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Processo nº 162/2012
(Autos de recurso contencioso)

Data: 16/Janeiro/2014

Assunto: Contratação de trabalhadores não residentes
Erro sobre os pressupostos de facto

SUMÁRIO
     - Mostrando-se inscritos na Bolsa de Emprego residentes à procura de empregos, se o recorrente não logrou oferecer prova concreta de que não havia em Macau trabalhadores locais para satisfazer a procura de empregos por si fornecidos, não há erro nos pressupostos de facto na decisão que indeferiu o pedido de importação de trabalhadores não residentes.
       
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 162/2012
(Autos de recurso contencioso)

Data: 16/Janeiro/2014

Recorrente:
- XXX, proprietário da XXX,


Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
XXX, proprietário da XXX, melhor identificado nos autos, notificado do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 20 de Janeiro de 2012, que indeferiu o pedido de importação de dois trabalhadores não residentes, vem interpor o presente recurso contencioso de anulação do referido despacho, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
- O acto que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelo recorrente é um acto administrativo de indeferimento expresso;
- Tal acto padece de vício de erro nos pressupostos de facto pois não corresponde à verdade a fundamentação que apresentou para indeferir o recurso apresentado;
- Na verdade a loja do recorrente é ampla e tem plena capacidade para nela trabalharem 8 trabalhadores, sem quaisquer atropelos ou confusões;
- Mais, alguns trabalhadores do recorrente trabalham por turnos, outros apenas se dedicam a fazer entregas ao domicílio e outros são motoristas, pelo que nem sequer têm que permanecer todos ao mesmo tempo na loja do recorrente;
- Por outro lado não existem trabalhadores locais disponíveis para trabalhar na loja do recorrente como se pode verificar pelas tentativas, totalmente inúteis, levadas a cabo pelo recorrente para tentar contratar trabalhadores locais;
- Por último, acresce que o acto recorrido violou ainda princípios de legalidade, da prossecução do interesse público, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade e proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da desburocratização e da eficiência previstos nos artigos 3º, 4º, 5º, 7º, 8º, 9º e 12º do Código de Procedimento Administrativo;
- Este acto é, consequentemente, ilegal e anulável, devendo, a final, ser anulado o acto ora recorrido que indeferiu expressamente a atribuição ao recorrente de mais duas quotas para contratação de trabalhadores não residentes com fundamento em erro nos pressupostos de facto e no vício de violação de lei.
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Regularmente citada, pela entidade recorrida foi apresentada a contestação constante de fls. 43 a 48 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Findo o prazo para alegações, o Ministério Público deu o seguinte parecer:
“Exarado na Informação n.º 00296/INF/GRH/12 (doc. de fls. 6 a 9 do P.A.), o despacho recorrido diz apenas 《同意建議 Concordo com a proposta)》. Nos termos do n.º 1 do art. 115º do CPA, a palavra《同意》, como declaração de concordância, implica que aquela Informação faz parte integrante do despacho em causa.
Ora, o teor da dita Informação revela que o acto objecto do recurso em apreço julgou improcedente o recurso hierárquico necessário do Despacho n.º 28993/IMO/GRH/2011 (doc. de fls. 35 do P.A.), com 2 fundamentos: em primeiro lugar, o diminuto espaço da loja da recorrente, espaço que não é inadequado para mais empregados, e em segundo, a existência de trabalhadores locais disponíveis.
Na petição, a recorrente assacou, ao despacho em questão, o erro nos pressupostos de facto, fundamentando que a sua loja tem espaço suficiente e adequando para nele caber mais trabalhadores, e as diligências por si efectuadas mostravam a inexistência de trabalhadores residentes disponíveis.
Na nossa óptica, não se vislumbra disposição legal ou regulamentar que consagre o «espaço» ou «dimensão» do estabelecimento industrial e comercial como critério para efeitos de se conceder ou não a autorização de contratação de trabalhadores não residentes. Seja como for, o art. 8º da Lei n.º 21/2009 não, se todo em todo lado, revela mens legis neste sentido.
Sendo assim, afigura-se-nos que o espaço do estabelecimento não pode, só por si, ser critério autónoma para ponderar se conceder ou não aquela autorização, apesar de poder, quanto a mais, ser um parâmetro complementar de sopeso.
O que nos impõe apreciar se in casu se verificar o invocado erro nos pressupostos de facto na outra modalidade.
Para tal tarefa, interessa realçar que, segundo nos antolha, cabe a requerente da contratação de trabalhador não residente o ónus de prova de demonstrar convincentemente a infrutuosidade e insucesso dos esforços e diligências já dedicados, no sentido de tentar contratar trabalhadores residentes.
Nesta linha de consideração, e tendo em conta os argumentos aduzidos nos arts. 10º, 11º e 14º a 20º da contestação, propendemos a que não se verifica o erro nos pressupostos de facto, pois, a recorrente não provou que tivesse dedicado esforço e diligência suficientes para contratar trabalhadores residentes.
Na 6ª conclusão, a recorrente arguiu, ainda, que o acto recorrido violava princípios de legalidade, da prossecução do interesse público, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade e proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da desburocratização e da eficiência previstos nos artigos 3º, 4º, 5º, 7º, 8º, 9º e 12º do CPA.
Óbvio é que se trata de um argumento vago, impertinente e, nesta medida, inócuo e inoperante, pelo que não merece análise aprofundado.”
Pugnando pela improcedência do presente recurso.
*
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
Em 28 de Setembro de 2011, o recorrente apresentou junto do Gabinete para os Recursos Humanos o pedido de autorização para importação de 2 trabalhadores não residentes (cfr. fls. 41 a 43 do processo administrativo).
Por despacho do Coordenador do Gabinete, de 21 de Novembro de 2011 (cfr. fls. 36 a 39 do processo administrativo), foi indeferido o pedido, com fundamento em:
- de acordo com a diligência realizada por funcionários daquele Gabinete em 9 de Novembro, tendo em consideração a dimensão do estabelecimento e o ambiente do local, bem como o facto de que já havia sete trabalhadores locais e um trabalhador não residente a trabalhar nesse estabelecimento, não havia condições para integrar mais trabalhadores no mesmo local de trabalho;
- Havia trabalhadores residentes com as mesmas condições à procura dos respectivos empregos.
Notificado do despacho, o recorrente apresentou em 19 de Dezembro de 2011 recurso hierárquico junto do Sr. Secretário para a Economia e Finanças, tendo este proferido em 20 de Janeiro de 2012 despacho que concordou com a proposta de indeferimento do recurso e que manteve o indeferimento do pedido decidido pelo Coordenador do Gabinete para os Recursos Humanos em 21 de Novembro de 2011 (cfr. fls. 6 a 9 do processo administrativo).
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    Alega o recorrente que o acto fere de vício de erro nos pressupostos de facto, dado que no seu entender, os motivos utilizados pela entidade recorrida para justificar o indeferimento não corresponde à verdade, bem como a actuação da entidade recorrida viola os princípios de legalidade, da prossecução do interesse público, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade e proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da desburocratização e da eficiência.
    Começamos pelo pretenso erro sobre os pressupostos de facto.
    O erro sobre os pressupostos de facto subjacentes à decisão releva no exercício de poderes discricionários, exigindo-se que os factos que sirvam de motivo de um acto administrativo devem ser verdadeiros, de modo que o órgão decisor possa actuar de forma livre e esclarecida, sem que a sua vontade seja viciada.
    Olhamos para o presente caso concreto.
    A entidade recorrida indeferiu o pedido de importação de trabalhadores não residentes formulado pelo recorrente, com base em duas ordens de razões: 1ª – de acordo com a dimensão do estabelecimento e o ambiente do local, bem como o facto de que já havia sete trabalhadores locais e um trabalhador não residente a trabalhar nesse estabelecimento, não há condições para integrar mais trabalhadores no mesmo local de trabalho; 2ª - Havia trabalhadores residentes com as mesmas condições à procura dos respectivos empregos.
    A recorrente invocou dois argumentos para dizer que a decisão se fundamentou em pressupostos errados.
    Em primeiro lugar, vem dizer que a loja não é pequena, mas sim composta por três andares: cave, rés do chão e “Kok Chai”, com área de 35m2, 35m2 e 15,70m2, respectivamente.
    Mais alega que dos 7 trabalhadores residentes referidos no despacho, apenas 5 lá trabalham actualmente, em virtude de já terem saído 2, e que os trabalhadores trabalham por turnos, alguns deles são motoristas e encarregados de fazer entregas ao domicílio e não permanecem na loja para além do tempo necessário para fazer os carregamentos e descarregar mercadorias.
    Não obstante corresponder à verdade que o estabelecimento explorado pelo recorrente é composto por três pisos, mas não devemos desatender ao estado em que o estabelecimento se encontra, designadamente grande parte da área se encontra ocupada com objectos vários, tais como prateleiras, caixotes, mercadorias, etc, deixando muito pouco espaço disponível para a movimentação de pessoas, sobretudo dos trabalhadores que ali trabalham.
    Pese embora tenham saído dois trabalhadores, restando apenas cinco trabalhadores residentes e um não residente, num total de seis a trabalhar num espaço bastante restrito tal como acima vem descrito, tal não é razão suficiente para infirmar tal pressuposto dado por assente pela entidade recorrida.
    No que respeita à alegada circunstância de os trabalhadores trabalharem por turnos, alguns deles serem motoristas e se encarregarem de fazer entregas ao domicílio e não permanecerem na loja para além do tempo necessário para fazer os carregamentos e descarregar mercadorias, salvo o devido respeito por melhor entendimento, cremos que cabia ao recorrente demonstrar tal matéria, mas não logrou a prova para o efeito.
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    Em relação ao segundo erro apontado, entendeu a entidade recorrida que havia trabalhadores residentes com as mesmas condições para desempenhar a profissão e que estavam à procura dos respectivos empregos.
    Alega o recorrente não corresponder à verdade o tal argumento, por não existirem residentes com as condições requeridas pelo recorrente que estejam disponíveis para trabalhar no referido estabelecimento.
    Salvo o devido respeito, julgamos não existir aqui o alegado erro nos pressupostos de facto.
    Na verdade, tal como entende a entidade recorrida, os documentos ora juntos aos autos pelo recorrente permitem apenas provar que as ofertas de contratação de trabalhadores residentes foram apresentados na Direcção dos Serviços de Assuntos Laborais e que os anúncios foram publicados no Macao Daily News, mas para que o vício se torne procedente, o recorrente terá que provar a inexistência de trabalhadores locais para satisfazer a procura de empregos por si fornecidos, sem que, no entanto, haja qualquer imputação de culpa a si próprio.
    Melhor dizendo, não logrou o recorrente oferecer prova concreta de que não havia em Macau trabalhadores residentes disponíveis para desempenhar as funções pretendidas pelo recorrente, dado que não se excluía a possibilidade de trabalhadores residentes terem respondido a essa oferta mas terem sido recusados.
    Pelo contrário, conforme o teor do documento junto pela entidade recorrida, mostra-se ter havido naquele período muitos residentes inscritos na Bolsa de Emprego que estavam interessados em procurar um emprego, muitos tinham natureza semelhante aos pretendidos pelo recorrente.
    Sendo assim, não se descortina qualquer erro nos pressupostos de facto.
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    Finalmente, alega o recorrente que o despacho recorrido foi proferido com ofensa dos vários princípios que regem a actividade da Administração, nomeadamente de legalidade, da prossecução do interesse público, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade e proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da desburocratização e da eficiência.
    Sem margens para grandes dúvidas, uma vez que o recorrente apenas se limitou a questionar a pretensa violação daqueles princípios, mas não chegou a alegar minimamente quais foram os seus fundamentos, improcede, assim, o referido vício de violação de lei.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
Custas pelo recorrente, com 6 U.C. de taxa de justiça.
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Macau, 16 de Janeiro de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho



Processo 162/2012 Página 11