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Processo nº 380/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 23 de Janeiro de 2014
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio

SUMÁRIO:

I- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II- Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

III- É de confirmar a decisão do Tribunal competente segundo a lei da Austrália que decreta o divórcio entre os cônjuges, desde que não se vislumbre qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública da RAEM ou qualquer obstáculo à sua revisão.















Proc. nº 380/2013
(Revisão de sentença)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I -Relatório
B, divorciada, de nacionalidade chinesa, titular do B.I.R.P.M. n.º XXXXXXX(X), residente em Macau, na Rua ……, …… Garden, Bloco …, ….º …, veio requerer, a REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA que dissolveu o seu casamento com C, também de nacionalidade chinesa, tendo como última morada conhecida na Austrália, …/… …… … ……. Vic 3148, o que fez nos termos e com os fundamentos seguintes:

Requerente e requerido casaram em 25 de Julho de 1979, em Hong Kong, tudo nos termos da certidão que se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais (cfr. Doc. n.º 1).
Contudo,

Por sentença proferida em 27 de Junho de 2011, pelo Tribunal Federal de Melbourne, Austrália, foi este casamento dissolvido, por divórcio, tudo nos termos da certidão que se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais (cfr. Doc. n.º 2).

Aquela última sentença foi proferida em última instância e já transitou (cfr. Doc. n.º 2) - cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 1200º do Código de Processo Civil.
Por outro lado,

Não há dúvidas quanto à autenticidade dos documentos supra referidos - alínea a) do citado artigo.

O Tribunal que proferiu a decisão é o competente, não se verificando igualmente as outras situações previstas na alínea c) do citado artigo.

Não há lugar à invocação de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal da R.A.E.M. - alínea d) do citado artigo.

Foram observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes - alínea e) do citado artigo.

Não contém, finalmente, a decisão judicial a rever e confirmar qualquer conteúdo que conduza a um resultado incompatível com a ordem pública - alínea 1) do citado artigo.
*
O requerido não contestou.
*
O digno Magistrado do MP opinou no sentido da satisfação da pretensão da requerente.
*
Cumpre decidir.
***
II - Pressupostos processuais
O tribunal é competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III - Os factos
1 - Requerente e requerido casaram em 25 de Julho de 1979, em Hong Kong, conforme documento que se transcreve (cfr. doc. fls. 6 e 7 dos autos e fls. 2 do apenso “traduções”):
Certificado de Casamento Nº 5XXXXX
Departamento de Registo Geral Regulamento de Casamento de Hong Kong
Casamento celebrado no Gabinete de Registo de ABERDEEN em Hong Kong

Data de Casamento
Nome e apelido
Idade
Estado civil
Cargo ou profissão
Residência no momento de casamento
Nome e apelido do pai
Cargo ou profissão do pai
752
Abd
25 de Julho de 1979
C
(C)
26
Solteiro
Cozinheiro de pastelaria
..., …… Street, … Floor, ……, Hong Kong
D
(D)
Camponês


B
19
Solteira
Técnica electrónica
idem
F
(F)
Não
Casados no Gabinete de Registo de acordo com as disposições do Regulamento de Casamento perante mim,

Este casamento
C
com a
G
Ass. Vide o original
Foi celebrado

Presença

xxx xxx, xxxxx
entre
B
de
H
Registador-adjunto de casdamento
2 - Por sentença proferida em 27 de Junho de 2011, pelo Tribunal Federal de Melbourne, Austrália, já transitada em julgado, foi este casamento dissolvido, por divórcio, tudo nos termos da certidão que se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais (cfr. doc. fls. 9 a 12 dos autos e fls. 3 a 7 do apenso “traduções), conforme documento que se transcreve a seguir:.
Decreto-Lei de Família de 1975
Ordem de divórcio
Sentença Federal Proc. n.º (P)MLC2XXX/20XX
Tribunal da Austrália
Casal:
C (marido) E B (mulher)
Anteriormente: registado em YYY (YYY)
Data da ordem: 26 de Maio de 2011, quinta-feira
Proferida em: Melbourne
Aos 26 de Maio de 2011, apreciou-se o pedido da B da ordem de divórcio entre o marido e a mulher acima referidos, que ficaram casados em 25 de Julho de 1979.
O Tribunal dá como provado:
1. Estão casados.
2. O requerente (ou respondente) marido/mulher (ou provavelmente ambos) próprio/junto com o cônjuge reside/é cidadão/mora habitualmente na Austrália, é cidadão há mais de 1 ano e já se arquivou o processo imediatamente antes da data de requerimento.
3. Verifica-se o âmbito da aplicação da ordem de divórcio, isto é, a relação matrimonial está irreparavelrnente quebrada.
Face à ordem, o Tribunal declara satisfeito que:
4. Não têm criança na constância de matrimónio e aplica-se a disposição da Secção 55A(3) do Decreto-Lei.
O Tribunal determina que:
5. Emite-se a ordem de divórcio, o qual se torna válido, e dissolve-se o casamento em 27 de Junho de 2011.
Pelo Tribunal
(assinatura) (selo)
Registador
Vide o certificado e as observações constantes das fls. 2
(assinatura)
Xxxxx Xx
Of level 2, ... ...... Street, Melbourne,
Profissional na área jurídica no âmbito do
Decreto-Lei da especialidade jurídica de 2004
(Xxxxx Xx) profissional na área jurídica
Certifico que é verdadeiro e fiel ao original.
ZZZ LA WYERS, profissional ria área jurídica
Data: 18 de Abril de 2013
Proc. n.º (P)MLC2XXX/20XX
Certificado da validade da ordem de divórcio
Certifico que entrou em vigor no dia de 27 de Junho de 2011 o pedido da ordem de divórcio da B, através do qual se dissolveu o casamento entre C e B.
Pelo Tribunal
(assinatura) (selo)
Registador
Observações:
1. Se um dos cônjuges pretender pedir perante o tribunal competente tutelar a propriedade dum dos cônjuges nos termos do Decreto-Lei de Família de 1975, o pedido deve ser deduzido dentro de 12 meses contados da entrada em vigor da ordem de divórcio. Passado o prazo, não se pode apresentar o respectivo pedido sem a autorização do tribunal.
2. A ordem de divórcio vigente pode anular ou afectar por outras maneiras a forma de operação do testamento da respectiva parte. Ambos os cônjuges devem pedir opinião jurídica em termos da sua posição no âmbito da lei da nação ou região.
3. Constitui o crime de bigamia o novo casamento dum dos cônjuges antes da entrada em vigor da presente ordem de divórcio (salvo o falecimento do outro).
4. Se, antes da entrada em vigor da presente ordem de divórcio, for notificado um dos cônjuges do falecimento do outro, ele/ela deve entregar ao Gabinete do Tribunal uma declaração ou certificado da qual constam as informações concretas da data e lugar de falecimento, etc.
(assinatura)
Xxxxx Xx
Of level 2, ... ...... Street, Melbourne,
Profissional na área jurídica no âmbito do
Decreto-Lei da especialidade jurídica de 2004
(Xxxxx Xx) profissional na área jurídica
Certifico que é verdadeiro e fiel ao original.
ZZZ LA WYERS, profissional na área jurídica
Data: 18 de Abril de 2013
ZZZ LA WYERS, Level 2,
... ...... Street
MELBOURNE VIC 8102
***
IV - O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pela autora. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio litigioso com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, resulta do documento de fls. 9 a 12 que a sentença de divórcio já transitou.
Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na Austrália e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
***
V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Federal de Melbourne, na Austrália, datada de 27 de Julho de 2011, já transitada, que decretou o divórcio entre B e C, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pelo requerente.
TSI, 23 de Janeiro de 2014
(Relator) José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong