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Proc. nº 118/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 16 de Janeiro de 2014
Descritores:
-Infracções administrativas
-Competência para o recurso contencioso

SUMÁRIO:

I - Face ao disposto no art. 30º, nº5, al. 5), da Lei de Bases da Organização Judiciária, a competência para o conhecimento do recurso contencioso interposto de acto que aplica sanção administrativa pertence ao Tribunal Administrativo e não ao Tribunal de Segunda Instância, não obstante o que se mostra vertido no art. 54º, nº2, da Lei nº 7/2003, que a este tribunal a atribui em caso de decisão de aplicação de multa administrativa da autoria do Director-Geral dos Serviços de Alfândega.







Proc. nº 118/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, com residência conhecida na Travessa dos Colonos, nº XX, Edif. XX, XXº andar “B”, recorreu contenciosamente para este TSI do despacho proferido pelo Ex.mo Director Geral dos Serviços de Alfândega, datado de 16/10/2012, que, em virtude de ter importado vários maços de cigarros pelas Portas do Cerco sem a licença de importação, o puniu com a multa de Mop$ 5.000,00, além de declarar a perda a favor da RAEM da mercadoria apreendida, nos termos da Lei nº 7/2003, de 23/06.
Nas conclusões da petição inicial, afirmou:
«A decisão do director-geral dos Serviços de Alfândega é manifestamente desproporcional, sacrificando excessivamente os interesses do recorrente, sendo anulável nos termos do artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Nestes termos e nos demais de direito, deve:
a) o presente recurso contencioso ser admitido, e, em consequência;
b) ser anulada a decisão de aplicação da sanção administrativa de MOP$5.000,00;
c) ser concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de preparos e custas».
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Não houve contestação, nem foram produzidas alegações complementares.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
«Imputa o recorrente ao acto - decisão do director-geral dos Serviços de Alfândega de 16/10/12, que lhe aplicou multa de MOP 5.000,00, por violação do disposto na al. 2) do nº 1 do art.º 9º da Lei do Comércio Externo, aprovada pela Lei 7/2003 de 23/6, por importação de tabaco sem a necessária licença de importação, vícios de atropelo do que designa de “falta de razoabilidade dada a sua desproporcionalidade”, sublinhando que, ao abrigo do que se encontra contemplado na ali) do art.º 24º daquele diploma legal e levando em conta a sua fraca condição económica, o diminuto valor das mercadorias em questão e o escasso dano causado às relações comerciais externas de Macau, deveria, à luz do preceituado no art.º 25º, ainda do mesmo diploma, aquela multa não ter sido aplicada.
A argumentação do recorrente sugere-nos, desde logo, duas diferentes abordagens: a do escrutínio da correcta subsunção jurídica operada pela decisão sancionatória, caso em que nos confrontaremos com análise dos respectivos pressupostos jurídicos e a de, em caso de correcção dessa integração, da proporcionalidade da sanção propriamente dita.
Quanto à 1ª, tendo em vista o normativo em que o visado almeja a integração (art.º 25º) e não se colhendo do procedimento ter o recorrente sido detectado anteriormente em situação similar, haveria que determinar se o valor das mercadorias poderia e deveria ser considerado diminuto.
Tratando-se de conceito que não vemos quantificado em sede administrativa e a carecer, pois, de algum julgamento discricionário, não repugnará, porém, para o que o tribunal pode sindicar na matéria, ter como razoável e sensato o critério adoptado para efeitos penais, (na esteira, aliás, do que sucede na al. 2) do art.º 24º, relativamente ao valor “consideravelmente elevado”), isto é, considerar como diminuto o valor que não exceder as 500 patacas (al. c) do art.º 186º, C.P.).
Atendendo a que foi, pelos serviços competentes, atribuído à mercadoria apreendida o valor de MOP 560,00, não poderá, pois, em nosso critério, merecer a integração efectuada, reparo do tribunal.
Nestes parâmetros, ou, melhor dizendo, inexistindo motivo válido para o tribunal questionar, dentro da margem de apreciação da Administração (por eventual erro grosseiro ou injustiça gritante) a integração e subsunção jurídicas operadas, teremos que, não sendo caso de atenuação ou não aplicação da multa, a medida concreta desta é, no caso, a mínima nos termos legais (art.º 36º, nº 1), pelo que se revela inócua a esgrima com a proporcionalidade.
Razões por que se entende não merecer provimento o presente recurso».
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Foi oficiosamente suscitada a excepção de incompetência do Tribunal de Segunda Instância e dada a palavra às partes e ao MP para sobre ela se pronunciarem, o que o MP e a entidade recorrida fizeram.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
Da competência do tribunal
1.1- Dos factos
Importa fixar a factualidade essencial à apreciação desta matéria exceptiva.
1 - Foi lavrado o seguinte auto de notícia pelos Serviços de Alfândega:
SERVIÇOS DE ALFÂNDEGA
AUTO DE NOTÍCIA N.º 1888/2011
Processo n.º 5.0523
Em 17 de Setembro de 2011, B, subinspector alfandegário, n.º XXX, chefe de piquete do Posto Alfandegário das Portas do Cerco, levantou o auto de notícia sobre o seguinte assunto.
Hoje, pelas 16h30, C, alfandegário n.º XXX, que se encontra em função no balcão de inspecção de bagagens na entrada do posto alfandegário, quando examinou bagagens do seguinte residente de Macau que pretendeu entrar em Macau de Zhuhai via Edifício do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco: nome A, nascido a 25 de Março de 1958, de sexo masculino, solteiro, os nomes dos pais desconhecidos, nacionalidade: Chinesa, profissão: nada, titular do BIRPM n.º XXX, residência habitual: Edf. XX, 1/B, Rua dos Colonos, n.º XX, Macau, tel. de contacto: XXX, encontrou, na sua mala de mão, 6 pacotes de cigarro, incluindo 1200 cigarros, sem documentos válidos de importação, com mais informações no seguinte:
(1) Dois pacotes de cigarros, de marca “Marlboro”, com 10 maços por pacote e 20 cigarros por maço, no total de 400 cigarros;
(2) Quatro pacotes de cigarro, de marca “HILTON RED”, com 10 maços por pacote e 20 cigarros por maço, no total de 800 cigarros.
As aludidas mercadorias foram reguladas na Tabela B do Anexo II do despacho do Chefe do Executivo n.º 368/2006 alterado pelo despacho do Chefe do Executivo n.º 180/2010, referido no art.º 9.º n.º 4 da Lei n.º 7/2003, pelo que o acto do residente supracitado viola o disposto no art.º 9.º n.º 1 al. 2) da aludida lei. Com razões invocadas, aplica-se por isso a punição prevista no art.º 36.º n.º 1 da mesma lei, apreendendo as aludidas mercadorias.
Este Posto emitiu uma guia de apreensão n.º 027466 e entregou o original ao aludido proprietário, e as mercadorias foram apreendidas temporariamente no armazém do presente Posto alfandegário.
Para se constar lavou a presente acta que foi vista completamente, esta foi concluída a assinada.
2 - Foi, oportunamente, elaborado o seguinte relatório:
SERVIÇOS DE ALFÂNDEGA
RELATÓRIO CONCLUSIVO
Processo de transgressão n.º 1511/5.0523/DPI/2011
Ao inspector alfandegário da Divisão Técnica e de Contencioso dos Serviços de Alfândega:
1. Este processo resulta do auto de notícia n.º 188/2011, lavrado em 17 de Setembro de 2011 dos Serviços de Alfândega de Macau, do processo n.º5.0523, o senhor A, titular do BIRPM n.º XXX, residente no 1º-andar-B, Edf. XX, Rua dos Colonos, n.º XX, Macau, tel.: XXX, pretendeu importar para Macau 6 pacotes de cigarros, incluindo dois pacotes de marca “Marlbro” e quatro pacotes de marca “HILTON”, 10 maço por pacote e 20 cigarros por maço, no total de 1200 cigarros, logo, foi suspeito de violação do disposto no art.º 9.º n.º 1 al. 2) da Lei n.º 7/2003, ora Lei do Comércio Externo, publicado em 23 de Junho.
2. Em 17 de Setembro de 2011, o instrutor notificou ao senhor A, nos termos do art.º 49.º da Lei n.º 3/2007, ora Lei do Comércio Externo, de que já foi instaurado pelos Serviços de Alfândega o processo de transgressão sobre o assunto referido no auto de notícia supracitado, e foi lavrado o auto de declaração sobre o aludido assunto no Posto Alfandegário das Portas do Cerco de Macau em 19 de Setembro de 2011. (vide fls. 6 dos autos).
3. Em 19 de Setembro de 2011, ao abrigo do despacho do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Alfândega, foi designado D, principal inspector n.º XXX, como instrutor do presente processo, e foi instaurado o respectivo procedimento no mesmo dia. (vide fls. 4 a 5 dos autos)
4. Em 19 de Setembro de 2011, o senhor A alegou que se encontra desempregado, e as mercadorias supracitadas pertencem a si próprio e foram compradas na loja franca de Gongbei, no valor total de HKD 440,00, destinadas para consumo pessoal e não para fins lucrativos. E não sabia que a importação das aludidas mercadorias precisa de licença de importação, transportou as mercadorias em mão ao passar as Portas do Cerco, sendo primeira vez que violou esta disposição jurídica. (vide fls. 7 dos autos)
5. Em 14 de Junho de 2012, ao abrigo do despacho do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Alfândega, foi designado E, principal alfandegário n.º XXX, como instrutor do presente processo e foi instaurado o respectivo procedimento no mesmo dia. (vide fls. 9 a 11 dos autos)
6. Em 30 de Junho de 2012, o instrutor foi ao supermercado de Macau para consultar o preço dos 6 pacotes de cigarros apreendidos (2 pacotes de marca de “Marlbro” e 4 pacotes de marca de “HILTON”, 10 maços por pacote e 20 cigarros por maço, no total de 1200 cigarros), e o valor das aludidas mercadorias, depois de deduzir 30% de valor bruto, é de MOP 560,00. (vide fls. 12 dos autos)
7. Em 6 de Agosto de 2012, o Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual proferiu o despacho no projecto de decisão do presente processo, declarando a constituição de arguido do senhor A. (vide fls. 13 a 14 dos autos).
8. Nos termos do art.º 36.º n.º 1 da mesma lei supracitada, quem fizer entrar na RAEM mercadorias sem a licença exigível, é sancionado com multa de 5.000,00 a 100.000,00 patacas, sendo ainda as mercadorias apreendidas e declaradas perdidas a favor da RAEM. Com efeito, em 13 de Agosto de 2012, o Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Alfândega notificou ao senhor, por notificação n.” 759/2012, de que pode apresentar a defesa e oferecer os respectivos meios de prova aos Serviços de Alfândega no prazo de 10 dias úteis. (vide fls. 15 a 16 dos autos)
9. O senhor A não apresentou a sua defesa, nem ofereceu os respectivos meios de prova, pelo que o instrutor considerou a reacção do senhor como desistência de direito à audiência.
10.Tendo consultado o registo de transgressão do senhor A, o instrutor verificou que o mesmo não tem mais transgressões salvo esta vez. (vide fls. 17 dos autos)
CONCLUSÕES:
Facto provado:
Após a investigação, foi provado que em 17 de Setembro de 2011, o senhor A pretendeu importar, sem documentos válidos de importação ou o seu sucedâneo, as seguintes mercadorias via Posto Alfandegário das Portas do Cerco para Macau: dois pacotes de cigarros, de marca “Marlboro”; quatro pacotes, de marca “HILTON REDE”, 10 maços por pacote e 20 cigarros por maço, no total de 1200 cigarros. Uma vez que as aludidas mercadorias são reguladas na Tabela B (Tabela de importação) do Anexo II do despacho do Chefe do Executivo n.º 452/2011, logo, a importação destas mercadorias está sujeita à regulação do disposto no art.º 9.º n.º 1 al. 2) da mesma lei, sendo considerada como operações do comércio externo.
Violação:
Face ao exposto, o acto praticado pelo senhor A viola o disposto no art.º 9.º n.º 1 al. 2) da Lei n.º 7/2003, ora Lei do Comércio Externo, publicado em 23 de Junho, pelo que foi declarada a constituição de infractor do senhor. E nos termos do art.º 36.º n.º 1 da mesma lei, quem fizer entrar ou sair da RAEM mercadorias sem a licença exigível, é sancionado com multa de 5.000,00 a 100.000,00 patacas, sendo ainda as mercadorias apreendidas e declaradas perdidas a favor da RAEM.
Proposta:
Uma vez que era a primeira vez que o senhor A viola a Lei n.º 7/2003, ora Lei do Comércio Externo, o instrutor sugere que, segundo o limite mínimo da multa previsto no art.º 36.º n.º 1 da Lei n.º 7/2003, ora Lei do Comércio Externo, publicada em 23 de Junho, possa ser sancionado o senhor A com a multa de MOP 5.000,00, sendo ainda as mercadorias apreendidas e declaradas perdidas a favor da RAEM.
Ao mesmo tempo, sugere que seja notificado ao infractor da aludida sanção e de que deve levantar a guia de pagamento de multa (guia de receita eventual) junto da Divisão Técnica e de Contencioso dos Serviços de Alfândega, no prazo de 15 dias a contar do dia de recebimento desta notificação, e de que no caso de não se conformar, pode interpor recurso junto do TSI de Macau, no prazo de 30 dias a contar do dia de recebimento desta notificação. Se não seja paga voluntariamente a multa no prazo fixado, nem seja impugnada a sanção, esta sanção pode ser executada imediatamente e cobrada obrigatoriamente pela Repartição de Finanças de Macau.
À consideração superior da V. Exa..
Serviços de Alfândega de Macau, aos 15 de Outubro de 2012
O instrutor
Ass.: vide o original
E
Principal alfandegário
3 - O Senhor Director-Geral dos Serviços de Alfândega proferiu o seguinte despacho:
Concordo.
Autorizo a execução.
16/10/12
*
1.2 - Apreciando
Como se viu no cabeçalho do relatório do presente aresto, a decisão administrativa de que o interessado recorre contenciosamente é da autoria do Ex.mo Director-Geral dos Serviços de Alfândega, que ao recorrente aplicou uma multa no valor de cinco mil patacas, por alegadamente ter importado tabaco da China sem a respectiva licença e, portanto, em violação do art. 9º, nº1, alínea 2) da Lei nº 7/2003 (Lei de Comércio Externo), de 23 de Junho.
Trata-se, pois, de uma decisão tomada no âmbito de uma infracção administrativa, prevista e punida pelo art. 36º daquele diploma.
Atente-se no artigo 54º dessa Lei:
Artigo 54.º
Recursos
1. Dos actos administrativos praticados ao abrigo da presente lei, cabe recurso contencioso para o Tribunal Administrativo.
2. Quando o autor do acto administrativo for o director-geral dos SA, é competente o Tribunal de Segunda Instância.
Trata-se de um preceito que não pode ser levado ao pé da letra, no que concerne à competência jurisdicional que atribui ao TSI para o conhecimento do recurso contencioso de sanção administrativa aplicada pelo Director-Geral dos Serviços de Alfândega.
Na verdade, em nossa opinião, a competência para apreciar o recurso pertence ao Tribunal Administrativo, face ao disposto no art. 30º, nº5, al. 5), da Lei de Bases da Organização Judiciária. Sendo assim, não é possível que se aplique aquela disposição da Lei nº 7/2003 em matéria de competência, por ofensa à LBOJ, em certa medida equiparável a lei de valor reforçado.
Trata-se de uma posição que o TUI já expressamente manifestou (Ac. de 3/05/2006, Proc. nº 6/2006) e que este TSI, do mesmo modo, tomou ao longo dos tempos e em várias ocasiões, tanto singularmente (Processos nºs 9/2003, 64/2003, 176/2003, 51/2004, 600/2010, 242/2011), como em decisões colectivas (v.g., Ac. de 6/03/2003, Proc. nº 35/2003 e de 25/04/2013, Proc. nº 472/2012)1.
Face a tal posição, que aqui reiteramos, o recurso contencioso tem que ser remetido ao TA, presente o textuado nos arts. 33º do CPC e 21º, nº3, da LBOJ.
*
Nos termos expostos, acordam em declarar este TSI incompetente para o conhecimento do presente recurso contencioso e determinar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo.
Custas pela parte vencida a final.
TSI, 16 de Janeiro de 2014

José Cândido de Pinho
Presente Tong Hio Fong
Vitor Coelho Lai Kin Hong
1 Neste sentido, ver também José Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ, 2013, pág. 253.
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