打印全文
Recurso nº 157/2011
Data: 13 de Fevereiro de 2014

Assuntos: - Cassação da carta de condução
- Suspensão da pena acessória
- Motivos atendíveis
- Inibição da condução
- Lei especial







SUMÁRIO
1. Trata-se de um único requisito da aplicação da suspensão da cassação de carta de condução, existência dos motivos atendíveis.
2. Trata-se o motivo atendível um conceito indeterminado, cabendo sempre o juízo de valor concluído pelo tribunal pelo julgamento, com o padrão da objectividade.
3. Só os motivos que merecem a especial consideração do tribunal é que se justificam a aplicação do regime de suspensão em causa, que funciona como excepção, enquanto a não suspensão como regra.
4. Está provado que o arguido é apenas um empregado do casino, a relação entre o trabalho e a condução nunca se pode atendido como um motivo atendível da suspensão da cassação da carta de condução.
5. Uma norma especial (artigo 92° da LTR) derroga a norma geral (artigo 94°), ao punir cumulativamente destas duas, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação da Lei.
O Relator,
Choi Mou Pan


Recurso nº 157/2011
Recorrente: Ministério Público



Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
O arguido A respondeu nos autos do Processo Sumário nº CR2-11-0003-PSM perante o Tribunal Judicial de Base.
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal proferiu a sentença decidindo o seguinte:
- Condenou o arguido A, como autor material, na forma consumada, de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 312º, nº 2 do Código Penal, conjugado com o art.º 92º, nº 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de (100) dias de multa, à taxa diária de cento e vinte patacas (MOP$120,00), o que perfaz a multa total de doze mil patacas (MOP$12.000,00). Se a multa não for paga, cumpre a pena de prisão correspondente, reduzido de 2/3.
- Vai o arguido condenado na pena acessória de inibição de condução por um período de seis (6) meses.
- Vai ainda o arguido também punido com cassação da carta de condução nos termos do artigo 92º, nº 1 da Lei do Trânsito rodoviário, pena esta que se suspende por um (1) ano.

Inconformando com a decisão, recorreu o Ministério Público, que alegou para concluir que:
1. Neste caso, com a prática pelo arguido dum crime de desobediência qualificada p. e p. pelo artigo 312º, nº 2, do Código Penal de Macau, conjugado com o artigo 92º, nº 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, para além da pena principal (multa de MOP$12.000,00), julgamos que deve apenas o arguido ser condenado na cessação da carta de condução e não ainda com a pena de inibição de condução por determinado período.
2. Face ao expendido e atendendo aos elementos recolhidos no caso, entendemos que não há lugar a suspensão da cassação da carta de condução por julgarmos que não se constata um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do mesmo e que não se satisfaça a finalidade da suspensão face ao comportamento de condução anterior do arguido conforme o que consta do seu registo rodoviário ora junto aos autos.
3. Ao proferir a decisão de “o arguido condenado na pena acessória de inibição de condução por um período de seis (6) meses e punido também com cassação da carta de condução nos termos do artigo 92º, nº 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, pena esta que se suspende por um (1) ano”, o Mmo Juiz violou, por errada interpretação e aplicação de direito, o disposto no nº 1 do artigo 92º, artigo 94º e nº 1 do artigo 109º, todos da Lei do Trânsito Rodoviário, bem como o disposto no artigo 48º e ss. do Código Penal de Macau.
4. Padece a douta Sentença do vício de erro de interpretação e de aplicação de direito, previsto no nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal de Macau.
Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida na parte referente à “Vai o arguido condenado na pena acessória de inibição de condução por um período de seis (6) meses e também punido com cassação da carta de condução nos termos do artigo 92º, nº 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, pena esta que se suspende por um (1) ano”, deve o arguido ser condenando na sua efectiva cassação da carta de condução.

Nesta instância, a Digna Procurador-Adjunto apresentou o seu douto parecer que se transcreve o seguinte:
“Subscrevendo as judiciosas considerações explanadas pela nossa Colega na sua motivação do recurso, entendemos que se deve julgar procedente o presente recurso.
Ora, resulta claramente do disposto no nº 1 do art.º 92º da Lei do Trânsito Rodoviário que é punido pelo crime de desobediência qualificada e “com cassação da carta de condução” aquele que conduzir um veículo na via pública durante o período de inibição efectiva de condução.
No caso vertente e conforme a factualidade dada como assente, fica sem dúvida que o recorrente se encontra exactamente na situação supra prevista.
Salvo o muito respeito por entendimento diferente e sem ignorância da disposição no nº 1 do art.º 94º da Lei do Trânsito Rodoviário, que prevê a aplicação da pena acessória de inibição de condução à prática de qualquer crime cometido no exercício da condução, parece-nos que a aplicação da cassação da carta de condução prevista no nº 1 do art.º 92º da Lei do Trânsito Rodoviário afasta a inibição de condução, pois se trata duma norma especificamente destinada para o caso de condução durante o período de inibição efectiva de condução.
Por outras palavras, não é aplicável ao nosso caso concreto o art.º 94º da Lei do Trânsito Rodoviário, tal como afirma a nossa Colega.
Por outro lado, a suspensão da execução da sanção de cassação da carta de condução prevista no nº 1 do artº 109º da Lei do Trânsito Rodoviário só é decretada quando existirem “motivos atendíveis”.
E afigura-se-nos que só os motivos que merecem a especial consideração do tribunal é que se justificam a aplicação do regime de suspensão em causa, que funciona como excepção, enquanto a não suspensão como regra.
No caso sub judice, não se demonstram elementos que constituam causa atendível para se declarar a suspensão da execução da sanção acessória.
Nem a confissão integral e sem reserva dos factos nem ainda a profissão do arguido são qualificáveis como “motivos atendíveis” cuja existência é exigida por lei para a suspensão da execução da sanção acessória.
Pelo exposto, entendemos que merece provimento o recurso interposto pelo Ministério Público.

Cumpre conhecer.
Foram colhidos os vistos dos juízes adjuntos.

À matéria de facto, foi dada por assente a seguinte factualidade:
- Em 7 de Janeiro de 2011, cerca das 20:30 horas, na Rua do monte, pela P.S.P., foi mandado parar um motociclo com chapa de matrícula CM-470XX, conduzido pelo arguido.
- O arguido foi condenado pelo Tribunal Judicial de Base, no dia 30/07/2010, na pena de multa de nove mil patacas (MOP$9.000,00) e na pena acessória de inibição de condução por um período de quatro (4) meses, e com trânsito em julgado no dia 09/09/2010, no âmbito de processo contravencional nº CR3-10-0191-PCT e onde esteve presente.
- O arguido agiu de forma, livre e consciente, bem sabendo que estava inibido de conduzir, por força de uma decisão judicial.
- O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
- O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos.
Mais Provados:
- Tem como habilitações literárias o 2º ano do ensino secundário.
- É croupiér do Casino de Sociedades de Macau “XX” e aufere mensalmente cerca nove mil e quinhentas patacas (MOP$9.500,00).
- Mora sozinho em casa da sua família, pagando mensalmente as despesas de condomínio, água e electricidade.
Factos não provados:
- Nada a assinalar.

Conhecendo.
    1. O arguido tinha sido condenado pela prática do crime previsto no artigo 92º da L.R.T., por ter conduzido durante o período de inibição de condução, com as penas acessórias de com cassação da carta de condução nos termos do art.º 92º, nº 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, cuja execução se suspenda pelo período de doze (12) meses, e com a inibição de condução nos termos do artº 94º, nº 1 da Lei nº 3/2007, por um período de quatro (4) meses.
    O Ministério Público reagiu contra a sentença que suspendeu a execução da cassação da carta de condução, por um período de 12 meses, nos termos do artigo 109º n° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, por ter entendido a não existência dos motivos atendíveis para a aplicação da suspensão desta pena.
    Por outro lado, impugnou ainda a decisão que aplicou a inibição da condução nos termos do artigo 94° n° 1 da mesma Lei n° 3/2007, por período de 4 meses, por ter erradamente interpretação ao artigo 94° da LTR.
    
    2. Vejamos a questão da suspensão da pena de cassação da carta de condução.
    Prevê o citado artigo que:
    “Artigo 109.º (Suspensão da execução da sanção)
    1. O tribunal pode suspender a execução das sanções de inibição de condução ou de cassação da carta de condução por um período de 6 meses a 2 anos, quando existirem motivos atendíveis.
    2. Se durante o período de suspensão se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução, a sanção de inibição de condução a aplicar é executada sucessivamente com a suspensa.
    3. A suspensão da execução da sanção de cassação da carta de condução é sempre revogada, se, durante o período de suspensão, se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução.
    4. A revogação referida no número anterior determina a execução da sanção de cassação da carta de condução.”
    O Tribunal a quo entendeu que se afigurava ser desproporcional aplicar tal sanção de cassação nesse momento, atenta a sua natureza definitiva.
    Trata-se de um único requisito da aplicação da suspensão, cabendo-se assim a frisar o sentido e alcance do conceito de "motivos atendíveis".
    Sem dúvida, a execução dessa pena acessória da inibição da condução ou da cassação de carta de condução é regra e a suspensão uma excepção, como acontece com qualquer tipo de sanção sob pena de não produzir qualquer efeito preventivo.1
    Embora a maioria da jurisprudência entender que no caso do condutor profissional deve ser concedido a suspensão da execução da inibição de condução, há decisões neste Tribunal de Segunda Instância opinava no sentido contrário o que manifesta a verdadeira excepcionalidade do instituto de suspensão, como por exemplo o Acórdão do TSI nº 48/2008, de 2008-9-11.
    Concordaremos com o entendimento do acórdão acima citado no processo n° 832/2009, onde se consignou que “só se verificam quando o ‘mau’ da pena, exceda manifestamente o efeito normal dessa pena”.
    Trata-se o motivo atendível um conceito indeterminado, cabendo sempre o juízo de valor concluído pelo tribunal pelo julgamento, com o padrão da objectividade.
    O que nos parece é que, tal como os processo que têm vindo corridos nos tribunais, só os motivos que merecem a especial consideração do tribunal é que se justificam a aplicação do regime de suspensão em causa, que funciona como excepção, enquanto a não suspensão como regra.
    Partindo desta regra, e perante os factos provados, está provado que o arguido é apenas um empregado do casino, a relação entre o trabalho e a condução nunca se pode atendido como um motivo atendível da suspensão da cassação da carta de condução.
    Porém, o tribunal a quo limitou-se a suspender essa pena acessória sem sequer especificar qualquer motivo atendível para a suspensão, fazendo assim a errada aplicação do artigo 109º da LTR.
    Merece assim o reparo a decisão recorrida desta parte, que deve ser revogada, procedendo o recurso.
    
    3. Seguidamente vejamos a aplicação simultânea da inibição da condução nos termos do artigo 94° n° 1 da Lei n° 3/2007.
    O Ministério Público entendeu que a pena de cassação não se pode ser aplicada simultaneamente com a inibição da condução.
    Como podemos ver claramente que ao arguido foi condenado pelo crime previsto no artigo 92° n° 1, da Lei n° 3/2007, onde prevê expressamente como uma pena acessória a cassação da carta de condução.
    Diz o artigo 92° n° 1 que: “1. Quem conduzir um veículo na via pública durante o período de inibição efectiva de condução é punido pelo crime de desobediência qualificada e com cassação da carta de condução ou do documento a que se refere a alínea 4) do n.º 1 do artigo 80.º, mesmo que exiba outro documento que habilite a conduzir.”
    Prevê o artigo 94º quanto à inibição de condução pela prática de crimes, que:
     “Sem prejuízo de disposição legal em contrário, é punido com inibição de condução pelo período de 2 meses a 3 anos, consoante a gravidade do crime, quem for condenado por:
    1) Qualquer crime cometido no exercício da condução;
    2) Fuga à responsabilidade, nos termos do artigo 89.º;
    3) Falsificação, remoção ou ocultação de elementos identificadores de veículos;
    4) Falsificação de carta de condução ou de documento substitutivo ou equivalente;
    5) Furto ou roubo de veículo;
    6) Furto de uso de veículo;
    7) Qualquer crime doloso, desde que a posse da carta de condução seja susceptível de oferecer ao seu titular oportunidades ou condições especialmente favoráveis para a prática de novos crimes.”
    Como um crime praticado no exercício da condução, implica uma pena de inibição da condução, nestes termos legais gerais, mas o facto que está em causa, como uma situação especial, encaixar-se-ia numa regra especial, que é o artigo 92° n° 1.
    Uma norma especial (artigo 92°) derroga a norma geral (artigo 94°), ao punir cumulativamente destas duas, o Tribunal a quo fez outra vez a errada aplicação da Lei.
    Julgámos neste sentido no acórdão de 28 de Janeiro de 2014 no processo n° 272/2011.
    Procede-se assim também o recurso nesta parte.
    Ponderado resta decidir.
    Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em conceder provimento ao recurso, e em consequência revogar a decisão recorrida, determinando a execução imediata da cassação da carta de condução, e revogar a decisão da inibição de condução.
    Sem custas.
    Fixa-se à Exmª Defensora do arguido recorrido a quantia de MOP 2000,00 a título de honorários, a suportar pelo GABPTUI.
RAEM, aos 13 de Fevereiro de 2014
  Choi Mou Pan
  José Maria Dias Azedo
  Chan Kuong Seng
1 Acórdão deste TSI de 7 de Outubro de 2010 do processo n° 832/2009.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

1


TSI-157/2011 P.13