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Processo n.º 51/2013
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 13/Fev./2014


ASSUNTOS:
    
    - Recurso hierárquico
    - Natureza do recurso de actos praticados pela Exma Senhora Directora dos Serviços de Finanças em matéria fiscal relativa ao Imposto de Selo

SUMÁRIO:
De um acto praticado pela Exma Senhora Directora de Finanças que não isentou do Imposto de Selo um determinado acto não cabe recurso hierárquico necessário para o Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças.
                Relator,
                João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 51/2013
(Recurso Contencioso)

Data : 13 de Fevereiro de 2014

Recorrente: A (XX)

Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A (XX), mais bem identificado nos autos, notificado, nos termos do disposto no artigo 2° do Decreto-Lei n.º 16/84/M, de 24 de Março, através do ofício com a referência n.º XXX/NIS/DOI/RFM/2012 da Direcção dos Serviços de Finanças, do despacho do Exmo Sr. Secretário para a Economia e Finanças, de 5 de Dezembro de 2012, exarado na Informação n.º XXX/NIS/DOI/RFM/2012, de 1 de Novembro, que indeferiu o recurso reputado como hierárquico necessário interposto para o Sr. Chefe do Executivo do despacho da Exma Sra. Directora dos Serviços de Finanças, de 31 de Agosto de 2012, exarado na Informação n.º XXX/NIS/DOI/RFM/2012, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 20.° e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, interpor recurso contencioso de anulação do mesmo, alegando em síntese:
    1. A lista taxativa dos actos sujeitos a tributação do Imposto do Selo constante do artigo 51° da Lei 17/88/M não inclui, em nenhuma das respectivas alíneas, a promessa de cessão de uma posição contratual num contrato-promessa.
    2. Não estando a promessa-de cessão de uma posição contratual num contrato-promessa sujeita ao pagamento de Imposto do Selo, naturalmente que a prática de qualquer acto posterior àquela, nomeadamente uma procuração, não pode, de modo algum, ser alvo de tributação ao abrigo da Lei n.º 6/2011.
    3. A procuração só estaria sujeita ao Imposto do Selo Especial se a sua outorga fosse precedida da celebração do contrato-promessa em causa, o que, no caso, não aconteceu.
    4. O recorrente e a procuradora são casados um com o outro há muitos anos segundo os ritos tradicionais chineses.
    5. O casamento em causa não pode deixar de ser reconhecido como uma realidade para os devidos efeitos fiscais.
    6. A alínea 1) do n.º 1 do artigo 9.° da Lei n.º 6/2011 visa precisamente permitir a transmissão de imóveis para a habitação entre os membros de uma família, até ao 2.° grau da linha colateral, sem serem sujeitos à carga fiscal prevista no Imposto do Selo Especial.
    7. A procuração não visou transmitir a posição contratual de promitente-comprador sobre a fracção autónoma em questão.
    8. O que afasta a aplicação dos artigos 2.° e 4.° da Lei n.º 6/2011.
    9. O acto recorrido é anulável por violação do disposto no artigo 51° da Lei 17/88/ M, no n.º 1 do artigo 87° do Código do Procedimento Administrativo e nos artigos 2.° e 4.° e alínea 1) do n.º 1 do artigo 9.° da Lei n.º 6/2011.
    Nestes termos, entende, deve o presente recurso contencioso de anulação de acto administrativo ser admitido e, como tal, anulado o despacho recorrido, reconhecendo-se que sobre a procuração outorgada em 6 de Março de 2012 não incide o Imposto do Selo Especial.

    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - Vem oficiosamente suscitada nos autos, pelo juiz relator, uma questão que se configura como prévia e cujo conhecimento obsta ao conhecimento do mérito do presente recurso contencioso, qual seja a de saber se, no caso, o acto da Exma Senhora Directora de Finanças estava sujeito a recurso hierárquico necessário para o Exmo Senhor Chefe do Executivo, ou se, ao invés, dele cabia imediato recurso contencioso, o que, assim sendo, determina a intempestividade do presente recurso.
    
    Fizeram-se diligências no sentido de apurar qual o exacto alcance da Lei n.º 12/2003, em particular, pediram-se as actas relativas aos trabalhos preparatórios e aos pareceres que a informaram.
    
    Ouvidas as partes intervenientes, todos se pronunciam por uma situação de recurso hierárquico necessário, no que são secundados pelo Digno Magistrado do MP.
    Regista-se o entendimento recentemente consagrado nesta instância nos processos n.ºs 272/2013, de 28/11/13 e 20/2013, de 16/01/2014, deste TSI, e que vão no sentido de se entender que o artigo 2º da Lei n.º 12/2003, na esteira do que se adivinhava, aquando da decisão proferida no processo n.º 870/2012, apenas se aplica ao Imposto Profissional e Complementar de Rendimentos, desde logo vista a sua inserção sistemática.
    
    Está em causa o pedido de não incidência do Imposto de Selo Especial sobre uma procuração outorgada pelo recorrente em que conferiu poderes à sua mulher para aquisição e venda de posição contratual de promitente comprador sobre uma determinada fracção autónoma.
    Importará primeiramente fazer uma breve referência quanto às regras da interpretação das normas fiscais.
    Dada a natureza e as características das normas fiscais, coloca-se a questão da existência de uma doutrina específica para a interpretação dessas normas, na ausência de normas interpretativas privativas do direito fiscal.
    Muito resumidamente se dirá que os princípios in dubio contra fiscum (na dúvida, em sede de prova, contra o fisco) e odiosa restringenda (interpretação restritiva por odiosas as leis da tributação) emergentes de ideias erigidas em defesa dos particulares contra a arbitrariedade dos poderes públicos, bem como o princípio in dubio pro fisco, emergente de uma ideia de que os poderes públicos seriam sempre os mais representativos do interesse geral, traduzem concepções que se encontram já hoje ultrapassadas.
    Pode colher-se com alguma consistência a ideia de que igualmente os princípios interpretativos parcelares baseados nas doutrinas da interpretação literal, funcional ou económica não bastam para responder às dificuldades que se colocam no âmbito do direito fiscal, donde se estabeleceu o consenso de que uma solução de equilíbrio plasmada nas regras gerais da interpretação das normas, tal como decorre entre nós do artigo 8º do Código Civil, é a que melhor tutela os vários interesses em presença.1
    Tal não significa que se desprezem, tal como decorre daquela norma geral, os princípios próprios do direito fiscal decorrentes da natureza v.g. das isenções tributárias, benefícios e isenções fiscais, seja para restringir, seja para permitir a interpretação extensiva.23
     No direito fiscal o preceito fundamental de hermenêutica jurídica radica basicamente no art. 8º do Código Civil4 e na interpretação da lei, tal como determina tal norma do Código Civil, o intérprete “(…) não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
  
   Tal como se frisou no processo n.º 272/2013 “No que diz respeito ao título da respectiva lei (n.º 12/2003), a supracitada lei foi elaborada no sentido da alteração dos «Regulamento do Imposto Profissional» e «Regulamento do Imposto Complementar de Rendimento».
  Por outro lado, independentemente do parecer quanto à apreciação do respectivo projecto da lei pela Primeira Comissão Permanente da Assembleia Legislativa ou, da acta da aprovação da lei na especialidade em plenário (vd. fls. 215 a 304 dos autos), não se verificou neles que o legislador pretendesse alterar a disposição geral de impugnação administrativa estipulada no art.º 5.º da Lei n.º15/96/M, ou seja a intenção de alterar “salvo menção expressa em contrário, são facultativos os recursos hierárquicos interpostos para o Governador, nos termos previstos nas leis e regulamentos fiscais”. Pelo contrário, o proponente do referido projecto da lei (Administração) frisou por várias vezes que o respectivo projecto de lei visa alterar os «Regulamento do Imposto Profissional» e «Regulamento do Imposto Complementar de Rendimento».”
    
    Feito este enquadramento, somos a acompanhar o que foi decidido nos supracitados processos n.º 20/2013 e 272/2013, ao considerar-se que o disposto no artigo 2º da Lei n.º 12/2003 rege apenas para o Imposto Profissional e Complementar de Rendimentos, não havendo lugar, no presente caso, a recurso hierárquico necessário do despacho da Exma Senhora Directora dos Serviços de Finanças para o Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças.
    
    Trata-se de matéria sensível e controvertida e que deve merecer, porventura, uma definição jurisprudencial ao mais alto nível ou uma intervenção legislativa, clarificando a unificação de critérios.
    
    Damos aqui por reproduzida, com a devida vénia, a argumentação ali expendida:
    “O problema equacionado consiste em saber se o acto impugnado nos presentes autos é recorrível contenciosamente. Parece-nos que não, pelo que se dirá.
    Atente-se, em primeiro lugar, no que prescreve o diploma atinente especificamente ao imposto que aqui está em discussão, o imposto de selo. O art. 91º da Lei nº 17/88/M, de 27 de Junho, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 4/2009 e 4/2001, que aprova o Regulamento do Imposto do Selo, diz textualmente que:
    «1. É garantido ao contribuinte recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, contra a liquidação do imposto, as multas aplicadas e demais actos definitivos e executórios.
    2. Em todas as matérias relativas ao recurso contencioso observa-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Regulamento da Contribuição Industrial, aprovado pela Lei n.º 15/77/M, de 31 de Dezembro».
    Pois bem. Não obstante não ser este dispositivo legal um arquétipo de perfeição normativa, dá-nos ele, porém, logo nota no nº1 que todos os actos que liquidem imposto profissional são sujeitos a recurso contencioso imediato, por serem “definitivos” e “executórios”.
    Claro, poderá dizer-se que esse nº1 não é bem ajustado à hipótese sub judice, já que se não trata da “liquidação do imposto profissional”, mas de liquidação oficiosa. Pois bem. Admitindo em abstracto que a intenção do legislador possa ter sido diferente consoante as ditas hipóteses, vejamos se o quadro legal modifica a estatuição.
    Olhemos, então, para o art. 92º do mesmo diploma (Regulamento do Imposto de Selo ou RIS):
    Artigo 92.º
    1. A reclamação de actos de liquidação oficiosa ou adicional de imposto do selo sobre transmissões de bens imóveis, nos termos do capítulo XVII, quando fundamentada em discordância com o valor atribuído à transmissão, é obrigatoriamente dirigida à Comissão de Revisão.
    2. A reclamação referida no número anterior deve ser apresentada na Repartição de Finanças de Macau no prazo de 15 dias contados da notificação da liquidação.
    3. Das deliberações da Comissão de Revisão cabe recurso contencioso imediato nos termos gerais.
    
    Ora, este artigo trata da reclamação de actos de liquidação adicional ou oficiosa, para afirmar duas coisas:
    a) Se a reclamação se funda na discordância com o valor atribuído à transmissão, ela é dirigida à Comissão de Revisão. Nesse caso, a reclamação tem efeito suspensivo, tal como promana do art. 96º do diploma, sendo certo que da deliberação da Comissão “caberá recurso contencioso imediato nos termos gerais” (art. 92º, nº3). É bom de ver que estas disposições estão perfeitamente em linha com o preceituado no art. 150º do CPA, segundo o qual “a reclamação de acto de que não caiba recurso contencioso tem efeito suspensivo…”.
    b) A contrario, se a reclamação tiver qualquer outro fundamento, então ela deixa de ser obrigatoriamente dirigida à Comissão de Revisão e perde o efeito suspensivo. O mesmo é dizer, a reclamação é facultativa e a decisão que vier a ser tomada não é impugnável contenciosamente, porque o acto definitivo é, precisamente, o acto de liquidação oficiosa administrativamente impugnado.
    Temos assim que, no caso vertente, o Regulamento do Imposto de Selo dá a solução para a “vexata quaestio”, uma vez que a reclamação se não deveu à discordância relativamente ao valor atribuído à transmissão, nem foi dirigida à Comissão de Revisão.
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    Para quem entenda que isto não basta, importa recuar ao citado artigo 91º do RIS, desta vez ao nº2, segundo o qual “Em todas as matérias relativas ao recurso contencioso observa-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Regulamento da Contribuição Industrial, aprovado pela Lei n.º 15/77/M, de 31 de Dezembro”.
    Dá para sentir a “mens legis”, o espírito do legislador! Ele quis que, tirando o caso excepcional previsto no art. 92º, a matéria do recurso contencioso observasse aquilo que está previsto no Regulamento da Contribuição Industrial (RCI). Ora, este diploma, no capítulo V, é muito claro ao afirmar o princípio da reclamação “graciosa” facultativa (art. 49º), de cuja decisão se permite o recurso hierárquico (art. 50º), sendo que nem uma, nem outro têm efeito suspensivo, mas apenas devolutivo (art. 51º). Portanto, e em sintonia com o CPA (arts. 150º e 157º), a decisão definitiva e recorrível é aquela que logo lesou o contribuinte com a liquidação oficiosa (art. 52º do RCI), porque não sujeita a impugnação administrativa necessária (art. 28º, nº1, do CPAC).
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    Trata-se de uma solução, de resto, perfeitamente harmonizável com os princípios expostos na Lei nº 15/96/M de 12 de Agosto (“clarificação de alguns aspectos em matéria fiscal”), diploma que, para além da impugnabilidade contenciosa fundada em actos lesivos (art. 1º), recorda e exprime aquilo que já promana do CPA: “Salvo menção expressa em contrário, são facultativos os recursos hierárquicos interpostos…”. Por conseguinte, sendo facultativos, obviamente a decisão tomada no seu seio não é recorrível contenciosamente.
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    E será que o art. 2º da Lei nº 12/2003, de 11/08 retira alguma força ao que acabou de se expor?
    Vejamos o que ele dispõe.
    Artigo 2.º
    Competências em matéria fiscal
    1. As competências para lançamento, liquidação, fixação, notificação e aplicação de penalidades que, nas leis ou regulamentos fiscais, se encontram atribuídas ao chefe do Departamento de Auditoria, Inspecção e Justiça Tributária e ao chefe da Repartição de Finanças de Macau, seja directamente seja por, em virtude das leis orgânicas da Direcção dos Serviços de Finanças, lhes terem sido atribuídas implicitamente, são atribuídas ao director dos Serviços de Finanças.
    2. O director dos Serviços de Finanças é a entidade competente para apreciar das reclamações de actos administrativos praticados no âmbito das competências referidas no número anterior, com excepção das que se refiram à impugnação da fixação da matéria colectável quando especialmente se preveja a reclamação para Comissões de Revisão, caso em que a competência se mantém nessas Comissões.
    3. Da decisão do director dos Serviços de Finanças em reclamação graciosa cabe recurso hierárquico necessário para o Chefe do Executivo.
    Em nossa opinião, a resposta à questão só pode ser negativa.
    Antes de mais nada, este é um diploma que tem um objecto plasmado na sua epígrafe: “Altera o Regulamento do Imposto Profissional e o Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos”. Esse é o seu objectivo específico! Não pretende intrometer-se em mais nenhuma área, nem introduzir modificações no regime concernente a outros impostos, nomeadamente o de selo e o da contribuição industrial.
    Reconhecemos o embaraço que pode provocar no intérprete quando o nº1 do artigo faz uma referência às competências atribuídas pelas leis e regulamentos ao Chefe do Departamento de Auditoria, Inspecção e Justiça Tributária e ao Chefe da Repartição das Finanças. Cremos, todavia, que mesmo aí o legislador não se está a referir a todas as leis e a todos os regulamentos respeitantes aos mais diversos impostos, mas sim e somente aos diplomas (leis e regulamentos) atinentes aos impostos a que o diploma se refere expressamente no seu título, ou seja, o Profissional (Lei nº 2/78/M) e o Complementar de Rendimentos (Lei nº 21/78/M).
     Assim é que, sempre que tais diplomas específicos cometerem competências ao Chefe da Repartição de Finanças (v.g., art. 18º, nº1, al. c, do RIP), ou ao Chefe de Repartição de Contribuições e Impostos (v.g. art. 36º, do RICR) ou ao Chefe do Departamento de Auditorias, Inspecção e Justiça Tributária (v.g., art. 18º, nº1, al. a), do RIP), elas devem agora ser entendidas para o Director do Serviço de Finanças. É isso o que o nº1, do art. 2º citado diz!
    O nº2 do art. 2º e o nº3 do mesmo artigo, por outro lado, sem excluírem a competência das Comissões de Revisão no âmbito desses mesmos impostos Profissional e Complementar de Rendimentos (v.g., arts. 79º, nº9, do RIP ou 45º do RICR), prescrevem que as decisões tomadas pelo Director dos Serviços de Finanças em sede de reclamação estão sujeitas a recurso hierárquico necessário. Mas só essas!
    Não vale a pena procurar encontrar razões para o legislador conferir ao Director nestes dois impostos (excepcionado, repita-se, o caso das decisões praticadas pelas respectivas Comissões de Revisão) uma competência para a prática de actos não definitivos, enquanto para outros o legislador manteve para o mesmo Director uma competência para a prática de actos definitivos e imediatamente recorríveis contenciosamente. É assim que a lei se encontra escrita; nada há a fazer. Se existe quebra de uniformidade do sistema, é porque o legislador, ou não se apercebeu dela, ou quis efectivamente estabelecer diferenças assentes em diferenças que entreviu na natureza diversa dos impostos. E para quem se preocupa com estas questões de uniformização do sistema fiscal, mais do que bradar contra o quadro “de constituto”, o que deve fazer é canalizar a energia para uma nova ordem “de constituendo”, um novo quadro legal unitário e de boa ordem sistemática.
    Portanto, o regime da impugnabilidade das decisões referentes a estes dois impostos (Profissional e Complementar de Rendimentos) foi modificado pelo artigo 2º da referida Lei nº 12/2003, sem dúvida, de forma a conferir ao Director do Serviço de Finanças uma competência que pertencia a outras entidades até então e a interferir no regime da reclamação “graciosa” e no recurso hierárquico que vinha dos diplomas respectivos (Lei nº 2/78/M e Lei nº 21/78/M). Não se estranhe, porém, esta alteração, cujos fundamentos assentam na autonomia e soberania do legislador.
    É por isso que não vemos nesta atitude do legislador nenhum intuito de revogar o regime de impugnabilidade das decisões respeitantes aos restantes impostos.
    Se o legislador da referida Lei nº 12/2003 tivesse querido abolir o regime de todos os restantes impostos nesse capítulo, nem haveria de dar o nome que deu ao diploma, nem se teria esquecido de revogar as normas que entendesse adequadas para conformar o regime da impugnabilidade de todos os outros impostos ao ali “ex novo” explanado. Contudo, como se pode ver do seu art. 5º, a revogação a que procedeu limitou-se a algumas normas dos diplomas que foram objecto da sua atenção: o imposto profissional e o imposto complementar de rendimentos. Ao fazer uma revogação expressa sobre uma determinada matéria, não se aceita que não tivesse feito o mesmo em relação a outras se essa fosse a sua intenção.
    É certo que a revogação também pode ser implícita, mas nesse caso fala-se de revogação de uma lei por outra com o mesmo enquadramento ou contexto, sendo isso particularmente aceite entre leis que se sucedem com o mesmo objecto de regulação (art. 6º, nº2, do Código Civil). Por exemplo, uma lei de inquilinato pode ser revogada por outra lei do inquilinato; o regime constante das expropriações pode ser revogado por uma lei nova com outra regulação outra lei que verse sobre o mesmo assunto específico. Portanto, se uma lei tem um enquadramento mais vasto e geral, dificilmente se pode dizer que revogue implicitamente o regime exposto em várias outras leis, a não ser que tal resulte inequivocamente do seu texto, através, por exemplo, de expressões do tipo “São revogadas todas as leis em contrário, mesmo as especiais”5.
    Ora, no caso, estamos perante uma lei (12/2003) que, versando sobre as alterações do Regulamento do Imposto Profissional e do Imposto Complementar de Rendimentos, por isso especial, dificilmente poderia apagar o regime da impugnação de decisões concernentes a outros impostos, sem que isso resultasse inequivocamente do seu texto.
     *
    Tudo isto para concluir que o acto da Entidade recorrida, eleito que foi como o objecto do presente recurso contencioso, não era sindicável, na medida em que recorrível, porque definitivo, era o do Director do Serviço de Finanças, tal como de resto foi decidido no Ac. deste TSI, de 28/11/2013, Proc. nº 272/2013 acima citado. O acto sindicado do Ex.mo Secretário, nada inova na sua dispositividade; nessa medida, limita-se a confirmar o acto primário e definitivo anterior6.
     *
    E não se diga que diferente haverá de ser a natureza deste recurso hierárquico, apenas porque foi interposto, não do acto de liquidação adicional, mas do acto que indefere uma reclamação sobre o referido acto de liquidação oficiosa (ver doc. fls. 47 e sgs, junto com a petição do recurso), tal como vem defendido na resposta de fls. 234 e sgs. e no parecer de fls. 336.
    Na verdade, em nossa opinião – salvo o devido respeito, que muito é - , a natureza não se modifica, apenas porque entre a decisão que procede à liquidação adicional e a decisão do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças, aqui sindicado, se interpôs uma “reclamação graciosa”. Esta, pelo que acima se viu, é meramente facultativa, face ao art. 51º, nº1 do RCI, “ex vi” art. 92º do RIS (só tem efeito suspensivo aquela que é dirigida à Comissão de Revisão e quando fundamentada em discordância com o valor atribuído à transmissão, tal como emerge do nº1 deste art. 92º. E esse não é o caso!
    Ou seja, se a reclamação é facultativa, se o seu efeito é devolutivo e se a decisão que no seu âmbito vier a ser tomada não é acto definitivo - porque esse carácter definitivo e executório apenas o tem o acto reclamado - então dela não pode ser interposto recurso hierárquico necessário, sob pena de aberrante contradição. O que queremos dizer é que a natureza facultativa da reclamação vai estender os seus efeitos devolutivos até à própria decisão de eventual recurso hierárquico, a qual, como bem se compreenderá, apenas poderá ter também natureza facultativa e não necessária.
    Então, e o nº3, do art. 2º da Lei nº 12/2003, não terá qualquer préstimo? Terá, mas não para este processo. Sublinhe-se isto: se o nº3 do art. 2º da referida Lei nº 12/2003 confere natureza necessária ao recurso hierárquico interposto da decisão da reclamação “graciosa”, a sua estatuição deverá ser decifrada no âmbito objectivo da própria Lei. Isto é, apenas se deverá interpretar como reportado ao caso de reclamação concernente a uma decisão do Director dos Serviços de Finanças em matéria fiscal referente aos impostos profissional e complementar de rendimentos. Ora, o que está em causa é, diferentemente, um imposto de selo! Significa que o nº3, do art. 2º da Lei em apreço não serve para proteger a posição dos recorrentes, manifestada a fls. 236, e do MP expendida a fls. 336.”
     Para se concluir, como ali, no sentido de que a irrecorribilidade com este fundamento constitui matéria exceptiva que obsta ao conhecimento de mérito do recurso contencioso (arts. 28º, nº1, 31º, do CPAC), circunstância que podia ter levado à rejeição liminar (art. 46º do CPAC). Não tendo, porém, sido tomada tal decisão liminar, em momento mais oportuno, crê-se agora que constituindo a irrecorribilidade uma excepção dilatória inominada (art. 413º do CPC), a solução adequada ao caso, pese embora o disposto no art. 62º, nº4, do CPAC, deve ser a absolvição da instância, com assento no art. 230º, nº1, al. e), do CPC, “ex vi” art. 1º do CPAC.
    
    III - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em não tomar conhecimento do mérito do recurso contencioso e absolver da instância a entidade recorrida com fundamento em irrecorribilidade contenciosa do acto sindicado.
    Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 8 UC.
               Macau, 13 de Fevereiro de 2014,
               João A. G. Gil de Oliveira
               Ho Wai Neng
               José Cândido de Pinho
               Presente
               Victor Manuel Carvalho Coelho
1 - Soares Martínez, Dto Fiscal, 1993, 140
2 - Acs do STA, Pleno de 7/7/66, Acs Dout., V, 1432,; STA, proc. 14521, de 9//97, http://www.dgsi.pt e Martínez, ob. cit. 145
3 - Cfr. Ac. deste TSI, Proc. n.º 92/2003, de 20/11/2003
4 - Ac. do STA, Proc. n.º 0314/12, de 9/5/2012
5 Menezes Cordeiro, Da Aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias, em «Cadernos de Ciência da Legislação», INA, nº7, 1993, pág. 17 e sgs., citado por Abílio Neto, em Código Civil anotado, 17ª ed., pág. 18.
6 Sendo a decisão do Director já definitiva e executória (portanto, recorrível contenciosamente), a decisão que os recorrentes aqui censuram nada àquela acrescenta ou tira e, assim, não passa de acto meramente confirmativo. Neste sentido, ver M. Caetano, in Manual de Direito Administrativo, I, pago 452; tb. M. Esteves de Oliveira, P. Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo anotado, 2ª ed., pago 770; na jurisprudência comparada, entre outros, os Acs. do STA de 24/02/99, Rec. n° 31160 e de 23/01/2001, Rec. n° 46653.

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