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Processo nº 782/2013 Data: 20.02.2014
(Autos de recurso penal)

Assuntos : “Condução por não habilitado”.
Carta de condução da Polónia.
“Convenção sobre o Trânsito Rodoviário”.



SUMÁRIO

Uma carta de condução emitida na Polónia não constitui documento que habilita o seu titular a conduzir na R.A.E.M., cometendo o mesmo a contravenção p. e p. pelo art. 95° da Lei n.° 3/2007 – “condução por não habilitado” – se o vier a fazer.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 782/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida pela Mma Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar A, com os restantes sinais dos autos, como autora de uma contravenção, p. e p. pelos art°s 95°, n.° 2 e 79°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007, (reincidência na condução por não habilitado), na multa de MOP$20.000,00 ou 1 mês de prisão subsidiária; (cfr., fls. 72-v a 75-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para, a final, produzir as conclusões seguintes:

“1. A arguida nos autos foi condenada numa multa de MOP$20,000, substituível por pena de prisão de 1 mês, por, alegadamente, ter cometido a contravenção de condução sem habilitação, agravada pela reincidência, prevista e punida nos termos do n°. 1 do artigo 79° e n° 2 do artigo 95° da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR).
2. Dos factos dados como provados na sentença, são relevantes os seguintes:
a. Que em 25 de Abril de 2013 pelas 16:25 a arguida conduzia um autómovel com a matrícula n°. MN-XX-XX, na Rua do Porto;
b. Na altura a arguida era apenas titular de carta de condução emitida na Polónia;
c. Que arguida já havia pago, de forma voluntária, uma multa por alegada contravenção por condução sem carta cometida em 29/05/2012 previsto e punido pelo no. 1 do artigo 79° n°.1 do artigo 95°, ambos da LTR.
d) Que a Polónia, tal como Macau, é parte na Convenção sobre o Trânsito Rodoviário.
3. Os restantes factos elencados na sentença, como, por exemplo, que Macau e Polónia não celebraram acordo de reciprocidade em matéria de condução que permite aos titulares de licença da Polónia conduzir em Macau, ou que a arguida não era, à data dos factos, titular de quaisquer documentos de condução indicados no n°1 do artigo 80° da LTR, não são obviamente factos mas sim conclusões jurídicas. Na verdade, tratam-se de verdadeiras decisões antecipatórias daquilo que viria ser decidido a final, com todo o respeito, erradamente.
4. Julga-se, por isso, não ser necessário invocar o vício do erro na apreciação da prova ou de contradição insanável na fundamentação para atacar tais conclusões, pois tais vícios prendem-se com a apreciação dos factos e não com as conclusões jurídicas.
5. Caso se entenda, no entanto, que se tratam de verdadeiros factos, no que não se concede e apenas por cautela se configura, então existe erro na apreciação da prova ou contradição insanável na fundamentação, na medida em que encontram-se em contradição com outros factos dados como provados, nomeadamente, de que a Polónia, tal como Macau, é membro da Convenção sobre o Trânsito Rodoviário e que a arguida era titular da carta de condução da Polónia, o que a tornava legalmente habilitada para conduzir em Macau nos termos do n° 1 do artigo 80° da LTR, ainda que tivesse de cumprir determinadas formalidades cuja inobservância a fazia incorrer em meras infracções administrativas.
6. É de realçar, também para efeitos de eventual erro do erro na apreciação da prova ou contradição insanável na fundamentação, que encontram-se também documentalmente provado nos autos, como de resto é afirmado na própria sentença, que a arguida já é residente permanente de Macau e já procedeu à troca da sua carta de condução por carta de Macau, nos termos do n° 1 do artigo 73° do RCE, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento Administrativo n.° 15/2007, bastando pata o efeito ter entregado os documentos aí referidos, isto é, sem ter sido submetida a novo exame. Na verdade, confrontando o verso da carta de condução emitida pelas autoridades de Macau, conclui-se que a arguida encontra-se habilitada a conduzir desde 28/11/2001, precisamente a data que consta da carta emitida na Polónia (cfr. fls. 30 a 33, 34 a 37 e 54 a 55 dos autos).
7. Assim, não poderia ter sido dado como provado que a arguida não era, à data dos factos, titular de quaisquer documentos de condução indicados no n° 1 do artigo 80° da LTR, quer porque se trata de uma conclusão jurídica antecipatória da decisão que veio a ser proferida, uma vez que é isso precisamente que se discute nos autos, quer porque tal conclusão resulta de um erro na apreciação da prova e em profunda contradição com outros factos provados, quer factos referidos na sentença, quer ,documentalmente provados, vícios que se invocam nos termos do artigo 400° do CPP e que, crê-se, devidamente apreciados, levarão à revogação da sentença em crise)
8. Dispõe o artigo 24° da Convenção sobre o Trânsito Rodoviário que cada Estado Contratante autorizará os condutores que entrem no seu território, desde que preencham as condições previstas no anexo 8, a conduzir sem novo exame, nas suas estradas, veículos automóveis de categoria ou categorias definidas nos anexos 9 e 10 para os quais lhes tenha sido passada uma licença de condução válida, depois de prestarem provas de aptidão, pela autoridade competente do outro Estado Contratante ou de uma das suas subdivisões, ou por uma associação habilitada por essa entidade.
9. Em obediência a essa Convenção, dispõe o artigo 80.°, n° 1, da LTR, que além da carta de condução emitida em Macau, habilitam ainda a conduzir em Macau, licenças internacionais de condução que a RAEM se tenha obrigado a reconhecer, por convenção ou tratado internacional (n.° 1, al. 1) e a licença de condução estrangeira a que convenções internacionais confiram validade idêntica à das licenças internacionais de condução (n.° 1, al. 2)
10. Acrescenta o n.° 4 do referido artigo 80.° da LTR que por diploma complementar pode ser estabelecido um prazo máximo de condução na RAEM com os documentos referidos nas alíneas 1) a 3) do mesmo artigo.
11. Assim, em obediência à Convenção sobre o Trânsito Rodoviário e dando execução ao artigo 80° da LTR, o RCE, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Regulamento Administrativo n.° 15/2007, veio dispor, no seu artigo 73.°, n° s 8 que o prazo máximo de condução na RAEM com os documentos referidos nas alíneas 1) a 3) do n° 1 do artigo 80° da LTR é de um ano.
12. Estipula o n° 9 do mesmo artigo 73° do RCE que é punido com multa de 1500,00 patacas quem conduzir na RAEM com os documentos e fora do prazo referidos no número 8, isto é, para além do prazo de um ano.
13. Acresce que o n° 1 do artigo 73° do RCE que as licenças de condução emitidas a residentes da RAEM pelas partes aderentes à Convenção sobre o Trânsito Rodoviário podem, no prazo máximo de 1 ano contado da data daquela fixação de residência ou da primeira entrada na RAEM depois de obtido o respectivo documento, ser trocadas por licença emitida pela DSAT com dispensa de exame.
14. Resulta de todos os preceitos supra citados que os titulares de licença de condução emitida pelos países partes da Convenção Sobre o Trânsito Rodoviário podem conduzir em Macau durante um ano, sem prejuízo da necessidade de registo, após o qual, os que forem residentes de Macau devem proceder à troca da sua carta estrangeira pela de Macau.
15. Foi o que foi que aconteceu com a arguida que, conforme resulta dos autos e da própria sentença, já fez a troca da carta e é hoje portadora da carta de condução emitida pelas autoridades da RAEM, sendo a data da habilitação de condução 28/11/2001, precisamente a data que consta da carta emitida na Polónia (cfr. fls. 30 a 33,34 a 37 e 54 a 55 dos autos).
16. Resulta também dos preceitos citados que os portadores de licença de condução emitidas pelos países subscritores da Convenção sobre Transito Rodoviário que conduzam em Macau para além de um ano (sem efectuarem a troca), cometem a infracção administrativa prevista e punida nos termos dos referidos n°s. 8 e 9 do artigo 73° do RCE, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento Administrativo 15/2007, lidos conjugadamente com o n° 4 do artigo 80 da L TR, isto é condução com carta estrangeira para além do prazo de 1 ano.
17. O supra exposto, resulta das normas citadas e, bem assim, do artigo 149° da L TR, que atribui ao Chefe do Executivo a competência para aprovar diplomas .complementares à Lei, incluindo o respectivo regime sancionatório.
18. Ou seja, no artigo 80°, no. 4, a LTR deixou que fosse diploma complementar a definir os prazos durante os quais os titulares de carta de condução emitidos por países membros da Convenção poderiam conduzir sem qualquer formalidade adicional, definir as formalidades necessárias após um certo período e definir o regime sancionatório para a violação dessas formalidades.
19. E, a penalização definida para os titulares de carta de condução emitidos por países membros da Convenção que ultrapassem os prazos previstos sem proceder as formalidades definidas no RCE, para o que ao caso interessa, condução para além do prazo de um ano, é uma infracção administrativa punida com multa de MOP$1500, infracção que a arguida cometeu.
20. O supra exposto é, com todo o respeito por opinião diversa, também a única interpretação correcta da lei, tendo em conta a regra interpretativa das normas jurídicas em geral consagrada no artigo 8°, no 3, do Código Civil, segundo a qual, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
21. Com efeito, se fosse intenção do legislador que os titulares de carta de condução emitida pelos países subscritores da Convenção que conduzissem em Macau passado um ano fossem considerados como conduzindo sem carta, não criaria, como criou, uma infracção específica para o efeito.
22. Por outro lado, se a lei não exige um novo exame, mas apenas alguns documentos e uma prova de aptidão, para a troca de carta, também faz sentido que a condução sem a troca de carta não tenha a mesma punição que uma condução sem carta.
23. Mais, o legislador até iliba o condutor com carta emitida por país membro da Convenção da penalização, mesmo em caso de ultrapassagem do prazo de um ano se, à data da infracção, o condutor tiver dado início ao processo de troca de carta ou, prove ter permanecido no exterior de Macau durante 3 meses nos últimos 6 meses.
24. Ou seja, tudo aponta no sentido de que o legislador não quis equiparar e aplicar a mesma penalização a um condutor habilitado a conduzir por um país membro da convenção, ainda que ultrapassado o prazo de um ano, a um condutor não habilitado de todo, o que, também sob o ponto de vista do bom senso, faz todo o sentido.
25. Conclui-se pois que a infracção cometida pela arguida é unicamente a infracção administrativa prevista e punida nos supra referidos n°s. 8 e 9 do artigo 73° do RCE, na versão que lhe foi dada pelo Regulamento Administrativo 15/2007, lidos conjugadamente com o n° 4 do artigo 80 da L TR, isto é condução com carta estrangeira para além do prazo de 1 ano e não a contravenção pela qual foi condenada, prevista e punida nos n°s. 1 do artigo 75° e 2 do artigo 95°, condução sem habilitação, agravada pela reincidência.
26. O entendimento expresso supra, e que se crê correcto, é o entendimento do que tem vindo a ser aplicado pelo CPSP na fiscalização e autuação dos condutores em Macau e resulta ser o do Tribunal a quo, mas apenas no que se refere aos países elencados na lista de fls. 61, que o CPSP enviou aos autos, por solicitação do Tribunal. E não constando a Polónia dessa lista, o tribunal condenou a arguida.
27.Acontece que a lista em causa é uma circular ou ordem interna, elaborada pelos Serviços de Viação e Transportes dos Institutos para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), um serviço que deixou de existir desde 2008 com a criação da DSAT pelo Regulamento Administrativo n°. 3/2008, de 18 de Fevereiro.
28. Por outro lado, a lista não indica quando terá sido elaborada nem a sua sustentação legal.
29. Obviamente que uma circular interna, sobretudo sem indicação da sua base legal, não pode jamais sobrepor-se às leis, regulamentos e, muito menos, a uma convenção internacional do qual Macau faz parte.
30. Nada na LTR ou no RCE, ou qualquer outro regulamento que se conheça, dispõe que os condutores com licença da Polónia precisam de uma licença internacional para conduzirem em Macau, não obstante este país ser membro da Convenção, com base na possibilidade deixada aos Estados nos termos do artigo 24° no. 2 da Convenção.
31. Por outro lado, não existe qualquer indício de que a Polónia pudesse ter sido alvo dessa exigência já que nesse país é requerido um exame para a habilitação de condução e o modelo de carta de condução da Polónia é muito semelhante ao de Macau (Vide fls. 30 a 33, 34 a 37 e 54 e 55 dos autos)
32. Acontece ainda que, conforme foi alegado pela defesa, na página oficial da DSAT - entidade, desde 2008, responsável pelas politicas do Tráfego Rodoviário, incluindo licenciamento para condução - encontra-se elencado os países membros da Convenção sobre o Trânsito Rodoviário e não faz qualquer distinção entre esses países.
33. Ao que se saiba não existe com Portugal, um dos! países constantes da lista, qualquer acordo bilateral de trânsito, e muito menos, com países, cuja relação com Macau é reduzida como, por exemplo, Liechtenstein, Luxemburgo, Nova Zelândia ou Qatar, outros países que também constam da lista enviada pelo CPSP e na qual o tribunal se baseou para justificar a condenação da arguida.
34. De resto, foi com base na lista dos países membros da Convenção e que se encontra publicada na página oficial da DSAT que esta direcção de serviços aceitou trocar a carta de condução da arguida emitida na Polónia por carta de condução de Macau, com a data de início da habilitação de condução que consta da carta polaca, nos termos do artigo 73°, no 1 da LTR.
35. Assim, a lista que o CPSP enviou aos autos e que sustenta a acusação e condenação da arguida é um mero documento interno dos extintos Serviços de Trânsito da IACM, ao que se sabe, sem qualquer suporte legal de direito interno ou internacional e, ao que parece, desactualizada, conforme, de resto, resulta claro do facto de fazer referência a um Código de Estrada já revogado e de ter sido fornecida por um serviço extinto há mais de cinco anos.
36. O próprio CPSP tem no seu site uma lista de legislação relacionada com o trânsito em Macau da qual consta a Convenção (que traz no final os países signatários) mas não faz qualquer referência a existência de outras convenções internacionais ou pactos bilaterais com os países constantes da lista enviada ou actos legislativos internos de valor igualou superior à LTR, ao RCE ou à Convenção que sustente o tratamento diverso dispensado a certos países membros da Convenção.
37. Em última análise a aplicação da lei pertence aos tribunais e não a qualquer serviço ou entidade.
38. Assim, ainda que se aceite que o Tribunal, não sendo omnisciente, consulte os serviços competentes para obter informações, tais informações não podem ser aceites acriticamente, sem a análise da sua validade perante as leis em vigor, incluindo tratados internacionais.
39. No caso em apreço, o Tribunal condena a arguida apenas com base numa lista interna, que lhe foi fornecida pelo CPSP, elaborada por uns serviços extintos, sem indicação da base legal dessa lista.
40. O tribunal, confrontado pela defesa com a falta de fundamento legal de tal lista, limitou-se a considerá-la a única valida, sustentando nela a condenação, presumindo, sem qualquer sustentação que, se a mesma é utilizada pela PSP é porque se encontra baseada em acordos de reciprocidade com os países em causa. Porém não existe qualquer notícia sobre tais acordos ou actos legislativos internos que a sustentam.
41. Tal decisão é tanto mais incompreensível, com todo o respeito, porquanto é o próprio tribunal, mais uma vez confiando apenas no CPSP, que afirma que é referido na página oficial da PSP que os portadores de cartas de condução ou de licenças internacionais emitidas por países e regiões que fazem parte da Convenção sobre o Trânsito Rodoviário devem registar-se para continuar a conduzir em Macau.
42. Tal afirmação, que é correcta, confirma o entendimento da arguida e supra expresso de que (1) os titulares de carta de condução emitida pelos países membros da Convenção podem conduzir em Macau ainda que, passados 14 dias, tenham que se registar junto do Corpo da PSP sob pena de incorrerem na infracção administrativa p.p. no artigo 73°, no 11 e 12 do Regulamento do Código de Estrada; (2) que dentro do prazo de um ano aqueles que forem residentes de Macau devem proceder à troca da sua carta por uma local sob pena de incorrerem na infracção administrativa p.p. nos nos 8 e 9 da LTR.
43. Ou seja, o CPSP, parece estar a ter uma actuação incoerente e o Tribunal, seguindo cegamente o CPSP, condena a arguida, também com base numa interpretação incoerente das leis e convenções em vigor em Macau.
44. Ao contrário do afirmado pelo tribunal, em parte alguma a lei fala na necessidade de um procedimento de reconhecimento das cartas emitidas pelos países membros da Convenção, até porque isto constituiria uma violação da Convenção a que validamente Macau se obrigou e que facilita a vida dos residentes de Macau quando estes, de férias ou em negócios, pretendam conduzir no estrangeiro. A lei apenas exige um registo, passados 14 dias e, para os residentes, a troca da carta, passado um ano. Mas repete-se, como decorre da lei, a falta desse registo e da troca da carta constituem infracções administrativas e não a contravenção de falta de habilitação para condução.
45. Não existe qualquer paralelismo entre o reconhecimento de uma carta de condução e o reconhecimento de sentença estrangeira porque a carta e condução em Macau não resulta de duma decisão judicial e ao que se saiba, isso também não acontece em' nenhuma parte do mundo.
46. Mas, mesmo que houvesse semelhanças, tal como pode acontecer com sentenças estrangeiras, no caso, existe uma convenção internacional que permite que um habilitado a conduzir em Macau possa conduzir noutro país ou território membro da convenção sem nova habilitação assim como um habilitado num país ou território membro possa conduzir em Macau sem nova habilitação, ainda que tenha que obedecer a certas formalidades cuja violação é administrativamente punida.
47. Contrariamente ao afirmado pelo tribunal, no caso presente não estamos perante qualquer concurso real ou aparente entre a infracção prevista no artigo 73°, n°s 8 e 9 do RCE e o artigo 79° no 1 da LTR, em que esta última consome a primeira.
48. Tratam-se de duas punições distintas e que visam tutelar bens jurídicos completamente diferente. O artigo 79° refere-se à falta de habilitação para condução, que constitui uma contravenção devida à sua gravidade e o perigo que isso pode representar para o trânsito rodoviário. O artigo 73°, nos 8 e 9, assim como os nos. 11 e 12, visa tutelar o cumprimento de determinadas formalidades administrativas pelo que a sua violação é apenas punida administrativamente.
49. O Regulamento de Trânsito é um regulamento dependente, complementar ou de execução da LTR. Assim, é a própria LTR que remete para o Regulamento a regulamentação mais específica de certas matérias, incluindo o respectivo regime sancionatório, como refere o artigo 149° do Código de Estrada.
50. Para o que ao caso interessa é o no. 4 do artigo 80 que remete para o Regulamento a possibilidade de consagração de um prazo máximo de condução com os documentos emitidos por entidades estrangeiras, cabendo ao mesmo regulamento, nos termos do artigo 149°, definir o regime sancionatório para o incumprimento dos prazos que estabelece.
51.Assim, em obediência e em complementaridade com o disposto no artigo 80° e 149° da LTR, o Regulamento veio dispor, nos nOs 8 e 9 do artigo 73°, que o prazo de condução por carta estrangeira é de um ano, e que caso este prazo seja ultrapassado, o infractor incorre numa infracção administrativa punida com uma multa de MOP$1500.
52. Por todo o exposto, ao decidir como decidiu, condenado a arguida na contravenção de condução sem habilitação, agravada pela reincidência, baseando-se apenas numa lista usada pelo CPSP sem qualquer sustentação legal, a sentença ora em crise violou, de forma flagrante, o disposto no artigo 24° da Convenção de Trânsito Rodoviário, os artigos 79° , 80°, 95° e 149° da LTR e bem assim, os nos. 8 e 9 do artigo 73° do Regulamento de Trânsito”; (cfr., fls. 113 a 145-v).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 149 a 152-v).

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:

“Compulsando os autos, somos de opinião de que a razão está ao lado do Mma. Juiz que entendeu pela procedência da acusação, ou seja, pela verificação da contravenção prevista no art° 79, n° 1 da L.T.R.
Em primeiro lugar, afigura-se-nos que a tese da recorrente partiu-se do pressuposto errado, no sentido de considerar que logo aderido à Convenção Internacional sobre a trânsito rodoviário, a R.A.E.M. fica obrigado de consentir todos os condutores de outro Estado contratante de conduzir no seu território sem qualquer limitação.
Para nós, a realidade é outra.
Com efeito, basta reparar bem o art° 24 da Convenção, especialmente a articulação entre o n° 1 e o n° 2 desta norma, fica claro para qualquer intérprete que no n o 1 se estabeleceu um princípio geral de autorização de condução para condutores de outro Estado Contratante, desde que se observem a idade mínima de 18 anos de idade, conforme se prescreve no anexo 8 da Convenção.
Contudo, a Convenção deixou margem para os Estados Contratantes em regulamentar outros requisitos necessários, de carácter formal (obtenção de licença internacional de condução), para que se produza efeito jurídico que a norma visava.
Ou seja, caso este requisito formal não seja satisfeito, o Estado Contratante pode não "reconhecer" a validade da licença de condução de outro Estado Contratante, e consequentemente, considerar o condutor estrangeiro como não habilitado segundo a sua ordem jurídica interna.
É exactamente o que se passou no caso em apreço, a recorrente, à data dos factos, não era titular de licença de condução internacional, pelo que não se pode beneficiar o direito concedido pela Convenção de conduzir na R.A.E.M.
Por outro lado, a situação da recorrente também não se enquadra na 2) e 3) do n° 1 do art° 80 da L.T.R., pelo simples facto de que se desconhece qualquer Convenção Internacional onde se confirma ou se equipara a validade de licença de condução de Polónia à da licença internacional, ou qualquer acordo bilateral celebrado entre a R.A. E. M. e a Polónia sobre o reconhecimento mútuo da licença de condução emitida pelas ambas as partes.
Pelo que a norma aplicável no caso para auferir a verificação ou não da contravenção reside-se na 1) do n° 1 do art° 80 da L.T.R.
E com tudo acima ficou dito, é manifesto que a recorrente deve ser considerada como não habilitada de conduzir em Macau à data dos factos.
*****
Outra questão levantada pela recorrente tem a ver com a disposição constante no art° 73, n° 9 do R.C.E., na versão dada pelo Regulamento Administrativo n° 15/2007, entendia a recorrente que a sua conduta só preenche a infracção administrativa acima referida e não uma contravenção de "condução sem carta".
Nesta sede, a nossa colega já disse muito bem na sua resposta em indicar que a tal infracção administrativa pressupõe que o infractor já era titular da licença de condução internacional, isto é, só pune o condutor que seja titular de licença de condução internacional e que se conduza na R.A.E.M. mais que um ano nesta situação.
E no que se concerne ao presente caso, a cena é totalmente diferente, a recorrente não reunia condições necessárias para que se considere, segunda a ordem jurídica interna, como pessoa habilitada em conduzir na R.A.E.M. precisamente por falta de porte de licença de condução internacional.
Concluindo, pensamos que a sentença ora posta em crise não padece de nenhum vício de direito, pelo que se deve julgar improcedente o recurso e mantendo a decisão condenatória.
Eis o nosso parecer”; (cfr., fls. 161 a 162).

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Merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 72-v a 73, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a arguida dos autos recorrer da sentença que a condenou como autora de uma contravenção, p. e p. pelos art°s 95°, n.° 2 e 79°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007, (“reincidência na condução sem carta”), na multa de MOP$20.000,00 ou 1 mês de prisão subsidiária.

Da leitura do que expôs na sua motivação e conclusões de recurso – que, como sabido é, delimitam o objecto do recurso – constata-se que suscita a ora recorrente as questões seguintes:
- “erro notório na apreciação da prova” e “contradição insanável na fundamentação”; e,
- “erro na interpretação e aplicação da Lei”.

Vejamos então se lhe assiste razão.

–– Quanto aos “vícios da decisão da matéria de facto”.

Começa a recorrente por dizer que:
“Dos factos dados como provados na sentença, são relevantes os seguintes:
a. Que em 25 de Abril de 2013 pelas 16:25 a arguida conduzia um autómovel com a matrícula n°. MN-XX-XX, na Rua do Porto;
b. Na altura a arguida era apenas titular de carta de condução emitida na Polónia;
c. Que arguida já havia pago, de forma voluntária, uma multa por alegada contravenção por condução sem carta cometida em 29/05/2012 previsto e punido pelo no. 1 do artigo 79° no.1 do artigo 95°, ambos da LTR.
d) Que a Polónia, tal como Macau, é parte na Convenção sobre o Trânsito Rodoviário”; e que,
“Os restantes factos elencados na sentença, como, por exemplo, que Macau e Polónia não celebraram acordo de reciprocidade em matéria de condução que permite aos titulares de licença da Polónia conduzir em Macau, ou que a arguida não era, à data dos factos, titular de quaisquer documentos de condução indicados no n°1 do artigo 80° da LTR, não são obviamente factos mas sim conclusões jurídicas. Na verdade, tratam-se de verdadeiras decisões antecipatórias daquilo que viria ser decidido a final, com todo o respeito, erradamente”.
Daí conclui padecer a decisão recorrida dos assinalados vícios de “erro” e “contradição”; (cfr., concls. 2 a 4).

Eis o que sobre o assim alegado se nos mostra de consignar.

No que toca ao “acordo de reciprocidade”, cremos que censura não merece o decidido.

Com efeito a “existência ou inexistência” de tal acordo não deixa de ser um “facto”, e, como tal, (sendo até, relevante para a decisão de direito), evidente é que não se pode reconhecer razão à ora recorrente.

Já quanto a ser ou não a mesma “titular de documentos (…) indicados no art. 80°, n.° 1 da L.T.R.”, e tendo-se presente a “contravenção” que lhe era imputada, de “condução sem habilitação”, cremos que se impõe reconhecer que é tal matéria “conclusiva”, adequada não sendo a sua inclusão em sede de “decisão da matéria de facto”, havendo que a ter assim como “não escrita”; (cfr., v.g., Ac. do T.U.I. de 09.07.2003, Proc. n.° 11/2003, e Acs. do T.S.I.; de 24.11.2011, Proc. n.° 589/2011 e de 23.07.2013, Proc. n.° 273/2013).

Diz igualmente a recorrente que:
“É de realçar, também para efeitos de eventual erro do erro na apreciação da prova ou contradição insanável na fundamentação, que encontram-se também documentalmente provado nos autos, como de resto é afirmado na própria sentença, que a arguida já é residente permanente de Macau, nos termos do n° 1 do artigo 73° do RCE, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento Administrativo n.° 15/2007, bastando para o efeito ter entregado os documentos aí referidos, isto é, sem ter sido submetida a novo exame. Na verdade, confrontando o verso da carta de condução emitida pelas autoridades de Macau, conclui-se que a arguida encontra-se habilitada a conduzir desde 28/11/2001, precisamente a data que consta da carta emitida na Polónia (cfr. fls. 30 a 33, 34 a 37 e 54 a 55 dos autos).
Assim, não poderia ter sido dado como provado que a arguida não era, à data dos factos, titular de quaisquer documentos de condução indicados no n° 1 do artigo 80° da LTR, quer porque se trata de uma conclusão jurídica antecipatória da decisão que veio a ser proferida, uma vez que é isso precisamente que se discute nos autos, quer porque tal conclusão resulta de um erro na apreciação da prova e em profunda contradição com outros factos provados, quer factos referidos na sentença, quer documentalmente provados, vícios que se invocam nos termos do artigo 400° do CPP e que, crê-se, devidamente apreciados, levarão à revogação da sentença em crise”; (cfr., concl. 6 e 7).

Ora, no que tange ao assim alegado, atento também ao que dos autos consta, e ainda que se nos mostre que o vício em questão seja o de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, cremos que adequado é consignar-se que se devia considerar como “matéria de facto dada como provada” que a dita recorrente é “titular do B.I.R.N.P. n.° 1433049(2), emitido em 13.10.2011”, pois que assim consta de “documento oficial” (original) junto aos autos; (cfr., v.g., fls. 4 a 9-v), sendo também nestes termos que foi a mesma identificada em sede de audiência de julgamento; (cfr., fls. 50-v).

Admite-se, outrossim, que se possa (eventualmente) considerar de interesse a matéria no sentido de que “em 18.06.2013, a recorrente requereu junto da D.S.A.T. a troca da sua carta de condução da Polónia por uma de Macau”, e que, “em 16.10.2013, emitiu-lhe a mesma D.S.A.T. a Carta de Condução de Macau n.° XXXX, na qual consta como data da sua validade a de 18.11.20XX”.

Porém, estando a mencionada “Carta de condução n.° XXXX” documentada por mera fotocópia, inviável é a este T.S.I. considerar tal matéria como assente.

Poder-se-ia, assim, avançar para a consideração de que, nesta parte, incorreu o T.J.B. em “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.

Todavia, (e como oportunamente se explicitará), cremos que mesmo sem a inclusão de tal factualidade se pode chegar a uma (boa) solução de direito.

–– Passa-se então para o assacado “erro de direito”.

Pois bem, como se viu, tendo-se considerado que – pela 2ª vez – conduziu a ora recorrente veículo automóvel sem que para tal estivesse habilitada, foi a mesma condenada pela prática de uma contravenção p. e p. pelo art. 95°, n.° 2 e 79°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007 (também apelidada de “Lei do Trânsito Rodoviário”).

Nos termos do referido art. 95°:

“1. Quem conduzir veículo a motor ou máquina industrial na via pública sem estar habilitado para o efeito é punido com pena de multa de 5 000,00 a 25 000,00 patacas.
2. A reincidência é punida com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa de 10 000,00 a 50 000,00 patacas”.

Por sua vez, visto está – pois que nem a recorrente nega – que no dia 25.04.2013, foi a mesma surpreendida a conduzir o veículo automóvel MN-XX-XX na via pública, apresentando (apenas) como documento comprovativo da sua habilitação para tal a sua “carta de condução da Polónia”.

Dúvidas não parecendo haver que tanto a Polónia, como Macau, são “partes” da “Convenção sobre o Trânsito Rodoviário de 19.09.1949”, (pois que assim está também dado como provado), quid iuris?

Pois bem, prescreve o art. 24° da referida “Convenção” que:

“1. Cada Estado Contratante autorizará os condutores que entrem no seu território, desde que preencham as condições previstas no anexo 8, a conduzir sem novo exame, nas suas estradas, veículos automóveis de categoria ou categorias definidas nos anexos 9 e 10 para os quais lhes tenha sido passada uma licença de condução válida, depois de prestarem provas de aptidão, pela autoridade competente de outro Estado Contratante ou de uma das suas subdivisões, ou por uma associação habilitada por essa autoridade.
2. Todavia, um Estado Contratante poderá exigir a um condutor que entre no seu território que seja portador de uma licença internacional de condução conforme com o modelo contido no anexo 10, em particular quando se tratar de um condutor proveniente de um país onde não se exija uma licença nacional de condução ou onde a licença nacional não se ajuste ao modelo contido no anexo 9.
3. A licença internacional de condução será passada pela autoridade competente de um Estado Contratante ou de uma das suas subdivisões, ou por uma associação habilitada por essa autoridade, sob o selo ou timbre dessa autoridade ou dessa associação, depois de o condutor ter prestado provas da sua aptidão. Essa licença permite conduzir, sem novo o exame e em todos os Estados Contratantes, os veículos automóveis compreendidos nas categorias para as quais tiver sido passada.
4. Poderá recusar-se o direito de utilizar licenças de condução, tanto nacionais como internacionais, se for evidente que já não são preenchidas as condições prescritas para a sua concessão.
5. Um Estado Contratante ou uma das suas subdivisões só poderá retirar o direito de utilizar qualquer das licenças mencionadas acima a um condutor se este cometer uma infracção à regulamentação nacional em matéria de trânsito susceptível de implicar a retirada da licença em virtude da legislação do referido Estudo Contratante. Em tal caso, o Estado Contratante ou a sua subdivisão que retirou o uso da licença de condução poderá apreender a licença e retê-la em seu poder até expirar o prazo durante o qual a utilização da referida licença não é permitida ao condutor, ou até ao momento de o condutor sair do território do referido Estado Contratante, se a sua partida for anterior ao termo do mencionado prazo. O Estado ou a sua subdivisão poderá mencionar na licença a proibição de utilização e poderá comunicar o nome e o endereço do condutor à autoridade que concedeu a licença de condução.
6. Durante um período de cinco anos, a partir da entrada em vigor da presente Convenção, considerar-se-á que satisfaz as condições previstas no presente artigo qualquer condutor admitido ao trânsito internacional em virtude das disposições da Convenção internacional relativa ao trânsito automóvel, assinada em Paris, a 24 de Abril de 1926, ou da Convenção sobre a regulamentação do trânsito automóvel interamericano, aberto à assinatura em Washington, a 15 de Dezembro de 1943, e que seja possuidor dos documentos exigidos pelas mencionadas Convenções”; (sub. nosso).

Ou seja, com o estatuído no n.° 1 do transcrito comando, estabeleceu-se, (em síntese), como princípio geral, a validade entre as partes signatárias da “Convenção” das suas cartas de condução.

O “anexo 8”, prevê que a idade mínima para a condução de 1 veículo automóvel seja, (nas condições do art. 24°), a de 18 anos, o “anexo 9” estabelece o modelo de licença de condução, e o “anexo 10” define o modelo de licença internacional de condução.

Contudo, não se pode olvidar que no n.° 2 do mencionado art. 24°, ressalvou-se também a possibilidade de, ainda assim, as partes signatárias da “Convenção” poderem exigir uma “licença internacional de condução”, (não estando assim num “estado de sujeição”, em que teriam de aceitar, sempre, toda e qualquer licença de condução da outra parte).

Não sendo a carta de condução da ora recorrente uma “licença internacional”, mas sim uma “carta de condução da Polónia”, desde logo se vê que, nesta parte, censura não merece a decisão recorrida; (atento o n.° 2 do art. 24°).

Continuemos.

Estatuindo (expressamente) sobre a matéria da “Habilitação para conduzir” prescreve o art. 79° da Lei do Trânsito Rodoviário que:

“1. Só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito, nos termos definidos em diploma complementar.
2. O documento que titula a habilitação para conduzir veículos a motor denomina-se carta de condução.
3. Os instruendos ou os examinandos, quando acompanhados respectivamente dos instrutores ou dos examinadores, podem conduzir, nas vias públicas autorizadas para o efeito, desde que sejam titulares de uma licença de aprendizagem válida.
4. Aquando da condução, o condutor deve ser sempre portador da respectiva carta de condução válida ou de documento equivalente que a substitua provisoriamente, ou nos casos previstos no número anterior, de licença de aprendizagem válida.
5. Quando o condutor exiba o bilhete de identidade de residente da RAEM, o qual contenha os dados constantes da respectiva carta de condução, não se aplica o disposto no número anterior.
6. É punido com multa de 300,00 patacas quem infringir o disposto no n.º 4”; (sub. nosso).

E, em conformidade com o assim consagrado, em especial, no n.° 1, quanto ao “diploma complementar”, importa atentar no estatuído no (agora apelidado de) “Regulamento do Trânsito Rodoviário” (antes chamado de “Regulamento do Código da Estrada”, e que foi objecto de alteração com o Regulamento Administrativo n.° 15/2007), nomeadamente, nos art°s 59° e seguintes, onde se regulam, (v.g.), as categorias de veículos que as cartas de condução permitem aos seus titulares conduzir, (art. 59°), as condições para a sua obtenção assim como a entidade competente para a sua emissão, (art. 60° e 70°), as licenças estrangeiras, (art. 73°), e sobre a validade das cartas de condução, (art. 74°).

Assente estando que a arguida foi surpreendida a conduzir com uma “carta de condução da Polónia”, (isto é, uma “licença estrangeira”), importa atentar no que em relação a estas “licenças estrangeiras” estatui o art. 73° do atrás referido Regulamento, onde se prescreve que:

“1. As licenças de condução emitidas a residentes da RAEM pelas partes aderentes à Convenção sobre o Trânsito Rodoviário ou por país ou região onde os residentes da RAEM titulares de carta de condução possam também conduzir em regime de reciprocidade, bem como as licenças de condução obtidas no estrangeiro por residentes da RAEM, com excepção das licenças internacionais de condução, podem, no prazo de 1 ano contado da data da fixação daquela residência ou da primeira entrada na RAEM depois de obtido o respectivo documento, ser trocadas por carta de condução emitida pelo IACM, com dispensa de exame, mediante:
 a) entrega de cópia autenticada do título estrangeiro de que são portadores ou do seu original, quando tal for exigido pela entidade emissora do mesmo; e
 b) preenchimento dos requisitos referidos no artigo 60.º do presente regulamento e no n.º 1 do artigo 81.º da Lei n.º 3/2007.
2. Para pedir a troca, os titulares devem declarar no requerimento que as licenças de condução são autênticas e se encontram dentro do prazo de validade, e que não se encontram interditados de conduzir, comprovando ainda a sua robustez psico-física e apresentando documento comprovativo de residência no local de emissão da licença por período não inferior a 6 meses, o qual pode ser dispensado pela entidade competente a pedido do interessado com os devidos fundamentos.
3. Suscitando-se dúvidas, quer quanto à autenticidade dos títulos apresentados para a troca, quer quanto aos seus averbamentos, deverá o titular apresentar as provas adicionais que lhe forem exigidas pelo Leal Senado de Macau, o qual pode recusar a troca, propondo a submissão do interessado à prestação de novo exame de condução, nos termos do artigo 52.º do Código da Estrada.
4. Não se encontrando as licenças redigidas em português, chinês, francês ou inglês, será junta tradução oficial em português ou chinês.
5. Os títulos originais objecto de troca são remetidos pelo Leal Senado de Macau à entidade emissora, com o pedido de que informe no caso de se verificar não serem autênticos ou terem sido obtidos ilegalmente.
6. Será averbada na carta de condução a categoria de condutor profissional, desde que a mesma conste da licença trocada ou o titular apresente documentação comprovativa do exercício de profissão de motorista no país que emitiu a licença de condução.
7. A troca pode ser recusada quando a licença estrangeira não tenha sido obtida mediante aprovação em exame ou este tenha correspondido a um grau de exigência, quanto à aptidão do candidato, inferior ao previsto na legislação vigente em Macau.
8. O prazo máximo de condução na RAEM com os documentos referidos nas alíneas 1) a 3) do n.º 1 do artigo 80.º da Lei n.º 3/2007 é de 1 ano.
9. É punido com multa de 1 500,00 patacas quem conduzir na RAEM com os documentos e fora do prazo referidos no número anterior.
10. O disposto no número anterior não se aplica:
 a) aos condutores que tenham pedido junto da entidade competente a obtenção de carta de condução da RAEM, por troca nos termos deste artigo, até à data de notificação da respectiva decisão em caso de indeferimento do pedido ou até à emissão da carta de condução da RAEM;
 b) aos condutores que comprovem ter permanecido no exterior da RAEM, de forma contínua, por período não inferior a 3 meses nos últimos 6 meses.
11. Os titulares de licenças de condução emitidas por outros países ou regiões quando haja reciprocidade de tratamento em relação às emitidas na RAEM e seja exigido o registo, devem proceder ao mesmo junto do CPSP, quando permaneçam na RAEM há mais de 14 dias e aqui pretendam conduzir decorrido esse período.
12. É punido com multa de 300,00 patacas quem infringir o disposto no número anterior”; (sub. nosso).

Nesta conformidade, impõe-se também aqui concluir que carece a recorrente de razão.

Com efeito, o estatuído nos n°s 1 a 7 do dito art. 73° diz apenas respeito à possibilidade de “troca” de “licenças estrangeiras” por “carta de condução a emitir pelas autoridades da R.A.E.M.”.

E o estatuído no n.° 8 – onde se prescreve que “o prazo máximo de condução na RAEM com os documentos referidos nas alíneas 1) a 3) do n.º 1 do artigo 80.º da Lei n.º 3/2007 é de 1 ano” – diz (também e) tão só respeito aos “documentos referidos nas alíneas 1) a 3) do n.° 1 do art. 80° da Lei do Trânsito Rodoviário”, onde se preceitua que:

“1. Além dos documentos referidos no artigo anterior, habilitam ainda a conduzir veículos a motor da categoria correspondente os seguintes documentos:
 1) Licenças internacionais de condução que a RAEM se tenha obrigado a reconhecer, por convenção ou tratado internacional;
 2) Licença de condução estrangeira a que convenções internacionais confiram validade idêntica à das licenças internacionais de condução referidas na alínea anterior;
 3) Licença de condução emitida por outros países ou regiões quando haja reciprocidade de tratamento em relação às emitidas na RAEM;
 4) Licença de condução emitida pelo Interior da China e por outros países ou regiões, quando não haja reciprocidade de tratamento em relação às emitidas na RAEM mas o seu titular seja aprovado em exame especial de condução a definir por despacho do Chefe do Executivo publicado no Boletim Oficial da RAEM, o qual estabelece igualmente o modelo e a validade do documento comprovativo de aprovação nesse exame;
 5) Licenças de condução diplomáticas;
 6) Licenças de condução especiais;
 7) Licenças de aprendizagem, após a aprovação na prova prática do exame de condução, desde que validadas pela entidade emissora, e até à sua substituição pela carta de condução da RAEM.
2. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os titulares das licenças previstas nas alíneas 1) e 2) do número anterior, quando permaneçam na RAEM há mais de 14 dias e pretendam conduzir na RAEM depois de decorrido este período, devem proceder ao respectivo registo no CPSP ou junto de outra entidade a indicar por diploma complementar.
3. Caso exista reciprocidade de tratamento entre os países ou territórios emissores das licenças de condução estrangeiras e a RAEM, aos titulares das licenças referidas na alínea 2) do n.º 1 pode ser dispensado o referido registo, quando esta dispensa esteja prevista no respectivo regime de reciprocidade.
4. Por diploma complementar pode ser estabelecido um prazo máximo de condução na RAEM com os documentos referidos nas alíneas 1) a 3) do n.º 1”; (sub. nosso).

Ora, não sendo a licença de condução da ora recorrente nenhuma das referidas nas aludidas “alíneas 1) a 3) do n.° 1 do art. 80°”, pois que não é uma “licença internacional”, não sendo também uma “licença estrangeira com validade idêntica às licenças internacionais” e não constituindo igualmente uma “licença em relação à qual existe reciprocidade de tratamento”, – já que, tanto quanto julgamos saber, inexiste “acordo” no qual a R.A.E.M. seja parte e em que se reconhece às licenças da Polónia “validade idêntica às licenças internacionais” ou “reciprocidade de tratamento”, certo sendo também que nem a recorrente os identifica – evidente se nos mostra que, também aqui, não tem a mesma recorrente razão, em causa não estando a alegada “infracção administrativa”, punida nos termos do n.° 9 do art. 73° do R.T.R..

E, assim, não sendo a carta de condução da qual é a recorrente titular, documento que a habilitava a conduzir em Macau, bem andou o Tribunal a quo na decisão condenatória proferida que por isso se confirma.

Outra, poderia (eventualmente) ser a solução se, nas ditas alíneas do art. 80° – como parece suceder com o art. 125°, n.° 1, al. d) do Cód. da Estrada português – se incluíssem as “licenças de condução estrangeiras que a R.A.E.M. se tenha obrigado a reconhecer por convenção ou tratado internacional”; (cfr., v.g., o Ac. da Rel. Lisboa, de 10.05.2011, Proc. n.° 50/07, in “www.dgsi.pt”).

*

Por fim, uma última nota, para dizer apenas que ainda que provado estivesse que em 16.10.2013 à recorrente tinha sido emitida a carta de condução de Macau, por troca da sua carta da Polónia, a mesma seria a solução.

É que a “infracção” dos autos foi cometida em 25.04.2013, e o próprio pedido de troca da licença apenas foi apresentado em 16.06.2013, não se vislumbrando como considerar a (alegada) posterior emissão da carta de Macau como causa ou razão justificativa daquela, (nomeadamente, como causa que exclui a ilicitude e a culpa da recorrente, nos termos dos art°s 30° e segs. do C.P.M.).

Tudo visto, resta decidir.


Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se tentaram deixar expostos, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará a recorrente a taxa de justiça de 6 UCs.

Macau, aos 20 de Fevereiro de 2014
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 782/2013 Pág. 44

Proc. 782/2013 Pág. 43