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Processo nº 359/2012
(Recurso contencioso)


Relator: João Gil de Oliveira

Data: 16/Janeiro/2014


Assuntos:
- Ponte-cais; desocupação
- Princípio da igualdade
- Desvio de poder


SUMÁRIO :

1. Só há violação do princípio de igualdade se se constatar que as situações comparáveis são iguais, seja em termos de facto, seja em termos jurídicos. E é igualmente verdade que só pode existir direito à igualdade na legalidade e defender igualdade na ilegalidade seria pôr em causa os alicerces do sistema e do próprio estado de direito.
    2. O vício de desvio de poder consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiz com o fim que a lei visou ao conferir tal poder. Se as razões para uma desocupação radicam num projecto a desenvolver para a criação de um corredor de transportes públicos não se vislumbra que essa actuação esteja eivada de desvio de poder.
    3. A ocupação das pontes-cais em apreço é feita sob licença a título precário.
    4. A titularidade de direitos dos particulares sobre as pontes-cais deve respeitar um regime legal especial, não se compatibilizando facilmente o regime de possuidor como se titular de direito real se trate, num domínio marcado por uma utilização da coisa mediante uma licença precária.
    5. Um contrato de trespasse sobre uma ponte-cais, utilizada nos termos de uma licença precária, não constitui título aquisitivo de direito real, não sendo passível de integração na figura jurídica de concessão por aforamento, o que contraria a natureza e as finalidades da licença de uso sobre tais bens.

  O Relator,

  João A. G. Gil de Oliveira




Processo n.º 359/2012
(Recurso Contencioso)

Data : 16 de Janeiro de 2014

Recorrente: Companhia de Importação e Exportação B, Limitada.

Entidade Recorrida: Chefe do Executivo

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. COMPANHIA DE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO B LIMITADA, mais bem identificada nos autos, vem interpor
    RECURSO CONTENCIOSO do acto consubstanciado no despacho exarado pelo Sr. Chefe do Executivo em 13 de Março de 2012, na Proposta da Capitania dos Portos n.º 10/ATJ/2012, que ordenou a desocupação da ponte cais nº V.
    Para tanto, apresentou as suas alegações, tendo concluído da seguinte forma:
    1. O acto recorrido enferma de ilegalidades que, conforme se demonstrará, o tornam inválido e anulável;
    2. O despacho n.º 10/ATJ/2012 da Capitania dos Portos de Macau que o relatório n.º 2065/DDPDT/2010 e o oficio n.º 1102017/062017/DPT/2011, ambos da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), concluem que a faixa de rodagem ao lado das pontes cais n.ºs U e V só têm uma largura de 3,35 metros e que será necessário reservar estas pontes para a via pública para que se resolva o problema do "gargalo de trânsito" originado pela instalação de DBL, resultando do referido relatório que a DSAT sugere à Capitania dos Portos de Macau que diligencie as medidas necessárias à implementação do aludido projecto, com a consequente desocupação da ponte cais n.º U.
    3. No entender do ora Recorrente também este argumento da Capitania dos Portos de Macau torna o acto administrativo que determinou a desocupação da Ponte cais n.º U anulável, porquanto viola, de forma grosseira o princípio da igualdade, que se encontra plasmado no artigo 5.° do CPA; com efeito,
    4. Nem as decisões de indeferimento das licenças de ocupação das pontes cais n.ºs U e V, e nem a ordem de desocupação das mesmas, se estendeu aos ocupantes das restantes ponte-cais do Porto Interior, nomeadamente às pontes cais n.ºs W, X, Y e Z que se encontram totalmente alinhadas com as pontes cais n.º U e V.
    5. Por outro lado, nem sequer existe informação da data do início das obras da referida via, sendo certo que, da mesma forma que não se iniciaram até Dezembro de 2011, também não terão inicio até Dezembro de 2012, dado que o referido projecto de desenvolvimento da via exclusiva para autocarros se encontrou em fase de estudo, pelo menos até ao final do ano de 2011, não havendo quaisquer notícias relativas à adjudicação da sua construção.
    6. Daí que teremos de concluir que o acto recorrido padece ainda do vício de violação da lei, para além de se traduzir numa decisão desproporcional, inadequada e injusta relativamente aos direitos e interesses que o ordenamento jurídico da RAEM confere ao Recorrente.
    7. Ao decidir como decidiu, o Exmo. Senhor Chefe do Executivo desrespeitou também nesta parte os mais elementares princípios fundamentais do direito que regem a actividade da Administração Pública, nomeadamente o principio da igualdade e bem como o principio da proporcionalidade e adequação;
    8. Configurando uma enfermidade do acto por violação de lei, o que gera a anulabilidade do mesmo acto, como resulta do artigo 124° do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do n° 1 do artigo 21 ° do CPAC;
    9. Acresce que, o conceito de interesse público a que alude o art. 20° do supra aludido normativo (que prevê a possibilidade de extinção das licenças quando existirem motivos que de interesse público que o justifiquem) é um conceito jurídico indeterminado, gozando a Administração, neste domínio, de liberdade de escolha do elemento ou elementos atendíveis para o preenchimento de tal tipo de conceito, apenas "sancionável" pelo Tribunal no caso de assentar em erro patente ou critério inadequado;
    10. Por si só, a opção pela desocupação da Ponte-Cais n.º V, da autoria da Capitania dos Portos de Macau, por se considerar de interesse público a obtenção daquele espaço para a futura incorporação "numa via exclusiva para autocarros a construir desde as Portas do Cerco até à Barra", não revela nenhum erro patente ou uso de critério inadequado;
    11. Contudo, a actuação da Administração i) no que concerne às restantes pontes-cais existentes no Porto Interior - às quais continua a renovar as licenças de ocupação - e bem assim, ii) no que concerne ao licenciamento de novas construções recentemente edificadas no espaço físico onde alegadamente deveria ser construída a nova via pública exclusiva para autocarros;
    12. Demonstra que não existe qualquer vontade efectiva da Administração em prosseguir com a implementação da via referida no relatório da DSAT com o n.º 2065/DDPT/2010 de 15 de Dezembro, porque se assim fosse, não teria sido deferido nenhum pedido de renovação da licença de ocupação das restantes pontes-cais que integram o Porto Interior;
    13. Ora, pelas razões acima expostas e na modesta opinião do ora Recorrente, a decisão que determina a desocupação da Ponte-Cais n.º V da administração padece de um vício de desvio de poder;
    14. Pelo que, confrontada a fundamentação do despacho n.º 10/ATJ/201l da Capitania dos Portos de Macau anexo ao despacho do Sr. Chefe do Executivo de que ora se recorre, verifica-se que não poderá existir, por parte da administração, uma verdadeira intenção de prosseguir com a construção da via exclusiva para autocarros, pelo que deverá julgar-se procedente o vício de desvio de poder;
    15. Finalmente, como referido supra, o acto em apreço viola directamente direitos fundamentais reconhecidos pela RAEM;
    16. O essencial é o direito de propriedade da ora Recorrente sobre as edificações existentes no local.
    17. Foi, portanto, por acto inter vivos e oneroso que a Recorrente assumiu a propriedade da referida ponte e suas edificações já existentes;
    18. É que, essas edificações já existiam antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho;
    19. Ao suceder na posse da referida Ponte-cais por acto inter vivos, a posse do Recorrente deverá ser considerada como posse formal existente desde o primeiro possuidor da aludida Ponte-cais, ou seja, pelo menos desde meados do século passado;
    20. Durante todo esse período possessório, e tendo exercido pelo menos desde 1993 a mesma, sobre o referido imóvel, todos os actos inerentes ao direito de propriedade, a Recorrente encontra-se em condições de ver o seu direito reconhecido judicialmente;
    21. Do exposto resulta que a qualificação da ora Recorrente como proprietário das edificações existentes da ponte em causa, é incompatível com o efeito útil que se pretende com o acto recorrido, que configura uma verdadeira expropriação gratuita e injustificada;
    22. Considerando que, como se demonstrou supra, a ora Recorrente é possuidora da referida Ponte Cais cujas edificações foram construídas antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho.
    23. Ao contrário da aludida Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho, a Lei 6/73 de 13 de Agosto só estabelecia a reversão gratuita das construções em casos de violação do particular das suas obrigações;
    24. Nesta medida, o acto é anulável, por violar directamente o direito da Recorrente, enquadrável no âmbito do n.º 4 do artigo 5° da Lei de Terras; Por violar i) o artigo 17° da Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho e ii) a Lei 6/73 de 13 de Agosto (a contrário).
    NESTES TERMOS requer se anule o acto recorrido de desocupação da Ponte-Cais n.º V do porto interior no prazo de 15 dias, nos termos do disposto no artigo 21º, n.° 1 do CPAC, por se mostrar inquinado de:
    
    a) do vício de violação de lei por violação dos princípios da colaboração entre a Administração e os particulares, do princípio da protecção da confiança legítima, do princípio da boa fé e do princípio da proporcionalidade;
    b) do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de Facto;
    c) do vício de desvio de poder, e
    d) do vício de violação de lei por erro de direito.
    
    2. O Exmo Senhor Chefe do Executivo contesta, em síntese:

A recorrente entende que o acto administrativo de despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior praticado pelo Chefe do Executivo padece dos vícios que tinham sido indicados no recurso contencioso interposto contra o indeferimento de renovação da respectiva licença de ocupação a título precário (processo n.º 569/2011 do TSI), tais como violação dos princípios da igualdade, da adequação e da proporcionalidade, desvio de poder e erro na aplicação da lei.

Como o acto administrativo de indeferimento do pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior acima referido, o acto administrativo do Chefe do Executivo de mandar despejar a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior também não padece de qualquer vício.

A última licença de ocupação da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior a título precário obtida pela recorrente expirou em 31 de Dezembro de 2010, e não foi aprovado o seu pedido de renovação da licença de ocupação a título precário, pelo que a recorrente não tem legitimidade para ocupar a respectiva ponte-cais.

Nos termos do art.º 24.º da Lei n.º 6/86/M (Domínio Público Hídrico), em remissão para art.º 171.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras), o Chefe do Executivo ordenou o despejo do antigo titular da licença de ocupação da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior. O referido artigo atribui ao Chefe do Executivo competência restrita em vez de poder discricionário, pelo que é impossível a existência do vício da violação dos princípios no direito administrativo indicado pela recorrente, que só pode ser verificada no exercício do poder discricionário.

Nos artigos 82.º a 106.º da petição inicial, a recorrente entende que o seu direito à respectiva ponte-cais deve ser reconhecido como direito de concessão de arrendamento a longo prazo, e por tratar-se da questão de natureza do direito e do assunto de renovação da licença de ocupação a título precário, se existisse o referido vício (de facto, não existe qualquer vício), deve ser o acto do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de não aprovar a renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior em vez do acto administrativo do Chefe do Executivo de mandar despejar esta ponte-cais.

O que afecta os direitos e interesses da recorrente é o acto administrativo da Administração Pública de indeferir o seu pedido de renovação da licença de ocupação a título precário, e o presente recurso está dirigido contra o acto administrativo baseado na expiração da referida licença de ocupação e no facto de que a recorrente não se desocupou da ponte-cais, pelo que não se deve confundir estes dois actos, e os vícios indicados pela recorrente no recurso contencioso interposto contra o primeiro acto administrativo não devem ser julgados de novo no presente recurso, e mesmo que o tribunal procedesse ao julgamento dos vícios, deve-se indeferir o recurso como é referido no acórdão para o processo n.º 569/2011 do TSI.

O presente recurso contencioso está dirigido contra a ordem de despejo da Ponte-Cais n.º V dada pelo Chefe do Executivo porque após a expiração da licença de ocupação a título precário, a recorrente ainda não desocupou-se da respectiva ponte-cais, por isso, não se pode confundir isso com a não renovação da licença de ocupação a título precário, nem se pode entender que a ordem de despejo violou o princípio da igualdade porque foram renovadas as licenças de ocupação das outras pontes-cais.

Segundo o princípio da igualdade, para as situações que forem realmente as mesmas, a Administração Pública tem de proceder ao tratamento igual e não deve ser afectada por outros factores.

A recorrente já não tem legitimidade para ocupar a respectiva ponte-cais, pelo que a ocupação por parte da recorrente é ilegal, não se pode comparar a respectiva ponte-cais com as outras pontes-cais que obtiveram a renovação da licença de ocupação a título precário e em consequência, invocar a desigualdade, porque trata-se de duas situações diferentes, e a ocupação das outras pontes-cais é legal.

Como é que a ocupação ilegal pode ser comparada com a ocupação legal e em consequência, invoca-se o princípio da igualdade? As duas situações não são comparáveis, razão pela qual não existe o vício de violação do princípio da igualdade.

Nos artigos 41.º a 47.º da petição inicial, a recorrente entende que a construção de Corredores Exclusivos para Autocarros não pode ser iniciada e concluída em curto prazo, e que o respectivo acto administrativo padece do vício de violação do princípio da proporcionalidade. Este fundamento da recorrente, na melhor das hipóteses, só pode ser apresentado contra a decisão de não renovar a licença de ocupação da respectiva ponte-cais indicada no ponto 9 da presente contestação (apesar de não se verificar o respectivo vício), e não contra o acto administrativo recorrido em causa.

No processo de recurso contencioso n.º 569/2011, o TSI já julgou o vício de violação do princípio da proporcionalidade e indeferiu o respectivo recurso contencioso.

Quanto à ocupação ilegal da ponte-cais por parte da recorrente, para cumprir a responsabilidade de gestão eficaz dos terrenos da RAEM, o Chefe do Executivo não tem outra escolha, só pode fazer parar a ocupação ilegal da respectiva ponte-cais, dar a ordem de despejo para efeitos de interesse público, e reservar o respectivo terreno para a construção de Corredores Exclusivos para Autocarros, pelo que não existe o vício de violação do princípio da proporcionalidade.

Nos artigos 71.º e 72.º da sua petição inicial, a recorrente entende que a Administração Pública não tem vontade real de construir Corredores Exclusivos para Autocarros, senão não teria aprovado os pedidos de renovação das licenças de ocupação a título precário das outras pontes-cais, pelo que a decisão do despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior padece do vício de desvio de poder.

O acto administrativo recorrido foi praticado para parar a ocupação ilegal da ponte-cais por parte da recorrente, e a respectiva ordem de despejo não se encontra no poder discricionário da Administração Pública, pelo que não se verifica o vício indicado pela recorrente.

Em relação à vontade da Administração Pública de construir Corredores Exclusivos para Autocarros, cabe à Administração Pública considerar se aprova o pedido da recorrente de renovação da licença de ocupação a título precário.

Mesmo que entenda-se que a Administração Pública não exerceu competência restrita, a recorrente também não indicou factos concretos ou forneceu respectiva prova na petição inicial da diferença entre o objectivo atribuído pela lei e o objectivo que a Administração Pública quer atingir através do acto administrativo recorrido.

No processo administrativo não se encontra qualquer dado de que o supracitado objectivo é alterado, pelo que o acto administrativo recorrido não padece do vício de desvio de poder.

A Administração Pública nunca admitiu que a recorrente ou qualquer antigo titular eram proprietários da referida ponte-cais e das edificações aí existentes, porque as licenças emitidas à recorrente pela Capitania dos Portos são todos licenças de ocupação a título precário.

De acordo com a certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial em 29 de Agosto de 2011, a recorrente não procedeu em seu nome ao registo predial da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior.

Segundo a Portaria n.º 122/89/M de 31 de Julho, a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior encontra-se no domínio público hídrico de Macau, e a recorrente não é proprietário desta ponte-cais e das edificações aí existentes, nem pode invocar o direito de propriedade de qualquer natureza.

Após o estabelecimento da RAEM, a recorrente não pode obter o reconhecimento de propriedade privada ou domínio útil da respectiva ponte-cais através de decisão judicial, pelo que é impossível que o acto administrativo recorrido viole o art.º 5.º, n.º 4 da Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras).

A recorrente podia usar e ocupar as edificações na respectiva ponte-cais por ter a licença de ocupação a título precário, pelo que deve-se aplicar lei reguladora das licenças de ocupação a título precário.

A última licença de ocupação a título precário obtida pela recorrente foi emitida pela Capitania dos Portos de acordo com a Lei n.º 6/86/M (Domínio Público Hídrico), aplicada pela Lei n.º 1/1999 (Lei de Reunificação), no dia 9 de Dezembro de 2009, e expirou em 31 de Dezembro de 2010 (vide as fls. 49 do processo administrativo). O Secretário para os Transportes e Obras Públicas fez a decisão de não renovar a referida licença conforme a mesma lei, pelo que não se revela fundamentada a aplicação ao assunto de renovação da licença da Lei n.º 6/73 que foi previamente revogada pela Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras).

Nos termos do art.º 8.º, n.º 2 do Código Civil, “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”, e quanto à interpretação da primeira parte do art.º 17.º, n.º 3 da Lei n.º 6/86/M (Domínio Público Hídrico) – “o disposto nos números anteriores é inaplicável em caso de renovação da concessão ou da licença…” – obviamente este número quer regular os casos de renovação da concessão ou da licença, ou seja casos de autorização de renovação, e não há palavras de que trata-se do caso de indeferimento de renovação; ademais, segundo a segunda parte do n.º 3 – “…cuja renda ou taxa pode ser actualizada sem tomar em conta o valor das benfeitorias introduzidas” – pode-se ver que não se trata do caso de indeferimento de renovação, porque só existe ajustamento de renda ou taxa em caso de renovação da concessão ou da licença.

Quer segundo o art.º 17.º da Lei n.º 6/86/M, quer segundo o art.º 24.º desta Lei, em remissão para o art.º 75.º da Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras), a recorrente não tem direito a ser indemnizada pela caducidade da licença de ocupação a título precário.

Pelos expostos, o acto administrativo recorrido não padece do vício de erro na aplicação da lei.

Os fundamentos apresentados pela recorrente no presente recurso contencioso e no processo de recurso contencioso n.º 569/2011 do TSI são os mesmos, pelo que o acto administrativo recorrido não padece do vício de erro na aplicação da lei.

Pelo exposto, pede se julgue improcedente o recurso.
    
    3. A "COMPANHIA DE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO B LIMITADA", recorrente nos autos à margem referenciados, veio apresentar as suas ALEGAÇÕES FACULTATIVAS, concluindo:
I. O acto recorrido enferma de ilegalidades que, conforme se demonstrará, o tornam inválido e anulável;
II. Confrontada a argumentação do acto recorrido verifica-se que existe uma clara discrepância entre aquilo que é dito e a realidade dos factos, tudo isto, em claro prejuízo da posição jurídica do ora Recorrente.
III. Diz o acto recorrido que, porque a faixa de rodagem ao lado das pontes cais n.º s U e V só têm uma largura de 3,35 metros, o espaço físico pertencente à Ponte-Cais n.º U e V serão afectados à construção da via pública destinada à circulação exclusiva de autocarros, que se prolongará das Portas do Cerco até à Barra.
IV. Porém, as pontes cais n.º s W, X, Y e Z encontram-se totalmente alinhadas com as pontes cais n.º U e V e nem por isso as decisões de indeferimento das licenças de ocupação das pontes cais n.º s U e V, e nem a ordem de desocupação das mesmas, se estendeu aos ocupantes das mencionadas restantes ponte-cais.
V. Encontrando-se a ponte-cais do ora Recorrente em igualdade de circunstâncias com muitas outras pontes-cais do Porto Interior, a decisão ora em Recurso prejudica exclusivamente o direito do ora Recorrente e de "C", enquanto detentores da licença de ocupação da Ponte n.º U e V, porquanto só estes serão atingidos no seu direito de explorarem e ocuparem as respectivas pontes-cais.
VI. Donde resulta que o acto recorrido viola o principio da igualdade plasmado no artigo 5.º do CPA.
VII. Por outro lado, a implementação de um projecto de desenvolvimento de uma via exclusiva para autocarros desde as Portas do Cerco até à Barra, que implicará, alegadamente, a ocupação dos espaços onde hoje se encontram as Pontes Cais nºs U e V, dificilmente envolverá a curto prazo a construção da referida via exclusiva à circulação de autocarros.
VIII. Os trabalhos de construção, ou mesmo outros de preparação, não tiveram início até à presente data, mais de dois anos volvidos do indeferimento da renovação da licença ao ora Recorrente.
IX. De todos os documentos juntos aos presentes autos não se extrai qualquer informação relativamente à aprovação do plano de construção do Corredor Exclusivo para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, nem se existe data prevista para o início dos trabalhos de construção e nem se é necessário impedir, de imediato, qualquer particular de utilizar o espaço ocupado pela Ponte Cais n.º V para efectivação de tal projecto.
X. De todos os documentos juntos aos presentes autos, apenas se extrai que a construção do Corredor Exclusivo para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra está ainda em fase de estudo, e que, com base apenas em recomendações da empresa de consultadoria encarregue de levar a cabo o referido estudo, a DSAT tem vindo a por em prática algumas medidas com vista à preparação e implementação do referido Corredor.
XI. Destarte, a prossecução do projecto de construção da via pública exclusiva para autocarros, que fundamentou o interesse público que justifica a extinção da licença de ocupação em causa e agora a desocupação da Ponte-Cais n.º V, não ficaria minimamente afectada com a continuidade da exploração da ponte cais por parte da ora Recorrente.
XII. Donde se conclui que não existe uma verdadeira adequação e ou proporcionalidade entre os objectivos a realizar, e os prejuízos que a decisão da Administração provoca na esfera jurídica da ora Recorrente, porquanto a curto médio prazo, apenas subsistirão prejuízos deste último, e não necessariamente, a prossecução do fim público pretendido.
XIII. Assim, o acto recorrido padece ainda do vício de violação da lei, para além de se traduzir numa decisão desproporcional, inadequada e injusta relativamente aos direitos e interesses que o ordenamento jurídico da RAEM confere ao Recorrente.
XIV. Muito embora o vicio de violação de lei vício ocorra normalmente no exercício de poderes vinculados, o certo é que não deixa de se verificar no exercício de poderes discricionários quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam a discricionariedade administrativa, tais como o da imparcialidade, igualdade, justiça, entre outros.
XV. É que, a lei ao conferir os poderes discricionários pretende que eles sejam exercidos em face da existência de certas circunstâncias cuja apreciação conduza o agente a optar, entre as várias soluções possíveis, pela que considere mais adequada à realização do fim legal.
XVI. O acto em apreço causa graves prejuízos e de difícil reparação ao recorrente e aos interesses que este persegue, violando assim directamente direitos fundamentais, para além de violar, do mesmo modo, os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça consagrados nos artigos 5º, 7º e no nº 2 do artigo 138º, todos do Código de Procedimento Administrativo.
XVII. Salvo devido respeito que é muito, ao decidir como decidiu, o Exmo. Senhor Chefe do Executivo desrespeitou os princípios fundamentais do direito que regem a actividade da Administração Pública, nomeadamente o princípio da igualdade, da proporcionalidade e justiça, configurando uma enfermidade do acto por violação de lei, o que gera a anulabilidade do mesmo acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do n.º 1 do artigo 21º do CPAC.
XVIII. A decisão recorrida que ordena a desocupação da Ponte-Cais n.º V da administração configura um vício de desvio de poder, urna vez que, no exercício dos poderes discricionários que lhe são conferidos, a Administração utilizou a sua competência para finalidade diversa daquela para que a lei conferiu tal competência e por motivos determinantes que não condigam com o fim visado pela lei.
XIX. Na verdade, a actuação da Administração i) no que concerne às restantes pontes-cais existentes no Porto Interior - às quais continua a renovar as licenças de ocupação - e bem assim, ii) no que concerne ao licenciamento de novas construções recentemente edificadas no espaço físico onde alegadamente deveria ser construída a nova via pública exclusiva para autocarros e iii) na total falta de iniciativa no que respeita ao início dos trabalhos de construção do corredor de autocarros em causa, demonstra que não existe qualquer vontade efectiva, imediata e urgente da Administração em prosseguir com a implementação da via referida no relatório da DSAT com o n.º 2065/DDPT/2010 de 15 de Dezembro.
XX. A existir a vontade efectiva de se construir a via pública exclusiva para a circulação de autocarros, o referido projecto teria uma envergadura semelhante à implementação do percurso do sistema de metro ligeiro, que recentemente esteve em discussão na RAEM, isto porque, a construção da via em questão iria configurar uma profunda alteração da estrutura viária e habitacional de uma parte significativa da península de Macau, para a qual a Administração não iria avançar, sem antes promover um processo de consulta pública, que se iria arrastar, certamente, por um período alargado, que não se coaduna com determinação de desocupação imediata da Ponte-Cais n.º V.
XXI. Por outro lado, a implementação daquela via, deverá implicar a destruição da maioria, senão da totalidade e certamente daquelas pontes cais que se encontram totalmente alinhadas com as pontes cais n.ºs U e V Porto Interior, pelo que não se percebe, qual o fundamento para só se indeferir o pedido de renovação da licença de ocupação das Pontes U e V e agora para só se determinar a desocupação destas duas últimas.
XXII. Assim, confrontada a fundamentação do despacho nº 10/ATJ/2011 da Capitania dos Portos de Macau anexo ao despacho do Sr. Chefe do Executivo de que ora se recorre, verifica-se que não poderá existir, por parte da administração, uma verdadeira intenção de prosseguir com a construção da via exclusiva para autocarros, pelo que deverá julgar-se procedente o vício de desvio de poder.
XXIII. Finalmente, como referido supra, o acto em apreço viola directamente direitos fundamentais reconhecidos pela RAEM;
XXIV. O essencial é o direito de propriedade da ora Recorrente sobre as edificações existentes no local.
XXV. Foi, portanto, por acto inter vivos e oneroso que a Recorrente assumiu a propriedade da referida ponte e suas edificações já existentes;
XXVI. É que, essas edificações já existiam antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho;
XXVII. Ao suceder na posse da referida ponte-cais por acto inter vivos, a posse do Recorrente deverá ser considerada como posse formal existente desde o primeiro possuidor da aludida ponte-cais, ou seja, pelo menos desde meados do século passado;
XXVIII. Durante todo esse período possessório, e tendo exercido pelo menos desde 1993 a mesma, sobre o referido imóvel, todos os actos inerentes ao direito de propriedade, a Recorrente encontra-se em condições de ver o seu direito reconhecido judicialmente;
XXIX. Do exposto resulta que a qualificação da ora Recorrente como proprietário das edificações existentes da ponte em causa, é incompatível com o efeito útil que se pretende com o acto recorrido, que configura uma verdadeira expropriação gratuita e injustificada;
XXX. Considerando que, como se demonstrou supra, a ora Recorrente é possuidora da referida Ponte Cais cujas edificações foram construídas antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho.
XXXI. Ao contrário da aludida Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho, a Lei 6/73 de 13 de Agosto só estabelecia a reversão gratuita das construções em casos de violação do particular das suas obrigações;
XXXII. Nesta medida, o acto é anulável, i) por violar directamente o direito da Recorrente, enquadrável no âmbito do n.º 4 do artigo Sº da Lei de Terras; ii) o artigo 17º da Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho e iii) a Lei 6/73 de 13 de Agosto (a contrário).

Nestes termos e nos melhores de direito requer que se anule o acto recorrido, nos termos do disposto no artigo 21º, nº 1 do CPAC, por se mostrar inquinado de:
a) do vício de violação de lei por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e justiça,
b) do vício de desvio de poder,
c) do vício de violação de lei por erro de direito.

4. O Exmo Senhor Procurador Adjunto ofereceu o seguinte douto parecer:
Vem "Companhia de Importação e Exportação B, Lda'' impugnar o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 13/3/12 que ordenou à recorrente a desocupação da ponte-cais n° V, no prazo de 15 dias a contar da notificação e devolver o terreno ao Governo da RAEM, devendo remover os bens que ainda ali permaneçam, sem direito a qualquer indemnização, assacando-lhe vícios que condensa, em sede de alegações, em violação de lei, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e justiça, desvio de poder e erro de direito, por atropelo de direitos constituídos.
Cremos que, sem qualquer razão.
Respeitando o assunto, objectivamente, a situação sobre a mesma ponte-cais e com argumentação similar à já tratada no domínio do proc. 569/2011, a propósito da renovação da licença de ocupação, não poderá, como é óbvio, a nossa perspectiva afastar-se do ali já referido e decidido sobre grande parte da matéria.
Analisando, pois:
Igualdade
Invoca a recorrente a afronta deste princípio, na perspectiva de que, fundando-se o decidido na necessidade da construção da via pública destinada à circulação exclusiva de autocarros, que se prolongará das Portas do Cerco até à Barra, apenas as pontes-cais n.ºs U e V são atingidas no seu direito de exploração, não se estendendo a decisão de indeferimento das licenças de ocupação aos ocupantes das restantes pontes-cais do Porto Interior, não se aplicando, assim, os mesmos critérios "a todos aqueles que poderão ter direitos conflituantes com o alegado interesse público sem excepção".
Ora, não é, manifestamente, assim.
Conforme claramente decorre do procedimento, para a construção da faixa de rodagem em questão, apenas se impôs a remoção das pontes-cais nºs U e V por o pavimento junto às mesmas ter pouca largura (cerca de 3,35 metros), urgindo, pois, resolver a situação de "gargalo" ali existente, não se vendo que situação similar se apresente ou aponte relativamente a qualquer das outras estruturas congéneres existentes na zona.
Donde, tratando-se de situações distintas, não fazer sentido falar-se em afronta de igualdade.
Proporcionalidade e Justiça
Tanto quanto nos é dado apreender, é assacado o atropelo deste princípio a dois níveis, confundindo-se um deles com a questão da diferenciação relativa aos restantes titulares do direito de exploração das pontes-cais não abrangidas por medida similar à aqui questionada, matéria sobre que, por já abordada, não vemos necessidade de maiores alongamentos, sendo que a outra vertente se prende com o facto de, no critério da recorrente, a obra pública em questão não ser "iminente", não se encontrar prevista a curto prazo, não existindo ainda data prevista para o início dos trabalhos, encontrando-se ainda em fase de estudo, pelo que não se tomaria necessário impedir de imediato a utilização do espaço por si ocupado.
Mas, a verdade é que, mesmo que os trabalhos nas instalações, ocupadas a título provisório pela recorrente, não se tenham que iniciar de imediato, o lançamento da obra em questão pressupõe, como é bom de ver, que as mesmas estejam livres para ser entregues ao empreiteiro, ao que acresce que, enquadrando-se a obra na coordenação e implementação de planos de médio e longo prazo de gestão do tráfego (metro ligeiro incluído), o estudo para a execução do corredor exclusivo para autocarros terá já sido entregue a equipa de engenharia, pelo que a "urgência" da obra não poderá deixar de ser equacionada a essa luz, não se compadecendo com a delonga que derivaria de eventual permanência e continuação da actividade da recorrente na ponte-cais em questão.
Daí que, pese embora se compreendam os inconvenientes para a interessada, decorrentes não só da não renovação da licença de utilização, como do impedimento da continuação da sua actividade no local se não veja, em boa verdade, que, no encalce do interesse público decorrente da execução da obra em causa, a Administração pudesse lançar mão de qualquer outra medida menos "afrontosa'', dos interesses da recorrente (nem esta, verdadeiramente, põe em crise que o alargamento da via se tome necessária, não demonstrando que outra ou outras medidas pudessem ser prosseguidas com esse intuito e com menor gravame), não sendo, pois, o seu sacrifício desmesurado em relação ao imenso benefício que para a Região e seus residentes resulta da execução da obra de alargamento da via em causa, entre dois pontos nevrálgicos da circulação rodoviária na cidade, pelo que também mal se vê como validamente esgrimir com pretensa ofensa da proporcionalidade, o mesmo se podendo, aliás, dizer relativamente à justiça, já que, como doutamente se acentua no acórdão a que acima nos reportámos "... injusto seria que os utentes dos transportes públicos que se deslocam da Barra para as Portas do Cerco, e vice-versa, não pudessem percorrer o trajecto em condições mais rápidas e com outro conforto; injusto seria que os condicionamentos na zona do Porto Interior não fossem resolvidos e se arrastassem sem solução, com congestionamentos no trânsito e atropelos até à saúde dos utentes, transeuntes e moradores; injusto seria se, havendo uma solução que a todos beneficia, não pudesse ela ser adoptada por causa de poucos por ela prejudicados".
Desvio de Poder
Pretende a recorrente que "o motivo principalmente determinante da prática do acto ... não condiz. com o fim visado pela lei na concessão do poder discricionário", esgrimindo, uma vez mais, com o facto de continuarem a ser concedidas às restantes pontes-cais as licenças de ocupação, ao licenciamento de novas construções "... no espaço público onde alegadamente deveria ser construída a nova via pública exclusiva para autocarros" e a total falta de iniciativa no que respeita ao inícios dos trabalhos respectivos.
Ora, essa asserção é que fica por demonstrar, isto é, nada existe no procedimento, nem a recorrente comprova, que, pelo facto de continuarem a ser concedidas aquelas outras licenças de ocupação de pontes-cais, ou, porventura, terem sido licenciadas ali novas construções, tal seja efectivamente impeditivo da construção da via pública destinada à circulação exclusiva de autocarros desde as Portas do Cerco à Barra, com coordenação e execução de planos recentes e a longo prazo da RAEM, fim de interesse público prosseguido pelo acto e que, portanto, a Administração tenha abandonado o projecto, queira favorecer os ocupantes das restantes pontes-cais ou prejudicar dolosamente a recorrente, não se descortinando, assim, que exista qualquer discrepância entre o fim real prosseguido pela Administração e o fim concedido pela lei para a prossecução daquele interesse público.
Direitos constituídos
Pretextando que a propriedade sobre a ponte-cais em questão fora já reconhecida pela Administração aos seus antecessores, que a "posse e sucessões" perfazem um período superior a 75 anos e que as construções implantadas correspondem a um investimento substancial incompatível com licença precária anual, tendo aquele investimento sido previamente autorizado pela Administração, almeja a recorrente o direito foreiro, no âmbito de uma concessão por arrendamento, com propriedade das edificações implantadas.
Mas, também aqui sem sucesso.
Dispondo, além do mais, o art. 7° da LBRAEM que "Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau", e, tendo o acórdão do Venerando TUI, proferido no âmbito do proc. 32/2005, publicado no B.O., II Série, de 2/8/06, consignado que "Após o estabelecimento da Região, não se pode obter o reconhecimento de propriedade privada ou domínio útil a favor de particulares, dos referidos terrenos, através de decisão judicial, independentemente de acção a ser proposta antes ou depois da criação da Região", todo o argumentado pela recorrente, sendo estimável, se revela inócuo, já que, para além de a ponte-cais em questão sempre ter pertencido ao domínio hídrico de Macau, por força do art. 1° da Lei de Domínio Público Hídrico (Lei 6/86/M de 26/7), qualificação que nunca mudou antes do estabelecimento da RAEM, nunca, quer antes, quer depois desse estabelecimento, logrou efectivar o registo, a seu favor, do direito de propriedade, ou qualquer outro direito real, designadamente de concessão por aforamento ou qualquer outro direito real sobre a dita ponte-cais, constatando-se a existência, apenas, de mera licença de ocupação a título provisório emitida pela Capitania dos Portos, nada lhe permitindo arrogar-se, como o faz, neste domínio.
Tudo razões por que se entende não merecer provimento o presente recurso.

5. Foram colhidos os vistos legais.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.

    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes, o que resulta do PA, da documentação junta e da prova testemunhal produzida:

     A ora recorrente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de importação e exportação de bens e produtos.
    Por contrato de trespasse outorgado no Cartório Notarial do Dr. Alexandre Correia da Silva, em 12 de Outubro de 1993 os então proprietários da Ponte Cais n° V e titulares da licença de título precário da ponte de atracação, D; F e G, trespassaram a referida licença a favor da ora recorrente.
    Na sequência da outorga do aludido contrato de trespasse, em 19 de Outubro de 1993, a ora recorrente solicitou à então Capitania dos Portos do Governo de Macau, a transmissão para seu nome da licença de exploração da Ponte-Cais n.º V.
    Transmissão essa que foi deferida por oficio n.º 1040/547/CP da Capitania dos Portos de Macau datado de 21 de Outubro de 1993.
    Desde então a recorrente tem explorado publicamente a Ponte-Cais n.° V do Porto Interior, aí se se encontrando normalmente atracadas diversas embarcações e instalado um estabelecimento de venda de peixe e marisco, de seu nome H蟹欄, aí se encontrando também a sede da sociedade ora recorrente.
    Em 10 de Julho de 2006, a ora Requerente, na qualidade de proprietária da Ponte-Cais n.º V e na qualidade de representante do proprietário da Ponte cais n.º U deram entrada na DSSOPT de um projecto conjunto de desenvolvimento de ambos os cais,
    O aludido projecto consistia na construção de um edifício de três andares, no qual se incluía uma estação de carga e descarga de pescado, estacionamento de embarcações, zona de comércio de produtos do mar, um estabelecimento de comidas e bebidas e ainda de uma área destinada a instalar os escritórios de ambos os requerentes da licença de construção.
    pós entrega do aludido projecto, em 8 de Novembro de 2006, os requerentes da licença, obtiveram o parecer positivo da DSSOPT que condicionou a atribuição da licença das obras a efectuar nas duas pontes cais à emissão de pareceres pela Capitania dos Portos de Macau, Companhia de Electricidade de Macau, Corpo de Bombeiros e Gabinete de Planeamento.
    A Capitania dos Portos de Macau, depois de convidada pela DSSOPT para se pronunciar quanto à viabilidade do projecto apresentado pelos acima identificados requerentes, veio opor-se à emissão da licença de construção com os fundamentos constantes do despacho n.º 13906/DURDEP/2006 de 10 Agosto.
    A recorrente foi desde Out./1993 titular da licença de ocupação a título precário da Ponte Cais n.º V até 31/12/2010.
    As diferentes pontes cais encontram-se de um modo geral alinhadas entre si, mas existem à frente de cada uma delas, estrangulamentos diferentes subordinados a condicionantes diversas.
    Por via do despacho do Exmo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas em 5 de Julho de 2011, na proposta n." 57/DAPE-ATJ/2011 foi-lhe indeferida a renovação da licença de ocupação a título precário,
    Decisão com a qual o ora recorrente não se conformou tendo inclusive da mesma recorrido contenciosamente, tendo sido proferida decisão já transitada em seu desfavor.
    Vindo a presente entidade recorrida, através do acto ora sob recurso, determinar a desocupação por parte da ora recorrente da Ponte-Cais n.º V nos termos que melhor constam do acto recorrido.

O despacho que ordenou a desocupação da Ponte-Cais n.º V foi notificado nos seguintes termos:
    
“Assunto: Despejo da Ponte N.º V do Porto Interior e sua reversão ao Governo da RAEM

Aos advogados ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ...... (......), ...... (......), ...... (......), ......, ...... (......):
I. De acordo com o despacho proferido pelo Chefe do Executivo na Informação n.º 10/ATJ/2012 da Capitania dos Portos em 13 de Março de 2012, notifica-se no seguinte:
Para a construção de corredores exclusivos para autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, é necessário reservar a Ponte N.º V do Porto Interior como via pública, e analisando as respectivas situações, o Chefe do Executivo, ao abrigo dos dispostos no art.º 7.º da Lei Básica, e nos art.ºs 41.º, al. o) e 174.º, n.º 1, al. c) da Lei de Terras, deu a seguinte ordem:
1. A titular da licença de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior – a Companhia de Importação e Exportação B Limitada – deve desocupar-se da Ponte N.º V do Porto Interior no prazo de 15 dias a contar da recepção da notificação, a fim de reverter este terreno ao Governo da RAEM, mas não tem direito a qualquer indemnização;
2. O interessado deve proceder à remoção dos bens deixados na Ponte N.º V do Porto Interior no prazo acima referido;
3. Em relação aos bens deixados na Ponte N.º V do Porto Interior após o prazo acima referido, por não haver normas correspondentes na Lei n.º 6/86/M ou na Lei de Terras, deve-se aplicar por analogia o art.º 30.º do Decreto-Lei n.º 6/93/M, de 15 de Fevereiro, ou seja que estes bens podem permanecer temporariamente no local indicado pela Capitania dos Portos depois de serem registados num auto; e caso não tenham sido reclamados os respectivos bens no prazo de 15 dias, serão considerados abandonados e perdidos;
4. Se o interessado não cumprir o seu dever, nos termos do art.º 144.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, ficam todas as despesas, incluindo indemnizações e sanções pecuniárias, por conta do interessado.
Consta do anexo o extracto da Informação n.º 10/ATJ/2012 da Capitania dos Portos.

Nos termos do art.º 149.º do Código do Procedimento Administrativo, o interessado pode apresentar reclamação ao Chefe do Executivo no prazo de 15 dias a contar da recepção do presente ofício.
Nos termos do art.º 25.º, n.º 2 do Código do Processo Administrativo Contencioso e do art.º 36.º, al. 8) da Lei n.º 9/1999, republicada no Despacho do Chefe do Executivo n.º 265/2004, o interessado pode interpor recurso contencioso da supracitada decisão ao Tribunal de Segunda Instância no prazo de 30 dias a contar da recepção do presente ofício.
O interessado pode consultar o processo da Ponte N.º V do Porto Interior no Departamento de Assuntos Portuários e Embarcações da Capitania dos Portos nas horas de funcionamento.

II. Se o interessado não cumprir o dever segundo a notificação acima referida, ficam por sua conta todas as despesas. Para o efeito, a Capitania dos Portos vem, de acordo com o princípio da boa fé previsto pelo art.º 8.º do Código do Procedimento Administrativo, emitir as seguintes instruções:
Ficam por conta do interessado todas as despesas para a remoção e o tratamento dos bens deixados na Ponte N.º V do Porto Interior, pagas pelo Governo da RAEM, incluindo as despesas de transporte, armazenagem, guarda e limpeza. O montante das despesas é fixado conforme as circunstâncias concretas, prevalecendo a liquidação final. Tomando como referência casos semelhantes, as referidas despesas serão cerca de MOP$200.000,00 a MOP$600.000,00.

Director
(Ass.- vide o original)
xxxxxx (xxxxxx)”



O despacho proferido louvou-se na informação seguinte:
Anexo
Extracto da Informação n.º 10/ATJ/2012 da Capitania dos Portos

I. Relatório
1. Ponte N.º V do Porto Interior, n.º de cadastro 10XXXXXX.
De acordo com a certidão de registo predial emitida pela Conservatória do Registo Predial em 29 de Agosto de 2011, a Ponte N.º V do Porto Interior não se encontra descrita na CRP.

2. A última licença de ocupação a título precário (n.º 257/2009) da Ponte N.º V do Porto Interior expirou em 31 de Dezembro de 2010, e a sua titular é a Companhia de Importação e Exportação B Limitada.
Depois, o Governo da RAEM não concedeu qualquer nova licença de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior.

3. A Companhia de Importação e Exportação B Limitada apresentou no dia 14 de Outubro de 2010 à Capitania dos Portos requerimento de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior para o ano 2011.
Para o supracitado requerimento, no dia 5 de Julho de 2011, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu despacho na Informação n.º 57/DAPE-ATJ/2011 da Capitania dos Portos, indeferindo o requerimento de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior e solicitando que a titular da última licença de ocupação a título precário, ou seja a Companhia de Importação e Exportação B Limitada, procedesse à remoção dos bens desmontáveis no prazo de 30 dias, a fim de devolver a Ponte ao Governo da RAEM.

4. A Capitania dos Portos já notificou, em 11 de Julho de 2011, o interessado dos seguintes assuntos através do ofício n.º SATJ1100196C:
“De acordo com o despacho proferido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas em 5 de Julho de 2011 na Informação n.º 57/DAPE-ATJ/2011, notifica-se no seguinte:
1. Indefere-se o requerimento de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior;
2. Solicita-se que a titular da última licença de ocupação a título precário, ou seja a Companhia de Importação e Exportação B Limitada, proceda à remoção dos bens desmontáveis no prazo de 30 dias, a fim de devolver a Ponte ao Governo da RAEM.”

5. Porém, a Companhia de Importação e Exportação B Limitada ainda não procedeu à remoção dos seus bens na Ponte N.º V do Porto Interior.

6. No dia 13 de Janeiro de 2012, a Capitania dos Portos realizou, através do ofício n.º SATJ1200016F, audiência escrita do interessado sobre o despejo da Ponte N.º V do Porto Interior e a sua reversão ao Governo da RAEM.

   7. Para a audiência escrita referida no ofício n.º SATJ1200016F, o advogado ...... de I Advogados Macau, representando a Companhia de Importação e Exportação B Limitada, apresentou à Capitania dos Portos o seu parecer por escrito no dia 26 de Janeiro de 2012.
   
   II. Análise
   8. Foi concedida à Companhia de Importação e Exportação B Limitada a licença de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior em 1994.
   A relação jurídica de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior pela Companhia de Importação e Exportação B Limitada foi regulada pela Lei n.º 6/86/M (Domínio Público Hídrico) de 26 de Julho, vigente na altura.
   De acordo com o anexo II da Lei n.º 1/1999 (Lei de Reunificação), a Lei n.º 6/86/M não foi adoptada pela legislação da RAEM, todavia, enquanto não for elaborada nova legislação, as questões nele reguladas são tratadas de acordo com os princípios contidos na Lei Básica da RAEM, tendo por referência as práticas anteriores.
   
   9. Actualmente, não há provas de que a Ponte N.º V do Porto Interior tornou-se bem particular em 1 de Julho de 1870 ou da sua posse por particular, nem foi provado que o anterior Governo de Macau confirmou segundo a Lei n.º 6/86/M que a Ponte N.º V do Porto Interior era propriedade privada.
   Segundo a certidão de registo predial emitida pela Conservatória do Registo Predial em 29 de Agosto de 2011, a Ponte N.º V do Porto Interior não se encontra descrita na CRP.
   
   10. Nos termos do art.º 7.º da Lei Básica da RAEM, os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau.
   A Ponte N.º V do Porto Interior não foi reconhecida como propriedade privada antes do estabelecimento da RAEM, pelo que é propriedade do Estado, e o Governo da RAEM é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento.
   
   11. De acordo com a Portaria n.º 122/89/M de 31 de Julho, a Ponte N.º V do Porto Interior encontra-se no âmbito de domínio público hídrico.
   Pelos expostos, a Ponte N.º V do Porto Interior é reconhecida como domínio público.
   
   12. Tomando como referência o art.º 13.º da Lei n.º 6/86/M, a licença de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior confere aos seus titulares o direito de utilização desta ponte no prazo de validade da licença.
   Com a expiração da última licença de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior (n.º 257/2009) em 31 de Dezembro de 2010, o direito da original titular – a Companhia de Importação e Exportação B Limitada – de utilizar a Ponte N.º V do Porto Interior já caducou.
   Por isso, a partir do dia 1 de Janeiro de 2011, a Companhia de Importação e Exportação B Limitada não teve o direito de utilizar a Ponte N.º V do Porto Interior.
   
   13. Tomando como referência o art.º 17.º, n.º 2 da Lei n.º 6/86/M, após o termo de validade da última licença de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior (n.º 257/2009) em 31 de Dezembro de 2010, a Companhia de Importação e Exportação B Limitada deve desocupar-se da referida ponte.
   
   14. Em 15 de Dezembro de 2010, a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego mencionou no relatório n.º 2065/DDPDT/2010 a concepção de construção de corredores exclusivos para autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, sugerindo aos respectivos serviços a reserva das Pontes N.º U e N.º V do Porto Interior como terreno destinado à construção de vias públicas, e nos planeamentos de desenvolvimento das construções próximas e de aproveitamento de terrenos, deve-se também considerar a necessidade de reserva do espaço para o tráfego.
   
   15. Em 10 de Março de 2011, a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego mencionou no ofício n.º 1102017/0621/DPT/2011 que, do ponto de vista do trânsito em Macau, para a execução dos planos a curto e a longo prazo, é necessária e viável a reserva das Pontes N.º U e N.º V do Porto Interior, sugerindo também a aplicação de medidas de acompanhamento correspondentes.
   
   16. Para a reserva da Ponte N.º V do Porto Interior como terreno destinado à construção de vias públicas e coordenar com o desenvolvimento do trânsito geral de Macau, é necessário o despejo da Ponte N.º V do Porto Interior e a sua reversão ao Governo da RAEM, para efeitos da sua gestão, uso e desenvolvimento.
   
   17. Quer no Código Civil de 1966 (art.º 202.º, n.º 2), quer no Código Civil actualmente vigente (art.º 193.º), dispõe-se que as coisas que se encontram no domínio público são consideradas fora do comércio e não podem ser objecto de direitos privados ou apropriadas por particulares.
   Por a Ponte N.º V do Porto Interior encontrar-se no âmbito de domínio público, o seu direito real (incluindo o direito de superfície) não pode ser adquirido ou transferido por particulares.
   O interessado não tem direito de superfície da Ponte N.º V do Porto Interior, pelo que não pode arrogar-se o direito real das construções na Ponte N.º V do Porto Interior.
   
   18. Tomando como referência o art.º 21.º, n.º 2 da Lei n.º 6/86/M, no caso de uso do terreno do domínio público por conveniência de interesse público, as concessões e licenças podem ser anuladas mediante actos fundamentados; a anulação da licença não confere ao interessado qualquer direito à indemnização, mas este pode levantar as benfeitorias que não afectam o interesse económico de Macau.
   Nos termos do art.º 75.º da Lei de Terras, o ocupante não tem direito de levantar as benfeitorias introduzidas no terreno nem de ser indemnizados por elas, qualquer que seja o motivo do termo da ocupação, devendo, porém, ser reembolsado da importância da taxa correspondente ao tempo por que ainda teria direito a ocupar o terreno.
   Nestes termos, após a caducidade da licença de ocupação a título precário, para o assunto de despejo da Ponte N.º V do Porto Interior e a sua reversão ao Governo da RAEM, o interessado não tem direito à indemnização.
   
   19. De acordo com o art.º 7.º da Lei Básica da RAEM, o art.º 41.º, al. o) e o art.º 174.º, n.º 1, al. c) da Lei de Terras, o Chefe do Executivo tem competência para ordenar o despejo da Ponte N.º V do Porto Interior e a sua reversão ao Governo da RAEM.
   Quando chega o momento, o respectivo interessado deve proceder ao despejo da Ponte N.º V do Porto Interior no prazo indicado pelo Chefe do Executivo; senão, a autoridade administrativa pode tomar medidas necessárias, e os bens não removidos ou reclamados no prazo indicado serão considerados abandonados.
   
   III. Análise do parecer por escrito apresentado pelo interessado
   20. A Companhia de Importação e Exportação B Limitada não tem direito de propriedade da Ponte N.º V do Porto Interior ou dos edifícios nela construídos, também não tem direito real de qualquer natureza. (em relação à parte II do parecer por escrito)
   
   20.1 Na Lei n.º 6/86/M, aplicada por analogia pela Lei n.º 1/1999 (Lei de Reunificação), têm-se os seguintes dispostos sobre a licença de ocupação a título precário:
   “As licenças, enquanto se mantiverem, conferem aos seus titulares o direito de utilização exclusiva, para os fins e com os limites consignados no título constitutivo (art.º 13.º da Lei n.º 6/86/M);
   As licenças são outorgadas pelo período de um ano, e o prazo das renovações sucessivas das licenças não pode exceder, para cada uma, um ano (art.º 14.º, n.º 1 e n.º 3 da Lei n.º 6/86/M);
   Decorrido o prazo da licença as instalações desmontáveis devem ser removidas (art.º 17.º, n.º 2 da Lei n.º 6/86/M).”
   
   20.2 Com base nisso, cada licença provisória só confere aos seus titulares o direito de utilização exclusiva pelo período de um ano, e este direito caduca com a expiração do prazo da licença. Decorrido o prazo da licença, o interessado deve desocupar-se do porto.
   
   20.3 Além disso, a Capitania dos Portos emitiu apenas licenças de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior, isso significa que a autoridade administrativa nunca tinha admitido que o titular da licença de ocupação a título precário era o proprietário desta ponte e dos edifícios nela construídos.
   
   20.4 É referido no acórdão n.º 71/2010 do TUI:
   「Dão-se aqui por reproduzidas as considerações vertidas no mencionado Acórdão de 5 de Julho de 2006. Aí se disse, designadamente:
   “Prescreve o art.º 7.º desta Lei (refere-se à Lei Básica):
   “Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau.”
   Desta norma resulta que foi estabelecido pela Lei Básica o princípio de que a propriedade e a gestão dos solos e recursos naturais no âmbito da Região cabem respectivamente ao Estado e ao Governo da Região. No entanto, a fim de respeitar e proteger os poucos terrenos da propriedade privada já existentes em Macau, é admitida excepção a este princípio, isto é, continuar a reconhecer os direitos de propriedade privada de terrenos anteriormente existentes.
   Há um requisito para a excepção, que consiste em que os terrenos de propriedade privada devem ser “reconhecidos, de acordo com a lei, antes do estabelecimento da RAEM.”
   Uma vez que após o estabelecimento da Região, todos os terrenos situados no âmbito territorial da Região são de propriedade do Estado, excepto os que foram reconhecidos como propriedade privada nos termos da lei antes do estabelecimento da Região. Em consequência, não é possível constituir uma nova propriedade privada de terrenos depois da criação da Região, sob pena de violar a disposição do art.º 7.º da Lei Básica.
   Se a acção de reconhecimento do direito de propriedade sobre terrenos fosse proposta por interessados apenas depois do estabelecimento da Região, os seus pedidos estariam manifestamente em desconformidade com o art.º 7.º da Lei Básica por que todos os terrenos não reconhecidos como de propriedade privada até ao estabelecimento da Região passam, a partir deste, a integrar na propriedade do Estado.
   Mesmo que a acção fosse instaurada antes do estabelecimento da Região, tal como acontece com o presente processo, os referidos pedidos também não podem proceder se não houver sentença transitada até ao momento do estabelecimento da Região, o que equivale à falta de reconhecimento nos termos da lei e os pedidos de interessados violam a disposição do art.º 7.º da Lei Básica.
   É a mesma a razão de fundo das duas situações. Desde que não fosse confirmada legalmente a natureza privada da propriedade de terrenos antes do estabelecimento da Região, jamais pode obter a confirmação depois da criação da Região, independentemente da qualificação doutrinal deste tipo de acção como constitutiva ou declarativa, sob pena de violação do princípio consagrado no art.º 7.º da Lei Básica, segundo o qual a propriedade dos terrenos na Região cabe ao Estado. Os tribunais não podem proferir sentença de reconhecimento do direito de propriedade privada sobre os terrenos, em desobediência ao disposto na referida norma, após o estabelecimento da Região, ou seja, a partir da entrada em vigor da Lei Básica.”」
   
   20.5 É referido no sumário do Acórdão n.º 26/2000 do TSI:
   “III – Bens do domínio público são o conjunto de coisas que pertencendo a uma pessoa colectiva de direito público de população e território, são submetidas por Lei, dado o fim de utilidade pública a que se encontram afectadas, a um regime jurídico especial caracterizado fundamentalmente pela sua incomercialidade, em ordem a preservar a produção dessa utilidade pública.
   IV – Sendo os bens parte integrante do domínio público, estão fora do comércio jurídico, não podendo ser objecto de apropriação individual e insusceptíveis de ser adquiridos por uscapião.
   V – A situação jurídica do utente privativo do domínio público, detentor da licença, é meramente de carácter obrigacional e nunca de natureza real, não lhe sendo lícito arvorar-se da qualidade de titular de um direito real.”
   (Colectânea de Traduções dos Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância da RAEM, TOMO I, 2000, p. 349)
   
   20.6 Nestes termos, e com base no facto de a Ponte N.º V do Porto Interior ser domínio público, a titular da anterior licença de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior – a Companhia de Importação e Exportação B Limitada – não tem direito de propriedade da Ponte N.º V do Porto Interior e dos edifícios nela construídos, e também não tem direito real de qualquer natureza.
   
   21. A reclamação do despejo da Ponte N.º V do Porto Interior e da sua reversão ao Governo da RAEM para efeitos de construção de vias públicas não violou os princípios da igualdade e da proporcionalidade. (em relação à parte III do parecer por escrito)
   21.1 A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego disse no relatório n.º 2065/DDPDT/2010: “…analisando os dados existentes na actual fase, ao longo de DBL (corredores exclusivos para autocarros), são estreitas as vias na Rua do Visconde Paço de Arcos e na Avenida de Demétrio Cinatti, e só pode construir um corredor exclusivo para autocarros num sentido. Perto do Silo do Porto Interior, por existir uma série de construções tais como instalações aduaneiras e as Pontes N.º U e N.º V do Porto Interior, a faixa de rodagem tem apenas 3,35 metros de largura (vide as fotos anexas), pelo que na construção de DBL no futuro, será difícil que a referida faixa de rodagem serve para o desvio de tráfego, mas ao contrário, pode constituir um novo obstáculo de trânsito; por isso, a empresa de consultoria propõe a deslocação das Pontes N.º U e N.º V do Porto Interior acima referidas por uma distância de 4 metros em direcção ao Porto Interior, assim não só pode alargar a faixa de rodagem, mas também pode construir duas faixas de rodagem no sentido ao norte.”
   
   21.2 A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego também indicou no ofício n.º 1102017/0621/DPT/2011: “para a coordenação com a construção de corredores exclusivos para autocarros, é necessário reforçar as capacidades de trânsito e de desvio de tráfego das ruas entre as Portas do Cerco e a Barra; a Avenida de Demétrio Cinatti tem um efeito de desvio de tráfego na Rua do Visconde Paço de Arcos, actualmente a maior parte da Avenida de Demétrio Cinatti tem condição para o trânsito nos dois sentidos, mas a largura da faixa de rodagem antes da Ponte N.º U do Porto Interior é inferior à largura normal, e não é ideal a condição de trânsito. Se poder resolver o supracitado problema, será mais conveniente a execução do supracitado plano de construção de corredores exclusivos para autocarros e para o funcionamento do trânsito no Porto Interior.”

   21.3 O relatório e o ofício acima referidos já disseram expressamente que a faixa de rodagem ao lado das Pontes N.º U e N.º V do Porto Interior tem apenas 3,35 metros de largura, e para resolver o possível problema de trânsito causado pela construção de corredores exclusivos para autocarros, é necessária a reserva das referidas Pontes como terreno destinado à construção de vias públicas.
   
   21.4 Devido à situação geográfica, é relativamente estreita a faixa de rodagem ao lado das Pontes N.º U e N.º V do Porto Interior, e tal condição objectiva já resultou na diferença entre estas Pontes e outras.
   
   21.5 A autoridade administrativa solicita o despejo da Ponte N.º V do Porto Interior e a sua reversão ao Governo da RAEM, a fim de executar o plano de construção de corredores exclusivos para autocarros e satisfazer as necessidades do público. A decisão da autoridade administrativa tem por fim realizar o interesse público, e o meio aplicado é adequado considerando a sua finalidade, e é necessário para a sua realização.
   
   21.6 Em fim, a autoridade administrativa não violou os princípios da igualdade e da proporcionalidade ao solicitar o despejo da Ponte N.º V do Porto Interior e a sua reversão ao Governo da RAEM para a construção de vias públicas.
   
   22. Não existe desvio de poder nem foi violado o princípio da colaboração entre a Administração e os particulares. (em relação à parte IV do parecer por escrito)
   
   22.1 É referido no Acórdão n.º 29/2003 do TUI: 「como se sabe, “o desvio de poder é o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir aquele poder” e “pressupõe uma discrepância entre o fim legal e o fim real (ou fim efectivamente prosseguido pela Administração”. (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2002, pág. 394)
   Conforme o mesmo autor, o desvio de poder comporta duas modalidades principais: uma, o desvio de poder por motivo de interesse público, quando a Administração visa alcançar um fim de interesse público, diverso daquele que a lei impõe; e a outra, desvio de poder por motivo de interesse privado, quando a Administração não prossegue um fim de interesse público, mas sim um fim de interesse privado.」
   
   22.2 Como acima referido, para a construção de corredores exclusivos para autocarros, é necessária a reserva das Pontes N.º U e N.º V do Porto Interior como terreno destinado à construção de vias públicas, para evitar novos obstáculos ao trânsito. É viável e necessária a referida reserva.
   
   22.3 O despejo da Ponte N.º V do Porto Interior é destinado à construção de corredores exclusivos para autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, bem como a coordenação com a execução do planeamento de tráfego a curto e a longo prazo. Até agora, o supracitado objectivo não é alterado.
   Os respectivos actos visam, sem dúvida, realizar o interesse público.
   
   22.4 A autoridade administrativa tem suficientes fundamentos de facto e de direito para solicitar o despejo da Ponte N.º V do Porto Interior e a sua reversão ao Governo da RAEM.
   Por isso, não se verifique neste caso o desvio de poder.
   
   22.5 Para efeitos de reserva da Ponte N.º V do Porto Interior, a Capitania dos Portos realizou, através do ofício n.º SATJ1100094E, audiência escrita da Companhia de Importação e Exportação B Limitada sobre o despejo da Ponte N.º V do Porto Interior e a remoção dos bens desmontáveis.
   
   22.6 A pedido do interessado, a Capitania dos Portos já forneceu, em forma de certificado, dados arquivados sobre a Ponte N.º V do Porto Interior.
   
   22.7 A Capitania dos Portos já notificou, mediante o ofício n.º SATJ1100196C, o interessado da decisão feita pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas de indeferir o requerimento de renovação da licença de ocupação a título precário do Ponte N.º V do Porto Interior.
   Consta do supracitado ofício o extracto da Informação n.º 57/DAPE-ATJ/2011.
   
   22.8 No dia 13 de Janeiro de 2012, a Capitania dos Portos realizou, através do ofício n.º SATJ1200016F, audiência escrita do interessado sobre o despejo da Ponte N.º V do Porto Interior e a sua reversão ao Governo da RAEM.
   
   22.9 De acordo com os ofícios n.º SATJ1100094E, n.º SATJ1100196C, n.º SATJ1200016F e o certificado emitidos pela Capitania dos Portos, o interessado pode ter conhecimento dos respectivos fundamentos de direito e de facto, e também tem suficientes oportunidades de pronunciar-se, pelo que não se verifica a violação do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares.
   
   22.10 Em resumo, não se verifica o desvio de poder na reclamação do despejo da Ponte N.º V do Porto Interior e da sua reversão ao Governo da RAEM, e não foi violado o princípio da colaboração entre a Administração e os particulares.
   
   23. A reclamação do despejo da Ponte N.º V do Porto Interior e da sua reversão ao Governo da RAEM não viola as leis vigentes. (em relação à parte V do parecer por escrito)
   23.1 Como acima referido no art.º 20.º, a Ponte N.º V do Porto Interior encontra-se no âmbito do domínio público, a Companhia de Importação e Exportação B Limitada não tem direito de propriedade da respectiva Ponte e dos edifícios nela construídos, e também não tem direito real de qualquer natureza.
   
   23.2 A autoridade administrativa tem suficientes fundamentos de direito e de facto para solicitar ao interessado o despejo da Ponte N.º V do Porto Interior e a sua reversão ao Governo da RAEM, tendo explicado expressamente ao interessado os referidos fundamentos e não padecendo de qualquer vício. Por isso, não se verifica qualquer vício de violação de princípios ou disposições legais aplicáveis.
   
   IV. Propostas
   24. Para a construção de corredores exclusivos para autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, é necessário reservar a Ponte N.º V do Porto Interior como via pública. Resumindo o acima referido, propõe-se que:
   24.1 O Chefe do Executivo, ao abrigo dos dispostos no art.º 7.º da Lei Básica, e nos art.ºs 41.º, al. o) e 174.º, n.º 1, al. c) da Lei de Terras, dar a seguinte ordem:
   24.1.1 A titular da licença de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior – a Companhia de Importação e Exportação B Limitada – deve desocupar-se da Ponte N.º V do Porto Interior no prazo de 15 dias a contar desde a recepção da notificação, a fim de reverter este terreno ao Governo da RAEM, mas não tem direito a qualquer indemnização;
   24.1.2 O interessado deve proceder à remoção dos bens deixados na Ponte N.º V do Porto Interior no prazo mencionado no ponto 24.1.1;
   
   24.2 No caso de o interessado não cumprir a ordem mencionada no ponto 24.1 no prazo indicado, pede-se ao Chefe do Executivo para autorizar o seguinte procedimento administrativo:
   …
   24.2.3 Em relação aos bens deixados na Ponte N.º V do Porto Interior após o prazo acima referido, por não haver normas correspondentes na Lei n.º 6/86/M ou na Lei de Terras, deve-se aplicar por analogia o art.º 30.º do Decreto-Lei n.º 6/93/M, de 15 de Fevereiro, ou seja que estes bens podem permanecer temporariamente no local indicado pela Capitania dos Portos depois de serem registados num auto; e caso não tenham sido reclamados os respectivos bens no prazo de 15 dias, serão considerados abandonados e perdidos;
   24.2.4 Nos termos do art.º 144.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, ficam todas as despesas, incluindo indemnizações e sanções pecuniárias, por conta do interessado;
   …”
Retira-se do PA que a Administração deu conhecimento à interessada do seguinte, relativamente ao estudo prévio de arquitectura das pontes cais n.ºs U e V:

“Assunto: Estudo prévio de arquitectura das Pontes N.º U-V do Porto Interior
Arquivo n.º: 244/2005/L

No uso dos poderes conferidos no despacho n.º 6/SOTDIR/2000 publicado no Boletim Oficial da RAEM de 15 de Novembro de 2000 e segundo o despacho proferido pelo Subdirector da DSSOPT em 27 de Outubro, notifica-se a V. Exª. de que a DSSOPT já emitiu parecer de viabilidade do supracitado plano, com observância de:
1. Parecer n.º 204/ATJ/2006 da Capitania dos Portos.
2. Parecer n.º 1721/DT/2006 do Corpo dos Bombeiros.
3. Parecer n.º 012755/06DDI da Companhia de Electricidade de Macau, S.A.
4. Parecer a ser emitido pelo Departamento de Planeamento Urbanístico da DSSOPT.

Com os melhores cumprimentos

   Director (substituto pelo Chefe do Departamento de Urbanização)
(Ass.- vide o original)”

A recorrente foi notificada do seguinte
“Assunto: Requerimento de renovação da licença da Ponte N.º V do Porto Interior – audiência escrita

Para o requerimento de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior apresentado pela vossa Companhia em 14 de Outubro de 2010, realiza-se, nos termos dos artigos 93.º e 94.º do Código do Procedimento Administrativo, audiência escrita da vossa Companhia:

1. A vossa Companhia obteve a licença de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior em 1994. A relação jurídica de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior pela vossa Companhia foi regulada pela Lei n.º 6/86/M (Domínio Público Hídrico) de 26 de Julho, vigente na altura.
De acordo com o anexo II da Lei n.º 1/1999 (Lei de Reunificação), a Lei n.º 6/86/M não foi adoptada pela legislação da RAEM, todavia, enquanto não for elaborada nova legislação, as questões nele reguladas são tratadas de acordo com os princípios contidos na Lei Básica da RAEM, tendo por referência as práticas anteriores.

2. Actualmente, não há provas de que a Ponte N.º V do Porto Interior tornou-se bem particular em 1 de Julho de 1870 ou da sua posse por particular, nem há documentos comprovativos de que o anterior Governo de Macau confirmou segundo a Lei n.º 6/86/M que a Ponte N.º V do Porto Interior era propriedade privada.
Por outro lado, o anterior Governo de Macau e o Governo da RAEM tiveram emitido, de forma contínua, licenças de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior.
De acordo com a Portaria n.º 122/89/M de 31 de Julho, a Ponte N.º V do Porto Interior encontra-se no âmbito de domínio público hídrico.
Com base nos supracitados factos, a Ponte N.º V do Porto Interior é reconhecida como domínio público.

3. Nos termos do art.º 7.º da Lei Básica da RAEM, os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau.
A Ponte N.º V do Porto Interior é domínio público, pelo que é propriedade do Estado, e o Governo da RAEM é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento.

4. Em 15 de Dezembro de 2010, a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego mencionou no relatório n.º 2065/DDPDT/2010 a concepção de construção de corredores exclusivos para autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, sugerindo aos respectivos serviços a reserva das Pontes N.º U e N.º V do Porto Interior como terreno destinado à construção de vias públicas, e nos planeamentos de desenvolvimento das construções próximas e de aproveitamento de terrenos, deve-se também considerar a necessidade de reserva do espaço para o tráfego.

5. Em 10 de Março de 2011, a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego mencionou no ofício n.º 1102017/0621/DPT/2011 que, do ponto de vista do trânsito em Macau, para a execução dos planos a curto e a longo prazo, é necessária e viável a reserva das Pontes N.º U e N.º V do Porto Interior, sugerindo também a aplicação de medidas de acompanhamento correspondentes.

6. Tomando como referência o art.º 20.º, n.º 1 da Lei n.º 6/86/M, se os terrenos dominiais forem considerados necessários à utilização pelo público sob a forma de uso comum ou se outro motivo de interesse público assim o exigir, as concessões e licenças podem ser anuladas através de actos fundamentados.
Com base na necessidade de utilização pública ou de outro interesse público, o Governo da RAEM também pode não renovar as licenças de ocupação a título precário do domínio público hídrico.

7. Assim, para a reserva da Ponte N.º V do Porto Interior como terreno destinado à construção de vias públicas e coordenar com o desenvolvimento do trânsito geral de Macau, pode o Governo da RAEM não aprovar o requerimento de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior.
Se o Governo da RAEM não aprovar o requerimento de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte N.º V do Porto Interior, a vossa Companhia perderá o direito de utilizar a referida Ponte, e tem de remover os bens desmontáveis na Ponte, para efeitos da sua reversão ao Governo da RAEM.

8. Quer no Código Civil de 1966 (art.º 202.º, n.º 2), quer no Código Civil actualmente vigente (art.º 193.º), dispõe-se que as coisas que se encontram no domínio público são consideradas fora do comércio e não podem ser objecto de direitos privados ou apropriada por particulares.
Por a Ponte N.º V do Porto Interior encontrar-se no domínio público, o seu direito real (incluindo o direito de superfície) não pode ser adquirido ou transferido por particulares.
O interessado não tem direito de superfície da Ponte N.º V do Porto Interior, pelo que não pode arrogar-se o direito real de construções na Ponte N.º V do Porto Interior.

9. Tomando como referência o art.º 21.º, n.º 2 da Lei n.º 6/86/M, no caso de uso do terreno do domínio público por conveniência de interesse público, as concessões e licenças podem ser anuladas através de actos fundamentados; a anulação da licença não confere ao interessado qualquer direito à indemnização, mas este pode levantar as benfeitorias que não afectam o interesse económico de Macau.
Nos termos do art.º 75.º da Lei de Terras, o ocupante não tem direito de levantar as benfeitorias introduzidas no terreno nem de ser indemnizados por elas, qualquer que seja o motivo do termo da ocupação, devendo, porém, ser reembolsado da importância da taxa correspondente ao tempo por que ainda teria direito a ocupar o terreno.
Nestes termos, após a caducidade da licença de ocupação a título precário, para o assunto de despejo da Ponte N.º V do Porto Interior e a sua reversão ao Governo da RAEM, o interessado não tem direito à indemnização.

A vossa Companhia pode entregar à Capitania dos Portos o seu parecer por escrito no prazo de 15 dias a contar da recepção do presente ofício.

A vossa Companhia pode consultar o processo da Ponte N.º V do Porto Interior no Departamento de Assuntos Portuários e Embarcações da Capitania dos Portos nas horas de funcionamento.

Com os melhores cumprimentos
Director
(Ass.- vide o original)
xxxxxx (xxxxxx)”

O despacho que ordenou a desocupação ora posta em crise baseou-se nos seguintes relatório e propostas:

     “Assunto: Despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior e sua devolução ao Governo da RAEM.
Proposta N.º: 10/ATJ/2012
Data: 17/02/2012

Para o Director da Capitania dos Portos

Para o assunto de exigir que a original titular da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior – Companhia de Importação e Exportação B, Limitada – proceda ao despejo da Ponte-Cais n.º V e sua devolução ao Governo da RAEM, vem-se prestar o seguinte relatório e as sugestões.

I. Relatório
1. Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, n.º 10XXXXXX na planta cadastral.
Segundo a certidão de registo predial emitida pela Conservatória do Registo Predial em 29 de Agosto de 2011, a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior não é descrito. (vide o anexo 1: Certidão de registo predial emitida pela Conservatória do Registo Predial em 29 de Agosto de 2011)

2. A última licença de ocupação a título precário (n.º 257/2009) da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior expirou em 31 de Dezembro de 2010, e o seu titular é a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada. (vide o anexo 2: Licença de ocupação a título precário n.º 257/2009)
Depois, o Governo da RAEM não emitiu nova licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior a qualquer pessoa.

3. No dia 14 de Outubro de 2010, a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada apresentou à Capitania dos Portos o pedido de renovação da licença de ocupação a título precário do ano 2011 da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior.
Para o supracitado pedido, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu em 5 de Julho de 2011 despacho na proposta n.º 57/DAPE-ATJ/2011 da Capitania dos Portos, não aprovando a renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, e notificando o antigo titular da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, ou seja a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada para proceder, no prazo de 30 dias, à demolição dos objectos amovíveis na ponte-cais, de forma à restituição desta à posse do Governo da RAEM.
(vide o anexo 3: Proposta n.º 57/DAPE-ATJ/2011 da Capitania dos Portos)

4. A Capitania dos Portos já notificou os interessados do seguinte assunto através do ofício n.º SATJ1100196C de 11 de Julho de 2011:
“De acordo com o despacho de 5 de Julho de 2011 proferido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas na proposta n.º 57/DAPE-ATJ/2011 da Capitania dos Portos de Macau, notifica-se, designadamente:
1. O indeferimento do pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior;
2. O requerimento, ao antigo titular da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, ou seja, a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada, de proceder, no prazo de 30 dias, à demolição dos objectos amovíveis na ponte-cais, de forma à restituição desta à posse da Região Administrativa Especial de Macau.”
(vide o anexo 4: Ofício n.º SATJ1100196C da Capitania dos Porto)

5. Porém, a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada ainda não se desocupou da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior.

6. No dia 13 de Janeiro de 2012, a Capitania dos Portos procedeu à audiência escrita da Companhia de Importação e Exportação B, Limitada sobre o assunto de despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior e da sua restituição à posse do Governo da RAEM através do ofício n.º SATJ1200016F.
(vide o anexo 5: Ofício n.º SATJ1200016F da Capitania dos Portos)

7. Para o assunto de audiência escrita referido no ofício n.º SATJ1200016F, o advogado ...... de I MACAU LAWYERS, representando a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada, apresentou à Capitania dos Portos o seu parecer por escrito no dia 26 de Janeiro de 2012.
(vide o anexo 6: Parecer por escrito do interessado)

II. Análise
8. Foi emitida à Companhia de Importação e Exportação B, Limitada, em 1994, a licença de ocupação da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior.
 A relação jurídica da ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior pela companhia foi regulada pela Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho (Lei do domínio público hídrico) que já entrou em vigor naquele tempo.
De acordo com o anexo 2 da Lei n.º 1/1999 (Lei de Reunificação), a Lei n.º 6/86/M não é adoptada como lei da Região Administrativa Especial de Macau. Todavia, enquanto não for elaborada nova legislação, pode a Região Administrativa Especial de Macau tratar as questões nela reguladas de acordo com os princípios contidos na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, tendo por referência as práticas anteriores.

9. Não se encontra actualmente nenhum documento que comprove que a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior tinha sido uma propriedade privada ou possuída particularmente em 1 de Julho de 1870, nem documento do então Governo Português de Macau que comprovasse, de acordo com a Lei n.º 6/86/M, que a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior tinha sido uma propriedade privada.
Segundo a certidão de registo predial emitida pela Conservatória do Registo Predial em 29 de Agosto de 2011, a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior não se encontra descrita na CRP.

10. Nos termos do art.º 7.º da Lei Básica da RAEM, os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau.
Por ser bem do domínio público a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, esta é propriedade do Estado. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão.

11. De acordo com a Portaria n.º 122/89/M de 31 de Julho, a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior encontra-se no âmbito de domínio público hídrico.
Com base nisso, a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior é reconhecida como domínio público.

12. Nos termos do art.º 13.º da Lei n.º 6/86/M, a licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior confere aos seus titulares o direito de utilização desta ponte-cais no prazo de validade da licença.
Com a expiração da última licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior (n.º 257/2009) em 31 de Dezembro de 2010, o direito do seu antigo titular – a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada – de utilizar a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior já caducou.
Por isso, a partir do dia 1 de Janeiro de 2011, a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada não tem o direito de usar a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior.

13. Nos termos do art.º 17.º, n.º 2 da Lei n.º 6/86/M, após o termo de validade da última licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior (n.º 257/2009) em 31 de Dezembro de 2010, a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada deve desocupar-se da referida ponte-cais.

14. A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego mencionou no relatório n.º 2065/DDPDT/2010 de 15 de Dezembro de 2010 a concepção de construção de Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, sugerindo-se que os respectivos serviços reservassem os espaços das pontes-cais n.º U e n.º V do Porto Interior para via pública, e que o desenvolvimento e plano dos edifícios na vizinhança tivessem de ter em conta a necessidade de reservar espaços para o trânsito. (vide o anexo 7: Relatório n.º 2065/DDPDT/2010 da DSAT)

15. A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego emitiu em 10 de Março de 2011 o ofício n.º 1102017/0621/DPT/2011, referindo que, considerando a partir do ponto de vista do trânsito integral de Macau e para coordenar a execução dos planos recentes e a longo prazo, é necessário e viável reservar as pontes-cais n.º U e n.º V do Porto Interior para via pública. O ofício também sugeriu que a Capitania dos Portos adoptasse respectivas medidas para a cooperação da realização do respectivo plano. (vide o anexo 8: Ofício n.º 1102017/0621/DPT/2011 da DSAT)

16. Para reservar a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior para via pública e coordenar com o desenvolvimento do trânsito integral de Macau, é necessário o despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior e a sua restituição à posse do Governo da RAEM, para efeitos da sua gestão, uso e desenvolvimento.

17. É previsto, tanto no Código Civil de 1996 (o art.º 202.º, n.º 2) como no Código Civil vigente (o art.º 193.º), que todas as coisas que se encontram no domínio público são consideradas fora do comércio e não podem ser objecto de direitos privados, nem apropriadas pessoalmente.
Por a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior encontrar-se no domínio público, os seus direitos reais (incluindo o direito de superfície) não podem ser adquiridos ou transmitidos pessoalmente.
Por o interessado não ter o direito de superfície sobre a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, ele não pode sustentar, para o Governo da RAEM, a posse do direito de construção nesta ponte-cais.

18. Nos termos do art.º 21.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 6/86/M, as concessões e as licenças podem ser extintas, mediante acto fundamentado, se os terrenos dominais forem considerados necessários à utilização pelo público sob a forma de uso comum ou se outro motivo de interesse público assim o exigir; a revogação das licenças não confere ao interessado direito a qualquer indemnização, podendo ser levantadas as benfeitorias que não afectem a utilidade económica do terreno.
Nos termos do art.º 75.º da vigente Lei de Terras, o ocupante não tem direito de levantar as benfeitorias introduzidas no terreno nem de ser indemnizado por elas, qualquer que seja o motivo do terreno da ocupação, devendo, porém, ser reembolsado da importância da taxa correspondente ao tempo por que ainda teria direito a ocupar o terreno.
Com base no disposto acima referido, o interessado não teria direito a indemnização se a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior for devolvida ao Governo da RAEM após a caducidade da licença de ocupação a título precário.

19. De acordo com o art.º 7.º da Lei Básica da RAEM, o art.º 41.º, al. o) e o art.º 174.º, n.º 1, al. c) da Lei de Terras, o Chefe do Executivo tem competência para ordenar o despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior e a sua restituição ao Governo da RAEM.
Quando chega o tempo, o respectivo interessado deve proceder ao despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior no prazo indicado pelo Chefe do Executivo; senão, a Administração Pública pode tomar medidas necessárias, e os bens não removidos ou reclamados no prazo indicado serão considerados abandonados.

III. Análise do parecer por escrito apresentado pelo interessado
20. A Companhia de Importação e Exportação B, Limitada não tem direito de propriedade da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior e das edificações nela existentes, também não tem direito real de qualquer natureza. (em relação à parte II do parecer por escrito)

20.1 Na Lei n.º 6/86/M, aplicada por analogia pela Lei n.º 1/1999 (Lei de Reunificação), têm-se os seguintes dispostos sobre a licença de ocupação a título precário:
“As licenças, enquanto se mantiverem, conferem aos seus titulares o direito de utilização exclusiva, para os fins e com os limites consignados no título constitutivo (art.º 13.º da Lei n.º 6/86/M);
As licenças são outorgadas pelo período de um ano, e o prazo das renovações sucessivas das licenças não pode exceder, para cada uma, um ano (art.º 14.º, n.º 1 e n.º 3 da Lei n.º 6/86/M);
Decorrido o prazo da licença as instalações desmontáveis devem ser removidas (art.º 17.º, n.º 2 da Lei n.º 6/86/M).”

20. 2 Com base nisso, cada licença provisória só confere aos seus titulares o direito de utilização exclusiva pelo período de um ano, e este direito caduca com a expiração do prazo da licença. Decorrido o prazo da licença, o interessado deve desocupar-se da ponte-cais.

20. 3 Além disso, a Capitania dos Portos emitiu apenas licenças de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, isso significa que a autoridade administrativa nunca tinha admitido que o titular da licença de ocupação a título precário era o proprietário desta ponte-cais e das edificações nela existentes.

20. 4 É referido no acórdão n.º 71/2010 do TUI:
「Dão-se aqui por reproduzidas as considerações vertidas no mencionado Acórdão de 5 de Julho de 2006. Aí se disse, designadamente:
“Prescreve o art.º 7.º desta Lei (refere-se à Lei Básica):
“Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau.”
Desta norma resulta que foi estabelecido pela Lei Básica o princípio de que a propriedade e a gestão dos solos e recursos naturais no âmbito da Região cabem respectivamente ao Estado e ao Governo da Região. No entanto, a fim de respeitar e proteger os poucos terrenos da propriedade privada já existentes em Macau, é admitida excepção a este princípio, isto é, continuar a reconhecer os direitos de propriedade privada de terrenos anteriormente existentes.
Há um requisito para a excepção, que consiste em que os terrenos de propriedade privada devem ser “reconhecidos, de acordo com a lei, antes do estabelecimento da RAEM.”
Uma vez que após o estabelecimento da Região, todos os terrenos situados no âmbito territorial da Região são de propriedade do Estado, excepto os que foram reconhecidos como propriedade privada nos termos da lei antes do estabelecimento da Região. Em consequência, não é possível constituir uma nova propriedade privada de terrenos depois da criação da Região, sob pena de violar a disposição do art.º 7.º da Lei Básica.
Se a acção de reconhecimento do direito de propriedade sobre terrenos fosse proposta por interessados apenas depois do estabelecimento da Região, os seus pedidos estariam manifestamente em desconformidade com o art.º 7.º da Lei Básica por que todos os terrenos não reconhecidos como de propriedade privada até ao estabelecimento da Região passam, a partir deste, a integrar na propriedade do Estado.
Mesmo que a acção fosse instaurada antes do estabelecimento da Região, tal como acontece com o presente processo, os referidos pedidos também não podem proceder se não houver sentença transitada até ao momento do estabelecimento da Região, o que equivale à falta de reconhecimento nos termos da lei e os pedidos de interessados violam a disposição do art.º 7.º da Lei Básica.
É a mesma a razão de fundo das duas situações. Desde que não fosse confirmada legalmente a natureza privada da propriedade de terrenos antes do estabelecimento da Região, jamais pode obter a confirmação depois da criação da Região, independentemente da qualificação doutrinal deste tipo de acção como constitutiva ou declarativa, sob pena de violação do princípio consagrado no art.º 7.º da Lei Básica, segundo o qual a propriedade dos terrenos na Região cabe ao Estado. Os tribunais não podem proferir sentença de reconhecimento do direito de propriedade privada sobre os terrenos, em desobediência ao disposto na referida norma, após o estabelecimento da Região, ou seja, a partir da entrada em vigor da Lei Básica.”」

20.5 É referido no sumário do Acórdão n.º 26/2000 do TSI:
“III – Bens do domínio público são o conjunto de coisas que pertencendo a uma pessoa colectiva de direito público de população e território, são submetidas por Lei, dado o fim de utilidade pública a que se encontram afectadas, a um regime jurídico especial caracterizado fundamentalmente pela sua incomercialidade, em ordem a preservar a produção dessa utilidade pública.
IV – Sendo os bens parte integrante do domínio público, estão fora do comércio jurídico, não podendo ser objecto de apropriação individual e insusceptíveis de ser adquiridos por usucapião.
V – A situação jurídica do utente privativo do domínio público, detentor da licença, é meramente de carácter obrigacional e nunca de natureza real, não lhe sendo lícito arvorar-se da qualidade de titular de um direito real.”
(Colectânea de Traduções dos Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância da RAEM, TOMO I, 2000, p. 349)

20.6 Nestes termos, e com base no facto de a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior ser domínio público, o antigo titular da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior – a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada – não tem direito de propriedade da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior e das edificações nela existentes, e também não tem direito real de qualquer natureza.

21. O despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior e a sua restituição ao Governo da RAEM para via pública não violam os princípios da igualdade e da proporcionalidade. (em relação à parte III do parecer por escrito)
21.1 A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego disse no relatório n.º 2065/DDPDT/2010: “…analisando os dados existentes na actual fase, ao longo de DBL (corredores exclusivos para autocarros), são estreitas as vias na Rua do Visconde Paço de Arcos e na Avenida de Demétrio Cinatti, e só pode construir um corredor exclusivo para autocarros num sentido. Perto do Silo do Porto Interior, por existir uma série de construções tais como instalações aduaneiras e as Pontes-cais n.º U e n.º V do Porto Interior, a faixa de rodagem tem apenas 3,35 metros de largura (vide as fotos anexas), pelo que na construção de DBL no futuro, será difícil que a referida faixa de rodagem serve para o desvio de tráfego, mas ao contrário, pode constituir um novo obstáculo de trânsito; por isso, a empresa de consultoria propõe a deslocação das Pontes-cais n.º U e n.º V do Porto Interior acima referidas por uma distância de 4 metros em direcção ao Porto Interior, assim não só pode alargar a faixa de rodagem, mas também pode construir duas faixas de rodagem no sentido ao norte.”

21.2 A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego também indicou no ofício n.º 1102017/0621/DPT/2011: “para coordenar a construção de corredores exclusivos para autocarros, é necessário reforçar as capacidades de trânsito e de desvio de tráfego das ruas entre as Portas do Cerco e a Barra; a Avenida de Demétrio Cinatti tem um efeito de desvio de tráfego na Rua do Visconde Paço de Arcos, actualmente a maior parte da Avenida de Demétrio Cinatti tem condição para o trânsito nos dois sentidos, mas a largura da faixa de rodagem à frente da Ponte-Cais n.º U do Porto Interior é inferior à largura normal, e não é ideal a condição de trânsito. Se poder resolver o supracitado problema, será mais conveniente a execução do supracitado plano de construção de corredores exclusivos para autocarros e para o funcionamento do trânsito no Porto Interior.”

21.3 O relatório e o ofício acima referidos já disseram expressamente que a faixa de rodagem ao lado das pontes-cais n.º U e n.º V do Porto Interior tem apenas 3,35 metros de largura, e para resolver o possível problema de trânsito causado pela construção de corredores exclusivos para autocarros, é necessário reservar as referidas pontes-cais para via pública.

21.4 Devido à situação geográfica, é relativamente estreita a faixa de rodagem ao lado das pontes-cais n.º U e n.º V do Porto Interior, e tal condição objectiva já resultou na diferença entre estas pontes e as outras.

21.5 A Administração Pública solicita o despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior e a sua restituição ao Governo da RAEM, a fim de executar o plano de construção de corredores exclusivos para autocarros e satisfazer as necessidades do público. A decisão da Administração Pública tem por fim realizar o interesse público, e o meio aplicado é adequado considerando a sua finalidade, e é necessário para a sua realização.

21.6 Em fim, a Administração Pública não violou os princípios da igualdade e da proporcionalidade ao solicitar o despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior e a sua restituição ao Governo da RAEM para via pública.

22. Não existe desvio de poder nem foi violado o princípio da colaboração entre a Administração e os particulares. (em relação à parte IV do parecer por escrito)
22.1 É referido no Acórdão n.º 29/2003 do TUI: 「como se sabe, “o desvio de poder é o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir aquele poder” e “pressupõe uma discrepância entre o fim legal e o fim real (ou fim efectivamente prosseguido pela Administração”. (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2002, pág. 394)
Conforme o mesmo autor, o desvio de poder comporta duas modalidades principais: uma, o desvio de poder por motivo de interesse público, quando a Administração visa alcançar um fim de interesse público, diverso daquele que a lei impõe; e a outra, desvio de poder por motivo de interesse privado, quando a Administração não prossegue um fim de interesse público, mas sim um fim de interesse privado.」

22.2 Como acima referido, para a construção de corredores exclusivos para autocarros, é viável e necessário reservar as pontes-cais n.º U e n.º V do Porto Interior para via pública, a fim de evitar novos obstáculos ao trânsito.

22.3 O despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior é destinado à construção de Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, bem como coordenação com a execução dos planos recentes e a longo prazo do trânsito em Macau. Até agora, o supracitado objectivo não é alterado.
Os respectivos actos visam, sem dúvida, realizar o interesse público.

22.4 A Administração Pública tem suficientes fundamentos de facto e de direito para solicitar o despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior e a sua devolução ao Governo da RAEM.
Por isso, não se verifica neste caso o desvio de poder.

22.5 Para efeitos da reserva da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior para via pública, a Capitania dos Portos procedeu, através do ofício n.º SATJ1100094E, à audiência escrita da Companhia de Importação e Exportação B, Limitada sobre o despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior e a remoção dos bens desmontáveis. (vide o anexo 9: Ofício n.º SATJ1100094E)

22.6 A pedido do interessado, a Capitania dos Portos já forneceu, em forma de certificado, dados arquivados sobre a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior. (vide o anexo 10: Certificados emitidos pela Capitania dos Portos nos dias 1 e 4 de Agosto de 2011)

22.7 A Capitania dos Portos já notificou, mediante o ofício n.º SATJ1100196C, o interessado da decisão feita pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas de indeferir o seu pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior.
Consta do supracitado ofício o extracto da proposta n.º 57/DAPE-ATJ/2011 da Capitania dos Portos.

22.8 No dia 13 de Janeiro de 2012, a Capitania dos Portos procedeu, através do ofício n.º SATJ1200016F, à audiência escrita do interessado sobre o despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior e a sua restituição ao Governo da RAEM.

22.9 Dos ofícios n.º SATJ1100094E, n.º SATJ1100196C, n.º SATJ1200016F e dos certificados emitidos pela Capitania dos Portos, o interessado pode ter conhecimento dos respectivos fundamentos de direito e de facto, e também tem suficientes oportunidades de pronunciar-se, pelo que não se verifica a violação do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares.

22.10 Em resumo, não se verifica o desvio de poder na solicitação do despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior e da sua restituição ao Governo da RAEM, e não foi violado o princípio da colaboração entre a Administração e os particulares.

23. O despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior e a sua restituição ao Governo da RAEM não violam as leis vigentes. (em relação à parte V do parecer por escrito)
23.1 Como é acima referido no ponto 20, a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior encontra-se no domínio público, a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada não tem direito de propriedade da respectiva Ponte-Cais e das edificações nela existentes, e também não tem direito real de qualquer natureza.

23.2 A Administração Pública tem suficientes fundamentos de direito e de facto para solicitar ao interessado o despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior e a sua restituição ao Governo da RAEM, tendo explicado expressamente ao interessado os referidos fundamentos e não padecendo de qualquer vício. Por isso, não se verifica qualquer vício de violação de princípios ou disposições legais aplicáveis.

  IV. Propostas
  24. Para a construção de Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, é necessário reservar a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior para via pública. Pelos expostos, propõe-se no seguinte:
  24.1 Ao abrigo dos dispostos no art.º 7.º da Lei Básica da RAEM, e nos artigos 41.º, al. o) e 174.º, n.º 1, al. c) da Lei de Terras, o Chefe do Executivo deve dar a seguinte ordem:
  24.1.1. A titular da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior – a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada – deve desocupar-se da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior no prazo de 15 dias a contar da recepção da notificação, a fim de reverter este terreno ao Governo da RAEM, mas não tem direito a qualquer indemnização;
  24.1.2. O interessado deve remover todos os objectos existentes na Ponte-Cais n.º V do Porto Interior no prazo referido no ponto 24.1.1;
 
  24.2 No caso de o interessado não cumprir a ordem mencionada no ponto 24.1 no prazo indicado, pede-se ao Chefe do Executivo para autorizar os seguintes procedimentos administrativos:
  24.2.1 A Capitania dos Portos e outros serviços públicos (incluindo Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, Polícia Judiciário, Corpo de Polícia de Segurança Pública, Serviços de Alfândega, Corpo de Bombeiros, Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, Instituto para os Assuntos Cívico e Municipais, Instituto de Acção Social) executam a ordem de recuperação da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, cujas medidas concretas incluem rodear a ponte-cais por uma vedação; se for necessário, as respectivas medidas podem ser executadas por terceiro (empreiteiro) através da aquisição de serviços;
  24.2.2 A Polícia Judiciária, o Corpo de Polícia de Segurança Pública, os Serviços de Alfândega e o Corpo de Bombeiros devem designar pessoal para ajudar a execução da ordem de recuperação da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, incluindo desalojar as pessoas que não quiserem sair do local e que impedirem o trabalho da Administração Pública, proteger a segurança dos trabalhadores no local, guarnecer a Ponte-Cais n.º V até a sua recuperação completa, e efectuar acções de vistoria periódicas ou indeterminadas.
  24.2.3 Em relação aos objectos deixados na Ponte-Cais n.º V do Porto Interior após o prazo acima referido, por não haver normas correspondentes na Lei n.º 6/86/M ou na Lei de Terras, deve-se aplicar por analogia o art.º 30.º do Decreto-Lei n.º 6/93/M, de 15 de Fevereiro, ou seja que estes objectos podem permanecer temporariamente no local indicado pela Capitania dos Portos depois de serem registados num auto; e caso não tenham sido reclamados os respectivos objectos no prazo de 15 dias, serão considerados abandonados e perdidos;
  24.2.4 Nos termos do art.º 144.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, ficam todas as despesas, incluindo indemnizações e sanções pecuniárias, por conta do interessado;
  24.3 Nos termos do art.º 139.º do Código do Procedimento Administrativo, a Capitania dos Portos deve notificar o interessado dos conteúdos nos pontos 24.1, 24.2.3 e 24.2.4;
  24.4 Após a recuperação da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, a Capitania dos Portos deve, em conformidade com as necessidades de planeamento e gestão da respectiva zona, entregar a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior ao serviço ou entidade correspondente.
 
  Para despacho superior.

Chefe do Departamento de Assuntos Portuários e Embarcações
(Ass- vide o original)
xxxxxx (xxxxxx)

Chefe do Departamento de Apoio Técnico Marítimo
(Ass.- vide o original)
xxxxxx (xxxxxx)

Chefia funcional do Centro de Apoio Técnico e Jurídico
(Ass.- vide o original)
xxxxxx (xxxxxx)”
Sobre o pedido de renovação de licença que foi indeferido foi emitido o seguinte parecer, acolhido na decisão:
“Assunto: Pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior
Proposta N.º: 57/DAPE-ATJ/2011
Data: 07/06/2011

Para o Director da Capitania dos Portos:

Com referência ao pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, apresenta-se o relatório, designadamente:

Parte I Relatório
1. Foi emitida à Companhia de Importação e Exportação B, Limitada (registo comercial n.º XXXX SO), em 1994, a licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior. A licença é válida pelo período de um ano e é renovável cada ano.
A Capitania dos Portos emitiu em Dezembro de 2009 à Companhia de Importação e Exportação B, Limitada a última licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior (n.º 257/2009), cujas informações se apresentam, designadamente:
- O titular da licença de ocupação a título precário: a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada;
- Área ocupada: 310.00 metros quadrados;
- Actividades autorizadas pela licença: actividades de comércio e serviços;
- Período de validade: de 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2010
(vide anexo 1 e anexo 2)
A Ponte-Cais n.º V do Porto Interior é composta por um edifício de dois andares e uma plataforma de madeira. A loja localizada no rés-do-chão e no sul da ponte-cais é “H Hai Lan” (H蟹欄). Encontra-se geralmente nos fundeadouros da ponte-cais embarcações de pesca.

2. A Companhia de Importação e Exportação B, Limitada requereu, em 14 de Outubro de 2010, à Capitania dos Portos, a renovação da licença de ocupação a título precário do ano 2011 da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior. (vide o anexo 3)

3. Tal como sugeriu o ponto 6 do relatório n.º 2065/DDPDT/2010 de 15 de Dezembro de 2010 da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego: notifica-se aos respectivos serviços competentes a concepção dos Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, e sugere-se que os respectivos serviços reservassem os espaços das Ponte-Cais n.º U e n.º V do Porto Interior para via pública, e que o desenvolvimento e plano dos edifícios na vizinhança tivessem de ter em conta a necessidade de reservar espaços para o trânsito. (vide o anexo 4)

4. Depois, em 25 de Fevereiro de 2011, realizou-se, entre os representantes da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro e Capitania dos Portos, uma discussão sobre as questões na concepção de Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra que têm relação com as Ponte-Cais n.º U e n.º V do Porto Interior. Por estas duas ponte-cais serem bens do domínio público sem registos prediais, e serem ocupadas, a título precário, pelo titular da licença, entende-se viável que sejam reservadas as mesmas a fim da via pública.

5. A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego emitiu em 10 de Março de 2011 o ofício n.º 1102017/0621/DPT/2011 à Capitania dos Portos, cujo ponto 5 referiu que, considerando a partir do ponto de vista do trânsito integral de Macau e para coordenar a execução dos planos recentes e a longo prazo, é necessário e viável reservar as Ponte-Cais n.º U e n.º V do Porto Interior para via pública. O ofício também sugeriu que a Capitania dos Portos adoptasse respectivas medidas para a cooperação da realização do respectivo plano. (vide o anexo 5)

6. Para o efeito de reservar a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior para via pública, não se pode deferir o pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior. Além disso, deve o antigo titular da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, isto é, a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada proceder à demolição dos objectos amovíveis na ponte-cais, de forma à restituição desta à posse da Região Administrativo Especial de Macau.
Tendo em conta a especialidade deste caso, a Capitania dos Portos procedeu à audiência escrita da Companhia de Importação e Exportação B, Limitada através do ofício n.º SATJ1100094E de 1 de Abril de 2011. Na respectiva audiência escrita, foi indicado que:
(1) A Ponte-Cais n.º V do Porto Interior trata-se do bem do domínio público;
(2) O interessado não tem o direito de superfície sobre a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, por isso, ele não pode sustentar, para o Governo da RAEM, a posse do direito de construção nesta ponte-cais;
(3) O interessado não teria direito a indemnização se a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior for devolvida ao Governo da RAEM após a caducidade da licença de ocupação a título precário.
(vide o anexo 6)

7. O Sr. Advogado ......(......) de I MACAU LAWYERS apresentou, em 15 de Abril de 2011 e em representação da Companhia de Importação e Exportação B, Limitada, o parecer escrito para a Capitania dos Portos. (vide o anexo 7)

Parte II Análise
8. Foi emitida à Companhia de Importação e Exportação B, Limitada, em 1994, a licença de ocupação da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior. A relação jurídica da ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior pela companhia foi regulada pela Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho (Lei do domínio público hídrico) que já entrou em vigor naquele tempo.
De acordo com o anexo 2 da Lei n.º 1/1999 (Lei de Reunificação), a Lei n.º 6/86/M não é adoptada como lei da Região Administrativa Especial de Macau. Todavia, enquanto não for elaborada nova legislação, pode a Região Administrativa Especial de Macau tratar as questões nela reguladas de acordo com os princípios contidos na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, tendo por referência as práticas anteriores.

9. Não se encontra actualmente nenhum documento que comprove que a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior tinha sido uma propriedade privada ou possuída particularmente em 1 de Julho de 1870, nem documento do então Governo Português de Macau que comprovasse, de acordo com a Lei n.º 6/86/M, que a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior tinha sido uma propriedade privada.
Por outro lado, o então Governo Português de Macau e o presente Governo da RAEM têm emitido licenças de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior.
Nos termos da Portaria n.º 122/89/M de 31 de Julho, a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior localiza-se no domínio público hídrico.
Com base nos factos acima referidos, considera-se bem do domínio público a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior.

10. Nos termos do art.º 7.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República popular da China, os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau.
Por ser bem do domínio público a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, esta é propriedade do Estado. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão.

11. A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego referiu no relatório n.º 2065/DDPDT/2010 de 15 de Dezembro de 2010 a concepção dos Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, e sugeriu que os respectivos serviços reservassem os espaços das pontes-cais n.º U e n.º V do Porto Interior para via pública, e que o desenvolvimento e plano dos edifícios na vizinhança tivessem de ter em conta a necessidade de reservar espaços para o trânsito.

12. No seu ofício n.º 1102017/0621/DPT/2011 de 10 de Março de 2011, a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego referiu que, considerando a partir do ponto de vista do trânsito integral de Macau e para coordenar a execução dos planos recentes e a longo prazo, é necessário e viável reservar as pontes-cais n.º U e n.º V do Porto Interior para via pública.

13. Nos termos do art.º 20.º, n.º 1 da Lei n.º 6/86/M, as concessões e as licenças podem ser extintas, mediante acto fundamentado, se os terrenos dominais forem considerados necessários à utilização pelo público sob a forma de uso comum ou se outro motivo de interesse público assim o exigir.
Pelo que, com base nas necessidades do uso comum ou de outro interesse público, o Governo da RAEM pode não autorizar a renovação da licença de ocupação a título precário do bem no domínio público hídrico.

14. Nestes termos, para o efeito de reservar a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior como via pública em cooperação com o desenvolvimento de trânsito integral de Macau, é óbvia que o Governo da RAEM não pode deferir o pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior.
Se o Governo da RAEM indefira o pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada perderia o direito de utilização desta por a caducidade daquela licença. Caso assim, a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada tenha de proceder à demolição dos objectos amovíveis na ponte-cais, de forma à restituição desta à posse da Região Administrativa Especial de Macau.

15. É previsto, tanto no Código Civil de 1996 (o art.º 202.º, n.º 2) como no Código Civil vigente (o art.º 193.º), que todas as coisas que se encontram no domínio público são consideradas fora do comércio e não podem ser objecto de direitos privados, nem apropriados pessoalmente.
Por encontrar-se no domínio público a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, os seus direitos reais (incluindo o direito de superfície) não podem ser adquiridos ou transmitidos pessoalmente.
Por o interessado não ter o direito de superfície sobre a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, ele não pode sustentar, para o Governo da RAEM, a posse do direito de construção nesta ponte-cais.

16. Nos termos do art.º 20.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 6/86/M, as concessões e as licenças podem ser extintas, mediante acto fundamentado, se os terrenos dominais forem considerados necessários à utilização pelo público sob a forma de uso comum ou se outro motivo de interesse público assim o exigir; a revogação das licenças não confere ao interessado direito a qualquer indemnização, podendo ser levantadas as benfeitorias que não afectem a utilidade económica do terreno.
Nos termos do art.º 75.º da vigente Lei de Terras, o ocupante não tem direito de levantar as benfeitorias introduzidas no terreno nem de ser indemnizado por elas, qualquer que seja o motivo do termo da ocupação, devendo, porém, ser reembolsado da importância da taxa correspondente ao tempo por que ainda teria direito a ocupar o terreno.
Com base no disposto acima referido, o interessado não teria direito a indemnização se a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior for devolvida ao Governo da RAEM após a caducidade da licença de ocupação a título precário.

17. Quanto à resposta escrita apresentada em 15 de Abril de 2011 pelo Sr. Advogado ......(......) em representação da Companhia de Importação e Exportação B, Limitada, entendemos que:
(1) Em relação a que “…não pode dizer que o depoente ocupa a título precário a Ponte-Cais n.º V” referido no ponto 2 da resposta.
Segundo as informações da Capitania dos Portos, tanto a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada como o antigo utente ocuparam, a título precário, a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior usando a licença de ocupação a título precário. Por isso, tal perspectiva acima referida não é insustentável.

(2) Quanto a que se referiu nos pontos 3 e 4 da resposta, “Em 1993 estabeleceu-se a companhia do depoente. Sendo um dos grandes accionistas da companhia, D (D) injectou a Ponte-Cais n.º V no bem social da depoente. Ao longo dos anos, seja qual for a situação económica, o depoente tem explorado esta ponte-cais e lá construiu um prédio permanente de dois andares.”
D (D) foi o titular da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior. Porém, seja qual for a relação entre aquele e a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada, estes são dois indivíduos independentes, e também dois titulares diferentes de licença de ocupação quanto ao assunto de ocupação a título precário do domínio público hídrico. Tal companhia sucedeu, em 1994, a D (D), no direito à ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, devendo aquela considera de forma plena as naturezas jurídicas da respectiva ponte-cais e dos edifícios nela construídos.

(3) Quanto ao plano de aproveitamento do porto interior referido nos pontos 5, 6 e 7 da resposta escrita
O Plano de Reordenamento do Porto Interior, aprovado pela Portaria n.º 218/90/M, na redacção dada pela Portaria n.º 171/95/M e Ordem Executiva n.º 5/2002, determina um planeamento global dos fins a que as pontes-cais se destinam. Todavia, tal Plano de Reordenamento do Porto Interior não concede a ninguém o direito à ocupação permanente das pontes-cais a título precário.

(4) Quanto ao estudo prévio do edifício e às obras de alteração/legalização referidos nos pontos 8, 9 e 10 da resposta escrita.
Tal estudo prévio não é autorizado oficialmente.
Nenhuma obra de beneficiação realizada no terreno de domínio público ocupado a título precário não altera as naturezas jurídicas deste e dos edifícios nele construídos.

 (5) Quanto a que se referiu na resposta, “o depoente já pagou a taxa de renovação do ano 2011”.
 A Capitania dos Portos cobra, de acordo com a lei, a taxa de ocupação apenas aquando da emissão da licença de ocupação a título precário. Relativamente à Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, a Capitania dos Portos nunca requereu que a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada pagasse a taxa de ocupação a título precário, nem que esta companhia pagou tal taxa.
 
 (6) Quanto a que “o depoente pediu que fosse reconsiderada a decisão de devolução da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior ou que lhe fosse concedida outra parcela de terreno…” referido na resposta escrita.
 A Ponte-Cais n.º V do Porto Interior trata-se do bem do domínio público. Com base nas necessidades da abertura dos Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior pode ser devolvida ao Governo da RAEM para outro plano de aproveitamento após a caducidade da licença de ocupação a título precário.
 Quanto à concessão de outra parcela de terreno ao depoimento, não há fundamentos de direito correspondentes a ser citados.
 
 (7) Conclusão
 Quanto às opiniões importantes referidas na audiência escrita, como “a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior trata-se do bem do domínio público” e “por o interessado não ter o direito de superfície sobre a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior, ele não pode sustentar, para o Governo da RAEM, a posse do direito de construção nesta ponte-cais” e “o interessado não teria direito a indemnização se a Ponte-Cais n.º V do Porto Interior for devolvida ao Governo da RAEM após a caducidade da licença de ocupação a título precário”, estas não foram contraditas com fundamentos de direito e de facto na resposta escrita.
 Faltam fundamentos de direito ou de facto aos pedidos e alegações referidos na resposta escrita.

Parte III Sugestão
18. É necessário reservar os espaços das pontes-cais n.º U e n.º V do Porto Interior para via pública para o efeito dos Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra. Atentas as alegações e análises acima referidas, é de sugerir:
18.1 O indeferimento do pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior;
18.2 O requerimento, ao antigo titular da licença de ocupação a título precário da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior; ou seja, a Companhia de Importação e Exportação B, Limitada, de proceder, no prazo de 30 dias, à demolição dos objectos amovíveis na ponte-cais, de forma à restituição desta à posse da Região Administrativa Especial de Macau.

Para despacho superior.

Chefe do Departamento de Assuntos Portuários e Embarcações
(Ass- vide o original)
xxxxxx (xxxxxx)

Chefia funcional do Centro de Apoio Técnico e Jurídico
(Ass.- vide o original)
xxxxxx (xxxxxx)”
    
    IV - FUNDAMENTOS

1. Antes de analisar as questões que vêm colocadas, importa atentar que em relação ao vício de erro na aplicação da lei indicado pela recorrente, devem-se distinguir os dois actos administrativos, o da decisão do Exmo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas que não aprovou a renovação da licença de ocupação a título precário e o da decisão do Chefe do Executivo de ordenar o despejo da recorrente da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior.
Nos artigos 82.º a 106.º da petição de recurso, a recorrente entende que o seu direito à respectiva ponte-cais deve ser reconhecido como direito de concessão de arrendamento a longo prazo, matéria essa que se traduz na determinação e alcance do direito da recorrente, matéria essa que foi objecto de um outro recurso e já foi decidida no processo n.º 569/2011, deste TSI e n.º 65/2012 do TUI, aí se tendo já decidido algumas matérias conexas com as que agora são de novo ventiladas
O que está aqui em causa é o acto administrativo que consiste basicamente numa ordem de desocupação do imóvel.

2. Da pretensa violação do princípio da igualdade.
A recorrente invoca violação do princípio da igualdade, na perspectiva de que, fundando-se o decidido na necessidade da construção da via pública destinada à circulação exclusiva de autocarros, que se prolongará das Portas do Cerco até à Barra, apenas as pontes-cais n.ºs U e V são atingidas no seu direito de exploração, não se tendo usado do mesmo critério em relação às restantes pontes-cais, chegando a afirmar em sede de alegações facultativas que as pontes n.ºs W, X, Y e Z estão alinhadas com as pontes cais U e V, não se percebendo a diferenciação entre estas e aquelas, ao não se estender a decisão de indeferimento das licenças de ocupação aos respectivos ocupantes que poderia ter direitos conflituantes com o alegado interesse público sem excepção.
    Apreciando esta questão, é verdade que o ordenamento jurídico da R.A.E.M. está profundamente marcado pelos princípios fundamentais da igualdade, proibindo-se a Administração Pública de “(...) privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado (...)” – cfr. artigo 5º, n.º1 do Código do Procedimento Administrativo, n.º5 do Anexo I à Declaração Conjunta e o artigo 25º da Lei Básica – e o princípio da justiça e da imparcialidade, que impõe que “no exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação” – cfr. artigo 7º do Código do Procedimento Administrativo.
Só há violação do princípio se se constatar que as situações comparáveis são iguais, seja em termos de facto, seja em termos jurídicos. E é igualmente verdade que só pode existir direito à igualdade na legalidade e defender igualdade na ilegalidade seria pôr em causa os alicerces do sistema e do próprio estado de direito.

Ora, no caso, nem se observa igualdade fáctica, nem jurídica.
O presente recurso contencioso está dirigido contra a ordem de despejo da Ponte-Cais n.º V dada pelo Chefe do Executivo porque, expirada a licença de ocupação a título precário, a recorrente ainda não a desocupou, situação que não se observa nos outros casos, para além de que, juridicamente considerando, uma desocupação sobrevinda a uma não renovação da licença de ocupação a título precário difere manifestamente das outras situações em que os ocupantes das pontes-cais obtiveram a renovação da licença de ocupação.
Mas nem sob o ponto de vista fáctico as situações são semelhantes.
Uma coisa é o alinhamento que até pode ser o mesmo e outra é o espaço disponível para a faixa de rodagem e ainda que esse elemento fosse o mesmo sempre a localização de umas e outras pontes é diferente.
Os elementos que decorrem do P.I, bem como a prova produzida, não infirmam a conclusão a que chegaram as autoridades responsáveis de que, para a construção da faixa de rodagem em questão, apenas se impôs a remoção das pontes-cais nºs U e V por o pavimento junto às mesmas ter pouca largura, cerca de 3,35 metros, sendo aí que se observa o dito "gargalo", situação que pode agravar o congestionamento do trânsito.
Donde, por se tratar de situações que diferem entre si, não fazer sentido falar-se em afronta de igualdade.

3. Invoca ainda afronta ao princípio da proporcionalidade, adequação e Justiça
Vem esta alegação na sequência da violação do princípio da igualdade.
Ainda a propósito de um pretenso tratamento desigual de situações que para a recorrente seriam iguais, mesmo admitindo que a faixa de rodagem seja a mesma, de 3,35 metros, como já se salientou, essa mesma largura pode permitir diferentes escoamentos em função de outros estrangulamentos existentes.
Daí que não se pode partir sem mais para a tese de uma desproporcionalidade e inadequação da medida adoptada que procura garantir uma faixa de rodagem a correr ao longo do porto Interior, da barra à Fronteira, não havendo razões para pôr em crise os pressupostos de facto alegados quanto à necessidade de efectivar uma desocupação que se assume como necessária àquele desiderato.
Nem se diga que esse plano não vai ser implementado de imediato, donde resultar daí uma outra vertente da sua desadequação. O facto de se encontrar em fase de estudo não significa que não se adoptem desde já as medidas consideradas ajustadas para preparar, atempadamente, a implementação do projecto.
Somos a acompanhar aqui a posição do Digno Magistrado do MP, enquanto diz : «Mas, a verdade é que, mesmo que os trabalhos nas instalações, ocupadas a título provisório pela recorrente, não se tenham que iniciar de imediato, o lançamento da obra em questão pressupõe, como é bom de ver, que as mesmas estejam livres para ser entregues ao empreiteiro, ao que acresce que, enquadrando-se a obra na coordenação e implementação de planos de médio e longo prazo de gestão do tráfego (metro ligeiro incluído), o estudo para a execução do corredor exclusivo para autocarros terá já sido entregue a equipa de engenharia, pelo que a "urgência" da obra não poderá deixar de ser equacionada a essa luz, não se compadecendo com a delonga que derivaria de eventual permanência e continuação da actividade da recorrente na ponte-cais em questão.
Daí que, pese embora se compreendam os inconvenientes para a interessada, decorrentes não só da não renovação da licença de utilização, como do impedimento da continuação da sua actividade no local se não veja, em boa verdade, que, no encalce do interesse público decorrente da execução da obra em causa, a Administração pudesse lançar mão de qualquer outra medida menos "afrontosa'', dos interesses da recorrente (nem esta, verdadeiramente, põe em crise que o alargamento da via se tome necessária, não demonstrando que outra ou outras medidas pudessem ser prosseguidas com esse intuito e com menor gravame), não sendo, pois, o seu sacrifício desmesurado em relação ao imenso benefício que para a Região e seus residentes resulta da execução da obra de alargamento da via em causa, entre dois pontos nevrálgicos da circulação rodoviária na cidade, pelo que também mal se vê como validamente esgrimir com pretensa ofensa da proporcionalidade, o mesmo se podendo, aliás, dizer relativamente à justiça, já que, como doutamente se acentua no acórdão a que acima nos reportámos "... injusto seria que os utentes dos transportes públicos que se deslocam da Barra para as Portas do Cerco, e vice-versa, não pudessem percorrer o trajecto em condições mais rápidas e com outro conforto; injusto seria que os condicionamentos na zona do Porto Interior não fossem resolvidos e se arrastassem sem solução, com congestionamentos no trânsito e atropelos até à saúde dos utentes, transeuntes e moradores; injusto seria se, havendo uma solução que a todos beneficia, não pudesse ela ser adoptada por causa de poucos por ela prejudicados"».
    Podemos descortinar ainda uma outra vertente na alegação de tais violações. Prende-se ela com o facto de a recorrente sustentar que era possível a continuação da actividade ali desenvolvida com o plano em vista, donde o sacrifício imposto ao particular pela Administração ser manifestamente desajustado aos fins em vista.
    Esta vertente pode ter alguma ligação com o que adiante se venha a dizer a propósito do alegado desvio do poder, mas não deixamos de referir desde já que o interesse sacrificado assentava apenas numa licença precária, que não foi renovada e, muito embora, o exercício de poderes discricionários possa comportar o vício de violação de lei, nomeadamente por violação dos princípios que devem reger a actividade administrativa, o certo é que os fins de interesse público invocados não deixam de sobrelevar sobre os interesses particulares sacrificados.

4. Do desvio de poder.
A recorrente entende que a Administração Pública não tem vontade real de construir Corredores Exclusivos para Autocarros, pois, se assim fosse, não teria aprovado os pedidos de renovação das licenças de ocupação a título precário das outras pontes-cais, pelo que a decisão do despejo da Ponte-Cais n.º V do Porto Interior padece do vício de desvio de poder.
Já nos pronunciámos sobre a diferença de situações, tanto em termos jurídicos, como em termos de facto, não havendo razões para desacreditar da implantação do referido projecto de corredor para os transportes públicos.
   O vício de desvio de poder consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiz com o fim que a lei visou ao conferir tal poder. 1
   Pressupõe-se assim uma discrepância entre o fim legal e o fim real ou o fim efectivamente prosseguido pelo órgão administrativo e para determinar da existência de tal vício tem de proceder-se a três operações: apurar qual o fim visado pela lei ao conferir um determinado poder discricionário (fim legal); averiguar qual o motivo determinante da prática do acto administrativo em causa (fim real); determinar se este fim coincide com aquele.2
   A alegação de desvio de poder implica, por um lado, a indicação do fim ilícito visado pelo autor do acto impugnado e, por outro lado, a prova de factos materiais, através dos quais possa resultar a convicção de que o motivo principalmente determinante da prática do acto não condiz com o fim visado pela lei na concessão do poder discricionário.
   No caso sub judice pretende-se atribuir ao acto recorrido uma motivação não coincidente com o fim legal.
   Embora se afirme que não há intenção de implementar o referido corredor para transportes públicos, não se diz exactamente qual o outro fim prosseguido com a ordem de ocupação que vem impugnada e se segue à não renovação da licença precária.

O acto administrativo recorrido visa pôr cobro a uma situação de ocupação ilegal, o que não se reconduz já a um acto meramente discricionário, antes concretizando uma decisão anterior que deixa de legitimar a ocupação que se mantém.
No que concerne aos intuitos da Administração, desde logo aquando da não renovação da licença, já se pronunciou este TSI, no proc. n.º 569/2011, em douta argumentação que serve ao caso e que aqui se acolhe, na medida em que a presente desocupação mais não é do que a consequência de uma ocupação em que a recorrente teima, não obstante a não renovação da licença:
«Parece entender a recorrente que a Administração se subjugou a um interesse principalmente determinante não consentâneo com o fim depositado na norma ao conceder à Administração aqueles poderes discricionários (art. 20º da Lei nº 6/86/M, de 26/07: segundo o qual as licenças podem ser extintas, mediante acto fundamentado, se os terrenos dominiais forem considerados necessários à utilização pelo público sob a forma de uso comum ou se outro motivo de interesse público assim o exigir).
E para assim concluir, disse inexistir qualquer vontade efectiva da Administração em prosseguir com a implementação da referida via, porque, caso contrário, não teria deferido nenhum pedido de renovação da licença de ocupação das restantes pontes-cais que integram o Porto Interior.
Mas, se esta é a sua opinião a respeito da caracterização concreta do vício, parece que ele terá mesmo que improceder. Em primeiro lugar, porque não se colhe da alegação se, para a recorrente, o fim principalmente determinante é outro interesse público ou o interesse privado dos restantes titulares de licenças para ocupação das pontes-cais.E era preciso dizer e provar qual ele era, com recurso a factos.
Por outro lado, como já vimos, o sacrifício dos interesses privados não teria que estender-se a todos os ocupantes das ponte-cais, mas sim e apenas aos que exploram as que têm os nºs YZ e YY.
Não vemos, pois, onde foi a recorrente deduzir que a nova via implica a destruição da totalidade ou da maioria das pontes-cais, se tal não resulta do p.a., nem dos autos. Daí que o facto de continuar a renovar as licenças aos restantes ocupantes não significa, nem que a Administração tenha abandonado o projecto, nem que queira favorecer aqueles ocupantes, muito menos que queira dolosamente prejudicar a recorrente.
E também não acode à recorrente a alegação de que, tal como sucedeu para a implementação do metro ligeiro, haveria que proceder a uma consulta ou discussão pública à população, a qual se iria arrastar por um período muito superior à duração da licença, uma vez que a construção da via em questão obriga a uma profunda alteração da estrutura viária e habitacional de uma parte significativa da península de Macau. Trata-se de um argumento compreensível à luz do pensamento comum, mas pouco sustentável à luz do pensamento jurídico. Ainda não existe em Macau um regime legal geral, nem sectorial, que saibamos, que determine e defina os casos de consulta pública necessária e o modo de processamento. Logo, não é possível afirmar que ela tivesse que existir no caso presente e que, havendo-a, haveria tempo para a pretendida renovação.
Sendo assim, não vemos que a Administração tenha exercido aqueles poderes discricionários para uma finalidade diversa da depositada na norma. O que equivale a dizer que se não pode dar por procedente o correspondente vício3 entendendo que o acto administrativo de não aprovar a renovação da licença de ocupação a título precário da respectiva ponte-cais não padece do vício de desvio de poder.»

Como se sublinhou, estas doutas reflexões, produzidas a montante do acto, a propósito de outro acto que está na génese da desocupação desencadeada, não se deixam de ajustar perfeitamente à situação em apreço.
Mas, tal como também já se observou, acresce que a recorrente não indicou factos concretos integrantes do objectivo que a Administração Pública quis atingir através do acto administrativo recorrido.
Conclui-se, assim, no sentido de que o acto administrativo recorrido não padece do vício de desvio de poder.
5. Da violação de direitos constituídos - Violação de Lei - Erro de direito
    Por fim diz a recorrente que o acto em apreço viola directamente direitos fundamentais reconhecidos pela RAEM, ou seja o seu direito de propriedade.
    Alega que adquiriu a referida ponte cais por contrato de trespasse outorgado no Cartório Notarial do Dr. Alexandre Correia da Silva, em 12 de Outubro de 1993 os então proprietários da Ponte Cais n° V e titulares da licença de título precário da ponte de atracação, D; F e G, trespassaram a referida licença a favor da ora Recorrente
    As edificações daquela ponte-cais já existiam antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho e não se traduzem em meros equipamentos.
    A situação concreta deveria ter sido enquadrada no regime de uma concessão por aforamento, isto porque por um lado, a construção remonta já a data anterior à vigência do Código Civil de 1966 e, consequentemente, bem anterior à aludida Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho, todos os anteriores possuidores da referida ponte foram reconhecidos como proprietários da mesma, ao suceder na posse daquela Ponte-Cais n.º V por acto inter vivos, a posse do recorrente deverá ser considerada como posse formal existente desde o primeiro possuidor da aludida ponte-cais, ou seja, pelo menos desde 1936.
     Baseia o seu direito na interpretação do n.º 4 do artigo 5° da Lei de Terras estabelece que «Não havendo título de aquisição ou registo deste, ou prova do pagamento de foro, relativo a prédio urbano, a sua posse por particular, há mais de vinte anos, faz presumir o seu aforamento pelo Território e que o respectivo domínio útil é adquirível por usucapião nos termos da lei civil»
    A qualificação da ora recorrente como proprietária das edificações existentes da ponte em causa, seria incompatível com o efeito útil que se pretende com o acto recorrido, que configura uma verdadeira expropriação gratuita e injustificada.
    
    De uma forma muito genérica diremos que não assiste razão à recorrente por três ordens de razões:
    - A titularidade de direitos dos particulares sobre as pontes-cais deve respeitar um regime legal especial, não se compatibilizando facilmente o regime de possuidor como se titular de direito real se trate, num domínio marcado por uma utilização da coisa mediante uma licença precária;
    - Um contrato de trespasse sobre uma ponte-cais, utilizada nos termos de uma licença precária, não constitui título aquisitivo de direito real, não sendo passível de integração na figura jurídica de concessão por aforamento, o que contraria a natureza e as finalidades da licença de uso sobre tais bens;
    - A possível aquisição do direito real por usucapião, com referência a uma posse superior a 75 anos, não está consubstanciada pela pertinente factualidade integrante do corpus e do animus que não poderia deixar de estar comprovada.
    Por aqui ficaríamos, bastando remetermo-nos - o que fazemos - para o que já foi decidido no processo que correu seus termos neste TSI, acima aludido e onde esta questão já foi abordada.
    Não deixaremos, contudo, de tecer mais algumas considerações para evidenciar a sem razão da recorrente.
    A pretensão da recorrente esbarra desde logo com o facto de o art. 7º da Lei Básica prescrever que “Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau”, tendo o acórdão do Venerando TUI, proferido no âmbito do proc. nº 32/2005, publicado no BO, II série, de 2/08/06, consignado que “Após o estabelecimento da Região, não se pode obter o reconhecimento de propriedade privada ou domínio útil a favor dos particulares, dos referidos terrenos através de decisão judicial, independentemente de acção a ser proposta antes ou depois da criação da Região”.
    Bem pode a recorrente argumentar que adquiriu o direito originariamente, mas o certo é que a lei fala num reconhecimento da dominialidade privada antes do estabelecimento da RAEM e esse reconhecimento não se mostra feito, nem sequer no presente recurso, em que, embora se reconheça que o direito pode ser directamente invocado, a questão não é colocada em termos de se ter o apontado direito da recorrente como reconhecido antes daquele estabelecimento.
    Quanto aos modos de reconhecimento, essa é outra questão que, porque não equacionada, não importa agora desenvolver.
    O certo é que o pretenso direito real privado, nomeadamente o de concessão por aforamento, como pretende a recorrente, sobre a referida edificação não foi reconhecido como existindo àquela data.
    Esta constatação bastaria para obstar à invocação do direito feita nos autos.
    Como afirmámos no processo n.º 662/2009, de 27/5/2010, os terrenos pertencentes ao domínio público hídrico podem ser objecto de uso privativo nas modalidades de concessão por arrendamento ou de uso ou ocupação a título precário.
As pontes cais integram-se no domínio público hídrico e não são susceptíveis de sobre elas se constituir um qualquer direito real.
    A recorrente, numa indefinição do seu direito, insiste numa propriedade sobre as edificações, enquanto vai falando de uma qualidade de foreira por via de uma concessão por arrendamento.
    Em que ficamos? A confusão está instalada. Ficamos sem saber o que se pretende. Ainda que a qualificação jurídica caiba ao Tribunal, - jura novit curia -, os actos realmente praticados, materialmente concretizados, não apenas actualmente, mas sim ao longo de todo o tempo, a intenção ínsita à actuação e o reconhecimento público dos poderes exercidos, deveriam assumir particular importância, de forma a definir o exacto alcance do direito da recorrente.
    Ora, nesse domínio, temos um vazio quase absoluto.
    Sobre foro, sobre renda, nada. É certo que alude a um aforamento presumido, mas este instituto não se compagina nem com a natureza, nem com o regime das pontes cais, tal como aludido no acórdão deste TSI para onde nos remetemos
    E sobre a concessão por arrendamento, nada nos é dito sobre os seus elementos típicos, em particular sobre a renda.
    Ao falar na propriedade sobre as edificações, apontar-se-á no sentido de um direito de superfície. Só que para além de, ainda aqui faltar a factualidade típica, causa da aquisição originária, afigura-se-nos, por um lado, ser incompatível a utilização mediante uma licença precária com o animus que necessariamente se requer para o exercício da dominialidade sobre a coisa, por outro, não deixa de ser manifesta a incompatibilidade entre a natureza da ponte cais integrante do domínio público marítimo com a sua apropriação em termos de direitos privados dos particulares.
    Por todas estas razões o recurso contencioso não deixará de improceder.
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
    Custas pela recorrente, com 8 UC de taxa de justiça
    
               Macau, 16 de Janeiro de 2014

Presente (Relator)
Vítor Manuel Carvalho Coelho João A. G. Gil de Oliveira


(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng

  
  (Segundo Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
1 - Freitas do Amaral, Curso de Dto Administrativo, II, 2002, 394
2 - Freitas do Amaral, ob. cit., 395
3 - A necessidade de um estudo de impacto ambiental (art. 28º da Lei de Bases do Ambiente: Lei nº 2/91/M, de 11/03), embora implique uma certa demora, não pode servir de amparo à alegação do recorrente, uma vez que nem sequer foi alegada a sua inexistência até ao momento. E mesmo que se entrevisse no art. 29º da mesma lei a necessidade de uma consulta pública (mas nem isso é seguro), tal não seria motivo para nos pormos ao lado da recorrente, pela simples razão de que ela pode já ter acontecido ou estar até em curso. Quer dizer, não pode ser a necessidade de observância de certos trâmites procedimentais mais ou menos demorados que haveriam de servir de apoio à defesa da tese da recorrente, de que, enquanto eles durassem, a licença poderia ser renovada. Sobre isto, apenas nos cumpre dizer que a oportunidade e a conveniência são conceitos e factores que só à administração cabe prosseguir na sua actuação concreta, sem que os possamos sindicar.

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359/2012 42/42