打印全文
Processo nº 277/2009
(Autos de recurso contencioso)

Data: 13/Fevereiro/2014

Assunto: Imposto de Selo
Irrecorribilidade do acto


SUMÁRIO
     - A Lei n.º12/2003 tem por objectivo introduzir alterações ao Imposto Profissional e ao Imposto Complementar de Rendimentos, não se descortinando qualquer intenção do legislador de estender a aplicação do diploma a outras modalidades de impostos.
     - Sendo o acto de indeferimento do pedido de isenção da liquidação adicional praticado pelo Director dos Serviços de Finanças contenciosamente recorrível, porque definitivo e executório, a decisão do Exmº Secretário para a Economia e Finanças que veio a ser tomada no recurso hierárquico interposto pela recorrente deixaria de ser impugnável por meio de recurso contencioso.
     - A questão da irrecorribilidade de acto é de conhecimento oficioso cuja verificação obsta ao conhecimento do mérito do recurso.
       
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 277/2009
(Autos de recurso contencioso)

Data: 13/Fevereiro/2014

Recorrente:
- A-Companhia de Investimento e Gestão Imobiliária Limitada

Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A-Companhia de Investimento e Gestão Imobiliária Limitada, sociedade com sede em Macau, melhor identificada nos autos, inconformada com o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 17 de Fevereiro de 2009, que indeferiu o recurso hierárquico interposto do despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças de 21 de Novembro de 2008, vem interpor o presente recurso contencioso de anulação, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
- No caso sub Júdice, a transmissão do prédio n.º 24 do Istmo Ferreira do Amaral, através de escritura pública de compra e venda, estava ferida de nulidade por se ter realizado antes do aproveitamento do terreno ou de autorização da entidade competente. (n.º 1 in fine do art.º 143º Lei de Terras);
- A nulidade cominada pela Lei de Terras e pelo próprio contrato de concessão é do conhecimento oficioso do Governo da RAEM e dos Serviços dele dependentes, não necessitando de ser decretada por qualquer autoridade judicial;
- Não tem aplicação no presente caso o artigo 52º do Regulamento do Imposto de Selo, por não se estar perante situações de invalidade ou ineficácia no âmbito estritamente do direito privado que exijam sentença judicial transitada em julgado, mas sim de situações de nulidade absoluta no âmbito de um contrato administrativo, em que a lei confere às entidades públicas o conhecimento oficioso do vício da nulidade absoluta;
- Assim, estatui o artigo 123º do Código do Procedimento Administrativo de Macau: “A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal”;
- Não tem qualquer efeito útil a ora recorrente interpor acção judicial de declaração de nulidade do acto translativo, pois a decisão do Tribunal seria um despacho liminar de inutilidade superveniente da lide em virtude de falta absoluta de objecto da acção (já não se encontra na ordem jurídica o acto formal de transmissão – entretanto revogado – para se obter declaração de nulidade da transmissão operada por aquele documento ou papel) - cf. artigo 229º e) do Código de Processo Civil, aplicável aos processos cíveis e também a acções administrativas por força do artigo 1º do Código Administrativo Contencioso;
- Incidindo o Imposto de Selo sobre a transmissão de imóveis, sobre os efeitos translativos, não existindo tais efeitos, por nulidade absoluta e originária do acto de transmissão, e desaparecido o documento que operou a transmissão (escritura pública) por revogação expressa por documento de igual valor (escritura pública), resta retirar as consequências legais, para a administração fiscal, em sede de tributação do Imposto de Selo, do acto ferido de nulidade absoluta, ou seja, a devolução do imposto ao contribuinte.
Conclui, pedindo que se julga procedente o recurso, anulando-se o acto recorrido.
*
Regularmente citada, pela entidade recorrida foi apresentada a contestação constante de fls. 46 a 55 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pugnando pelo não provimento do recurso.
*
Findo o prazo para alegações, o Ministério Público deu o seguinte parecer:
“Encontram-se, recorrente e recorrida, de acordo que, nos termos do art.º 143º da Lei de Terras, como a concessão por aforamento do prédio sito no n.º 24 do Istmo Ferreira do Amaral não era definitiva – pelo não aproveitamento e por a transmissão da concessão não ter sido previamente autorizada – a transmissão operada pela escritura de 27/03/08 é nula.
Sustenta, porém, a recorrida que, embora do ponto de vista material os efeitos jurídicos que advêm da celebração da escritura não possam relevar, do ponto de vista formal esse acto é válido, por os seus intervenientes terem capacidade e legitimidade para o praticar, o mesmo se dizendo relativamente ao documento propriamente dito, por esta ser a forma correcta e legal de transmissão da propriedade, sendo que nem a revogação posterior desse documento e a não ocorrência de transmissão material impedem a incidência do imposto de selo sobre o documento que operou a transmissão, pois que ele produziu efeitos para a lei tributária “dada a impossibilidade de sobre ele recair sentença judicial que o declarasse inválido, ineficaz ou ilícito”.
Em nosso critério, esta perspectiva de incidência do imposto de selo poderia fazer algum sentido antes da eliminação da Sisa e da integração deste imposto sobre as transmissões de imóveis no Regulamento do Imposto de Selo, operada pela Lei 8/2001 de 1/7.
Com esta integração, o imposto de selo, para além do papel, documento e acto, passou a abranger os efeitos translativos do acto de transmissão de imóveis.
E, é inquestionável que, devido à nulidade originária do acto de transmissão, aqueles efeitos não se produziram, até por revogação expressa da escritura de compra e venda em causa, através de nova escritura outorgada a 5/5/08.
Ora, inexistindo qualquer transmissão, em sentido formal ou material, desaparecendo da ordem jurídica o documento que o titulava, inexiste também, como é óbvio, qualquer efeito translativo que possa constituir base de incidência do imposto de selo.
E, não se argumente com a necessidade, no caso, de qualquer sentença judicial a decretar a nulidade em questão: nos termos do art.º 123º, C.P.A., “A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal”, sendo que, nas circunstâncias apontadas pela recorrente e não contestadas pela recorrida, a invalidade em causa é do conhecimento do Governo da RAEM e serviços dele dependentes, operando por força da lei, sem necessidade de sentença judicial.
Não pode, pois, a A. Fiscal, com os novos contornos de incidência do imposto de selo, “agarrar-se” à literalidade da lei, designadamente do art.º 52º RIS para uma exigência que, no caso, se não impõe e não faz sentido, tanto mais que a pretendida declaração judicial, na presente fase, se tornaria impossível, por falta de objecto, dado não se encontrar já na ordem jurídica o acto formal de transmissão, tornando-se, de resto, absurda a asserção da recorrida no sentido de que tal inutilidade do recurso à via judicial “retira à Recorrente o direito de restituição do imposto de selo pago”.
Em suma, tal como a recorrente conclui, incidindo presentemente o Imposto de Selo sobre os efeitos translativos da transmissão de imóveis, inexistindo tais efeitos por nulidade originária do acto de transmissão e desaparecido da ordem jurídica o documento que operava tal transmissão, “resta retirar as consequências legais, para a administração fiscal” em sede de tributação de tal imposto, designadamente por devolução do mesmo.
Razões por que somos a pugnar pelo provimento do presente recurso.”
*
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
A 27 de Março de 2008, foi apresentado pela recorrente o modelo M/1 mediante o qual se declarou a transmissão definitiva, pelo preço total de MOP$300.000,00, do prédio sito em Macau, no Istmo de Ferreira do Amaral, nº 24, figurando a recorrente como adquirente e como transmitentes B, C, D e E, representados por F, venda titulada pela escritura de compra e venda outorgada na mesma data.
A 8 de Abril de 2008, a recorrente, na qualidade de sujeito passivo, procedeu ao pagamento do respectivo imposto de selo de 3%, na quantia de MOP$9.450,00.
O referido imóvel foi sujeito a avaliação, tendo o seu valor sido fixado em MOP$4.268.000,00, sendo o valor do imposto devido resultante da liquidação adicional de MOP$124.992,00.
A recorrente, em 15 de Agosto de 2008, solicitou a isenção da liquidação adicional efectuada, por ter revogado em 5 de Maio de 2008 a escritura de compra e venda relativa à transmissão do referido imóvel efectuada em 27 de Março de 2008.
Por despacho do Senhor Director dos Serviços de Finanças, Substituto, de 20 de Agosto de 2008, foi indeferido o pedido de isenção, tendo sido notificada a recorrente da decisão, com a menção de que do acto em apreço cabia reclamação para a Directora dos Serviços de Finanças, no prazo de 15 dias a contar da data de notificação.
Inconformada com a decisão de indeferimento, deduziu a 10 de Setembro de 2008 reclamação para a Senhora Directora dos Serviços de Finanças.
Tendo a dita reclamação sido indeferida por despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, de 21 de Novembro de 2008.
Inconformada, uma vez mais, com a decisão, interpôs recurso hierárquico necessário.
Por despacho do Exmº Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 17 de Fevereiro de 2009, foi indeferido o recurso hierárquico interposto pela recorrente.
*
Antes de iniciar a apreciação do mérito do recurso, convém já agora analisar se o acto impugnado é ou não recorrível contenciosamente, caso em que obsta ao conhecimento do seu mérito.
Suscitada oficiosamente a questão da eventual irrecorribilidade do acto impugnado, tanto as partes como o Ministério Público pronunciaram-se no sentido da recorribilidade do acto.
Vejamos.
Estatui-se no nº 1 do artigo 91º do Regulamento do Imposto de Selo que “é garantido ao contribuinte recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, contra a liquidação do imposto, as multas aplicadas e demais actos definitivos e executórios”.
Por sua vez, consagra-se no artigo 92º, nº 1 e 3 do mesmo diploma legal que “a reclamação de actos de liquidação oficiosa ou adicional de imposto do selo sobre transmissões de bens imóveis,…, quando fundamentada em discordância com o valor atribuído à transmissão, é obrigatoriamente dirigida à Comissão de Revisão”, e “das deliberações da Comissão de Revisão cabe recurso contencioso imediato nos termos gerais”.
E as reclamações previstas no nº 1 do artigo 92º não têm efeito suspensivo (artigo 96º do Regulamento do Imposto de Selo).
Dispõe ainda o artigo 1º da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto, que “são equiparados a actos administrativos definitivos e executórios, para efeitos de impugnação administrativa nos termos previstos nas leis e regulamentos fiscais, quaisquer actos ou vias de facto praticados pela Administração em matéria fiscal que tenham por efeito manifestar uma decisão sobre quaisquer pretensões formuladas pelos contribuintes; impor deveres, sujeições ou sanções, ou causem prejuízos; extinguir ou diminuir direitos ou interesses legalmente protegidos, ou que de algum modo afectem as condições do seu exercício”.
Conjugando todas as disposições legais acabadas de citar, podemos chegar a conclusão de que os actos que liquidem imposto do selo são recorríveis contenciosamente de imediato, por serem definitivos e executórios.
Enquanto os actos de liquidação oficiosa ou adicional são sujeitos a reclamação junto da Comissão de Revisão, no caso de a reclamação se fundar na discordância com o valor atribuído à transmissão, e posteriormente recurso contencioso se assim entender; mas se a reclamação tiver por fundamento outras razões, por não ter tal meio de impugnação efeito suspensivo, a reclamação já é facultativa e a decisão tomada pela entidade administrativa é impugnável contenciosamente.
Daí que não resta dúvida de que o acto de indeferimento do pedido de isenção da liquidação adicional é logo impugnável contenciosamente.
Mesmo que tenha entrado em vigor a Lei n.º 12/2003, entendemos que, salvo o devido respeito, a solução não se altera, uma vez que tal diploma só é aplicável ao Imposto Profissional e ao Imposto Complementar de Rendimentos, e não às demais modalidades de impostos.
Senão vejamos.
Antes de mais, a Lei n.º12/2003 tem na sua epígrafe “Altera o Regulamento do Imposto Profissional e o Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos”, encontrando-se previstas no seu artigo 1º algumas alterações ao Regulamento do Imposto Profissional, lidando o artigo 2º com questões de competência, estando prevista uma norma transitória no artigo 3º e a republicação do Regulamento do Imposto Profissional com inserção das novas alterações no artigo 4º, enquanto o artigo 5º é uma norma revogatória, estatuindo-se, a final, no artigo 6º, a data de entrada em vigor daquele diploma legal.
Ao abrigo do artigo 8º do Código Civil, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
Analisando o diploma legal no seu todo, chegamos a conclusão de que os diversos artigos nele contidos dizem respeito somente ao Imposto Profissional e ao Complementar de Rendimentos, não se descortina qualquer intenção do legislador de estender a aplicação do diploma a outras modalidades de impostos.
Isto é, não se verifica aqui qualquer intenção, tanto tácita como expressa, do legislador neste sentido. Se a tivesse, não se teria dado o nome que deu ao diploma, nem se teria esquecido de mandar revogar as disposições legais que se encontravam em desconformidade com o novo diploma, nomeadamente a Lei n.º 15/96/M.
De facto, atento o disposto no artigo 5º da Lei n.º 12/2003, o legislador limitou-se a revogar a matéria referente ao Imposto Profissional e ao Imposto Complementar de Rendimentos, e nada mais.
Nestes termos, não é difícil concluir, salvo o devido respeito por melhor opinião, que o legislador pretendeu introduzir apenas com a Lei n.º 12/2003 alterações aos Imposto Profissional e Complementar de Rendimentos, daí que não se descortina razões plausíveis para estender a aplicação do artigo 2º a outros impostos.
Em suma, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, entendemos que o artigo 2º da Lei n.º 12/2003 só se aplica aos Imposto Profissional e Complementar de Rendimentos.
Aliás, a questão em apreço foi já objecto de apreciação deste TSI, e a jurisprudência aponta no mesmo sentido, designadamente por Acórdão no Processo 20/2013, nele se decidiu que “no caso, estamos perante uma lei (12/2003) que, versando sobre as alterações do Regulamento do Imposto Profissional e do Imposto Complementar de Rendimentos, por isso especial, dificilmente poderia apagar o regime da impugnação de decisões concernentes a outros impostos, sem que isso resultasse inequivocamente do seu texto”.
Igual entendimento foi perfilhado por Acórdão no Processo 272/2013, em que foram analisados ainda o projecto da lei e a acta da aprovação da lei na especialidade em plenário, mas “não se verificou neles que o legislador pretendesse alterar a disposição geral de impugnação administrativa estipulada no artigo 5º da Lei n.º 15/96/M, ou seja, a intenção de alterar “salvo menção expressa em contrário, são facultativos os recursos hierárquicos interpostos para o Governador, nos termos previstos nas leis e regulamentos fiscais”. Pelo contrário, o proponente do referido projecto de lei (Administração) frisou por várias vezes que o respectivo projecto de lei visa alterar os Regulamentos do Imposto Profissional e Regulamento do Imposto Complementar de Rendimento”.
Tudo isto para concluir que no vertente caso, o acto recorrido objecto do presente recurso não era contenciosamente recorrível, apenas o era a decisão do Director dos Serviços de Finanças, por ser acto definitivo e executório.
E, sendo a questão da irrecorribilidade de conhecimento oficioso e que obsta ao conhecimento do mérito do recurso, entendemos não conhecer do recurso, absolvendo a entidade recorrida da instância.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em não conhecer do mérito do recurso, absolvendo a entidade recorrida da instância.
Custas pela recorrente, com 8 U.C. de taxa de justiça.
Registe e notifique.
***
Macau, 13 de Fevereiro de 2014
   Tong Hio Fong
Presente Lai Kin Hong
Vitor Coelho João A. G. Gil de Oliveira



Processo 277/2009 Página 14