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Proc. nº 525/2008
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 20 de Fevereiro de 2014
Descritores:
-Sentença absolutória em processo penal
-Contravenção laboral
-Erro sobre os pressupostos de facto
-Audiência de interessados

SUMÁRIO:

I - A sentença absolutória em processo penal constitui presunção legal da inexistência dos factos, embora ilidível mediante prova em contrário (art. 579º, nº1, do CPC). Nesse caso, cumpre à Administração, em especial se for ablativa a natureza da sua actividade, demonstrar os pressupostos de facto do acto.

II - A falta de prova do erro sobre os pressupostos de facto gera invalidade do acto, por essa específica razão no caso de actividade discricionária, e por vício de violação de lei, no caso de actividade vinculada.

III - A audiência de interessados impõe-se nos casos gerais (excluída aqui a situação particular em que o acto é vinculado e em que o tribunal vem a concluir que ele obedeceu aos cânones legais e que, por conseguinte, o conteúdo do acto não podia ser outro senão aquele), e mais ainda se justifica nos casos de actividade administrativa agressiva, ablativa ou sancionatória, em que, portanto, o direito de defesa e de participação assume um papel de relevo essencial.








Proc. nº 525/2008

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
“A, Serviços de Gestão, S.A.” recorre para este TSI do despacho do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças de 25/06/2008 que, em sede de recurso hierárquico, manteve a decisão do Gabinete para os Recursos Humanos de cancelar as autorizações de trabalho de dois trabalhadores não residentes B e C, contra ele dirigindo vícios vários.
*
Tendo os autos prosseguido, veio na oportunidade a recorrente apresentar as suas alegações facultativas, que sintetizou da seguinte forma:
«I. Interpôs a Recorrente recurso da decisão proferida pelo Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças de Macau por despacho n.º 15072/REC/GRH, exarado em 2 de Julho de 2008 que ordenou o cancelamento das autorizações de trabalho dos trabalhadores não residentes B e C que teve por base uma alegada violação da Lei n.º 4/98/M, supostamente fundamentada num parecer da DSAL.
II. Deverão ser dados como provados os factos alegados pela Recorrente e que não foram impugnados pela Entidade Recorrida, nomeadamente que a Recorrente em momento algum procedeu ao despedimento do D.
III. As autorizações de trabalho dos trabalhadores não residentes B e C foram proferidas, respectivamente, por despacho n.º 17130/IMO/GRH/2007 de 4 de Setembro de 2007 para o desempenho das funções de padeiro e por despacho n.º 15668/IMO/GRH/2007 de 16 de Agosto de 2007 para o desempenho das funções de cozinheiro Chefe de comida Chinesa, sendo que se mantiveram válidas desde a data das respectivas emissões até hoje.
IV. A autorização de importação de mão-de-obra não residente é um acto que, por si só, constitui de direitos e de interesses legalmente protegidos e os quais vêm consagrados nomeadamente nos arts. 4º, 25, 35º, 40º e 43.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.
V. Com todo o devido respeito, a decisão em crise, que revogou as referidas autorizações, emitida roboticamente, foi claramente insensível aos atropelos e consequências sociais a que a mesma dá causa.
VI. No exercício das suas funções, a Administração não pode violar de forma elementar e grave do artigo 25º da Lei Básica ao revogar a autorização dos pedidos de importação de mão-de-obra não residente porquanto as referidas autorizações constituíram direitos e de interesses legalmente protegidos.
VII. Ainda que efectivamente tivesse por base uma violação do visado directo (a Recorrente), não cuidou de saber os atropelos directos aos interessados, a saber, os trabalhadores não residentes que se deslocaram de corpo e alma para esta Região Administrativa Especial de Macau, acreditando de que se trata de um a Região onde impera o Direito e o respeito pelos direitos humanos.
VIII. Dispõe o artigo 40º da mesma Lei Básica, a qual a Administração Pública tem o dever de respeitar e cumprir como qualquer um dos Administrados, que «As disposições, que sejam aplicáveis a Macau, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, bem como das convenções internacionais de trabalho, continuam a vigorar e são aplicadas mediante leis da Região Administrativa Especial de Macau. Os direitos e as liberdades de que gozam os residentes de Macau, não podem ser restringidos excepto nos casos previstos na lei. Tais restrições não podem contrariar o disposto no parágrafo anterior deste artigo.»
IX. Direito esse que foi, unilateral e arbitrariamente cilindrado pelo mesmo Gabinete para os Recursos Humanos em violação directa dos diplomas legais e convenções internacionais a que a mesma entidade está obrigada a respeitar e cumprir.
X. Não pode ainda a Entidade Recorrida na aplicação encapotada da “Lei nº 4/98/M”, olvidar-se que a identificação dos actos administrativos é determinante, não só para a produção dos seus efeitos, como também para permitir a defesa dos interessados/visados.
XI. Nos termos das alíneas d) e f) do Artigo 113.º do Código do Procedimento Administrativo, são menções obrigatórias do acto administrativo «d) A enunciação dos factos ou actos que lhe deram origem, quando relevantes […]» e «f) O conteúdo ou o sentido da decisão e o respectivo objecto»
XII. Destinando-se a Lei n.º 4/98/M à definição das bases da política de emprego e dos direitos laborais em Macau, a Recorrente fica perplexa porquanto não é minimamente claro em que factos é que decisão se suporta.
XIII. É que, de acordo com a redacção, a decisão está mais próxima de uma decisão de aplicação de sanção do que qualquer outra.
XIV. Como é sabido a Administração Pública apenas poderá emitir sanções administrativas se para tanto estiver habilitada por norma legal - o princípio da legalidade, da mesma forma, no âmbito do direito de mera ordenação social a cominação da sanção administrativa está dependente da verificação ou ocorrência de factos descritos na Lei - o princípio da tipicidade.
XV. Este princípio da tipicidade, abarca, não só a descrição do facto típico, mas também das sanções possíveis nos termos da Lei.
XVI. A decisão em crise não só não descreve a acção que tipicamente a lei faz cominar uma qualquer consequência, como também parece esta a recorrer à aplicação de uma sanção não prevista ou identificada na Lei, porquanto a invocada Lei n.º 4/98/M não descreve nenhum a norma de direito de mera ordenação social.
XVII. Sendo neste sentido que a Recorrente vem invocar que o Gabinete para os Recursos Humanos não tem legitimidade para sancionar qualquer entidade que seja, e não no sentido pela Entidade Recorrida alegado no art. 9º da douta contestação.
XVIII. Para tanto, bastará atentar para o diploma que criou o referido Gabinete para aferir que as suas competências são meramente consultivas. Assim, dispõe o n.º 3 Despacho do Chefe do Executivo n.º 116/2007 que «São atribuições do Gabinete para os Recursos Humanos analisar permanentemente a evolução dos recursos humanos no mercado de trabalho da Região Administrativa Especial de Macau e desempenhar as tarefas administrativas respeitantes aos pedidos de contratação de trabalhadores não residentes».
XIX. Da mesma forma, as competências do referido Gabinete são também claras no mesmo sentido, não se aferindo das mesmas nenhuma competência para punir qualquer acto de um qualquer particular.
XX. Nem tampouco se diga que qualquer competência punitiva resulta de um acto de delegação de competência conforme se quer fazer querer no alegado pela Entidade Recorrida no art. 10º da sua contestação, pois, o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 53/2007, que subdelega competências no coordenador do Gabinete para os Recursos Humanos não inclui qualquer referência a nível de direito de mera ordenação social.
XXI. Está, fora das atribuições do Gabinete para os Recursos Humanos e fora das competências do seu Coordenador a capacidade de punir os Administrados ao nível contra-ordenacional.
XXII. E porque, em primeira linha, o acto recorrido está expresso em moldes que parece do mesmo resultar um acto punitivo em resultado de uma alegada, mas não descrita violação da Lei nº 4/98/M, o mesmo padece, pois, do vício de nulidade.
XXIII. Nos termos da alínea b), do n.º 2 do art. 122º do Código do Procedimento Administrativo, são, designadamente, actos nulos: «[…] b) Os actos estranhos às atribuições da pessoa colectiva em que o seu autor se integre; […]». Nulidade essa que se arguiu para os devidos efeitos.
XXIV. Sem conceder, e a entender-se, o que não é claro, que o acto recorrido não constitui uma sanção propriamente dita mas antes uma revogação, o mesmo, não deixa de estar enfermado por vícios que determinam a sua invalidade, quer ao nível da forma, quer ao nível da substância do mesmo.
XXV. Estando assim em causa a revogação de dois actos, porquanto por despacho n.º l5668/IMO/GRH/2007 de 16 de Agosto de 2007 foi deferido o pedido de importação do trabalhador não residente C para o desempenho das funções de cozinheiro Chefe de comida Chinesa e, por despacho n.º l7130/IMO/GRH/2007 de 4 de Setembro de 2007 foi deferido o pedido de importação do trabalhador não residente B para o desempenho das funções de padeiro.
XXVI. Nos termos do n.º 1 do artigo 129º do Código do Procedimento Administrativo, «1. Os actos administrativos que sejam válidos são livremente revogáveis, excepto nos casos seguintes: […] b) Quando forem constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos; c) Quando deles resultem, para a Administração, obrigações legais ou direitos irrenunciáveis.»
XXVII. Não tendo sido posta em causa a validade das referidas autorizações, não estava, portanto, no âmbito da discricionariedade da Administração de livremente revogar as autorizações emitidas uma vez que nenhum dos interessados deu a sua concordância à revogação do acto.
XXVIII. Violando os direitos fundamentais dos interessados (trabalhadores não residentes, aqui se reforçando a sua qualidade de pessoa humana com vida autónoma), o acto em crise padece irrecuperavelmente do vício de nulidade nos termos e para os efeitos da alínea d) do n.º2 do artigo 122º do Código do Procedimento Administrativo.
XXIX. O mesmo acto, por violar claramente o disposto no n.º 1 do artigo 129º do Código do Procedimento Administrativo (princípio da irrevogabilidade dos actos válidos que forem constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegido), padece irrecuperavelmente do vício de anulabilidade nos termos gerais.
XXX. No alegado pela Entidade Recorrida no art. 7º da douta contestação, a Recorrente, respeitosamente relembra, que nos termos do artigo 93.º do Código do procedimento Administrativo, «1. Salvo o disposto nos artigos 96.º e 97.º, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.»
XXXI. O artigo 97º do mesmo diploma prevê as situações em que se excepcionalmente pode ser dispensada a audiência dos interessados e que constam apenas em duas alíneas: «a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;» e «b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.»
XXXII. Se dúvidas houvesse, dispõe o n.º 3 do artigo 132º do Código do Procedimento Administrativo que: «3. São de observar na revogação as formalidades exigidas para a prática do acto revogado, salvo quando a lei disponha de forma diferente.»
XXXIII. É, portanto evidente e manifesta a violação deste princípio do contraditório no procedimento sub judice porquanto o acto recorrido, tendo em consideração os seus efeitos teria de ser precedido da competente audiência prévia dos interessados.
XXXIV. Por não ter sido respeitado o requisito da audiência prévia, que constitui uma manifestação do princípio do contraditório, preteriu a Administração Pública, in casu os Gabinete para os Recursos Humanos, de formalidade essencial tendo sido, por essa via incorrectamente realizado e tendo por consequência normal a ilegalidade do próprio acto final e a sua consequente anulabilidade.
XXXV. Quando se fala em instrução, fala-se em instrução no seio de um procedimento administrativo conducente a um resultado: o acto administrativo.
XXXVI. No processo que correu termos junto da Direcção dos Serviços dos Assuntos Laborais foi, bem ou mal (mal na posição da ora Recorrente, porquanto não aceita o seu resultado) instruído e culminou numa decisão que irá ser aferida e apreciada judicialmente.
XXXVII. Independentemente da decisão que afinal, vier a ser judicialmente proferida por referência ao processo 1273/2007 da DSAL, o que importa nos presentes autos é aferir da legitimidade para instruir o procedimento I conducente a um outro acto (revogação dos pedidos de autorização de importação de mão de obra não residente) de uma outra entidade (Gabinete para os Recursos Humanos).
XXXVIII. O despacho de que se recorre, com o devido respeito, deveria ser fundamentado, atento o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 114º do Código de Procedimento Administrativo, e não o foi.
XXXIX. Fundamentação essa que deveria observar-se com as menções obrigatórias do art. 113º do mesmo diploma, contudo, o despacho recorrido não se fez acompanhar de todas essas menções, que segundo o aí previsto, dela deveriam constar, nomeadamente, no que se refere às alíneas d) e e) do n.º 1 do art. 113º do CPA.
XL. Para se atingir e cumprir o dever de fundamentação bastaria fundamentar de forma sucinta, mas de forma clara, concreta, congruente e que se mostre contextual, sendo que no caso em apreço, a insuficiência desses fundamentos equivale à falta de fundamentação atento ao disposto no n.º 2 art. 115º do CPA, porquanto, o despacho recorrido limita-se a fazer uma referência a uma violação da Lei nº 4/98, violação essa conforme o parecer da DSAL, sem sequer se mencionar a que parecer se refere.
XLI. Por último, cumpre responder ao artigo 11º da douta contestação apresentada pela Entidade Recorrida, no qual vem a mesma invocar a insusceptibilidade de revogabilidade do acto, invocando para isso a natureza anulatória do recurso contencioso.
XLII. É evidente o mero e manifesto lapsus scribendi constante no pedido formulado pela Recorrente, do qual se penitencia.
XLIII. Ao longo da sua petição de recurso, a Recorrente sempre formulou e elaborou a sua peça como um recurso de mera legalidade, arguindo passo a passo as violações e os vícios que determinam a invalidade do acto recorrido, invocando sempre as respectivas normas violadas, quer na motivação, quer nas respectivas conclusões.
XLIV. Desde logo, no art. 6º da motivação do recurso interposto expôs a Recorrente: “...O acto recorrido padece de diversos vícios que determinam a sua invalidade a diversos níveis, quer ao nível da anulabilidade como também da nulidade.”
XLV. É pois evidente o pedido que foi formulado ao longo da sua petição de recurso foi o de obter a anulação e/ou a declaração de nulidade do acto recorrido - o qual foi, aliás, expresso, a saber: nos artigos 23º e 24º (arguição de nulidade), 25º (genericamente quanto à invalidade), 48º (arguição de nulidade), 49º (arguição de anulabilidade), 57º (arguição de anulabilidade), 89º (arguição de anulabilidade).
Normas que a Recorrente considera violadas:
a) Da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau:
Artigos 4º, 25.º, 35.º,40.º e 43.º.
b) Do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais:
N.º 1 do artigo 6º.
c) Do Código do Procedimento Administrativo:
N.º 1 do artigo 85º; Artigo 93.º; d) e f) do Artigo 113.º; a) do n.º l do art. 114º; b), do n.º 2 do art. 122º; n.º 1 e n.º 2 do artigo 129º; n.º 3 do artigo 132º; Lei nº 4/98/M;
d) Do Despacho do Chefe do Executivo n.º 116/2007:
N.º 3 e N.º 4.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, deverá ser admitida a rectificação da referência à revogação formulada na petição de recurso, devendo o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser declarada nula ou anulada a decisão recorrida.
Só assim se decidindo se fará Justiça!».
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Não houve alegações da entidade recorrida.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
«Vem “A, Serviços de Gestão, SA” impugnar o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 2/7/08 que, em sede de recurso hierárquico, manteve decisão do coordenador do Gabinete para os Recursos Humanos que cancelou a autorização de contratação de 2 trabalhadores não residentes, assacando-lhe uma vasta panóplia de vícios, a saber:
- preterição de formalidades essenciais ;
- falta de fundamentação ;
- falta de audiência prévia;
- erro nos pressupostos de facto;
- indevida revogação de acto constitutivo de direitos e
- afronta de dispositivos vários da Lei Básica, Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, C.P.A. e Despacho do Chefe do Executivo, nº 116/2007, argumentando, naquilo que reputamos de essencial para boa apreciação do caso, que “a Recorrente em momento algum procedeu ao despedimento de D ...”, factualidade essa em que se terá estribado a decisão em crise.
Aceitamos, como preconizado pela recorrida, que, na apreciação da contratação de trabalhadores não residentes, os normativos aplicáveis deixam, como é evidente, ao órgão decisor certa liberdade de apreciação acerca da conveniência e da oportunidade sobre o respectivo deferimento.
Encontramo-nos, pois, face a acto produzido no exercício de poderes discricionários que, constituindo embora uma peculiar maneira de aplicar as normas jurídicas se encontram, todavia, sempre vinculados a regras de competência, ao fim do poder concedido, a alguns princípios jurídicos como a igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, a regras processuais e ao dever de fundamentação, não existindo, como é óbvio, qualquer excepção ao princípio da legalidade, mesmo na vertente da reserva de lei.
E, como é evidente, o erro sobre os pressupostos de facto subjacentes à decisão, releva também no exercício de poderes discricionários, pois que a livre apreciação pretendida pelo legislador ao conceder aqueles poderes se falseia se os factos em que assenta a decisão não forem correctos.
Daí que se entenda que constitui sempre um momento vinculado do acto discricionário a constatação dos factos realmente ocorridos: os factos que sirvam de motivo de um acto administrativo devem ser sempre verdadeiros.
Ora, no caso vertente, o acto fundou-se em suposta violação, por parte da recorrente, de disposições da Lei 4/98/M (Lei de Bases da política de Emprego e dos Direitos Laborais), mais concretamente - ao que sustenta a recorrida na sua contestação - do disposto no nº 2 do artº 9º de tal diploma, em virtude de a Direcção dos Serviços dos Assuntos Laborais (DSAL) ter verificado o despedimento, sem justa causa, do trabalhador residente a que acima se aludiu.
Só que, por tais factos e na sequência de pedido intentado pelo M.P., correu termos no TJB, sob o nº CR1-0S-0036-LCT, processo de contravenção laboral, no culminar do qual foi proferida decisão judicial (cfr. fls. 119 a 121) no sentido da absolvição da aqui recorrente por se não ter registado o despedimento do trabalhador em questão, o que equivale por dizer não corresponder à realidade a circunstância factual externada pela aqui recorrida, atinente, e só, à existência desse despedimento.
Donde, por ocorrência de vício de erro nos pressupostos de facto subjacentes à decisão e sem necessidade, por prejudicado, do escrutínio dos restantes vícios assacados, sermos a entender merecer provimento o presente recurso.».
*
Cumpre decidir.
***
II - Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III - Os factos
1 - Por despachos nºs 15668/IMO/GRH/2007 de 16 de Agosto de 2007 e 17130/IMO/GRH/2007, de 4 de Setembro de 2007 foram deferidos os pedidos de importação dos trabalhadores C e B para o desempenho das funções de vice-chefe cozinheiro de comida chinesa e de pasteleiro, respectivamente.
2 - No dia 3/04/2008 o Chefe de Gabinete proferiu o seguinte despacho:
Despacho n.º 08021/IMO/GRH/2008
Por despachos seguintes, A, SERVICOS DE GESTAO, S.A. foi autorizada a empregar os dois trabalhadores não-residentes seguintes:
Despacho n.º 15668/IMO/GRH/2007 de 16 de Agosto de 2007:
Nome
Cargo
C
Vice-cozinheiro
Despacho n.º 17130/IMO/GRH/2007 de 4 de Setembro de 2007:
Nome
Cargo
B
Pasteleiro
Este Gabinete fez uma nova avaliação e ponderou o motivo seguinte:
De acordo com o relatório e a notificação da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, verifica-se que o Centro de E violou a Lei n.º 4/98/M (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais).
Conforme o despacho n.º 49/GM/88 de 16 de Maio, exercendo a competência delegada por despacho n.º 53/2007 do Secretário para a Economia e Finanças, publicado no Boletim Oficial n.º 20, II série de 16 de Maio de 2007, venho cancelar a autorização de trabalho dos dois trabalhadores acima referidos e cancelar, ao mesmo tempo, a autorização de empregar dois trabalhadores não-residentes concedida à A, SERVICOS DE GESTAO, S.A..
Chefe
Ass. vide o original
XXX
3 de Abril de 2008»
3 - Perante a notificação deste despacho, A apresentou reclamação, nos seguintes termos:
«Sr. Chefe Wong Chi Hong
Governo da Região Administrativa Especial de Macau Gabinete para os Recursos Humanos
Avenida Horta e Costa, n.º 24-A, R/C
Assunto: Concessão nova da autorização de trabalho de trabalhadores não-residentes
Documento n.º HR/EOM/132/08
Recebida a notificação, emitida pelo vosso Gabinete, de que a nossa empresa violou a Lei n.º 4/98/M (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais) e foi cancelada a autorização de trabalho dos nossos dois empregados, sentimo-nos bastante surpreendidos e esperamos que seja considerada a situação seguinte e seja novamente concedida a autorização de trabalho. Ao abrigo do art.º 148.º do Código de Procedimento Administrativo, vem a nossa empresa apresentar reclamação perante o vosso Gabinete.
Notificada a nossa empresa de que o nosso empregado de salário por hora D apresentou queixa contra a empresa, justificou imediatamente à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais da forma seguinte:
1. Por mau-entendimento na comunicação e interpretação (o superior de D é da nacionalidade francesa), D achava que iria o despedir. Mas na verdade, o seu superior (cozinheiro administrativo panificador), um dos nossos empregados, não tem o poder de contratar ou despedir qualquer empregado. Portanto, o Departamento de Recursos Humanos justificou a D que não recebeu qualquer aviso da demissão. E mais, foi-lhe reiterado que, conforme os regulamentos da empresa, para despedir um empregado, o Departamento de Recursos Humanos tinha de tomar conhecimento aprofundado da situação e ouvir o caso do empregado, e depois, notificaria o responsável (Gerente) quando necessário. Conhecendo o caso, se o responsável (Gerente) considerasse necessária a demissão, seria preciso pôr a assinatura dele próprio e do Departamento de Recursos Humanos e seria o último que notificaria o respectivo empregado;
2. Sabendo o mau-entendimento, o superior e o vice-cozinheiro administrativo explicaram respectivamente a ocorrência, pediram desculpa, esperaram que D não se importasse e persuadiram-no a continuar a trabalhar. Porém, D insistiu que foi despedido e exigiu uma indemnização por despedimento unilateral. Por isso, desde o dia da ocorrência, nunca este trabalhou.
3. Além de que o superior dele e o vice-cozinheiro administrativo lhe solicitaram continuar a prestar trabalho, o Departamento de Recursos Humanos já lhe justificou que não foi demitido. Mas D insistiu que não trabalharia e demandou a devida remuneração. Não tendo jeito, a empresa deu-lhe o salário do período anterior (empregado de salário por hora), contudo, ele exigiu ainda a indemnização por despedimento unilateral;
4. Quando a Sr.ª Tou (杜小姐) da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais perguntava se quisemos continuar a contratar D, o representante do Departamento de Recursos Humanos explicou que tentámos persuadi-lo a trabalhar, mas ele não quis;
5. Em 2006, o superior dele exigiu-lhe por várias vezes tomar-se em empregado a tempo inteiro, D recusou com fundamento de salário (vide o anexo) e tempo;
6. O cargo de D fica vago até hoje, divulgaram-se várias publicidades de recrutamento, mas não há candidato. O seu trabalho tem sido feito por outros empregados de salário por hora e os superiores dele, em conjugação de esforços. A empresa não mandou outro trabalhador não-residente tomar o cargo;
7. A empresa implementa sempre a ideia da prioridade dos residentes de Macau em recrutamento, publicam-se todos os meses no jornal Macau Hoje propagandas de recrutamento (vide o anexo), esperando contratar os cidadãos de Macau quanto mais possível;
8. Nos primeiros três meses de 2008, o Departamento de Restauração da nossa empresa acolheu em médio 30 mil a 40 mil pessoas por mês, incluindo uns indivíduos em destaque de Macau e do Interior da China, consiste num centro de reuniões e restaurações relevantes. Pelo que, é muito rigorosa a exigência da qualidade e quantidade dos empregados de mesa e cozinheiros;
9. A divisão de panificação é responsável principalmente por fabricar biscoitos, paus, bolos e sobremesas para os restaurantes (pastelaria, café e Café Giratório) e as restaurações, etc. Para satisfazer a necessidade, nos primeiros três meses de 2008, era preciso fabricar em médio mais de 50 mil unidades por mês, portanto, a disposição de empregados de todos os níveis foi bastante difícil.
A empresa nunca despediu D e, quando surgiu o mau-entendimento, vários funcionários diferentes explicaram-lhe repetidamente a situação e o persuadiram a voltar ao trabalho. Antes de ocorrer todo isso, solicitou-se a D tomar-se em empregado a tempo inteiro, mas ele recusou. A empresa respeita sempre a Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, só que ultimamente nos sectores de Macau têm-se registado um desenvolvimento rápido e se verifica grande insuficiência dos recursos humanos, nomeadamente dos pessoais não especializados e dos administradores superiores. Para que a empresa e as respectivas companhias possam contribuir para o sector de turismo de Macau, precisamos de contratar pessoais não especializados e administradores superiores não-residentes. Pede-se que seja ponderada a situação referida e novamente concedida a autorização de trabalho dos dois empregados.
Agradecendo pelo vosso auxílio.».
4 - Na sequência de tal reclamação foi proferido o despacho nº 11235/IMO/GRH/2008, com o seguinte teor:
«Despacho n.º 11235/IMO/GRH/2008
No dia 22 de Abril de 2008, A, SERVICOS DE GESTAO, S.A. apresentou reclamação relativamente ao despacho n.º 08021/IMO/GRH/2008 de 3 de Abril de 2008, pelo qual foi cancelada a autorização de trabalho do trabalhador não-residente seguinte:
Nome
Cargo
C
Vice-cozinheiro (349005)
Este Gabinete fez uma nova avaliação e ponderou o motivo seguinte:
Embora o requerente forneça justificação, de acordo com os factos alegados no ofício da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, verifica-se que o Centro de E violou a Lei n.º 4/98/M (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais), pelo que é cancelada a autorização de trabalho do trabalhador não-residente referido.
Conforme o despacho n.º 49/GM/88 de 16 de Maio, exercendo a competência delegada por despacho n.º 53/2007 do Secretário para a Economia e Finanças, publicado no Boletim Oficial n.º 20, II série de 16 de Maio de 2007, venho decidir manter inalterada a decisão original.
Chefe substituto
Ass. vide o original
XXX
14 de Maio de 2008» (fls. 15 do apenso traduções)
5 - Por despacho nº 11229/IMO/GRH/2008 foi proferida igual decisão relativamente ao trabalhador B (fls. 19 do apenso traduções).
6 - A apresentou então recurso hierárquico, nos seguintes termos:
A A Management Services Group Ltd
Hong Kong Office:
XXXX,
XXXX, Hong Kong.
Tel: (852)XXXX Fax: (852)XXXX
Macau Office:
XXXX, Macau.
Tel: (853)XXXX Fax: (853)XXX
Sr. Secretário XXX
Governo da Região Administrativa Especial de Macau Secretaria para a Economia e Finanças
Rua de XXXX
Assunto: Concessão nova da autorização de trabalho de trabalhadores não-residentes
Documento n.º HR/EOM/171/08
Recebida a notificação, emitida pelo Gabinete para os Recursos Humanos, de que a nossa empresa violou a Lei n.º 4/98/M (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais) e foi cancelada a autorização de trabalho dos nossos dois empregados (referências n.º 14782/OFI/GRH/08 e 14783/OFI/GRH/08), sentimo-nos bastante surpreendidos e esperamos que seja considerada a situação seguinte e seja novamente concedida a autorização de trabalho. Ao abrigo dos art.ºs 153.º e 156.º do Código de Procedimento Administrativo, vem a nossa empresa interpor recurso hierárquico necessário perante a vossa Secretaria.
Questão prévia:
1. Relativamente à reclamação apresentada no dia 23 de Abril de 2008, o Gabinete para os Recursos Humanos proferiu decisão e emitiu notificação respectivamente por dois despachos e dois ofícios diferentes.
2. Como a reclamação apresentada por esta empresa no dia 23 de Abril de 2008 tem como objecto só o despacho n.º 08021/IMO/GRH/2008 e ofício n.º 10547/OFI/GRH/08, não é entendido por qual fundamento jurídico é que o vosso Gabinete proferiu dois despachos (n.º 11229-IMO-GRH-2008 e n.º 11235/IMO/GRH/08) e dois ofícios (n.º 14782/OFI/GRH/08 e n.º 14783/OFI/GRH/08).
Suspensão da eficácia do acto objecto da reclamação
1. Dispõe o art.º 157.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo que “O recurso hierárquico necessário suspende a eficácia do acto recorrido, salvo nos casos em que a lei disponha em contrário ou quando o autor do acto considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público.”
2. Dispõe o art.º 157.º n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo que “O órgão competente para apreciar o recurso pode revogar a decisão a que se refere o número anterior, ou tomá-la quando o autor do acto o não tenha feito.”
Interposição do recurso hierárquico necessário
Sem prejuízo das questões prévias, esta empresa ora vem interpor o recurso hierárquico necessário perante o Sr. Secretário para a Economia e Finanças:
Notificada a nossa empresa de que o nosso empregado de salário por hora D apresentou queixa contra a empresa, justificou imediatamente à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais da forma seguinte:
1. Por mau-entendimento na comunicação e interpretação (o superior de D é da nacionalidade francesa), D achava que iria o despedir. Mas na verdade, o seu superior (cozinheiro administrativo panificador), um dos nossos empregados, não tem o poder de contratar ou despedir qualquer empregado. Portanto, o Departamento de Recursos Humanos justificou a D que não recebeu qualquer aviso da demissão. E mais, foi-lhe reiterado que, conforme os regulamentos da empresa, para despedir um empregado, o Departamento de Recursos Humanos tinha de tomar conhecimento aprofundado da situação e ouvir o caso do empregado, e depois, notificaria o responsável (Gerente) quando necessário. Conhecendo o caso, se o responsável (Gerente) considerasse necessária a -demissão, seria preciso pôr a assinatura dele próprio e do Departamento de Recursos Humanos e seria o último que notificaria o respectivo empregado;
2. Sabendo o mau-entendimento, o superior e o vice-cozinheiro administrativo explicaram respectivamente a ocorrência, pediram desculpa, esperaram que D não se importasse e persuadiram-no a continuar a trabalhar. Porém, D insistiu que foi despedido e exigiu uma indemnização por despedimento unilateral. Por isso, desde o dia da ocorrência, nunca este trabalhou.
3. Além de que o superior dele e o vice-cozinheiro administrativo lhe solicitaram continuar a prestar trabalho, o Departamento de Recursos Humanos já lhe justificou que não foi demitido. Mas D insistiu que não trabalharia e demandou a devida remuneração. Não tendo jeito, a empresa deu-lhe o salário do período anterior (empregado de salário por hora), contudo, ele exigiu ainda a indemnização por despedimento unilateral;
4. Quando a Sr.ª Tou (杜小姐) da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais perguntava se quisemos continuar a contratar D, o representante do Departamento de Recursos Humanos explicou que tentámos persuadi-lo a trabalhar, mas ele não quis;
5. Em 2006, o superior dele exigiu-lhe por várias vezes tomar-se em empregado a tempo inteiro, D recusou com fundamento de salário (vide o anexo) e tempo;
6. O cargo de D fica vago até hoje, divulgaram-se várias publicidades de recrutamento, mas não há candidato. O seu trabalho tem sido feito por outros empregados de salário por hora e os superiores dele, em conjugação de esforços. A empresa não mandou outro trabalhador não-residente tomar o cargo;
7. A empresa implementa sempre a ideia da prioridade dos residentes de Macau em recrutamento, publicam-se todos os meses no jornal Macau Hoje propagandas de recrutamento (vide o anexo), esperando contratar os cidadãos de Macau quanto mais possível;
8. Nos primeiros três meses de 2008, o Departamento de Restauração da nossa empresa acolheu em médio 30 mil a 40 mil pessoas por mês, incluindo uns indivíduos em destaque de Macau e do Interior da China, consiste num centro de reuniões e restaurações relevantes. Pelo que, é muito rigorosa a exigência da qualidade e quantidade dos empregados de mesa e cozinheiros;
9. A divisão de panificação é responsável principalmente por fabricar biscoitos, paus, bolos e sobremesas para os restaurantes (pastelaria, café e Café Giratório) e as restaurações, etc. Para satisfazer a necessidade, nos primeiros três meses de 2008, era preciso fabricar em médio mais de 50 mil unidades por mês, portanto, a disposição de empregados de todos os níveis foi bastante difícil.
A empresa nunca despediu D e, quando surgiu o mau-entendimento, vários funcionários diferentes explicaram-lhe repetidamente a situação e o persuadiram a voltar ao trabalho. Antes de ocorrer todo isso, solicitou-se a D tomar-se em empregado a tempo inteiro, mas ele recusou. A empresa respeita sempre a Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, só que ultimamente nos sectores de Macau têm-se registado um desenvolvimento rápido e se verifica grande insuficiência dos recursos humanos, nomeadamente dos pessoais não especializados e dos administradores superiores. Para que a empresa e as respectivas companhias possam contribuir. para o sector de turismo de Macau, precisamos de contratar pessoais não especializados e administradores superiores não-residentes. Pede-se que seja ponderada a situação referida e novamente concedida a autorização de trabalho dos dois empregados.
Agradecendo pelo vosso auxílio.
Ass. vide o original
XXX
Gerente do Departamento de Recursos Humanos
A, Serviços de Gestão, S.A.
21 de Abril de 2008
7 - Foi prestada a seguinte informação nº 13134//INF/GRH/08, datada de 26/05/2008 (fls. 6 e 7 do p.a. e fls. 28 a 31 do apenso “traduções”):
«Assunto: Interposição de recurso hierárquico relativamente ao cancelamento da autorização de trabalho de dois trabalhadores não-residentes
Processo n.º 04571
Requerente: A, SERVICOS DE GESTAO, S.A.
Carta recebida nº16264/ENT/GRH/08 Data: 26/05/2008
De acordo com o oficio n.º 01452/SSA/DIT/2007 da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais de 04/02/2008, verifica-se que o Centro de E violou a Lei n.º 4/98/M (Lei de Bases da política de Emprego e dos Direitos Laborais), pelo que, por despacho n.º 08021/IMO/GRH/2008 de 03/04/2008, foi cancelada à empresa requerente a concessão da autorização de trabalho, por aquele Centro referido utilizada, de dois trabalhadores especializados não-residentes. Em face disso, a empresa requerente apresentou reclamação no dia 22 de Abril de 2008, que foi indeferida aos 14 de Maio de 2008 por despachos n.º 11235/IMO/GRH/2008 e n.º 11229/IMO/GRH/2008, fundamentando-se em que embora o requerente forneça justificação, de acordo com os factos alegados no ofício da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, verifica-se que o Centro de E violou a Lei n.º 4/98/M (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais), pelo que é cancelada a autorização de trabalho dos trabalhadores não-residentes.
Indeferida a reclamação, a requerente interpôs por carta o recurso hierárquico no dia 21 de Maio de 2008. No primeiro lugar, apontou que a reclamação apresentada por esta empresa no dia 23 de Abril de 2008 tinha como objecto só o despacho n.º 08021/IMO/GRH/2008, não entendeu por qual fundamento jurídico é que este Gabinete proferiu dois despachos (n.º 11229-IMO-GRH-2008 e n.º 11235/IMO/GRH/08); em seguida, a requerente deu uma justificação respeitante à violação da Lei n.º 4/98/M (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais), cujo teor foi idêntico ao da carta explicativa da reclamação apresentada no dia 22 de Abril de 2008. A prova da propaganda entregue desta vez foi também igual à apresentada anteriormente. Justificou-se geralmente por forma seguinte: D (pasteleiro), trabalhador residente da empresa, não foi por esta despedido, tendo em causa um simples mau-entendimento. Por conseguinte, a empresa já lhe explicou a ocorrência por várias vezes e o persuadiu a trabalhar, mas ele recusou e exigiu uma indemnização por despedimento unilateral (vide o teor da carta).
Consta do ofício n.º 01452/SSA/DIT/2007 da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais de 04/02/2008 que, desligado do serviço, foi trabalhador não-residente que fez o trabalho do queixoso (D). Em mais de um mês após a desligação, a empresa requerente não fez recrutamento, mas sim mandou directamente trabalhador não-residente fazer o trabalho de D (vide o anexo).
Desempenham respectivamente as funções de vice-cozinheiro e de pasteleiro os dois empregados especializados cuja autorização de trabalho foi cancelada por despacho n.º 08021/IMO/GRH/2008 deste Gabinete.
Examinados os elementos informáticos neste Gabinete, actualmente a empresa requerente tem contratado trabalhadores não-residentes por forma seguinte:
Despacho
Válidos
Portadores de título de identificação de trabalhador não-residente
Taxa de utilização
12/GM/88
203
167
82.3%
49/GM/88
18
18
100%
Pelo exposto, ponderando que a justificação desta vez da requerente é idêntica à fornecida na reclamação anteriormente apresentada e são também iguais os anexos juntados, sem mostrar novo fundamento suficiente para contradizer o indeferimento pugnado no despacho original, propõe-se que seja mantida inalterada a decisão desse despacho.
À consideração superior.
Técnica
Ass. vide o original
XXX
8 - Foi na mesma data lavrado o seguinte Parecer de 9/06/2008 (fls. 3 do p.a e 130 dos autos):
«V.Exa. Secretário para a Economia e Finanças:
Embora o requerente já apresentasse a explicação por escrito, era comprovado que, através da resposta feita no oficio n. o 8021/DIT/ARRY/2008 de 3 de Junho de 2008 da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, o facto de violação das disposições da lei n.º 4/98/M - “Lei de Bases da Política do Emprego e do Direitos Laborais” - praticado pelo Centro de E ainda não foi modificado.
Pelas razões acima expostas, sugere-se manter a decisão de cancelamento.
Com os melhores cumprimentos. »
(Ass. Vide o original)
Coordenador
09/06/2008
9 - Em 25/06/2008 o digno secretário para a Economia e Finanças proferiu o seguinte despacho (fls. 3 do p.a e 130 dos autos):
«Autorizo a proposta».
10 - Nos autos de contravenção laboral nº CR1-08-0036-LCT, em que era arguida “A, Serviços de Gestão, SA” ficou provado que esta não despediu o trabalhador D (cfr. fls. 118-121v e fls. 136-143).
***
IV - O Direito
Primeiro que tudo, importa revisitar rapidamente a decisão contida no acto e sublinhar o fundamento nele vertido.
Como dele bem se alcança, a decisão tomada foi de cancelamento das autorizações de trabalho dos trabalhadores não residentes B e C e o seu fundamento radica numa suposta violação da Lei n.º 4/98/M, (Lei de Bases da política de Emprego e dos Direitos Laborais). Violação que, alegadamente descoberta a partir de ofício enviado pela DSAL, consistiria na circunstância de aquela entidade, ou seja, a Direcção dos Serviços dos Assuntos Laborais (DSAL), ter verificado o despedimento, sem justa causa, do trabalhador chamado D.
*
A recorrente não se conforma com a decisão e, na petição inicial do recurso contencioso, a ela arremessa vícios vários, a saber:
a) Incompetência do Gabinete para os Recursos Humanos;
b) Revogação ilegal de acto administrativo;
c) Violação de disposições da Lei Básica (art. 4º, 25º, 35º, 40º e 43º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (art. 6º);
d) Preterição de Formalidades Essenciais (falta de audiência prévia);
e) Falta de fundamentação;
f) Erro sobre os pressupostos de facto.
*
Cremos, agora, porém, que, para além de toda a razão que possa acudir à recorrente no que respeita aos diversos vícios, a melhor e mais eficaz tutela dos direitos alegadamente ofendidos aconselha que se comece pelo vício que erigiu em último lugar: o erro sobre os pressupostos de facto. Dizemo-lo tendo em atenção o disposto no art. 74º, nº3, al. b), in fine, do CPAC.
*
Pois bem. Ao contrário do que era suposto fáctico no acto impugnado, a recorrente não procedeu ao despedimento do seu trabalhador D.
Isso é o que emerge da prova efectuada no âmbito do citado processo de contravenção laboral. Tal despedimento nunca aconteceu, como invocado no presente recurso em sede de materialização do vício de erro sobre os pressupostos de facto e como decorre da prova efectuada no âmbito do referido processo de contravenção laboral acima referida no ponto 10 da factualidade assente.
Sendo assim, deparamo-nos com um circunstância reveladora de que o pressuposto de facto em que a decisão assentou não se verificou.
A sentença absolutória daquele processo constitui presunção legal da inexistência dos factos, embora ilidível mediante prova em contrário (art. 579º, nº1, do CPC1). Nesse caso, cumpriria à Administração, até pela natureza ablativa da sua actividade no caso concreto, demonstrar no procedimento e no tribunal os pressupostos de facto do acto (Ac. TSI, de 18/04/2013, Proc. nº 647/20122; tb. Ac. do TSI, de 25/10/2012, Proc. nº 23/2012). Não o fez. Consequentemente, é de entender que não ilidiu a presunção.
Inválido será, tanto no caso de a entidade recorrida ter feito uso de poderes discricionários (o vício seria, nessa hipótese, o erro nos pressupostos de facto), como no caso de ter aplicado vinculadamente a lei com base em pressupostos errados (e aí o vício será o de violação de lei), o que rigorosamente se ignora3, uma vez que não vem indicada a norma do diploma ao abrigo do qual a Administração agiu daquela maneira.
Consequentemente, por essa razão, o acto tem que ser anulado e isso bastaria para a necessidade de tutela judiciária que a recorrente nos exibe estivesse satisfeita.
Não nos fiquemos, todavia por aqui.
*
Por outro lado, mesmo que alicerçado no ofício da DSAL, o acto não fez mais do que remeter para uma alegada violação da Lei nº 4/98/M (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais).
Fica-se sem saber, verdadeiramente, qual o fundamento extraído do diploma citado. Isto é, não se sabe a razão por que o acto cancelou a autorização de trabalho dos dois trabalhadores a que ele se refere, se por causa do despedimento daquele trabalhador, se por outra razão, nomeadamente a não contratação de outro em sua substituição. O acto não é nada claro a esse respeito e é manifestamente insuficiente no plano da fundamentação, tanto do ponto de vista factual, como do ponto de vista jurídico, pois nenhuma norma desse ou doutro diploma foi invocada.
Deste modo, deve ter-se por anulável, por não respeitar o dever plasmado no art. 114º e 115º do CPA.
*
Ao mesmo tempo, consideramos que o acto foi praticado sem ter sido ouvida a recorrente nos termos do art. 93º do CPA, isto é, sem a observância do princípio da audiência de interessados.
Todos sabem o que ela representa. Não vale a pena insistir no desenho do instituto, nem explicar as suas virtudes. São consabidas.
O que interessa é dizer que, efectivamente, aquele dispositivo impõe a audiência prévia dos interessados, uma vez concluída a instrução. Ora, se
tal formalidade se impõe nos casos gerais (excluída aqui a situação particular em que o acto é vinculado e em que o tribunal vem a concluir que ele obedeceu aos cânones legais e que, por conseguinte, o conteúdo do acto não podia ser outro senão aquele4), mais ainda se justifica nos casos de actividade administrativa discricionária agressiva, ablativa ou sancionatória, em que, portanto, o direito de defesa e de participação assume um papel de relevo essencial. É o caso!
Aqui houve instrução e a situação foi de aplicação de uma medida ablativa de um direito já anteriormente concedido. Por isso, mais se impunha o respeito por essa fase procedimental.
Também por tal motivo a anulação se exige.
*
Estes os vícios que, por procedentes, determinam a anulação do acto, prejudicando, por desnecessidade, a apreciação dos restantes.
***
V - Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso, anulando o acto impugnado.
Sem custas, porque delas isenta a entidade recorrida.
*
TSI, 20 de Fevereiro de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Presente
Victor Coelho




1 À sentença penal deve equiparar-se a sentença proferida no processo contravencional, dado o que dispõe o art. 380º do Código de Processo Penal e o art. 89º do Código de Processo de Trabalho.
2 Pode ler-se no sumário do aresto: “O vício de erro sobre os pressupostos de facto, como tem sido abundantemente referido, deve ser alegado e provado por quem o invoca, a não ser nos casos de administração ablativa, impositiva e agressiva, hipóteses em que sobre a Administração recai o ónus de prova dos factos em que se baseia para agir contra o particular”
3 A referência ao art. 9º, nº2, surge na contestação pela primeira vez.
4 E aí se diz que a formalidade se degrada em não essencial e que, portanto, a omissão deixa de ser invalidante (v.g., Ac. TUI, de 25/07/2012, Proc. nº 48/2012)
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