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Proc. nº 77/2009
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 13 de Fevereiro de 2014
Descritores:
-Prova
-Simulação
-Presunções judiciais.

SUMÁRIO:

I - A prova é holística, como se sabe; geralmente, não depende somente de um elemento, a não ser nos casos em que ele seja absolutamente decisivo e determinante, antes carece da reunião e ponderação sensata de todo o acervo de dados recolhidos. E quanto a esse aspecto pouco há a dizer, se ao juiz do recurso, a quem escapa a imediação da prova, é difícil contrariar o juízo efectuado pelo juiz “a quo” a respeito da sua valia, se há elementos de forte subjectividade que não são contrariados por uma objectividade crua e indesmentível.

II - Os requisitos da simulação são de verificação cumulativa e devem ser alegados e provados pela parte que invoca a simulação ou dela pretende extrair efeitos, face ao art. 335º, nº 1, do CC.

III - A simulação, pela dificuldade de prova directa, pode também resultar de factos que a façam presumir. Porém, o recurso às presunções implica assim que se extraia de um facto conhecido a certeza de um facto desconhecido, sendo necessária uma conclusão de certeza e não de simples probabilidade, que coexista com a dúvida.














Proc. nº 77/2009

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A intentou no TJB acção declarativa de condenação na forma ordinária contra B, C e D, todos com os demais sinais dos autos, pedindo essencialmente a declaração de nulidade, por simulação, de uma cessão de quotas comerciais que os 1º e 2º réus tinham celebrado com o 3º réu ou, subsidiariamente, a resolução do contrato de promessa de cessão de quotas assinado entre si e os 1º e 2º réus e a consequente condenação no pagamento da importância de um milhão e meio de dólares de Hong Kong.
*
A seu tempo foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou os réus a devolver ao autor a importância de HK$ 1.500.000,00 e juros respectivos e declarou resolvido o contrato-promessa celebrado entre si e os 1º e 2º réus.
*
Inconformado, o autor recorre jurisdicionalmente de tal sentença, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso tem por objecto não só a douta sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados pelo Autor a título principal - ou seja os pedidos formulados sob as alíneas a) a d) do pedido - mas também o acórdão proferido sobre a matéria de facto.
2. A impugnação da decisão de facto incide sobre as respostas dadas pelo Tribunal Colectivo aos quesitos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º da base instrutória e que foram considerados não provados.
3. Nos artigos 4.º e 7.º da base instrutória questionava-se respectivamente se o “3º R. não entregou ao 1º R. a quantia de MOP$32.000.000,00?”; e se o “3º R. não entregou ao 2º R. a quantia de MOP$8.000.000,00?”.
4. O correcto apuramento da matéria de facto constante dos artigos 4.º e 7.º da base instrutória não poderá ser feito sem se ter presente que as quotas em questão correspondiam a 50% do capital social de uma sociedade comercial cujo único activo se traduzia nos direitos de aquisição de um terreno sito na Ilha de Coloane, na Povoação de Hac Sá, com a área total de 6001.4 metros quadrados, direitos esses que eram titulados por uma escritura de papel de seda e que, à data dos negócios celebrados pelos Réus, eram objecto de penhora judicial.
5. A referida situação factual permite, por si só, concluir que os montantes a que aludem os quesitos 4.º e 7.º não foram entregues pelo 3.º Réu respectivamente ao 1.º e 2.º Réus.
6. A fim de provar que o 3.º Réu não pagou ao 1.º e ao 2.º Réu os referidos montantes o Autor lançou mão dos seguintes meios probatórios: prova documental traduzida na junção aos autos dos ofícios de fls. 251 e seguintes; prova testemunhal, consubstanciada na prestação de depoimento das testemunhas E, F, G e H, arroladas pelo Autor e prova por depoimento de parte: consubstanciada no depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento pelo 1.º e 2.º Réus.
7. O objectivo da recolha de informações bancárias era demonstrar que o 3.º Réu não dispunha sequer do referido montante e, como tal, não procedeu obviamente ao respectivo pagamento e provar também que o mesmo jamais negociou qualquer aquisição em Macau, o que ficou provado.
8. Quanto às testemunhas arroladas pelo Autor e que prestaram o seu depoimento sobre esta matéria o mínimo que se pode inferir das suas palavras é que, dúvidas não podem restar de que os montantes a que os artigos 4.º e 7.º da base instrutória fazem menção não foram entregues pelo 3.º Réu ao 1.º e 2.º Réus, respectivamente e que, como tal, o Tribunal deveria ter julgado os referidos quesitos como provados.
9. E declarou quando questionado sobre o negócio celebrado entre os Réus que “é fictício porque tratando-se de um terreno cuja titularidade é apenas provada por papel de seda e tendo em atenção que a área não é grande, não deveria ter atingido o valor de 40 milhões. Porque eu tenho contacto com muitos terrenos com papel de seda (…) tendo em atenção que a titularidade é apenas provada por um papel de seda ninguém iria pagar aquele valor por um terreno com aquela área.”, acrescentando que só um doido pagaria o referido preço.
10. O depoimento de E é importante no sentido de demonstrar a completa inverosimilhança da tese trazida a juízo pelos Réus: tal como aquela testemunha, colocada perante as premissas deste negócio, qualquer pessoa poderia concluir ser impossível que o 3.º Réu tenha entregue ao 1.º e ao 2.º Réus os valores em questão.
11. A prova da matéria exposta nos artigos 4.º e 7.º da base instrutória resulta de elementos objectivos que foram salientados pela referida testemunha, como sejam a área todo terreno, o que permite dar como assente que ninguém no seu perfeito juízo estaria na disposição de entregar o montante em questão quando está em causa a aquisição indirecta de 3000 metros quadrados (metade da área do terreno sito na Ilha de Coloane e toda a problemática ligada à situação jurídica do terreno, cuja titularidade se prova apenas por uma escritura de papel de seda que, conforme é do domínio público não é objecto de reconhecimento pelo Governo da RAEM, para efeitos de concessão de terrenos.
12. O depoimento da referida testemunha foi confirmado pelas palavras de F, segunda testemunha a prestar depoimento em sede de audiência de discussão e julgamento e que declarou que o negócio celebrado entre os Réus “não era verdadeiro, uma vez que o valor de 40 milhões da quota excedia o valor de mercado muitas vezes mais”, e que “o valor da escritura de papel de seda (…) era de 100 patacas por pé quadrado”.
13. Por sua vez a testemunha G declarou que “Um investidor normal não ia comprar por aquele preço. É preciso ter isto em conta toda esta situação sob o ponto de vista de um investidor normal.”, ou seja o preço de 40 milhões declarado pelos Réus.
14. Quanto a H, corroborou também as declarações prestadas pelas testemunhas anteriores que declarou relativamente aos direitos da XX titulados pela escritura de papel de seda: “Depois do retorno, o papel de seda, o Governo já disse, já manifestou que não reconhece. Mas agora a companhia detém este, tendo um direito mas isso não tem qualquer valor na altura! Depois do retorno não havia possibilidade de trocar estes papéis de seda por um outro contrato, um outro real”,
15. Sendo a função primordial do depoimento de parte a confissão de um facto desfavorável ao declarante nada impede que o Tribunal considere e valore essas declarações como um meio de se alcançar a verdade material dos factos, como tal ao Tribunal é lícito e legitimo valorar o conteúdo das declarações da parte, de modo favorável ou desfavorável ao declarante, declarações que não servem apenas como meio de se obter uma confissão judicial, antes pelo contrário, o Tribunal deve procurar sempre apurar a verdade material dos factos e apreciar o depoimento do autor ou do réu guiado por este critério.
16. Ora, o depoimento do 1.º e do 2.º Réus foi de tal forma errático, impreciso e hesitante que a conclusão a que se chega é que, efectivamente, aqueles acabam por, de forma indirecta, admitir que não houve a entrega das referidas quantias.
17. Com efeito, o 1.º e 2.º Réus não se lembram de quem emitiu o cheque que terá servido para pagar o preço da cessão de quotas que estavam a efectuar, não se lembram de quaisquer pormenores relevantes em relação à transacção, insinuam que um terceiro está por detrás destes negócios e um deles (o 2.º Réu) desmente que o cheque junto aos autos pela sua Ilustre Mandatária foi aquele que recebeu e não sabe por é que esse cheque não está emitido a seu favor.
18. O julgamento da matéria de facto vertida nos artigos 4.º e 7.º da base instrutória tem de ser feito com recurso às soluções mais conformes com a justiça material e a verdade material dos factos. Ora, correspondendo estes quesitos a factos negativos cuja prova pela parte que os alegou é extremamente difícil, ao mesmo tempo que seria bastante simples aos Réus provarem que estes pagamentos foram efectuados, o Tribunal Colectivo deveria também ter valorado esta ausência de contraprova num sentido desfavorável aos Réus, o que não veio a suceder.
19. Termos em que, deverá ser revogado o acórdão proferido sobre a matéria de facto de forma a que, com base nos meios probatórios acima mencionados, designadamente os ofícios de fls. 251 e seguintes, as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas que acima se transcreveram e dos depoimentos do 1.º e 2.º Réus, os artigos 4.º e 7.º da base instrut6ria passem a ser dados como provados.
20. A matéria contida nos quesitos 5.º e 8.º constitui antes de tudo um facto notório, pois uma pessoa de normal diligência poderá constatar que 3000 metros quadrados de um terreno sito em Coloane, titulado por um sai chi kai não têm como valor económico 40 milhões de patacas.
21. Os meios de prova concretos que constam do processo e que permitem concluir pela prova da matéria dos artigos 5.º, 6.º, 8.º e 9.º da base instrutória são as declarações das testemunhas arroladas pelo Autor que acima se mencionaram e que confirmaram os factos aí expressos ou seja que o valor económico destas quotas é aquele que o Autor alega.
22. Efectivamente, dos referidos testemunhos é possível extrair a conclusão de que o valor económico real destas quotas se apura tendo em atenção a área do terreno que lhes está subjacente, apenas 3000 metros quadrados; a situação 52 jurídica desse terreno, nomeadamente a titularidade, que no caso presente se resume a uma escritura de papel de seda e o preço que nesse caso é atribuído por pé quadrado, 100 patacas e a esperança da XX vir a obter a concessão deste terreno e que, no dizer das testemunhas é nula ou remota, não só porque é público que o Governo não reconhece as escrituras de papel de seda como título idóneo para a atribuição de uma concessão, mas também porque tendo a XX requerido tal concessão há mais de 15 anos e não tendo até ao momento obtido uma resposta positiva por parte das autoridades governamentais tudo leva a crer que tal jamais se virá a concretizar.
23. Termos em que, deverá ser revogado o acórdão proferido sobre a matéria de facto por forma a que, com base nos meios probatórios acima mencionados, ou seja as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas que acima se transcreveram, os artigos 5.º, 6.º, 8.º e 9.º da base instrutória passem a ser dados como provados.
24. Independentemente de vir a ser dado provimento ao recurso sobre a matéria de facto, o certo é que perante os factos que foram julgados assentes pelo Tribunal Colectivo deveria o Meritíssimo Juiz a quo ter concluído pela existência de simulação nos negócios de cessão de quotas celebrados entre os Réus.
25. O Meritíssimo Juiz a quo incorreu num claro erro de julgamento ao ter decidido contra os factos apurados e que justificavam a aplicação in casu do instituto da simulação.
26. A “demonstração dos requisitos da simulação pode fazer-se mediante qualquer meio de prova admissível em direito, através de factos que, segundo a experiência comum, são considerados indícios seguros do respectivo acto ou contrato” (Ac. RL, de 22.3.1968: JR, 14.º-268), por outras palavras, a “simulação, pela dificuldade de prova directa, há-de resultar de factos que a façam presumir” (Ac. RP, de 22.6.1973: BMJ, 229.º-235).
27. No caso presente dúvidas não podem existir de que os contratos de cessão de quotas celebrados entre os Réus, referidos nas alíneas G) a K) dos factos assentes, são nulos, por vício de simulação (absoluta), atento o disposto no n.º 2 do artigo 232.º do Código Civil.
28. Aqui chegados importa afirmar que jamais se poderá atribuir carácter essencial aos quesitos 1.º a 6.º da base instrutória para a demonstração da existência de simulação, como o preconiza o aresto posto em crise: os quesitos 1.º a 3.º não são sequer verdadeiros factos, antes correspondendo a conclusões que poderão ser retiradas ou não em face da restante matéria de facto, ao passo que não se entende porque é que os artigos 5.º e 6.º da base instrutória hão-de prevalecer em relação à restante matéria factual que se traduz e consubstancia também indícios da simulação.
29. Começando, então, pela existência do intuito de enganar terceiros o mesmo está plenamente demonstrado no facto de se ter dado como assente que os RR., sem excepção estavam plenamente conscientes de que vigorava uma penhora sobre os direitos de aquisição do terreno identificado na alínea E) dos factos assentes e que apenas após a resolução deste problema poderia ser concretizada a cessão de quotas a favor do Autor (conforme resposta aos quesitos 28.º a 31.º da base instrutória).
30. Basta ter presente a prática de Macau onde ninguém de boa fé aceita comprar o que quer que seja, mormente bens imóveis ou direitos sobre os mesmos (que é o que está subjacente à aquisição destas quotas, conforme resposta ao quesito 27.º da base instrutória) quando os mesmos estão onerados a favor de outros credores, pelo que a Jurisprudência vem considerando, e bem, que a aquisição de bens onerados constitui um claro indício de que o negócio ou é fictício, como é o caso, ou visa apenas prejudicar outros eventuais credores, in casu o Autor que tinha e tem um direito de aquisição destas quotas.
31. Um dos critérios que a Jurisprudência vem adoptando para aferir da existência de simulação nos negócios é o da sua normalidade ou, pelo contrário, excepcionalidade, critério a que o Meritíssimo Juiz a quo faz menção na sentença recorrida elencando algumas das anormalidades destes negócios mas sem depois extrair dai as devidas consequências.
32. O Recorrente alegou e logrou provar uma série de circunstâncias, expostas nas respostas aos quesitos 12.º a 17.º, 28.oa 31.º e nas alíneas L), N) e O) dos factos assentes, que permitem concluir pela absoluta anormalidade do suposto negócio de cessão de quotas celebrado pelos Réus e, como tal, pela existência de simulação.
33. Entre elas o absoluto o desinteresse e alheamento do 3.º Réu, pretenso sócio da Sociedade, para com o exercício dos mais elementares direitos e deveres sociais e que demonstra à saciedade que o mesmo não comprou nem quis comprar as quotas da Sociedade que ficticiamente declarou adquirir.
34. O comentário final produzido pelo Meritíssimo Juiz a quo e que diz respeito à pretensa indiferença da XX em relação aos negócios celebrados entre os Réus e ao exercício do direito de preferência não corresponde à verdade e consubstancia um claríssimo erro de julgamento que se traduz no facto de o Meritíssimo Juiz a quo decidir contra um facto que foi apurado.
35. Dúvidas não podem subsistir que ficaram provados os requisitos da simulação, ou seja que faltou aos contratos celebrados entre os Réus um elemento essencial de qualquer negócio jurídico: a vontade real dos declarantes, existindo apenas in casu uma fraudulenta aparência de vontade.
36. Como tal, andou mal o Meritíssimo Juiz a quo ao não ter considerado aplicável ao caso presente o instituto da simulação e respectivo regime. Estes negócios carecem de ser declarados nulos sendo que, a declaração de nulidade das transmissões de quotas, a operar-se por força da procedência presente acção, terá efeito retroactivo, nos termos do disposto no artigo 282.º do Código Civil, devendo as quotas sub judice regressar aos patrimónios dos simuladores cedentes, ora Primeiro e Segundo Réus.
37. Ao considerar-se procedente o pedido de declaração de nulidade, por simulação, dos negócios de cessão de quotas celebrados entre os Réus fica comprometido todo o raciocínio jurídico aduzido na sentença recorrida quanto à aplicação do regime da execução específica, previsto no artigo 820.º do Código Civil, aos contratos promessa celebrados entre o Autor e o 1.º e 2.º Réus.
38. Nessa conformidade, após a declaração judicial da nulidade dos negócios simulados pelos Réus, deverá o Tribunal de recurso produzir, em substituição dos Primeiro e Segundos Réus, o efeito da declaração negocial destes, e portanto declarar cedidas a favor do Autor as quotas que os Primeiro e Segundo Réus detêm na Sociedade.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se:
a) a douta decisão proferida pelo Tribunal Colectivo quanto aos quesitos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º da base instrutória os quais deverão passar a considerar-se como provados dando-se, em consequência como assente a seguinte matéria de facto:
-o 3.º Réu não entregou ao 1.º Réu a quantia de MOP$32.000.000,00 (vide quesito 4.º);
-a quota social do 1.º Réu, com o valor nominal de M0P$40.000,00, não tem um valor económico de M0P$32.000.000,00 (vide quesito 5.º);
-essa quota tem um valor de mercado, aproximado, de HKD$2.000.000,00 (vide quesito 6.º);
-o 3.º Réu não entregou ao 2.º Réu a quantia de M0P$8.000.000,00 (vide quesito 7.º);
-a quota social do 2.º Réu, com o valor nominal de MOP$10.000,00, não tem um valor económico de MOP$8.000.000,00 (vide quesito 8.º); e
-essa quota tem um valor de mercado, aproximado, de HKD$2.000.000,00 (vide quesito 9.º).
b) a douta sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por outro aresto que, em face dos factos provados e ainda que venha ser negado provimento ao recurso sobre a matéria de facto, julgue a presente acção totalmente procedente por provada e, em consequência,:
-declare nulos, por simulação, os negócios de transmissão de quotas celebrados em 11 de Abril de 2005 entre o Primeiro Réu e o Terceiro Réu, tendo por objecto uma quota na sociedade Companhia de Investimento Predial XX, Limitada, com o valor nominal de M0P$40.000,00 e entre o Segundo Réu e o Terceiro Réu, tendo por objecto uma quota na mesma sociedade com o valor nominal de MOP$10.000,00;
-ordene o cancelamento na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis dos registos de aquisição fundados nos negócios simulados, desde logo os efectuados mediante as inscrições AP. 36/11042005 e 37/11042005;
-declare que os Primeiro e Segundo Réus, por factos voluntários seus e a eles exclusivamente imputáveis, incumpriram definitivamente as obrigações que assumiram perante o Autor no contrato promessa de cessão de quotas assinado em 28-01-2003;
-e profira decisão constitutiva que, produzindo os efeitos da declaração negocial dos Primeiro e Segundo Réus, declare cedidas, a favor do Autor, a quota que o Primeiro Réu detém na sociedade Companhia de Investimento Predial XX, Limitada, com o valor nominal de M0P$40.000,00 e a quota que o Segundo Réu detém na mesma sociedade, com o valor nominal de MOP$10.000,00, uma vez que o Autor já procedeu à consignação em depósito do restante do preço (HKD$1.750.000,00), à ordem dos presentes autos, no prazo que para tal lhe foi fixado pelo Tribunal, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 820.º do Código Civil; com o que V.Exas. farão a habitual JUSTIÇA!».
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Os réus responderam ao recurso do autor, apresentando as seguintes conclusões alegatórias:
«I. Os depoimentos das testemunhas alinhados pelo A. para que seja modificada a resposta à matéria de facto constante dos quesitos 4.º a 9.º da Base Instrutória, não são suficientes ou conclusivos, sendo que a razão de ciência das testemunhas para as respostas dadas é “pouca” ou “nenhuma”, e a restante prova documental e testemunhal produzida impõe a resposta que foi dada pelo Tribunal Colectivo de “Não provado”, decisão diversa faz indevida interpretação e aplicação do art. 558.º, n.º 1, do CPC.
II. Para existir simulação exige-se a demonstração das seguintes realidades: divergência entre a vontade real e declarada, com fundamento num acordo entre declarante e declaratário (“pactum simulationis”), com o fim de enganar terceiros (“animus decipiendi”), mas dos factos alegados pelo A. destinados a provar tais realidades nenhum resultou provado que prove ou indicie qualquer um desses requisitos, quanto mais os três, em verificação cumulativa, como o exige a norma legal, e o ónus da prova dos factos que integravam tais requisitos constitutivos do direito a ver o negócio declarado nulo por simulação, incumbia ao A., conclusão diversa faz indevida interpretação e aplicação dos artigos 232.º e 235.º do CC.».
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Cumpre decidir.
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II - Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
«Da Matéria de Facto Assente:
Em 28 de Janeiro de 2003, em Macau, os 1º e 2º Réus e o Autor assinaram um documento designado por “contrato-promessa de cessão e quotas” (alínea A da Especificação).
Mediante tal acordo o 1º Réu prometeu ceder ao Autor, e este prometeu adquirir-lhe, a quota com o valor nominal de MOP$40,000.00 que o primeiro detém na sociedade comercial por quotas “Companhia de Investimento Predial XX, Limitada”, com sede na Rua Gago Coutinho, nº XX, XX, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob XX, a fls. 64v, do Livro XX (alínea B da Especificação).
Mediante o mesmo acordo o 2º Réu prometeu ceder ao Autor, e este prometeu adquirir-lhe, a quota com o valor nominal de MOP$10,000.00 que aquele detém na mesma sociedade (alínea C da Especificação).
Os 1º e 2º Réus e o Autor acordaram no preço conjunto de HKD$2,500,000.00 para a cessão das duas quotas (alínea D da Especificação).
Ficou ainda acordado que o contrato definitivo de cessão de quotas seria celebrado no prazo de três meses, contado da data em que os 1 º e 2º Réus entregassem ao Autor documentos comprovativos de que não existia penhora ou apreensão das quotas sociais e dos terrenos sitos na Povoação de Hac Sá, Ilha de Coloane, com a área total de 6,001.4m2, e titulados por “sa chi kai” (alínea E da Especificação).
Na data da referida em A), os 1º e 2º Réus receberam do Autor a quantia de HKD$750,000.00 a título de sinal (alínea F da Especificação).
Em 11 de Abril de 2005, o 1º Réu, por si, e o 2º Réu, no acto representado por I, outorgaram com o 3º Réu, um acordo de cessão de quotas (alínea G da Especificação).
Mediante o qual o 1 º Réu declarou ceder ao 3º Réu, que declarou adquirir, a sua quota na sociedade referida em B), com o valor nominal de MOP$40,000.00 (alínea H da Especificação).
Os 1 º e 3º Réus declararam nesse acordo que a cessão de quota era feita pelo preço já recebido de MOP$32,000,000.00 (alínea I da Especificação).
No mesmo acordo, o 2º Réu, no acto representado pelo I, declarou ceder ao 3º Réu, quer declarou adquirir, a sua quota na mesma sociedade, com o valor nominal de MOP$10,000.00 (alínea J da Especificação).
Os 2º e 3º Réus declararam nesse acordo que a cessão de quota era feita pelo preço já recebido de MOP$8,000,000.00 (alínea K da Especificação).
Em 11 de Abril de 2005, os Réus levaram a registo na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis os referidos acordos de cessão de quotas, através das apresentações nº AP.36/11042005 e AP.37/11042005 (alínea L da Especificação).
Os quais estão definitivamente registados nessa mediante as inscrições nºAP.36/11042005 e AP.37/11042005 (alínea M da Especificação).
Os 1 º e 2º Réus mantiveram-se como gerentes do grupo A da sociedade referida em B) (alínea N da Especificação).
A sede social da sociedade manteve-se no escritório do 2º Réu (alínea O da Especificação).
Conforme os estatutos da sociedade, esta goza de direito de preferência em caso de transmissão das quotas (alínea P da Especificação).
Em 1 de Abril de 200S, o 1º Réu delegou todos os poderes de gerência que detinha na sociedade no 3º Réu (alínea Q da Especificação).
*
Da base Instrutória:
O 3º Réu não recorreu ao crédito bancário para se financiar e poder dispor dessa importância (resposta ao quesito 12º)
Os 1º e 2º Réus não comunicaram nem ao outro sócio nem à sociedade as condições essenciais das cessões de quotas previamente ao acordo referido em G) dos factos assentes (resposta ao quesito 13º).
Nunca o 3º Réu abordou o outro sócio da sociedade para saber da situação patrimonial e financeira da sociedade (resposta ao quesito 14º).
Nem para se inteirar dos negócios e eventuais projectos da sociedade (resposta ao quesito 15º)
Nem convocou para esse efeito qualquer assembleia-geral da sociedade (resposta ao quesito 16º).
Faltou e não se fez representar na assembleia-geral da sociedade convocada para 26 de Agosto de 2005 (resposta ao quesito 17º).
O Autor mantém interesse em celebrar com os 1º e 2º Réus o contrato de cessão das quotas (resposta ao quesito 18º).
Não houve qualquer apreensão das quotas da sociedade (resposta ao quesito 19º).
O 3º Réu deu conhecimento à sociedade e ao gerente do grupo B que havia adquirido as quotas dos 1º Réu e 2º Réu (cfr. fls. 138) (resposta ao quesito 24º).
Nunca antes disso o Autor requereu a execução específica do acordo referido em B) dos factos assentes (resposta ao quesito 25º).
Em 11 de Abril de 2005, o 1º Réu entregou o instrumento através do qual conferiu os poderes referidos em Q) dos factos assentes ao 3º Réu (resposta ao quesito 26º).
A cessão a que se refere o acordo referido em B) dos factos assentes diz respeito não só às quotas dos 1º e 2º Réus mas também a todos os direitos dos terrenos referidos em E) dos factos assentes (resposta ao quesito 27º).
Desde 9 de Janeiro de 2003, vigorava uma penhora sobre os direitos de aquisição desses terrenos, decretada no âmbito do processo executivo CEO-011-01-1, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, que mais tarde foi classificado com o nº CV1-01-0014-CEO (resposta ao quesito 28º).
Era esta penhora que o Autor e os 1º e 2º Réus tinham em mente quando consagraram a necessidade de se resolverem as penhores ou apreensão dos terrenos antes de se iniciar o prazo de três meses referido em E) dos factos assentes (resposta ao quesito 29º).
Os Réus sabem e sabiam disso (resposta ao quesito 30º).
Por sentença de 4 de Abril de 2006, transitada em julgado, proferida no âmbito de uma acção de embargos de terceiro que correu termos por apenso ao processo executivo acima referido, o Tribunal Judicial de Base decidiu pelo levantamento da penhora decretada sobre os direitos de aquisição dos terrenos referidos em E) dos Factos Assentes (cfr. fls. 161 a 169) (resposta ao quesito 31º).»
*
Acrescenta-se ainda o seguinte facto, extraído do documento de fls. 339-341:
A sociedade decidiu, em 26/08/2005, interpor uma acção judicial contra os 1º e 2º réus transmitentes e contra o 3º réu, adquirente, com vista à declaração de invalidade do negócio de cessão de quotas.
***
III - O Direito
1 - O caso
Revisitemos a situação dos autos, tal como vinha configurada na petição inicial da acção.
O autor, que em Janeiro de 2003 prometeu adquirir pelo preço de HK$ 2.500.000,00, as quotas que os 1º e 2º réus da acção detinham no capital social de “Companhia de Investimento Predial XX, Limitada”, e por conta de cujo negócio lhes tinha adiantado a quantia de HK$ 750.000,00, acha-se enganado por eles, a quem imputa a simulação de negócio definitivo de cessão com o 3º réu das mesmas quotas pelo preço de MOP$ 32.000.000,00.
Simulação porque, essencialmente:
- Na verdade, nenhum dos RR queria efectuar o negócio;
- O 3º réu não pagou o preço alegadamente acordado de trinta e dois milhões de patacas;
- As quotas juntas dos dois primeiros réus não têm esse valor económico, mas apenas de MOP$ 2.500.000,00;
- Após a simulada cessão, os 1º e 2º réus mantiveram-se como gerentes do grupo A da Sociedade, quando seria normal que deixassem esses cargos, por terem deixado de ser sócios;
- O 3º réu não entrou para a gerência da sociedade nem passou a ter poderes para representar ou obrigar a sociedade;
- O 3º réu não dispunha de 40 milhões para pagar a transacção, nem recorreu ao crédito para o efeito;
- Os 1 ºe 2º réus não comunicaram à sociedade, nem ao outro sócio, a intenção de venda para eventual preferência na aquisição;
- Os 1º e 2º réus não convocaram uma assembleia-geral da sociedade para comunicação da projectada cessão;
- O 3º réu vem demonstrando um desinteresse pelos destinos da sociedade após a alegada cessão.
Parte desta matéria foi incluída no elenco dos factos assentes (facto da alínea N) e o resto foi levado à base instrutória, vindo a merecer um julgamento contrário àquele para que se inclinava a tese do autor.
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2- Da impugnação da decisão de facto
O autor, contudo, não se acha conformado e, por isso, pede a reapreciação da matéria de facto referente aos quesitos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º da base instrutória.
Vejamos.
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Nos quesitos 4º e 7º pretendia-se saber se o 3º réu, alegado adquirente das quotas dos 1º e 2º réus, não tinha feito entrega a estes das quantias de MOP$ 32.000.000,00 e MOP$ 8.000.000,00 respectivamente.
A pergunta estava formulada na negativa e negativa foi também a resposta.
Nas alegações o recorrente lembra que as quotas dos 1º e 2º réus correspondiam a 50% do capital da sociedade de que eram sócios e que o único activo desta era um terreno em Coloane, titulado simplesmente por um “sa chi kai” ou “papel de seda”, e que estaria penhorado desde 2003.
Esta alegação tem em vista a ilustração de que era difícil que o 3º réu estivesse disposto a pagar uma tal fortuna pelas referidas quotas. Seria impossível, diz o recorrente, que o 3º réu tivesse pago, naquelas condições, tais montantes!
Mas além disso, em sua óptica, a prova que carreou para os autos deveriam levar o tribunal a efectuar um diferente julgamento da matéria de facto quanto àqueles pontos.
Assim é que os documentos de fls. 251 a 273 dos autos deveriam ter levado a demonstrar que o 3º réu não podia ter pago tão avultado montante por ele não ter uma única conta nas instituições bancárias de Macau.
Por outro lado, as testemunhas ouvidas E, F, G e H (e de cujo depoimento faz transcrição) conduzem à mesma conclusão, tal como a sugerem os depoimentos dos próprios 1º e 2º réus (de que igualmente fez transcrição).
Apreciando
No que respeita à chamada de atenção de que as quotas apenas representavam 50% do capital da sociedade e que o único activo era o terreno em Coloane, o efeito que o recorrente pretende obter não pode proceder. Na verdade, não se nos afigura ser possível inferir a valia de uma participação social apenas pelo património da pessoa colectiva. Sendo embora certo que o único bem era aquele terreno em Hac-Sá - sim, titulado apenas por um papel de seda, de escasso ou nulo valor jurídico enquanto forma de transmissão de propriedade – a verdade, por outro lado, é que nada obstaria que o 3º réu pudesse ou quisesse entrar para a sociedade com, por exemplo, propósitos construtivos nesse terreno, caso à sociedade viesse a ser atribuída concessão por arrendamento, tal como mesmo o refere nas contra-alegações (ver ponto 8).
Quer dizer, a intenção, o fim último, o objectivo da celebração do contrato não tem que ser necessariamente revelada, pois faz parte do foro íntimo de cada contratante e, por isso, nem sequer tem que integrar o clausulado negocial. E se esse fim interior é inconfessado, dificilmente se pode conceber que o julgamento que os outros possam fazer desse propósito possa valer mais do que a determinação da parte na celebração do negócio que fizer. Não é pelo facto de alguém pensar que o negócio é ruinoso para B, que B não o deva fazer, se ele mesmo estiver na posse de dados que o levam a admitir que para si vai ser um êxito. A importância económica dos actos de comércio não se avalia somente pela objectividade e pela aparência que deles emana, mas também pela projecção e prognose segundo parâmetros pessoais e de acordo com o valor das próprias expectativas, mesmo que erradamente fundadas, em redor do caso concreto.
Não estamos a dizer que tal seja o caso, nem que não seja. Mas, se tomarmos como verosímil a ideia transmitida pelos recorridos no referido ponto 8 das contra-alegações, já se fica com uma noção mais próxima de como a intenção pode ter sido valorada por padrões que, à partida, a aparente objectividade pareceria não permitir aceitar, sabido, como é, que uma expectativa de construção num território tão carecido de terreno, como sucede na RAEM, conduz a valores sobrelevados em toda a cadeia, tanto na participação numa sociedade de construção, como na aquisição de terreno, como na venda das parcelas do imóvel construído, como na especulação própria do mercado do arrendamento.
Portanto, o argumento utilizado não é bastante para denunciar a simulação.
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Do mesmo modo, os depoimentos transcritos das testemunhas ouvidas, mesmo sendo reveladores de alguma estranheza por parte dos declarantes, não passam de um juízo opinativo, logo, pessoal.
Lemos com atenção as declarações transcritas e, numa impressão primeira, a ideia que emerge é a de que dificilmente qualquer deles faria negócio igual naquelas condições. Pode até ser que qualquer julgador, se colocado na qualidade de testemunha, fosse levado a pensar e dizer o mesmo: que não acreditava que o negócio tivesse sido feito verdadeiramente tal como aparenta ter sido.
Mas, uma coisa é o que as testemunhas nessa qualidade dizem ou pensam, outra é a convicção que elas induzem no espírito do julgador perante todo o conjunto de factos e circunstâncias conhecidos nos autos. A prova é holística, como se sabe; geralmente, não depende somente de um elemento, a não ser nos casos em que ele seja absolutamente decisivo e determinante. Carece da reunião e ponderação sensata de todo o acervo de dados recolhidos. E quanto a esse aspecto pouco há a dizer, se difícil é ao juiz do recurso, a quem escapa a imediação da prova, contrariar o juízo efectuado pelo juiz “a quo” a respeito da sua valia, se há elementos de forte subjectividade que não são contrariados por uma objectividade crua e indesmentível.
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Bastante não é, igualmente, o argumento retirado dos cheques. O 3º réu não tinha conta bancária em Macau. Mas, o que é facto é que também parece não se ter servido de dinheiro que fosse seu (dizemos isto com cautela, por não haver elementos claros nesse sentido). Para o pagamento utilizou cheques emitidos por outrem e, verdadeiramente, não se chega a saber a que título o cheque foi emitido, se a título de empréstimo ou outro. Mas, o que é facto é que o cheque apareceu para pagamento, embora possa parecer estranho não se ter procurado apurar se o dinheiro foi efectivamente depositado em Hong Kong e em que banco e se, posteriormente (e em que prazo) o dinheiro dele voltou a sair e a favor de quem. Mas, isso é um problema de prova que não foi equacionado nestes termos.
O depoimento dos RR, de quem se podia ter colhido uma declaração nesse sentido, não chegou a tanto, face ao teor das transcrições feitas pelo recorrente, ainda que o 2º réu tenha feito uma declaração confusa e trapalhona, porém não confessória. Mas, se das hesitações do 2º réu se podem extrair algumas conclusões, também elas hesitantes, então é de razoável bom senso, pelo menos, pensar que o facto do cheque não ter sido passado a si, mas a I, ser fruto da representação que esta fazia no negócio da cessão, tal como ressalta da alínea J) da Especificação (cfr. tb. docs. fls. 17-26 dos autos).
Sabemos da dificuldade da prova da simulação e, portanto, da necessidade de um apelo a elementos de facto esparsos que reunidos, tal como num puzzle, encaixem de maneira a tornarem verosímil a veracidade do desenho factual traçado pelo demandante. Contudo, os autos, no caso concreto, deixam ainda assim dúvidas sérias acerca do que terá acontecido. A prova reunida deixa no ar interrogações que o julgador não pode ultrapassar e, nesse caso, o ónus de prova não permite, lamentavelmente, outro julgamento pelo TSI diferente daquele que o TJB conseguiu fazer.
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Os art. 5º a 8º da B.I. visavam apurar o valor das quotas dos 1º e 2º réus na sociedade. A tese do A. era a de que, em caso algum, elas podiam valer Mop$ 32.000.000,00 e Mop$ 8.000.000,00, mas sim, e apenas, HKD $2.000.000,00 e HKD$ 500.000,00, respectivamente.
Ora, as respostas foram negativas. Não se ficou a saber qual o valor económico das quotas, mas o certo é que elas não valem aquilo que o autor dizia valer.
No recurso, o autor chama a atenção para a circunstância de apenas estarem em causa 50% dos direitos que a “XX” tinha em relação ao terreno referido e que, até por isso, e atendendo à área do terreno (6.001 m2) – ainda por cima titulado por um “papel de seda” -, é facto notório que nunca a soma das quotas poderia atingir aquela cifra.
Notório não é, convém dizer desde já. A valoração do terreno não está circunscrito apenas à sua área, mas a um conjunto alargado de factores, como a sua localização geográfica, a potencialidade construtiva, a expectativa de urbanização da zona, as mais-valias expectáveis em função de obras de infra-estruturas eventualmente projectadas para o local e zonas envolventes, etc, etc. O Tribunal não tem dados concretos sobre isso. E como também já dissemos, os promotores imobiliários têm o seu eixo de interesses assente em razões a maior parte das vezes inconfessadas (“o segredo é a alma do negócio”, como se diz), porque sabem de coisas que o público não sabe, ou porque esperam frutos que o vulgo dos cidadãos nunca pensaria serem possíveis.
Para dizer, em suma, que a notoriedade da situação não existe; pelo menos não se está perante um quadro de facto que ilustre uma “realidade” ao alcance de todos, que não precise de prova, por tão ostensiva e evidente. Não estamos perante a evidência de um silogismo lógico por falha da premissa maior com a qual se identifique a menor (resultante dos factos provados) e de que resulte a conclusão que o recorrente extrai. Ou seja, o caso não se subsume ao disposto no art. 250º, nº2, do CC e 434º, nº1, do CPC.
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Para além dessa alegada notoriedade, o recorrente convoca de novo as declarações testemunhais para delas obter a conclusão a que chega acerca dos factos alegados.
Mas, uma vez mais não é possível dar-lhe razão. Concedemos que as pessoas achem pouco provável que o negócio se tenha feito. Mas as razões que invocam são as mesmas (percentagem do capital cedido; titularidade do papel de seda, etc.) que já tivemos oportunidade de refutar. Não vale a pena repetir a fundamentação sobre o assunto. Ou seja, o tribunal de recurso não tem certezas, não está seguro do que aconteceu; face aos elementos recolhidos, ignora que a situação de facto seja aquela que o autor apresenta.
Quer isto dizer, pois, que a matéria de facto em apreço, na reapreciação, não pode ter as respostas que o recorrente pede a este TSI que dê.
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3 - Da bondade da sentença
E será que os factos assentes e provados permitem concluir pela simulação do negócio?
O recorrente faz apelo à matéria das alíneas N) e O) dos Factos Assentes e das respostas aos arts. 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 27º, 28º, 29º e 31º da Base Instrutória para concluir que aí está mais do que demonstrada a falta de vontade dos réus em celebrar o negócio de cessão de quotas.
Cita jurisprudência, segundo a qual a “A demonstração dos requisitos da simulação pode fazer-se mediante qualquer meio de prova admissível em direito, através de factos que, segundo a experiência comum, são considerados indícios seguros do respectivo acto ou contrato (Ac. da RL, 22-3-1968: JR, 140. ° - 268).” E que “A simulação, pela dificuldade de prova directa, há-de resultar normalmente de factos que a façam presumir (Ac. da RP, 22-6-1973: BMJ, 229.° - 235).”
Como resulta do art. 232º do CC, a simulação pressupõe, a verificação dos seguintes requisitos: a) acordo entre o declarante e o declaratário; b) no sentido da divergência, efectivamente verificada, entre a declaração negocial e a vontade real das partes; c) no intuito de enganar terceiros.
São requisitos de verificação cumulativa, que devem ser alegados e provados pela parte que invoca a simulação ou dela pretende extrair efeitos, face ao art. 335º, nº 1, do C.C. (Quanto ao sentido da necessidade da prova, ver na jurisprudência local, o Ac. TSI, de 12/01/2012, Proc. nº 240/2010 e na jurisprudência comparada, o Ac. STJ, de 9/05/2002, Proc. nº 02B511; STJ, de 14/02/2008, Proc. nº 08B180).
É claro que, sem se excluir “a priori” que a prova possível a partir de elementos menos ostensivos, a verdade é que a intenção de enganar terceiros deve fazer parte de quesito próprio, uma vez que se trata de matéria de facto (na jurisprudência comparada, o Ac. do STJ, de 22/05/2912, Proc. nº 82/04).
Estamos de acordo com a afirmação de que a simulação, pela dificuldade de prova directa, pode resultar de factos que a façam presumir. Isso mesmo, também por outras palavras é dito no Ac. do TSI, de 21/11/2013, Proc. nº 362/20131. Ou seja, é possível às instâncias judiciais recorrer a presunções judiciais, inferindo e deduzindo factos a partir da prova de outros. Não se pode, porém esquecer que, como este TSI teve também já a oportunidade de afirmar, “O recurso às presunções implica assim que se extraia de um facto conhecido a certeza de um facto desconhecido, sendo necessária uma conclusão de certeza e não de simples probabilidade, que coexista com a dúvida” (Ac. TSI, de 8/02/2007, Proc. nº 522/2006).
Ora, a questão é que, no caso em apreço, a matéria específica do acordo simulatório estava integrada nos arts. 1º a 3º, sendo que mereceram resposta negativa, não obstante caber ao autor o ónus da respectiva prova. Dos factos provados à matéria dos artigos 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 27º, 28º, 29º e 31º da Base Instrutória podia a 1ª instância deduzir uma resposta afirmativa aos arts. 1º a 3º. Não o fez, porém, quiçá por também ela ter entendido que os outros elementos provados não eram suficientes a um juízo positivo acerca destes, apesar da imediação e do contacto directo e próximo com as testemunhas de quem ouviu os depoimentos que a ajudaram a formar a sua convicção.
Ora, se o TSI se acha em pior posição nesse domínio, mais difícil se lhe torna concluir em sentido diferente. Nenhum dos factos dos arts. 12º e sgs. da BI, nem isolado, nem em conjunto, é capaz de permitir deduzir aquilo que dos arts. 1º a 3º do questionário não foi demonstrado.
Efectivamente, nem o facto de o 3º réu não ter contas bancárias em Macau, nem ter recorrido ao crédito bancário é suficiente para se inferir que não foi o verdadeiro adquirente, pois podia, como já acima se disse, ter feito o negócio com dinheiro de outrem (a título, por exemplo, de empréstimo).
Também não é bastante a falta de comunicação ao outro sócio e à própria sociedade para exercerem o direito de preferência. Isso é questão que pode até dar azo a acções em tribunal e, segundo parece, terá sido essa a intenção da própria sociedade por deliberação de 26/08/2005 com vista à invalidação do negócio de cessão de quotas (cfr. fls. 338-341).
Também não se pode deduzir a simulação do negócio a partir dos factos provados nos arts. 15º a 17º da BI, nem mesmo adicionados aos factos das alíneas N) e O). Realmente, embora provado que os 1º e 2º réus continuaram administradores (fls. doc. fls. 40 a 43), certo é também que, conforme alínea Q, o 1º réu delegou poderes no 3º, adquirente. Aliás, não é assim tão incomum que os administradores sejam pessoas estranhas ao corpo social das sociedades.
Pouco significativo é que o 3º réu não se tenha inteirado dos negócios e projectos da sociedade, nem convocado qualquer assembleia-geral, ou que tenha faltado à assembleia de 26/08/2005. Isso, por si só, não quer dizer que ele apenas seja um “testa de ferro”, como na gíria se diz. Pode admitir-se que esse aparente alheamento esteja protegido pela circunstância de os cedentes terem continuado na administração. E o facto de não ter comparecido à reunião de 26/08/2005 pode ficar a dever-se à circunstância de, como é dito na própria acta, não poder votar dado o conflito de interesses com a sociedade nos termos do art. 219º do Código Comercial. De qualquer maneira, provado até está que o 3º réu deu conhecimento à sociedade e ao gerente do grupo B que tinha adquirido as quotas dos restantes réus (facto 24º da BI). Seja como for, daí não se pode extrair a conclusão de que o 3º réu da acção não era real adquirente. Nem a tanto obsta o facto de a acta da sociedade de 26/08/2005 ter ficado a expressar a opinião de que havia um negócio simulado. Não passa de uma mera opinião do outro sócio presente na assembleia, porventura indignado por não lhe ter sido dada a possibilidade de adquirir as referidas quotas.
E se isto se diz destes factos, também o provado no art. 28º da BI (também nos arts. 29º e 30º) não tem força suficiente para inferir a simulação, como se essa penhora retirasse valor às quotas e assim, mais facilmente, levasse a pensar que aquele era um negócio fingido. Aliás, e mesmo quanto ao art. 30º da BI nem da resposta que foi dada resulta que o 3º réu sabia disso, pois ele surge na sequência do art. 29º, o qual apenas limitava o conhecimento da penhora ao autor e aos 1º e 2º réus.
Ou seja, aqueles factos não são suficientes enquanto factos instrumentais, nem se pode dizer que sejam indiciários da existência de uma intenção enganosa e simulatória.
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Analisado desta forma o objecto do recurso, nada mais do que nos foi pedido importa decidir, por prejudicado, nomeadamente quanto à execução específica, já que pressuporia a declaração de nulidade, a qual este tribunal - em consciência plena de uma convicção que não conseguiu obter acerca da existência da simulação – não pode decretar.
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IV - Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
TSI, 13 de Fevereiro de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 “A prova da simulação, pode ser feita por qualquer dos meios normalmente admitidos: confissão, documentos, testemunhas, presunções e nenhuma restrição de ordem geral põe a lei a este propósito. [exceptuada a situação do art. 388º, n.º2 do CC].”
No mesmo sentido, ver Ac. do STJ, de 7/05/2009, Proc. nº 08B1170
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