do erro - situação não contemplada no artigo 470º do CC na solutio indebiti (com excepção do n.º 3 não aplicável à situação presente) - , o que conta é que o prestante, neste caso, a Ré, empregadora, nunca podia aceitar (para os fins a ter em conta) que o seu empregado vivesse como unido de facto, logo após a comunicação do divórcio e da cessação necessária da coabitação conjugal que se operou com a saída da esposa e filhos para o Canadá, comunicação essa oportunamente feita por parte do seu alto funcionário, ora recorrente (do recurso subordinado), não se podendo aceitar, face à lei da RAEM e generalizadamente nos diferentes ordenamentos jurídicos, que logo, passados alguns meses, se estivesse perante uma situação de união de facto geradora dos mesmo direitos contratuais.
Mas isto é o que nós atingimos pela conjugação de todo o circunstancialismo que rodeia o caso e voltaremos adiante a esta questão.
8. Como refere Menezes Leitão, “Efectivamente, embora a lei não exija o erro do solvens como pressuposto de repetição do indevido, parece claro que, nos casos em que ele conheça a inexistência da dívida, não se verifica a intenção de cumprir uma obrigação, pelo que não pode aplicar-se o art. 476°, n.º 1"10
Ou como salienta Menezes Cordeiro, “Exige-se a intenção de cumprir a obrigação inexistente, mas não se requer a ignorância da inexistência da obrigação”.11

9. Temo-nos prendido até aqui com a argumentação arguta expendida pela Ré.
Importa, porém, recuar e verificar se, face ao contrato, seria aplicável o regime da união de facto que rege expressamente sobre a questão. Ora, o que temos, é que o direito às viagens é atribuído à “spouse” e “dependentes”. “Spouse” tem, por regra, um significado concreto, significa esposo, esposa, cônjuge e não vislumbramos nos dicionários outra tradução; só como sinónimo ou conotativamente pode aparecer “partner”, “companheiro”.
Num salto mágico, a ré passa a falar em "common law husband" ou "common law wife", reconduzindo estes estados ao de marido e de esposa. Não vemos no contrato tais expressões. Logo, cai por terra a argumentação da Ré, ao dizer que não tinha conhecimento de uma qualidade, a de não casado, face ao divórcio do A., relevante em termos excludentes do direito ao subsídio das viagens, pois que o A. informou a Ré desse facto e esta continuou a pagar o subsídio das viagens da esposa que já não era e dos filhos do casal, não podendo argumentar que o fez cuidando que era obrigada a pagar à senhora com quem ele vivia e aos filhos desta, em substituição.
Por aqui se verifica que a Ré satisfez uma obrigação indevida, sendo difícil, se não impossível, convencer de que o fez porque pensava que a obrigação era devida.
Como? Se o contrato atribui o direito à esposa e a entidade empregadora sabe que o casamento já foi dissolvido?
Se a Ré pagou é porque o terá feito na convicção de que tal prestação era devida, não podendo deixar de ignorar que o não era. Ficou sobejamente demonstrado que a empresa R. pagou os subsídios de deslocação ao A. até ao momento em que deixou de estar ao serviço daquela, tendo perfeito conhecimento do facto de - de acordo com a R. - o A. não tinha direito de os receber.
Para mais considerando os deveres que se impõem a uma empresa de tal dimensão e com uma organização tal que não dispensa o indispensável acompanhamento jurídico.

Por estas razões somos a entender que não há lugar à repetição do indevido nos termos acima vistos.

10. Mas mesmo que porventura assim não fosse, se se entendesse, numa interpretação generosa, tal como acima se frisou, que o termo “spouse” abrangia a companheira, que não a unida de facto, - o trabalhador informou que se divorciara, os dois filhos tinham partido com a mãe, que passara a viver com outra senhora com quem pretendia casar e com os dois filhos desta -, considerando que essa situação era contemplada por via do contrato e não já da lei de Macau (Código Civil, art. 1472º), considerando até que a estipulação da norma do n.º 1 do art. 1472º prevê tão somente que os efeitos do estado de unido de facto relevam para efeitos expressamente previstos naquele Código (não sendo este o caso), então, ainda aí, o conhecimento da situação é patente, a Ré estava devidamente informada da situação e de todos os detalhes atributivos ou excludentes da atribuição do subsídio. Malgré tout, continuou pagando.

11. Exercitando o raciocínio, vamos ainda considerar que assim não se entendia. Que a dita companheira era a unida de facto, sendo esta a arma argumentativa da Ré. Como o trabalhador não lhe comunicou que a sua companheira era casada com outra pessoa que não consigo, faltou um elemento essencial de avaliação da situação e foi por isso que pagou os subsídios. Pagou, pensando que a obrigação era devida.
Mesmo assim não colhe esta tese, pois, como se viu, naquele quadro que o trabalhador informou e evidenciou, nunca a empregadora podia considerar que se estava perante uma situação de união de facto relevante na exacta medida em que tinham apenas mediado alguns meses após a dissolução do casamento, donde a nova situação familiar não se poder enquadrar na previsão de uma união de facto.
Diz a empregadora que não lhe foi comunicado o estado de casado da senhora com quem o A. vivia, mas não podia ignorar que dentro do quadro apresentado essa situação não reunia os requisitos para atribuição do subsídio por essa via.
Para este julgamento não deixa de pesar a conjugação de diversos factores, seja em função da organização da empresa, seja em função das negociações havidas, seja em função do próprio papel e da importância que aquele funcionário assumia para a empresa naquele momento em particular relacionado com o seu lançamento em bolsa de Hong Kong, tudo apontando para um pagamento com conhecimento e intenção de satisfação de obrigação indevida.
Como se pode defender que a Ré pagou porque pensava que esses subsídios eram devidos, se, tal como vem provado, esse facto esteve até na base da não renovação, face à persistência do A. em manter tais regalias?
Naquele quadro concreto, mesmo sem tal comunicação, entrava pelos olhos dentro que, face à lei, essa nova situação afectiva, familiar mesmo, nunca podia integrar uma situação jurídica geradora da concessão de atribuição do pagamento de viagens, pois, tendo o trabalhador comunicado que a esposa e filhos tinham ido embora, não se podia considerar como unido de facto com a outra senhora, apenas passados alguns meses.
Se a Ré pagou não o pode ter deixado de fazer na convicção de que tal prestação era indevida, na exacta medida em que não podia deixar de ignorar que o não era. Fica sobejamente demonstrado que a empresa R. pagou os subsídios de deslocação ao A. até ao momento em que deixou de estar ao serviço daquela, tendo conhecimento de que o A. não tinha direito de os receber.


12. Posto isto, por todas as razões expostas estamos a concluir no sentido de que não se verificam os pressupostos da repetição do indevido, em conformidade com o disposto no artigo 470º do CC.
Há, no entanto uma dúvida que se pode colocar e se prende com o facto de este Tribunal estar a ter como assente um pressuposto fáctico contido no n.º 1 do artigo 470º do CC, qual seja o da intenção de cumprir uma obrigação que era devida.
É questão que qualquer das partes não suscita no seu recurso.
Trata-se de um facto que, embora do foro íntimo, porventura, de prova difícil, é ainda um facto do domínio, intelectual, anímico, volitivo, sendo susceptível de prova.
Trata-se de um facto que não foi alegado, aquando do pedido reconvencional, e se a Ré fala de falta de conhecimento de que o pagamento era destituído de causa, no art. 92º, diz que a falta de conhecimento de que o pagamento era destituído de causa era da parte do A. e não da sua, tal como lhe competia alegar.
Claro que todo o raciocínio acima desenvolvido, no limite, é que se podia entender que tal requisito não deixava de estar implícito nas alegações produzidas.
Mas se adoptarmos uma posição mais rígida, então, o que se verifica é que a alegação desse pressuposto falha desde logo na formulação do pedido reconvencional, quer no articulado próprio, quer naquele para onde se remete. A Ré não enuncia nessa peça tal requisito e, sendo assim, o seu pedido não deixaria, por essa via, de soçobrar à partida.
Acresce ainda que, percorrendo a peça onde se deduz o pedido reconvencional, quer no articulado próprio, quer naquele para onde se remete, a Ré invoca apenas a situação do estado de casada da companheira do A. para efeitos do seguro de saúde. A propósito das viagens o fundamento que alega para ser restituído do indevidamente pago é o facto de a esposa do A. ter partido conjuntamente com os filhos. Só agora, em sede de alegações, vem introduzir um novo elemento que é o desconhecimento da situação de casada daquela senhora C, o que contraria a consubstanciação do pedido que deve ser vertido na petição, neste caso, reconvencional. (389º, n.º 1, c) e 419, n.º 1 do CPC).
Fica sem sentido a posição da Ré, num primeiro momento, quando diz que pagou o indevido, porque a esposa já não estava cá, num segundo momento, que pagou porque não sabia que a companheira era casada.
Não é admissível esta postura processual.
Isto é, em suma, mesmo na interpretação mais generosa, operada pela terceira via acima indicada, sempre faleceria razão à Ré, por falta de alegação e comprovação dos pressupostos do pedido formulado.
Não deixámos, contudo, de considerar tal requisito, apenas ex abundantia e depois de partirmos para situações que só subsidiariamente se desenvolveram, concluindo pela sua indispensabilidade, na medida em que o Tribunal pode servir-se de factos que se mostrem essenciais (neste caso estariam sunbentendidos), desde que alegados pelas partes e o Tribunal disponha dos indispensáveis elementos probatórios.
Foi assim que se procedeu, analisando todo o circunstancialismo, tendo-se concluído pela inevitabilidade do conhecimento da situação e consequente intenção de pagar obrigação indevida, situação excludente da atribuição dos referidos subsídios.

Por tudo isto, sem necessidade de maiores desenvolvimentos há que revogar o doutamente decidido, entendendo-se, neste caso, não haver lugar à restituição do indevido.

    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso principal e, em consequência, revogar o que foi decidido, absolvendo a Ré dos pedidos contra ela formulados na acção.
    Ainda, pelas razões acima expostas, acordam ainda os Juízes deste Tribunal de Segunda Instância em julgar procedente o recurso subordinado, e, em consequência, em absolver o A. do pedido reconvencional contra ele deduzido.
    Custas pelos vencidos em ambas as instâncias.
Macau, 28 de Novembro de 2013,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Pedro Romano Martinez, ob. cit., 220
2 Processo n.º 805/2010 e acórdão do TSI de 30 de Junho de 2011, proferido no Processo n.º 573/2010, e ainda Miguel Quental, Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, 2012, pág. 145 e segs.
3 - Int.Est. Dto, 1970, 309 e 355
4 - Galvão Telles, Int. Est. Dto, Reimp., 2001, 260
5 - Menezes Cordeiro, Dto das obrigações, FDUL, 1980, 2º vol, 166
6 - Vaz Serra, Exposição dos motivos, BMJ 82ª, 5 e RLJ, 108º, 82
7 - RLJ 102º, 365
8 - Obrigações, 3ª ed., 139
9 - http://www.canadiandivorcelaws.com/common-law-marriage/
10 -Direito das Obrigações, I, 2000, Almedina, 371
11 - Obrigações, 2º vol., 1980, 67
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

637/2013 61/61