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     Processo n.º 808/2011
(Recurso Civil)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 20/Fevereiro/2014
   
   
   Assuntos:

- Certidão da qualidade de comerciante
- Publicidade do Registo Comercial
    
    SUMÁRIO :
    
    1. Não há razões para invocar sigilo ou protecção de dados pessoais, se um profissional forense pede uma certidão à Conservatória do Registo Comercial, requerendo lhe seja certificado se uma pessoa é ou não comerciante, certidão essa que destina a fins judiciais, em especial à opção pela natureza da acção a propor e que está dependente dessa qualidade.
    
    2. Mais nada se pedindo, essa informação tem um carácter público, sendo a publicidade um dos princípios em que assenta e por que se justifica o registo dos comerciantes, passando por aí, também, a segurança do comércio jurídico, como proclamado no próprio Código do Registo Comercial, não há motivo para justificar a recusa do pedido de certidão.
    
    3. Nem sequer faz qualquer sentido fundamentar a recusa com a invocação de uma razão, alegadamente a falta de um elemento formal, que, a ser fornecido pelo requerente, pressuporia que ele já sabia o que pretendia saber.
    
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 808/2011
(Recurso Civil)
Data : 20/Fevereiro/2014

Recorrente : A

Entidade Recorrida : Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. Por requerimento datado de 03/12/2010, o ora recorrente, A, requereu a emissão de uma certidão à Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, da qual constasse a informação de que B se encontrava, ou não, registado naquela Conservatória como comerciante.
    Contudo, no dia 10/12/2010, foi notificado da decisão da Conservatória de recusar a emissão da certidão requerida - despacho de recusa de emissão de certidão sob a apresentação n.º 355/03122010, de 10.12.2010 -, uma vez que, na opinião do Sr. Conservador, o fornecimento das informações pretendidas, colidiria com valores fundamentais, tais como os da reserva da intimidade da vida privada e a protecção dos dados pessoais.
    Não se conformando com essa decisão, o ora recorrente apresentou reclamação da mesma no dia 15/12/2010
    Tendo o Sr. Conservador mantido essa decisão, o ora recorrente apresentou o presente recurso judicial da mesma em 28/12/2010.
    No âmbito desse mesmo recurso obteve decisão desfavorável à sua pretensão, por sentença proferida em 21 de Junho de 2011, a qual em súmula dispõe o seguinte:
    "(...) a razão de ser dessa publicidade liga-se com a segurança comercial e não qualquer outra finalidade.
    (…)
    Assim, o acesso aos dados registados é sempre permitido, desde que indicam o número da ordem da determinada entidade ou empresário previamente registado.
    E somente para satisfazer essa finalidade do registo, justifica-se a publicidade dos dados, muitas vezes pessoais, dos empresários comercial, colectivo ou singular, em desvio dos direitos fundamentais da reserva da intimidade da vida privada.
    Pelo que, a sua pesquisa não é ilimitada, carece sempre de fornecer o número de registo do empresário a cujos dados registados pretendem obter.
    Ou seja, a publicidade do registo não se destina para saber quem é ou não é registado como empresário, mas fornecer aos interessados os dados relevantes de quem já se encontra registados.
    E a finalidade de obter a certidão pelo o requerente (determinar se alguém é empresário e que tipo de acção instaurar) é realmente alheia à finalidade de publicidade do registo comercial.
    Outrossim, o facto de que existe caso em que foi emitida a passagem de certidão pela mesma Conservatória com o pedido semelhante, não legaliza o que não é permitido pela lei.
    Pelo exposto, muito embora por fundamento diferente, entende-se que o pedido de certidão deve ser recusada por falta de observação do n.º 2 do art. 71.º do C.R.C."
2. No seu recurso, ora sob apreciação, conclui o recorrente:
    1. Por requerimento apresentado em 03.12.2010, veio o ora Recorrente requerer a emissão de uma certidão à Conservatória, da qual constasse a informação de que B se encontrava, ou não, registado naquela Conservatória como comerciante.
    2. No dia 10.12.2010, foi notificado da decisão da Conservatória de recusar a emissão da certidão requerida, uma vez que, na opinião do Sr. Conservador, o fornecimento das informações pretendidas colidiria com valores fundamentais, tais como os da reserva da intimidade da vida privada e a protecção dos dados pessoais.
    3. Não se conformando com essa decisão, o ora Recorrente apresentou reclamação da mesma no dia 15.12.2010.
    4. Tendo o Sr. Conservador mantido essa decisão, o ora Recorrente apresentou recurso judicial da mesma em 28.12.2010.
    5. No âmbito desse mesmo recurso obteve decisão desfavorável à sua pretensão, por sentença proferida em 21.06.2011.
    6. Não se conformando com o teor da sentença proferida pelo Tribunal a quo, vem o presente recurso interposto, com os fundamentos seguintes:
    7. O fundamento último da existência de conservatórias é o da publicidade das informações por si arquivadas, conforme resulta do disposto nos arts. 1.º e 69.º do C.R.C..
    8. Embora não seja esse o entendimento do Recorrente, e o entendimento que decorre da lei, ainda que se entendesse que a finalidade da publicidade seja o da segurança comercial apenas, a verdade é que essa segurança seria acautelada com a passagem da certidão requerida.
    9. De resto, o conceito de "segurança do comércio jurídico" (cfr. art. 1.° do C.R.C.") deve ser entendido numa perspectiva de "certeza jurídica".
    10. Requerer uma certidão com vista a aferir se alguém é, ou não, um empresário comercial, com vista a obter provas destinadas a instruir uma acção de liquidação do seu património, é um facto que por isso contende com a segurança comercial, claro está.
    11. E isto parece-nos tanto mais relevante, quando o tipo de acção a instaurar depende exclusivamente do facto do sujeito da informação ser comerciante, caso em que será instaurada uma acção de falência, ou não, caso em que será instaurada uma acção de insolvência.
    12. As informações registadas na Conservatória que sejam públicas devem ser facultadas a quem o requeira, não podendo as conservatórias escudar-se em pretextos formais de interpretação da lei para recusar a emissão de certidões.
    13. Ainda que o art. 71.°, n.º 2, do C.R.C. enumere "o número de ordem privativo, o nome do requisitante e o número de ordem atribuído à empresa comercial ou ao empresário a que respeitem" como elementos a ser facultados para a pesquisa das informações necessárias à passagem de uma certidão,
    14. O art. 73.°, n.º 4, do mesmo código é claro ao estabelecer que só quando os elementos necessários a essa pesquisa não sejam facultados, poderá recusar-se a emissão de certidões.
    15. Assim, ainda que faltem um ou mais elementos do art. 71.°, n.º 2, sempre que seja possível obter a informação necessária com os elementos facultados pelo requerente, a certidão requerida deverá ser passada.
    16. Daí que seja importante notar que em casos semelhantes a Conservatória passou certidões com o teor requerido, tendo o requerente apenas facultado o nome do eventual empresário.
    17. Tal facto comprova que é possível obter a informação pretendida, e daí emitir a respectiva certidão, apenas com base no nome de certa pessoa.
    18. Argumentar de outro modo, acarretará consequências gravíssimas para o trato jurídico, e para a segurança comercial.
    19. Ad absurdum, caso um interessado não saiba o número de registo de determinada sociedade ou empresário, nunca poderá obter uma certidão,
    20. Já que a Conservatória não emite certidões sem que seja referido esse mesmo número, não facultando em consequência o número de registo, porque o requerente não o sabe.
    21. Tal entendimento não pode ter-se por aceitável por ser contrário ao art. 73.°, n.º 4 do Código de Registo Comercial, e por ser contrário ao princípio da publicidade do registo conforme vem estabelecido nos arts. 1.° e 69.° do C.R.C ..
    Por todas estas razões sustenta que o presente Recurso deve proceder, condenando-se em consequência a Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis na emissão de uma certidão da qual conste a informação sobre se se encontra, ou não, registado como comerciante B.
    3. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    “O Recorrente, no exercício da sua actividade profissional, enquanto advogado estagiário, requereu, no dia 03/12/2010, a emissão de uma certidão à Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, requerimento com a ref. N.º 355, de 03/12/2010, da qual constasse a informação de que B se encontrava, ou não, registado naquela Conservatória como comerciante.
    Por despacho de 10/12/2010, foi recusada a emissão de certidão requerida pelo Exº Sr. Conservador com fundamento de que o fornecimento das informações pretendidas, colidiria com valores fundamentais, tais como os da reserva da intimidade da vida privada e a protecção dos dados pessoais.
    No dia 10/12/2010, o recorrente foi notificado da decisão da Conservatória de recusar a emissão da certidão requerida.
    Não se conformando com essa decisão, o Recorrente apresentou reclamação da mesma no dia 15/12/2010, nos termos dos artigos 92°, 93°, 94° e 95° do Código de Registo Comercial.
    Em 21/12/2010, foi proferido pelo Exº Srº Conservador o despacho de sustenção com a referência n.º 3485/2010 de 21/12/2010, cujo teor consta a fls. 18, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
    Em 23/12/2010, foi o recorrente notificado do despacho de sustentação com a ref. N.º 3485/2010, de 21/12/2010.
    Pela requisição n.º 287, de 02/1212010, o Recorrente requereu a emissão de uma certidão igualmente com o mesmo conteúdo, relativamente a uma outra pessoa, C.
    A qual foi emitida em que constava que essa Conservatória tem um registo como comerciante do referido C.”
    
    II - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente por saber se o Conservador pode recusar a um profissional forense o pedido de uma certidão sobre se determinada pessoa se encontra registada na Conservatória como comerciante.
    A resposta é desde já negativa. Tal resposta que se impõe como óbvia, resulta do facto, sem outros detalhes, de que se assim não fosse ficaria sem sentido o registo, enquanto, por outro lado, os interessados não teriam meios de saber da actividade de determinada pessoa, que assume carácter público, para já não falar sequer dos requisitos que certos meios processuais pressupõem.
    
    A razão pela qual existe um sistema registal é exactamente para que possa ser aferido, sempre que se revele necessário e a todos que o requeiram, se certo facto sujeito a registo está, ou não, registado.
    2. O presente caso é tão linear e evidente que bastariam poucas palavras para o resolver.
    Pretende um profissional forense, enquanto advogado estagiário, requerer na respectiva Conservatória do Registo Comercial uma certidão para apurar se F. era comerciante, o que pretendia para poder optar sobre qual o meio processual a seguir no concernente à liquidação do património, nomeadamente se um processo de falência ou insolvência.
    O Exmo Senhor Conservador rejeitou esse pedido, escudando-se numa pretensa confidencialidade dessa informação, em nome de valores como os da reserva da intimidade da vida privada e protecção de dados pessoais e a decisão proferida pela Mma Juíza em sede de apreciação do recurso que sobre aquele despacho recaiu veio a confirmar o despacho recorrido, focando agora uma outra vertente como fundamento da rejeição, qual seja a de o requerimento não conter o número de ordem atribuído ao empresário.
    É inaceitável o entendimento vertido nas decisões proferidas por contrariar manifestamente o sentido e a letra da lei e por frustrar os fins que o Registo procura atingir.
    
    3. Atentemos nas normas pertinentes do Código de Registo Com.:

Artigo 1.º
(Fins do registo)
    O registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos empresários e das empresas comerciais, tendo por finalidade a segurança do comércio jurídico.
Publicidade
    Artigo 69.º
(Carácter público do registo)
    1. Sem prejuízo do disposto no artigo 69.º-A, qualquer pessoa pode pedir certidões dos actos de registo e dos documentos arquivados, bem como obter informações verbais ou escritas sobre o conteúdo de uns e outros.*
    2. Para efeitos do disposto no número anterior, apenas os funcionários da conservatória podem consultar as pastas e documentos, de harmonia com as indicações dadas pelos interessados.
    3. As certidões devem revestir a forma, sempre que possível, de fotocópias ou cópias emitidas por via informática, nas quais será aposta a menção da sua certificação.
    4. Podem ser emitidas fotocópias ou cópias informáticas não certificadas, com o valor de informação, dos registos e despachos e de quaisquer documentos, que serão entregues aos interessados no prazo máximo de três dias úteis.
    5. As informações referidas no número anterior não podem ser utilizadas para fins judiciais nem para a instrução de quaisquer actos públicos.
    6. Para fins exclusivamente de consulta, os utentes dos serviços têm acesso directo na conservatória, mediante terminal de computador, à informação contida nos registos informáticos.
Artigo 69.º- A*
(Emissão de certidões ou informações com elementos de identificação)
    1. Apenas o próprio empresário comercial, pessoa singular, e as pessoas devidamente mandatadas podem solicitar a emissão de certidões ou informações escritas de que constem o tipo e o número do documento de identificação do empresário comercial.
    2. Apenas os sócios ou membros do empresário comercial, pessoa colectiva, os titulares de órgãos sociais, assim como as pessoas devidamente mandatadas podem solicitar a emissão de certidões ou informações escritas de que constam o tipo e o número do documento de identificação dos sujeitos dos factos inscritos relacionados com esse empresário comercial.
    Artigo 70.º
    (Meios de prova)
    1. O registo prova-se por meio de certidões.
    2. O período de validade exigido para as certidões pode ser prorrogado por períodos sucessivos de igual duração, através de confirmação pela conservatória.
    3. As informações relativas à situação jurídica dos empresários comerciais e das empresas comerciais, obtidas pelos serviços públicos e notários privados no exercício das respectivas atribuições ou competências, através de meios informáticos de interconexão com a conservatória, têm o mesmo valor jurídico das certidões de registo comercial que o interessado deve exibir ou apresentar.*
Certidões
    Artigo 71.º
    (Pedido)
    1. As certidões são pedidas verbalmente ou em impresso de modelo oficial, cujo uso é obrigatório, quando se trate da certidão a que se refere o artigo 30.º
    2. Os pedidos não têm apresentação e devem conter, além do número de ordem privativo, o nome do requisitante e o número de ordem atribuído à empresa comercial ou ao empresário a que respeitem.
    Artigo 72.º
    (Conteúdo das certidões)
    1. As certidões devem transcrever todos os registos referentes à empresa ou empresário a que respeitem, salvo se tiverem sido pedidas com referência apenas a certos actos de registo, devendo, neste caso, justificar-se o pedido.
    2. As certidões pedidas com referência a certos actos são passadas por forma a não induzirem em erro acerca do conteúdo do registo e da posição dos seus titulares e devem referir os factos registados ou os títulos apresentados para depósito que alterem o pedido.
    3. As certidões de registo que revelem alguma irregularidade ou deficiência não rectificada devem mencionar essa circunstância.
    Artigo 73.º
    (Emissão ou recusa)
    1. As certidões são passadas no prazo máximo de cinco dias úteis e devem mencionar a data da sua emissão e conter a rubrica do funcionário em todas as folhas, devidamente numeradas.
    2. São isentas de imposto do selo as certidões requisitadas por qualquer entidade que goze de isenção emolumentar.
    3. As certidões a que se refere o artigo 30.º são passadas em impresso de modelo oficial.
    4. A certidão só pode ser recusada quando o pedido não contiver os elementos necessários à pesquisa para a sua passagem ou não forem pagos os correspondentes encargos.
    5. A recusa da passagem da certidão é fundamentada e notificada ao interessado, dentro do prazo para a sua emissão.
    
    4. Da publicidade do registo
    O registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos empresários e das empresas comerciais, tendo por finalidade a segurança do comércio jurídico, proclama o artigo 1º do Código do Registo Comercial.
    Está apenas em causa apurar se F. é comerciante, o que não é mais do que saber se F. é empresário em nome individual.
    Tal indagação configura-se como anódina e legítima, para mais, tratando-se de um profissional do foro que precisa de saber qual a situação de uma determinada pessoa, nomeadamente para saber que meios processuais deve usar. Essa informação não é de modo algum sigilosa, antes reveste carácter púbico e como tal deve ser conhecida, desde logo visando a protecção de terceiros e do público em geral.
    Não se procura indagar de uma determinada situação pessoal ou patrimonial, não se indagam dados que devam estar cobertos por qualquer sigilo.
    Muito menos está em causa a indagação de dados que normalmente são protegidos, não só em Macau como em ordenamentos de Direito Comparado, relativos à situação patrimonial ou tributária dos contribuintes, informações essas cobertas pelas cautelas do legislador em prevenir a não divulgação de quaisquer informações, quaisquer elementos informatizados ou não que reflictam de alguma forma a situação patrimonial das pessoas, quais os sujeitos passivos da obrigação de imposto, sejam pessoas singulares, ou pessoas colectivas, comerciantes e não comerciantes, sendo pacífico, mesmo aí, que nesses casos a confidencialidade protegida não abrange os dados que tenham natureza pública, por serem livremente cognoscíveis por recurso a outras vias jurídico-institucionais, como sejam, os registos predial, comercial e civil. 1
    “Registo público é o assento efetuado por um oficial público e constante de livros públicos, do livre conhecimento, direto ou indireto, por todos os interessados, no qual se atestam fatos jurídicos conformes com a lei e respeitantes a uma pessoa ou a uma coisa, factos entre si conectados pela referência a um assento considerado principal, de modo a assegurar o conhecimento por terceiros da respetiva situação jurídica, e do qual a lei faz derivar como efeitos mínimos, a presunção do seu conhecimento e a capacidade probatória”2
    A publicidade é o objeto do registo comercial, e com ela visa-se a segurança do comércio Jurídico. A actividade que assegura aquele efeito e proteção jurídica está a cargo de um Registo público que dá a conhecer a situação jurídica dos comerciantes - pessoas individuais e sociedades - através de procedimentos definidos a lei e que conferem fé pública aos atos registados.
    A actividade de dar conhecimento efectivo desses mesmos registos pertence a serviços idóneos, dotados de fé pública que proclamam a autenticidade da comunicação, que nalguns casos é condição prévia da constituição de direitos, podendo afirmar-se que a criação de um registo público constitui uma forma de publicidade racionalizada. Ora, não se pode ser e pretender não ser ao mesmo tempo, ou seja, ser comerciante e, ao mesmo tempo, esconder essa qualidade.
    O conteúdo da publicidade registal é determinado pela lei o que condiciona o carácter público de uma determinada actividade, importando considerar dois momentos: a petição do registo e o registo material. A actividade registadora é um acto intermédio, no processo registal, que é um acto vinculado, não discricionário com sujeição estrita à lei. Pois, é “com o registo e não com a sua petição (apresentação) ou outro momento do processo, que se realiza a recepção pelo órgão público, a tomada de conhecimento. (…) Sem o registo materialmente efetuado, a atividade da repartição registadora é de todo irrelevante, enquanto integrada na relação recipienda em que se consubstancia a primeira fase da publicidade. (…) Sem registo material não há publicidade”3

    O objecto e efeitos do registo comercial são as situações jurídicas dos comerciantes e das sociedades comerciais e a sua publicidade através do próprio registo e da produção de meios de prova: as certidões do registo comercial. A publicidade dos actos societários, relativos às sociedades de responsabilidade limitada visa a segurança do comércio jurídico e a protecção de terceiros. Como diz Maria Filomena Loureiro, “então, a transparência da situação jurídica das sociedades comerciais, apenas será útil e eficaz se for verdadeira, atempada, de fácil acesso por todos, enfim, se for assegurada pela actividade uma entidade idónea dotada de fé pública”.4
A situação jurídica dos comerciantes, sejam eles pessoas singulares ou coletivas, é a matéria da publicidade em registo comercial. Os efeitos do registo, a eficácia da publicidade, geram presunção de verdade, acessível por todos os interessados. A publicidade é efectuada pelo registo e respetiva publicação, ainda que só para alguns atos registais, de acesso público.
É por isso que para saber o teor de todos os registos relativos aos comerciantes – individuais e sociedades – a ele sujeitos, também se “prevê a possibilidade de pedir certidões dos actos de registo e dos documentos arquivados, bem como a obtenção de informações verbais ou escritas sobre o conteúdo de uns e outros e ainda, a possibilidade de obtenção de informações não certificadas dos registos e despachos e de quaisquer outros documentos, tudo nos termos das disposições supra-citadas.


    5. Vejamos agora a questão relativa ao sigilo sobre dados pessoais.
    Foi esse o argumento nuclear da sentença recorrida e único da decisão do Exmo Senhor Conservador.
    O princípio da publicidade suscita o ponto de equilíbrio entre, por um lado a eficácia do registo relativa à publicidade obrigatória e, por outro lado, a necessidade de protecção dos dados de carácter pessoal. Um outro ponto de equilíbrio que se impõe é o da proporção entre a publicidade de actos de registo e a protecção do segredo da escrituração mercantil.5
    Desde logo, a proibição de acesso de terceiros a dados pessoais informatizados e respectiva interconexão comporta excepções - cfr. art. 74º , n.º 2 do CC, aí se ressalvando a reserva delimitada pelos próprios actos do interessado em que os actos se mantenham reservados ou limitações que devam surgir, autorizando expressamente a Lei Básica o legislador a definir os casos em que poderá haver limitação dos direitos, como acontece no artigo 32º. Como escrevem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “estas excepções constituem outras tantas restrições ao direito de registo informático, sendo-lhes por isso aplicado o regime das restrições aos direitos, liberdades e garantias, pelo que só podem ter lugar quando exigidas pela necessidade de defesa de direitos ou bens constitucionalmente protegidos (defesa da existência do Estado, combate à criminalidade, protecção dos direitos fundamentais de outrem, etc.)”6
    
    No caso, mostra-se evidente que a limitação desde logo surge pelo interessado na protecção que os despachos recorridos visaram tutelar, ao registar uma actividade que deve ser do conhecimento público, sendo esse o objecto único da certificação pretendida.
    É certo que tanto para a elaboração dos registos, como na produção de meios de prova são divulgadas informações sobre pessoas individuais, que detêm as participações sociais, ou que são os titulares dos órgãos sociais. Entre esses dados, o estado civil, o nome do cônjuge, o regime de bens do casamento, o domicílio profissional que é muitas vezes a morada de casa de família, etc. Então, como encontrar o equilíbrio entre a divulgação de dados pessoais própria do registo comercial e a garantia de proteção dos dados pessoais? Seabra Lopes, realçando o carácter público do registo, diz que este não contém uma livre possibilidade, outrossim a necessária ponderação de divulgação dos dados pessoais, dos interesses da segurança do comércio jurídico, com a proteção de dados sensíveis. Mister é encontrar la giusta misura, ponderar a quantidade de informação prestada, o que implica saber, a quem e para quê vão servir os dados pessoais fornecidos, através de certidões ou informações relativas às “pessoas singulares já que só a estas – e não às pessoas coletivas – são aplicáveis as disposições constitucionais e legais”.7

Aliás, é a própria lei de Dados Pessoais, Lei n.º 8/2005 que prevê que o tratamento dos dados “não se aplica a tratamentos cuja única finalidade seja a manutenção de registos que, nos termos de lei ou regulamento administrativo, se destinem à informação do público e se encontrem abertos à consulta do público em geral ou de qualquer pessoa que possa provar um interesse legítimo.”
    Por outro lado, a lei já expressa, em capítulo próprio, no CRCom, o fim a que se destinam os dados do registo comercial, que é a manutenção de informação relativa aos empresários em nome individual e às pessoas colectivas, registo que passou a ser obrigatório e não pode ser utilizada para fins incompatíveis com a informação respeitante à situação jurídica das entidades registadas, cuja publicidade deve assegurar a segurança do comércio jurídico.
    Na decisão recorrida enfoca-se esta finalidade para aí se fundar o indeferimento, mas obnubila-se o facto de essa segurança jurídica, ela própria, decorrer do fim primeiro do registo que é o de dar publicidade à situação jurídica do empresário, como frontalmente se afirma logo no art. 1º do CRC.
    Certamente que o conceito de "segurança do comércio jurídico" (cfr. art. 1° do C.R.C.") deve ser entendido numa perspectiva de "certeza jurídica", e não num sentido de "confidencialidade do registo" como por lapso foi entendido pela Conservatória.
    Aliás, do próprio preâmbulo do decreto que o aprovou (Dec. Lei n.º 56/99/M, de 11 de Outubro, se colhe exactamente o que vimos afirmando: “O segredo é, tradicionalmente, considerado uma das condições do êxito no mundo dos negócios, mas cada vez mais se sente a necessidade de dar publicidade a certos tipos de situações das entidades que intervêm na vida empresarial, para desenvolvimento do crédito e para protecção dos próprios empresários, dos consumidores e do público em geral”.8
    
    Somos assim a concluir que a pretensa protecção de dados pessoais não pode impedir aquilo que o público tem o direito de saber, ou seja, se determinada pessoa é comerciante. Mais nada se pretende. Não há razões que impeçam o acesso a essa afirmação pelas apontadas razões, por maioria de razão, numa situação em que um profissional forense mostra um interesse legítimo, processualmente atendível em obter tal informação condicionante até da escolha dos meios a encetar.
    
    6. De outras razões aduzidas e não aduzidas para o indeferimento da certidão
    Invoca-se ainda, na sentença ora recorrida, com base no parecer pedido aos respectivos Serviços Técnicos, que era de sufragar a decisão do Exmo Senhor Conservador, com base num dos argumentos que nos parecem destituídos de fundamento.
    Respeita ele à falta do número de ordem do registo. Ora, com franqueza, como é que o público anónimo pode saber qual o número de ordem de determinado registo? Se o soubesse é porque sabia que F. era comerciante e assim já não precisava dessa certidão.
    Anota-se, desde logo, que esse não foi fundamento levado à recusa e aí andou bem o Senhor Conservador.
    Por outro lado, se essa era a razão para indeferir o requerimento, ela devia ser expressa e, quanto muito, pese a incoerência, não seria de indeferir mas de convidar o requerente a suprir os elementos em falta ou a suprir as informalidades que se considerasse serem impeditivas da passagem da certidão.
    Se o nome ou os elementos avançados não fossem bastantes para a pesquisa – o que se não deixa de estranhar e tanto mais que, dando como correcta a informação que nos é transmitida e comprovada por documento exibido, essas objecções não foram levantadas a respeito de pedido idêntico respeitante a outro comerciante (cfr. fls 59 a 619). Na verdade, não deixa de ser mesmo muito estranho, tratando-se de pedidos de certidão apresentados em dias seguidos, não obstante ser verdade o que se afirma na sentença recorrida, no fundo, de que não há igualdade na ilegalidade. O ponto reside em saber onde está a ilegalidade.
    Se este argumento foi recuperado na decisão ora sob escrutínio, os Serviços Técnicos aventaram ainda com um outro, qual seja o de o requerimento da certidão respeitar a comerciante e essa designação ter desaparecido do léxico legal.
    Se vamos responder a esta objecção é apenas porque o presente recurso é de substituição e não de cassação, razão por que, ao revogar-se o decidido e ao ordenar-se que se passe a certidão, importa averiguar se há razões legais, as apresentadas ou outras, que a tal obstem.
     Não colhe tal argumentação, desde logo, porquanto não obstante o CCom. deixar de considerar a denominação de comerciante, antes a de empresário em nome individual, o certo é que os registos continuam com tal designação, como está bem patenteado no documento de fls 61, pelo menos, admitimos, ainda que respeitantes aos registos anteriores ao novo C. Com. Daí decorre que, mesmo nessa perspectiva, sempre haverá registos em vigor em que se continua a usar tal denominação, donde ser legítimo perguntar por eles. E dentro dessa óptica como resolver a dificuldade se se inquirisse por um empresário em nome individual? Será que se indeferia o pedido porque ele ali constava como comerciante?
    Com todo o respeito, mas este argumento não faz sentido.
    De todo o modo, o que se verifica é que a entidade competente para apreciar o pedido e os Serviços tutelares não deixaram de compreender perfeitamente o que se pretendia, não podendo esse argumento servir para justificar o indeferimento. Tanto mais que a lei não o tipifica como tal.
    Na verdade, assenta o fundamento de recusa no art. 71.°, n.º 2, do CRC que define os requisitos gerais a que um pedido de certidão deve obedecer, de modo a facilitar o processo de pesquisa das informações requeridas por parte da Conservatória. Todavia, no que à recusa de passagem de certidão diz respeito, e ao contrário do que a sentença de que se recorre pretende concluir, o art. 73.°, n.º 4, do mesmo código é peremptório, estatuindo que a certidão só pode ser recusada quando o pedido não contiver os elementos necessários à pesquisa para a sua passagem. Daqui não decorre que todos os elementos sejam condição sine qua non da possibilidade de pesquisa, ou seja, há que interpretar no sentido de que a recusa só deverá ocorrer se não houver elementos necessários à pesquisa.
    
    Assim se conclui no sentido de que as razões avançadas para indeferir o pedido que se destinava a saber se aquele indivíduo é ou não comerciante não têm fundamento legal.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e, revogando o decidido, determina-se a passagem da certidão pedida, se outras razões, diferentes das que aqui foram escrutinadas, a tal não obstarem.
    Sem custas por não serem devidas.
Macau, 20 de Fevereiro de 2014,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 Parecer da PGR, P000201994, de 02/09/1995
2 Carlos Ferreira de Almeida, Publicidade e Teoria dos Registos, Almedina, 1966, 96

3 - .F. de Almeida, Publicidade e Teoria dos Registos, Coimbra: Ed. Almedina, p.195.
4 - Maria Filomena Costa Silva Loureiro, O Registo Comercial Obrigatório e o Princípio da Publicidade, UAL, 2012, 96

5 - Maria Filomena Costa Silva Loureiro, O Registo Comercial Obrigatório e o Princípio da Publicidade, UAL, 2012,
6 - Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª edição revista, 1993, págs. 218
7 . Vd. autora citada, Maria Filomena Loureiro, ob. cit., 99 e Seabra Lopes, Dto dos Registos e Notariado, 294 e 295
8 - A referência ao preâmbulo não esquece o comando inserto no n.º 1, 1) do art. 4º da Lei n.º 1/1999, mas mais não é a síntese que se colhe da “ratio legis” extraída das normas expressas no texto da lei.
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808/2011 25/25