打印全文
Processo nº 761/2013
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 20/Fevereiro/2014

Assunto: Marca
Capacidade distintiva
COTAI STRIP COTAITravel

SUMÁRIO
- A marca é um sinal distintivo que tem por função distinguir produtos ou serviços.
- Não são susceptíveis de protecção os sinais descritivos e genéricos.
- A marca nominativa “COTAI STRIP COTAITravel”, por conter elementos que servem para designar a proveniência geográfica e a espécie de bens ou serviços, é destituída de capacidade distintiva.
- Para além de que não se descortina ter a marca, analisada na sua imagem global, adquirido um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva, não pode ser objecto do registo.
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 761/2013
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 20/Fevereiro/2014

Recorrente:
- A Corp.


Recorrida:
- B Limited


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B Limited, sociedade comercial constituída nas Ilhas Caimão, melhor identificada nos autos, intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM recurso da decisão do Chefe do Departamento dos Serviços de Economia, de 13 de Dezembro de 2011 e publicada no Boletim Oficial de 4 de Janeiro de 2012, pela qual concedeu o registo da marca N/37775 - “COTAI STRIP COTAITravel” para a classe 21.
Por sentença do Tribunal Judicial de Base proferida em 31 de Maio de 2013, julgou procedente o recurso e revogou a decisão que concedeu o registo da referida marca.
Inconformada com a decisão, recorreu a recorrente A Corp. para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
- A marca N/37775 COTAI STRIP COTAITravel é uma marca nominativa complexa, em cuja composição surge apenas uma palavra que pode ser considerada descritiva, já que constitui um topónimo: COTAI;
- Tanto STRIP como TRAVEL constituem, na marca em causa, expressões de fantasia, o que confere à marca um carácter geral de fantasia;
- A STRIP corresponde as palavras portuguesas tira, faixa, pista;
- TRAVEL é também uma expressão de fantasia, já que, mesmo que se aceite tratar-se de vocábulo que se reporta a uma actividade normalmente ligada ao sector do turismo, a marca N/37775, destinada a assinalar produtos diversos da classe 21ª, nada tem que ver com aquele sector do turismo;
- Ao considerar que a marca COTAI STRIP COTAITravel é destituída de carácter distintivo, a decisão recorrida incorre num manifesto erro de julgamento e faz uma errada aplicação das normas contidas no artigo 197º e na alínea b) do nº 1 do artigo 199º do RJPI;
- A marca COTAI STRIP COTAITravel não é enganadora, pelo que o tribunal a quo fez uma errada aplicação do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 214º do RJPI;
- Termos em que deve o recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada, substituindo-se por outra que conceda o registo da marca N/37775.
*
Não houve contra-alegações.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
Em 30.07.2008 a recorrente requereu o registo da marca N/037775 para a classe de produtos nº 21 (fls. 1 do processo administrativo apenso).
O pedido de registo foi publicado no Boletim Oficial de 03.10.2008 – fl. 6 do processo administrativo apenso.
Por despacho de 13/12/2011 dos Autos de processo administrativo apenso, foi concedido o pedido de registo da marca N/037775.
O despacho referido na alínea c) foi publicado no Boletim Oficial de Macau, II Série, de 04.01.2012 – cf. fls. 19 do processo administrativo apenso.
*
    É perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer do recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
    Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau, “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
A questão que se coloca nos presentes autos consiste em saber se a marca “COTAI STRIP COTAITravel” (N/37775) está dotada de eficácia ou capacidade distintiva merecedora de protecção.
Como sinal distintivo, a marca tem por função distinguir produtos ou serviços.
Ao abrigo do artigo 197º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, “só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”
É um sinal que serve para individualizar os produtos ou serviços, objecto do comércio do comerciante.2
Quanto à sua composição, a marca pode ser nominativa, figurativa ou mista, consoante seja constituída por palavras, ou tenha carácter plástico, tendo apresentação visual própria, ou composta por palavras e formas.3
Nestes termos, a marca goza, na sua composição, do chamado princípio da liberdade, salvo condicionalismos impostos por lei.
Consistindo um desses condicionalismos em a marca dever estar necessariamente dotada de eficácia ou capacidade distintiva suficiente, i.e., há-de ser apropriada para diferenciar de outros produtos idênticos ou semelhantes.
Com isto pretende a lei afastar do domínio da marca todos os elementos chamados genéricos ou descritivos.
Diz-se genérico quando o sinal, no seu significado originário e próprio, designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados ou, ainda, o sinal, bi ou tridimensional, que representa unicamente, a forma comum e ordinária do produto marcado.4
Enquanto descritivo aquele sinal que indica, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor, ou qualquer outra característica do produto ou serviço.5
    Assim, prevê-se nos termos do artigo 199º, nº 1, alínea b) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI) que não possuem eficácia distintiva as marcas compostas exclusivamente por “indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos...”.
    A marca só é efectivamente descritiva se for exclusiva e directamente descritiva. Uma marca pode ser distintiva se não for exclusivamente descritiva, ou seja, se, sendo composta por elementos descritivos e não descritivos, a combinação oferecer um conjunto distintivo e, ainda, se não for directamente descritiva, ou seja, se só se limitar a sugerir ou evocar por forma inabitual e invulgar uma característica do produto ou serviço designando-se, nesta última hipótese, por marca sugestiva, expressiva ou significativa.6
    Na apreciação da marca, convém atender-se à sua imagem global e não na análise individualizada de cada um dos seus elementos.
No presente caso, a marca nominativa em causa é constituída pela expressão “COTAI STRIP COTAITravel”.
Entende a recorrente que a referida marca possui capacidade distintiva suficiente para distinguir, em função da origem, os produtos da recorrente dos produtos de outros comerciantes, e não é uma marca enganadora.
Começamos pela apreciação dos vocábulos “COTAI STRIP”, sendo a questão já abordada por várias decisões deste TSI, de forma unânime, nomeadamente nos seguintes Acórdãos:
Acórdão 172/2008
“Ora, a verdade é que “COTAI” é vocábulo que exprime um local específico de Macau (concretamente entre as ilhas da Taipa e de Coloane), uma zona e uma área geográfica do território. Por conseguinte, este sinal parece estar excluído da protecção (artigo 199º, nº 2, RJPI).
Por seu turno, dessa significação não escapa igualmente o segundo termo que entra na composição da marca. “STRIP”, de origem inglesa, enquanto substantivo, fornece a ideia de faixa ou tira de terra bem determinada.

Temos assim que “Cotai” e “Strip” nos remetem para conceitos de localização geográfica, inidentificadores de nenhum produto em particular a comercializar, nenhum serviço a prestar. Têm, assim, um cunho totalmente genérico e indeterminado.”
*
Acórdão 43/2013
“A palavra “COTAI” ou a expressão “COTAI STRIP”, na RAEM, tem um significado especial, que se refere a uma localização geográfica específica desta Região Administrativa Especial, isto é, o local situado entre as Ilhas da Taipa e de Coloane.
Aliás, a palavra “COTAI” resulta da síncope das palavras Coloane e Taipa.
Com a instalação de hotéis luxos e casinos na zona em referência, “COTAI” ou “COTAI STRIP” é actualmente uma zona específica da RAEM onde se desenvolvem as actividades de jogo, hoteleira, lazer e entretenimento pelos diferentes titulares de licença para a exploração de jogos de fortuna e azar.”
*
Acórdão 101/2013
“Podemos assim concluir, no que ao nome geográfico respeita, COTAI, que, se o nome geográfico for empregue como simples denominação de fantasia, não suscita quaisquer problemas. O mesmo se diga quando estivermos perante uma denominação genérica (v.g. água de Colónia). Uma marca geográfica não tem como função certificar ou sequer informar acerca da proveniência do produto ou serviço, servindo apenas o propósito de o identificar no mercado, na mesma medida que tal ocorre com marcas não geográficas: o nome da região ou localidade funcionará, nestes casos, como uma designação neutra, do ponto de vista geográfico (não tendo, em si mesma, o efeito de valorizar o produto). Mas, quando essa neutralidade não existir e houver o risco da marca induzir em erro o público acerca da proveniência geográfica do produto ou serviço, o seu registo deve ser recusado, por aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 214º do RJPI. Não havendo esse risco, nada obsta a que uma marca geográfica seja registada, desde que não ofenda direitos prioritários.”
No nosso caso, acompanhamos o entendimento perfilhado naqueles doutos arestos, no sentido de que a expressão “COTAI STRIP” é uma designação geográfica identificadora de uma faixa da zona situada entre Taipa e Coloane, sem que contenha qualquer elemento de fantasia, insusceptível de ser usada para distinguir produtos ou serviços.
E não obstante que foi acrescentado àquela um outro vocábulo - “COTAITravel” – mas também não é por aqui que se permite concluir ter a marca adquirido a sua capacidade distintiva.
Na verdade, pese embora a expressão seja uma só, mas é formada por junção de duas palavras autónomas, a saber, “COTAI” e “Travel”, não dissociáveis.
Em relação à primeira palavra “COTAI”, já vimos que se trata de uma designação geográfica.
Quanto ao novo termo “Travel”, este é um termo substantivo de origem inglesa que significa, em português, viagemv, e que por seu turno, segundo o Wikipédia, consiste em movimento de pessoas entre locais relativamente distantes, utilizando ou não qualquer meio de transporte (público ou privado), podendo o seu percurso ser feito por mar, terra ou ar.
Salvo o devido respeito, não é pelo simples facto de os dois vocábulos se encontrarem justapostos, ou a expressão estar escrita em inglês ou em outra língua estrangeira, ou em itálico, que se transforma em elemento de fantasia.
No fundo, “Travel” mais não significa do que uma actividade ligada à viagem, daí que, continua a ser uma denominação genérica, vaga e abstracta, que pode ser aplicável a diversas espécies de bens ou serviços, aliás podem ser muitos, e até pertencerem a diferentes empresas.
Nestes termos, sendo a marca composta exclusivamente por elementos meramente descritivos ou genéricos, não contendo qualquer elemento de fantasia, tal sinal não pode ser protegido como marca.
Finalmente, cabe dizer ainda que não se descortina ter a marca em causa, analisada na sua imagem global, adquirido um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva.
Consagra-se nos termos do artigo 214º, nº 3 do RJPI que “o facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo.”
Neste aspecto, será possível a concessão de registo da marca, apesar de todos os elementos serem descritivos, se a marca tiver já adquirido um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva, ou seja, quando a marca deixa de ser apreendida pelo público pelo seu sentido descritivo, mas sim por um outro sentido não descritivo ligado a determinada empresa.
No caso em apreço, entendemos que, por um lado, sendo a marca composta exclusivamente por elementos genéricos e descritivos, e por outro, não tendo a marca adquirido qualquer “secondary meaning”, a referida marca é destituída de capacidade distintiva para distinguir bens ou serviços, por isso, sem necessidade de demais considerações, entendemos que andou bem o Tribunal a quo ao decidir pela revogação da decisão administrativa que concedeu o registo da marca “COTAI STRIP COTAITravel”.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
***
Macau, 20 de Fevereiro de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
2 Carlos Olavo, Manual D. Comercial, 1º, pág. 186
3 Prof. Oliveira Ascensão, Direito Comercial Vol. II
4 Luís M. Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, pág. 171
5 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 173
6 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 173
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




Processo 761/2013 Página 12