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Reclamação nº 1/2014

I – Relatório

No âmbito dos autos de acção ordinária registada sob o nº CV2-10-0047-CAO, o Exmº Juiz proferiu a sentença julgando parcialmente procedente a acção e condenando, entre outros, ambas as partes a suportar as custas na mesma proporção, i. é, 50% para ambas.

Mediante o requerimento que deu entrada na Secretaria do TJB em 13JUN2013, a Autora A, LDA., ora reclamante, pediu a reforma da sentença quanto a custas.

Por sua vez, a assistente B LIMITADA, notificada e inconformada com a sentença, veio interpor recurso da mesma para este Tribunal de Segunda Instância.

Recurso esse que foi admitido pelo Tribunal a quo por despacho datado de 24JUN2013.

Desse despacho de admissão foi notificada a Autora, ora reclamante, por carta expedida em 29JUN2013.

Por despacho proferido em 24JUL2013 pela Exmª Juiz Presidente do Colectivo a quo, foi indeferido o pedido de reforma da sentença quanto a custas.

Por carta expedida em 30JUL2013, foi notificada a Autora que formulou o requerimento de reforma da sentença quanto a custas.

Inconformada com o assim decidido sobre o seu requerimento de reforma da sentença quanto a custas, a Autora interpôs, em 10SET2013, recurso que ela própria denominou “subordinado” para o Tribunal de Segunda Instância.

Requerimento esse mereceu o despacho que o não admitiu nos termos seguintes:

Vem a Autora, após notificada do despacho de fls. 817 e verso que indeferiu o seu pedido de reforma da sentença quanto a custas, interpor recurso subordinado ao recurso da assistente.

Ao abrigo do disposto no artigo 587º nº 2 do CPC, o recurso subordinado pode ser interposto dentro de 10 dias, a contar da notificação do despacho que admitiu o recurso da parte contrária.

No caso vertente, o despacho que admitiu o recurso interposto pela assistente foi proferido em 24/06/2013 e foi a Autora disso notificada em 29/06/2013. (fls. 808 e 809)

Assim, o requerimento de recurso subordinado em causa, apresentado em 10/09/2013, foi extemporâneo conforme o preceito acima citado.

Pelo exposto, não admito o recurso subordinado.

E porque o recurso “subordinado” lhe não foi admitido, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:

  1. Foi a Autora e ora Reclamante notificada do despacho de fls. 916 dos autos que, invocando extemporaneidade, indeferiu o recurso da sentença final por si interposto subordinado ao recurso da sociedade Assistente.
  Segundo o despacho ora em reclamação, entende o Mmo. Juiz do Tribunal a quo, basicamente e em síntese, que tendo a aqui Reclamante sido notificada do despacho de fls. 808 que admitiu o recurso interposto pela sociedade Assistente da sentença final proferida nestes autos, com carimbo postal 29/06/2013, nos termos do art.º 587.°, n.º 2, do CPC, o recurso subordinado a esse teria de ter sido interposto dentro de 10 dias a contar da notificação desse despacho, pelo que, tendo sido apresentado apenas em 10/09/2013, foi-o de forma extemporânea, razão pela qual não o admite.
  2. Crê-se, porém, e ressalvado o muito respeito devido que merecem todas as decisões judiciais, que não padece o recurso subordinado interposto pela Reclamante de qualquer vício nem existe qualquer fundamento que obste à sua admissão, nomeadamente a alegada extemporaneidade, razão pela qual deveria ter sido admitido, conforme a seguir se expõe.
  3. Para melhor esclarecimento dos actos processuais relevantes relativos à questão ora em crise nesta Reclamação, julga-se conveniente a seguinte exposição sequencial e sucinta dos actos processuais praticados com relevância para a questão em apreço:
  a) Em 27/05/2010, a fls. 745 e ss. dos autos, foi proferida pelo Mmo. Juiz a quo sentença que julgou parcialmente procedente esta acção ordinária, e decidiu, por um lado, anular todas as deliberações em causa nos autos, conforme havia peticionado a A., aqui Reclamante, mas, por outro lado, no tocante a custas, condenar ambas as partes na mesma proporção, i.e., 50% a cargo da A. e 50% a cargo da R., sentença que foi notificada à Reclamante com carimbo de 31/05/2013 (cfr. sentença de fls. 745 e ss. dos autos);
  b) Em 13/06/2013, e na sequência da notificação da supra referida sentença, veio a Reclamante, ao abrigo do disposto nos art.ºs 569.°, n.º 2 e 572.°, ambos do CPC, requerer junto do Tribunal a quo a reforma dessa sentença quanto a custas (cfr. Requerimento da Reclamante de 13/06/2013 junto aos autos);
  c) Por notificação com carimbo postal de 26/06/2013, a Reclamante foi notificada, entre outros, do despacho de fls. 808 dos autos proferido pelo Mmo. Juiz a quo que admitiu recurso ordinário interposto pela Assistente da sentença proferida nesta acção (cfr. despacho de fls. 808 e ss. dos autos);
  d) Por notificação com carimbo postal de 30/07/2013, a Reclamante foi notificada, entre outros, do despacho de fls. 817 dos autos, proferido pelo Mmo. Juiz a quo, que indeferiu o pedido de reforma da sentença quanto a custas (cfr. despacho de fls. 808 e ss. dos autos);
  e) Em 10/09/2013, a Reclamante veio interpor recurso subordinado ao recurso da Assistente por não se conformar com a sua condenação em metade das custas na sentença proferida nestes autos (cfr. requerimento da Reclamante de 10/09/2013 junto aos autos); e
  f) Por notificação com carimbo postal de 05/11/2013, a Reclamante foi notificada, entre outros, do despacho de fls. 916 dos autos proferido pelo Mmo. Juiz a quo que decidiu indeferir a interposição do seu recurso subordinado invocando ser o mesmo extemporâneo (cfr. Despacho ora em reclamação de fls, 916 dos autos).
  4. Ora, como resulta da exposição sequencial de factos processuais acima referida relevantes para o caso vertente, está-se em crer que nada poderia obstar a que o recurso subordinado interposto pela aqui Reclamante fosse admitido, muito menos por alegada extemporaneidade.
  5. Com efeito, se é certo que, conforme dispõe o art.º 587.°, n.º 2, 2.a parte, do CPC, o recurso subordinado pode ser interposto dentro de 10 dias a contar da notificação do despacho que admitiu o recurso da parte contrária (in casu o recurso interposto pela Assistente), é certo também que, nos termos do disposto no art.° 592.°, n.º 1, do CPC, se alguma das partes tiver requerido a rectificação, aclaração ou reforma da sentença, nos termos dos art.ºs 570.° e 572.°, ambos também do CPC, o prazo para o recurso (leia-se para a sua interposição) só começa a correr, depois de notificada a decisão proferida sobre esse requerimento.
  6. Ora, justamente no caso sub judice, e conforme resulta dos autos e acima se demonstrou no ponto 4., a Reclamante solicitou em 13/06/2013 a reforma da sentença quanto às custas que aí foram fixadas, ao abrigo do art.º 572.° do CPC, e assim, desde essa data, interrompeu-se o prazo de interposição de recurso que aí estava em curso, conforme resulta de forma clara do já supra citado art.º 592.°, n.º 1, do CPC mas também do seu n.º 2, prazo que se volta a iniciar apenas após proferida a decisão sobre a requerida reforma.
  7. E tal assim sucede, desde logo, porque um pedido de reforma de uma sentença quanto às suas custas efectuado nos termos do disposto no art.º 572.°, do CPC, visa, em primeiro lugar, a alteração dessa sentença quanto a essa matéria específica de custas, pelo que só após ter havido decisão sobre esse pedido de reforma o requerente estará em condições de saber se tem ou não interesse em recorrer da sentença, seja de forma independente, seja subordinadamente, o que sucede, obviamente, nos casos em que o pedido de reforma for indeferido.
  8. Acresce que o art.º 592.°, do CPC não distingue o tipo de recurso aí em causa, nem resulta do seu espírito que tal distinção deva ser feita, pelo que a regra aí imposta valerá tanto para os prazos de interposição de recursos independentes, como para os prazos de interposição de recurso subordinados.
  9. De resto, e salvo o devido respeito, a interpretar-se de forma diferente do acima exposto, conforme parece resultar da decisão contida no despacho de fls. 916 ora em crise, a aqui Reclamante teria de ter interposto recurso subordinado ao recurso da Assistente no prazo de 10 dias após notificação da admissão desse recurso da Assistente - na parte que a condenou em custas na proporção de 50% das custas, e, portanto, prejudicada nessa parte da decisão - quando o Tribunal a quo ainda não havia proferido decisão sobre o seu pedido de reforma da mesma sentença precisamente quanto a essa condenação em custas, decisão essa que, caso lhe fosse favorável, levaria a que a Reclamante tivesse de vir posteriormente desistir do recurso subordinado, entretanto, interposto, pois já não teria interesse em recorrer subordinadamente.
  10.Cremos que, com todo o respeito, tal interpretação vertida no despacho ora reclamado não parece correcta, não resulta da lei aplicável (art.ºs 572.°, 592.°, n.º 1 e 587.°, ambos do CPC), nem, de resto, parece fazer qualquer sentido, atento, entre outros, o princípio da economia processual, pois levaria à prática de actos processuais nestes autos totalmente inúteis por parte da aqui Reclamante.
  11. Pelo que, ao ter a aqui Reclamante interposto recurso subordinado do recurso da Assistente no prazo de 10 dias após ter sido notificada da decisão que indeferiu o seu pedido de reforma da sentença quanto às suas custas, fê-lo tempestivamente, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 572.°, 592.°, n.º 1 e 587.° n.º 2, todos do CPC, nenhuma razão existindo, assim, que obste à sua admissão.
  12.Termos em que, atento o supra exposto, e o disposto conjugadamente nos art.ºs 572.°, 592.°, n.º 1, 587.°, n.º 2 e 597.°, todos do CPC, deve a presente reclamação ser julgada procedente, e, em consequência, revogar-se o despacho de fls. 916 ora reclamado, ordenando-se a admissão do recurso subordinado interposto pela Reclamante nos termos por si requeridos em 10/09/2013.
  Nestes termos e contando com o douto suprimento de V. Ex.ª, requer-se se digne V. Ex.ª julgar procedente a presente Reclamação e, em consequência, seja revogado o despacho de fls. 916, e ordenada a admissão do recurso subordinado da Reclamante interposto nestes autos em 10/09/2013.
  Assim fazendo V. Exa, Meritíssimo Juiz Presidente, a habitual boa e sã
  Justiça!

Devidamente autuada a reclamação e cumprido o contraditório, o Exmº Juiz a quo proferiu o despacho mantendo a não admissão do recurso por razões já expostas no despacho ora reclamado.

A nós remetida a reclamação, passemos a conhecer.

II - Fundamentação

Ora, a única questão levantada pela reclamante é saber se é tempestivo o recurso interposto do indeferimento do pedido da reforma da sentença quanto a custas.

Como se sabe, em regra, o meio de impugnação contra uma sentença é o recurso ordinário para o Tribunal superior.

Excepcionalmente a própria lei estabelece meios de impugnação, ao dispor das partes, dirigidos ao próprio autor da sentença, para reagir contra determinadas questões decididas na sentença.

São justamente as situações previstas no artº 572º do CPC, à luz do qual pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha e a sua reforma quanto a custas e multa.

A propósito da reforma da sentença quanto a custas e multa, ensina o Prof. Alberto dos Reis ao anotar o código de 1939 dizendo que:

“Se a decisão proferida pelo juiz quanto a custas e multa, ou só quanto a custas ou quanto a multa, foi ilegal, isto é, se a parte condenada entender que essa decisão interpretou ou aplicou erradamente a lei, pode ela pedir que seja reformada. Neste caso é óbvio que o meio facultado pelo artº 670º, exerce função semelhante à que normalmente exercem os recursos: visa impugnar a decisão proferida, por erro de julgamento, e a conseguir que seja substituída por outra conforme à lei.

Entendeu-se que para caso tão simples, como é, por via de regra, a interpretação e aplicação da lei sobre custas e multa, convinha pôr à disposição do litigante prejudicado um meio rápido, económico e expedito de obter a reparação do erro cometido.” – cf. Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág. 153.

Sendo embora um meio rápido e económico e expedito de obter a reparação do erro ao dispor das partes, não quer dizer que estas não podem reagir mais se a decisão proferida sobre o pedido de reforma não lhes for satisfatória – artº 592º/1 do CPC.

Nesse caso, é de entender que cabe recurso dessa decisão proferida sobre o pedido de reforma, se os valores da alçada e da sucumbência o permitirem, nos termos do disposto no artº 583º/1 do CPC – nesse sentido, vide Amância Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 60.

Na esteira desse entendimento, o direito de recorrer nasce com a prolação do despacho que decidir o pedido de reforma e não com a interposição do recurso da contraparte, pois se trata de um verdadeiro recurso independente.

Tratando-se de um recurso independente, o terminus a quo do prazo para recorrer deve ser a data da notificação da decisão objecto do recurso, e nunca a data da notificação do despacho que admita o recurso da parte contrária.

In casu, apesar de a recorrente, ora reclamante, denominar “subordinado” o recurso por ela interposto da decisão sobre o pedido de reforma, o certo é que o regime aplicável não deve ser determinado com base nessa qualificação errada do recurso, mas sim na sua verdadeira natureza.

Assim sendo, a tempestividade do recurso deve ser in casu aferida de acordo com a data da notificação do despacho que decidiu o pedido de reforma.

Como vimos supra, a ora reclamante deve ser considerada notificada dessa decisão em 01SET2013 por carta expedida em 30JUL2013.

E é tempestivo o recurso materialmente independente interposto em 10SET2013, o décimo dia do prazo de 10 dias para a interposição de recurso – artº 591º/1 do CPC.

Tudo visto, resta decidir.

III - Decisão

Nestes termos e sem necessidade de mais considerações, ordeno que, se outro motivo não impedir, seja admitido e convertido em recurso independente o recurso interposto pela ora reclamante A, LDA., mediante o requerimento datado de 10SET2013.

Sem custas.

Cumpra o disposto no artº 597/4 do CPC.

RAEM, 28FEV2014


O presidente do TSI



Lai Kin Hong

Recl. 1/2014-10