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Processo nº 950/2010
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 16/Janeiro/2014

Assunto: Intervenção principal provocada

SUMÁRIO
   - É de admitir a intervenção principal quando os terceiros intervenientes tenham algum interesse em paralelo ao de alguma das partes, seja como associado da parte requerente, seja como associado da parte contrária.
   - De modo a que passa a haver, com a intervenção principal, se antes a não havia, uma situação de litisconsórcio activo ou passivo ou de coligação activa.
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 950/2010
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 16/Janeiro/2014


Recorrente:
- B Mat Yip Kung Nei B物業管理 (Ré)


Recorrida:
- C新村管理委員會 (Autora)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B Mat Yip Kung Nei (B物業管理), Ré nos autos da acção ordinária a correr termos no Tribunal Judicial de Base da RAEM, inconformada com a decisão que indeferiu o pedido de intervenção principal provocada da Companhia de Construção C Limitada, e da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pela Autora, vem interpor o presente recurso ordinário, formulando as seguintes conclusões:
- Não se conformando com o indeferimento da intervenção provocada da “Companhia de Construção C, Limitada”, por se fundamentar que a acção recorrida versa sobre a administração das partes comuns do edifício C San Chun, nomeadamente o “parque de estacionamento”;
- Entendeu o Juiz “a quo” que o “parque de estacionamento” do edifício acima referido, não é nenhuma fracção autónoma, por isso, a questão que versa sobre a administração desse local, diz respeito a um direito obrigacional e não a um direito real que é a posse desse local;
- Motivo pelo qual o Juiz “a quo” entendeu que a sociedade construtora não tinha a posse desse local, conforme consta no registo de constituição de propriedade horizontal ser parte comum do edifício acima identificado;
- Logo não ter a posse sobre o local designado por “parque de estacionamento”;
- Não ter qualquer interesse em intervir na presente acção;
- Porém, não deve assim ser entendido, porque de acordo com o artigo 11º, n.º 3 alínea d) do Decreto-Lei n.º 13/93/M, de 12 de Abril, “as áreas de estacionamento podem ser constituídas em fracção autónoma para venda aos condóminos ou a terceiros”;
- Perdendo, assim, a natureza de parte comum na propriedade horizontal;
- Existindo assim interesse da sociedade construtora “Companhia de Construtora C, Limitada”, intervir e se vier apurar-se que tem a posse do “parque de estacionamento”, esse local deixa de ser parte comum e a sua administração lhe pertencer;
- Portanto, é de todo o interesse que a sociedade construtora “Companhia de Construtora C, Limitada”, seja chamada a intervir na presente acção;
- Nestes termos e pelos fundamentos expostos, deve revogar-se a decisão do Juiz “a quo” e ordenar-se a intervenção principal provocada da sociedade construtora “Companhia de Construtora C, Limitada”;
- E ser a recorrente absolvida das custas pelo incidente;
- O Juiz “a quo”, ao apreciar o mérito da questão a fls. 114v afirma que “no caso em apreço o que está em causa é a administração de partes do edifício, sua propriedade e posse”;
- E veio a concluir que os parques de estacionamento do prédio em questão são parte comum, em virtude de não constituírem fracção autónoma;
- No entanto, como nos artigos anteriores se disse essa parte do prédio poderia vir a tornar-se numa fracção autónoma, pelo que viria a perder a natureza de parte comum;
- A recorrente na qualidade de Ré, não alegou a existência de qualquer contrato escrito com a sociedade construtora, em virtude do prédio em questão ter sido construído por ela, e de acordo com os artigos 3º e 10º do Decreto-Lei n.º 41/95/M, na qualidade de concessionária do terreno poder contratar um terceiro para administrar o prédio devendo para esse efeito comunicar ao Instituto de Habitação de Macau (IHM);
- Facto esse que foi reconhecido pelo IHM, nos termos do Decreto-Lei n.º 41/95/M, que continua a ter o dever de zelar pelo controlo da regularidade da administração dos condóminos;
- Essa obrigação não se cinge somente à fase inicial dos prédios em regime de contrato de desenvolvimento, e só se aplica o regime geral definido no art.º 1313º e seguintes do Código Civil subsidiariamente, quando não esteja previsto qualquer norma para esse efeito conforme estipula o artigo 26º do Dec-Lei 41/95/M;
- Por isso, o IHM continua a deter o poder do controlo da regularidade da administração dos condóminos nos edifícios construídos em regime de contrato de desenvolvimento;
- Continua a ser válido o acordo que o IHM presenciou entre a Associação dos Condóminos do Edifício “C San Chun” e a recorrente, foi mencionado no ofício n.º 0907240049/DAG de 29/07/2009, e enviado à Associação, que após várias reuniões ter obtido acordo e consenso das partes;
- Facto esse que não foi aceite pelo Juiz “a quo”, por entender que o IHM ao abrigo do Decreto-Lei n.º 41/95/M “visa apenas promover a administração dos condóminos dos edifício construídos em regime de contrato de desenvolvimento, mas ultrapassada a fase inicial tal como resulta do art.º 26º do referido diploma ficavam aqueles edifícios sujeitos ao regime geral definidos no art.º 1313º e seguintes do C. Civ.”;
- Na redacção do artigo 26º do Dec-Lei n.º 41/95/M, menciona o “direito subsidiário” e estipula que “a tudo que não esteja previsto no presente diploma é aplicável subsidiariamente o Código Civil”;
- Portanto, como acima se disse o regime definido no Código Civil só é aplicável quando não estiver previsto no Decreto-Lei n.º 41/95/M, e não apenas na fase inicial;
- Não se limita a promover nem a emitir o certificado da constituição da Associação dos Condóminos do Edifício “C San Chun”, também lhe compete zelar pelo cumprimento das normas e pela boa administração conforme consta do referido Decreto-Lei;
- Por isso a Associação dos Condóminos não pode vir a dar o dito por não dito uma vez que firmou um acordo no qual aceitava que a recorrente continuasse a administrar o “parque de estacionamento”, conforme se refere o ofício referido no artigo 18º deste recurso;
- A recorrente foi mandatada pela sociedade construtora “Companhia Construtora C, Limitada”, para administrar o prédio, sendo um dos sócios o Sr. D, proprietário de uma fracção autónoma situada no rés-do-chão desse prédio a fracção autónoma designada por “R”;
- Esse sócio na qualidade de condómino também a mandatou para esta o representar nas Assembleias pelo que tem legitimidade para impugnar esse vício na convocação da Assembleia Geral de 19/09/2009.
Concluindo, pede que se ordene a intervenção provocada da sociedade construtora “Companhia de construção C, Limitada” e, se assim não entender, pede a absolvição da recorrente do pedido.
Notificada, contra-alegou a recorrida, pugnando pelo não provimento do recurso.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
Na Conservatória do Registo Predial de Macau está descrito sob o número XXXXX a folhas 137v do Livro B59 o prédio urbano sito na Avenida ......, Rua do ...... e Rua ......, composto de rés-do-chão e 15 andares constituído por 450 fracções destinadas ao comércio e habitação (cfr. fls. 12 a 16).
São partes comuns do prédio referido na alínea anterior os Átrios de entrada, portarias, escadas e patamares, elevadores, arrecadações, casas do lixo, galerias de circulação, logradouro central no segundo andar, terraços de cobertura e parques de estacionamento (cfr. fls. 31).
Por Assembleia Geral de 21/03/2009 nos termos do art.º 26º do Decreto-Lei n.º 41/95/M, de 21/Ago, e art.º 1344º n.º 3 do C.Civ. foi deliberado que a Comissão de Administração do prédio referido em a) era constituída pelas pessoas indicadas a folhas 3 do processo de apoio judiciário apenso, cuja identificação aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
Em 20/07/2008 e em 24/07/2008 a Ré enviou à Comissão dos Condóminos do edifício C San Chun e aos condóminos desse prédio as cartas que constam de folhas 65 e 66 e aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
A Ré regressou em 08 de Julho de 2009 ao edifício “C San Chun” e sem o consentimento da Associação dos Condomínios do Edifício “C San Chun”, declarou que ia continuar a administrar o parque de estacionamento do edifício “C San Chun” e em 10 de Agosto de 2009, colocou a tabuleta com denominação “Administração de Propriedades de B”.
A Ré colocou vários trabalhadores para controlar a entrada e saída do parque de estacionamento, não deixou a Associação dos Condomínios do Edifício “C San Chun” exercer qualquer direito quanto ao parque de estacionamento.
A Ré cobrou despesas de estacionamento aos proprietários que estacionavam o seu veículo no parque de estacionamento.
A Ré não entregou à Associação dos Condomínios do Edifício “C San Chun” nem à Companhia de Segurança e Administração Predial F, Limitada incumbida pelo Edifício “C San Chun” os valores cobrados.
A Autora em 30 de Maio de 2009 entregou o direito de administração do parque de estacionamento à Companhia de Segurança e Administração Predial F, Limitada.
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    No caso vertente, o tribunal a quo indeferiu o pedido de intervenção provocada da sociedade construtora do edifício “Companhia de Construção C, Limitada”, por entender que estando em causa apenas a administração de uma parte comum do prédio a qual não é passível de outro direito que não seja a compropriedade de todos os condóminos, não há interesse que aquela sociedade construtora do edifício intervenha na acção, uma vez que não pode ter sobre as partes comuns do edifício qualquer direito.
    Entretanto, vem defender a recorrente que a sociedade construtora tem todo o interesse em intervir na acção, uma vez que, se vier a apurar-se que esta tem a posse da zona do parque do estacionamento, esse local deixará de ser parte comum e passará a ser administrada por aquela sociedade.
    Dispõe o artigo 267º do Código de Processo Civil de Macau que:
    “1. Qualquer das partes pode chamar a juízo os interessados com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
    2. Nos casos previstos no artigo 67º, pode ainda o autor chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido.
    3. O autor do chamamento alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através dele, pretende acautelar.”
    A intervenção principal tem por objecto permitir, em demanda pendente, o litisconsórcio ou a coligação de um terceiro com alguma das partes da mesma demanda.1
    Por outras palavras, tal como se refere naquela norma, é necessário que os terceiros intervenientes tenham algum interesse em paralelo ao de alguma das partes, isto é, com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
    A intervenção principal visa colocar um terceiro como parte principal no processo, passando a ser co-autor ou co-réu. Passa a haver, com a intervenção principal, se antes a não havia, uma situação de litisconsórcio activo ou passivo ou de coligação activa.2
    No fundo, trata-se de uma situação de modificação subjectiva da instância, em que a parte pede a intervenção de um novo interessado, se existir entre o chamado e alguma das partes uma relação de litisconsórcio (necessário ou voluntário) ou de coligação.
    No presente caso, a Autora alega que a Ré ocupa e administra o parque de estacionamento do edifício desde Julho de 2009 sem sua autorização, mas sustenta a Ré que actua na qualidade de administradora do parque que lhe tinha sido atribuído pela sociedade construtora do edifício, sendo esta a verdadeira possuidora ou proprietária do referido parque de estacionamento, e por esta razão, pede a intervenção principal desta última na acção.
    Entretanto, decidiu o tribunal a quo que, por estar em causa a administração de uma parte comum do prédio a qual não é passível de outro direito que não seja a compropriedade de todos os condóminos, é manifesta a falta de interesse da sociedade construtora do edifício para a acção, uma vez que não pode ter sobre as partes comuns do edifício qualquer direito.
    Salvo o devido respeito, entendemos que há interesse do chamado em intervir na acção, face ao que foi alegado pela Ré ora recorrente.
    Na verdade, como meio de defesa, vem alegar a Ré, como fundamento do pedido de chamamento, que agiu como administradora do parque de estacionamento do edifício por lhe ter sido conferidos poderes pela sociedade construtora do edifício, ora chamado, alegando ainda ser esta a verdadeira possuidora ou proprietária do referido parque de estacionamento.
    Assim sendo, independentemente da prova ou não desse facto, cujo ónus de prova cabe às partes interessadas, há todo o interesse, pelo menos nesta fase processual, que essa sociedade intervenha na acção, como parte principal, operando-se, deste modo, uma cumulação, no processo, da apreciação da relação material controvertida entre as partes primitivas com a apreciação da relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa com a primeira, conexão essa que era susceptível de desencadear, logo de início um litisconsórcio ou uma coligação.3
    Tal como se refere no Acórdão deste TSI, no Processo 32/2011, “…a admissibilidade do chamamento não deve ser apreciado somente à luz dos fundamentos da petição inicial, mas sim também do teor da contestação. Contudo,…o que interessa é ver se estão reunidos os pressupostos da intervenção requerida…”
    Na verdade, não obstante resultar dos documentos juntos aos autos que a garagem é parte comum do edifício, mas não podemos logo no início excluir qualquer hipótese de que, tal como vem defender a Ré, o chamado teria adquirido a posse ou o direito de propriedade daquela garagem, através de algum meio legalmente admissível.
    Conforme se decidiu no Acórdão de Relação de Lisboa, de 26/4/1990, Col. Jur., 1990, 2º - 161, citado em termos de direito comparado, “no incidente de intervenção provocada, tendente a fazer intervir o chamado ao lado do réu, não é de conhecer do mérito, para averiguar da responsabilidade do chamado, bastando averiguar se o mesmo dispõe de interesse em contradizer”.
    No vertente caso, analisando o fundamento com base no qual se pede a intervenção principal provocada, podemos concluir que a situação material controvertida em causa permite a existência de um litisconsórcio voluntário desde o início, no sentido de que o chamado podia ser accionado juntamente com a primitiva Ré aquando da propositura da acção.
    Face ao expendido, julgamos dever ser admitida a intervenção.
    Se o chamado é ou não possuidor ou proprietário dos parques de estacionamento, já é outra questão que só deva ser resolvida oportunamente, depois de admitida a sua intervenção como parte na acção.
    Uma vez admitido o chamamento, prejudicado fica o conhecimento do mérito da causa.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, e em consequência, admitir a intervenção principal provocada da “Companhia de Construção C, Limitada”.
Custas pela recorrida nesta instância, sem prejuízo do apoio judiciário concedido na modalidade de dispensa do pagamento de preparos e custas.
Não se fixam honorários ao patrono nomeado por deles ter prescindido.
***
Macau, 16 de Janeiro de 2014

(Relator)
Tong Hio Fong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira


1 Eurico Lopes-Cardoso, in Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 1996, pág. 194
2 Viriato de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 568
3 Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 18ª edição, página 439
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