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Processo nº 546/2013
(Revisão de Sentença do Exterior)

Data: 27Fevereiro/2014

   
   Assuntos:
- Revisão de Sentença do Exterior

    
    SUMÁRIO :
    
    É de confirmar uma sentença proferida pelos Tribunais do Interior da China, relativa a um divórcio litigioso por ruptura dos laços e deveres conjugais que comprometem irremediavelmente a vida em comum, desde que se mostre a autenticidade e inteligibilidade da decisão revidenda, desde que transitada, não se tratando de matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau e não se vendo em que tal confirmação possa ofender os princípios de ordem pública interna.
    
    
O Relator,


                    (João Gil de Oliveira)

Processo n.º 546/2013
(Revisão de Sentença do Exterior)
Data : 27/Fevereiro/2014

Requerente : A

Requerida : B

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO

A, mais bem identificado nos autos, vem requerer junto deste Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M. a REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA proferida na República Popular da China, que aí dissolveu o seu casamento com B, também de nacionalidade chinesa, também ela ali mais bem identificada, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
1
    O requerente A e a requerida B contraíram casamento no Interior da China e ainda nunca foi transcrito em Macau o casamento. Mas
    
     2
Por decisão judicial de 26 de Maio de 2010, proferida pelo Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou, Cidade de Zhuhai, Província de Guangdong, China - na acção da sentença civil (2010) 香民一初字n.º XXX8, foi decretada a dissolução do casamento entre o requerente e a requerida (doc.1) - para efeitos jurídicos adequados, a respectiva certidão aqui se dá por integralmente reproduzida.
     3
    Certifica-se o teor da sentença civil aí proferida:
    “1. É decretado o divórcio entre o autor A e a ré B;
    2. A ré B deve pagar ao autor A RMB 250.000,00 dentro de 10 dias desde o dia da entrada em vigor da presente sentença.
    Em caso de incumprimento da obrigação da prestação no prazo indicado na presente sentença, a ré deverá pagar juros de mora em dobro nos termos do art.º 229.º da Lei do Processo Civil da RPC.
    Custas de julgamento no valor de RMB 1.800,00 e despesas de conservação no valor de RMB 3.020,00, no total de RMB 4.820,00, a cargo do autor e da ré de forma solidária, isto é, RMB 2.410,00 respectivamente.
    Caso não se conforme com a decisão, poderá submeter petição de recurso junto a este Tribunal no prazo de 15 dias a contar do dias de entrega da sentença e apresentar tantas cópias quanto o número de pessoa da contraparte, para interpor recurso junto do Tribunal Popular de Segunda Instância da Cidade de Zhuhai, Província de Guangdong.”
     4
    A sentença supra identificada transitou em julgado em 16 de Setembro de 2010 - doc. 2, para efeitos jurídicos adequados, a respectiva certidão aqui se dá por integralmente reproduzida - cumprindo os dispostos no art.º 1200.º n.º 1 al. b) do CPC e no art.º 7.º n.º 3 do Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Civil e Comercial entre o Interior da China e a Região Administrativa Especial de Macau, aprovado pelo Aviso do Chefe do Executivo n.º 12/2006. Por outro lado,
     5
    Não existem dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a sentença, cumprindo o disposto no art.º 1200.º n.º 1 al. a) do CPC
     6
    O Tribunal que proferiu a decisão é competente e foi verificado que não surge as situações previsíveis no art.º 1200.º n.º 1 al. c) do CPC ou no art.º 11.º do Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Civil e Comercial entre o Interior da China e a Região Administrativa Especial de Macau, aprovado pelo Aviso do Chefe do Executivo n.º 12/2006.
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    Contra a sentença, cuja revisão e confirmação ora se pretende, não podem ser invocadas as excepções de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta aos tribunais da RAEM, cumprindo os dispostos no art.º 1200.º n.º 1 al. d) do CPC e no art.º 11.º do Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Civil e Comercial entre o Interior da China e a Região Administrativa Especial de Macau, aprovado pelo Aviso do Chefe do Executivo n.º 12/2006.
     8
    Já foram observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes, cumprindo os dispostos no art.º 1200.º n.º 1 al. e) do CPC e no art.º 7. n.º 3 do Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Civil e Comercial entre o Interior da China e a Região Administrativa Especial de Macau, aprovado pelo Aviso do Chefe do Executivo n.º 12/2006.
     9
    Por fim, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública, cumprindo os dispostos no art.º 1200.º n.º al. f) do Código de Processo Civil e no disposto do art.º 11.º do Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Civil e Comercial entre o Interior da China e a Região Administrativa Especial de Macau, aprovado pelo Aviso do Chefe do Executivo n.º 12/2006.
    
     Assim, verificando-se todos os pressupostos para que a decisão judicial seja revista e confirmada previstos no disposto do art.º 1200.º do CPC e de acordo com o disposto do Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Civil e Comercial entre o Interior da China e a Região Administrativa Especial de Macau, aprovado pelo Aviso do Chefe do Executivo n.º 12/2006, pede que seja a presente acção considerada procedente, por provada e, em consequência, seja decretada a revisão e confirmação da sentença civil (2010) 香民一初字n.º XXX8, proferida pelo Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou, Cidade de Zhuhai, Província de Guangdong, China, através da qual foi dissolvido o casamento entre o requerente e a requerida, produzindo a sua plena eficácia na ordem jurídica da RAEM.
    
    Foi oportunamente citada a requerida que não deduziu qualquer oposição.
    
    O Digno Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não vislumbrar obstáculo à revisão em causa.

Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
    
    III - FACTOS
    
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:

Relativamente ao processo de divórcio que correu seus termos no Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou, Cidade de Zhuhai, Província de Guangdong, República Popular da China, aí foi proferida decisão judicial por acórdão proferido em 26 de Maio de 2010 e que entrou em vigor em 16 de Setembro de 2010, conforme certidões juntas aos autos, a fls 6 a 19, cujo teor do acórdão e certidões aqui se dá integralmente por reproduzido e cuja tradução é a seguinte:

   1. “TRIBUNAL POPULAR DO DISTRITO DE XIANGZHOU, CIDADE DE ZHUHAI, PROVÍCNIA DE GUANGDONG
   Sentença Civil
   (2010) 香民一初字n.º XXX8
   Autor, A, do sexo masculino, nascido a XX de XX de 19XX, residente de Macau, residente no XXº-andar-XX, Edf. XX, Alameda XX, XX, Macau, titular do BIRM n.º 5XXXXXX(2).
   Mandatário: C, do sexo masculino, da etnia Han, nascido a XX de XX de 19XX, residente em XX大道XX號XX公司集體宿舍,Distrito de Xiangzhou, Cidade de Zhuhai, titular do BI n.º 4XXXXXX14.
   Ré, B, do sexo feminino, da etnia Han, nascida a XX de XX de 19XX, residente em XX街XX號XX單元XX房,Distrito de Xiangzhou, Cidade de Zhuhai, titular do BI n.º 4XXXXXX69.
   Mandatário: D, advogado do Escritório de Advogados Lai En, Guangdong.
   Mandatária: E, adjunta de advogado do Escritório de Advogados Lai En, Guangdong.
   No que se respeita ao caso de litígio no âmbito do divórcio do autor A e a ré B, foi constituído tribunal colectivo em conformidade de lei, para efeitos de julgamento público. O autor A e o seu mandatário C, a ré B e os seus mandatários compareceram no julgamento. No entanto, este Tribunal já terminou o julgamento.
   O autor afirmou que em 2002, o autor e a ré se conheceram através de apresentação dum amigo e que os dois se casaram a 26 de Maio de 2008 por registo no Conservatório do Registo Civil de Macau. Durante os anos imediatamente a seguir o casamento, a relação conjugal ainda estava harmoniosa. No entanto, a mesma foi deteriorando por trivialidades familiares. O casal é incompatível o que se traduz em frequentes discussões de tal maneira que afinal o laço conjugal rompeu de forma definitiva. Pelos factos expostos, o autor pediu o divórcio, solicitando que: 1. é decretado o divórcio entre o autor e a ré; 2. quanto à partilha do património comum na constância conjugal, paga a ré ao autor RMB 250.000,00 pela conta do Banco de Construção de Zhuhai n.º 43XXXXXX62; 3. custas a cargo da ré.
   O autor apresentou as seguintes provas: 1. BI do autor; 2. BI da ré; 3. Certidão de Narrativa emitida pela Conservatória do Registo Civil de Macau; 4. Registo do direito à propriedade; 5. Prova de pagamento de salário da Sociedade de Jogos de Macau, S.A.; 6. Certificado de emprego na Sociedade de Jogos de Macau, S.A.; 7. Certidão de liquidação de crédito pessoal do Banco de Desenvolvimento de Cantão; 8. Extracto bancário do crédito pessoal emitido pelo Banco de Desenvolvimento de Cantão; 9. Pedido de registo da hipoteca do prédio da Cidade de Zhuhai; 10. Contrato de empréstimo hipotecário para habitação (hipoteca).
   A ré defendeu que, 1. No entender da respondente, não há rompimento de laços afectivos entre as duas, pelo que não concordou com o divórcio. A respondente e A conheceram-se através de apresentação dum amigo no ano 2002. Tendo namorado por seis anos, o seu sentimento é sólido. Durante os anos imediatamente a seguir o casamento, a respondente também trabalhava em Macau e as duas andavam sempre em par. Não obstante o respondente deixou de trabalhar e voltou para Zhuhai posteriormente por motivo de saúde, o seu sentimento conjugal ainda andava bem. Com certeza, surge inevitavelmente algumas trivialidades familiares na vida quotidiana, mas não se trata do chamado “rompimento definitivo do laço conjugal”. Ora, o autor requereu divórcio de repente por motivo de rompimento da relação conjugal. A respondente ficou confusa e assustada, suspeitando que o autor tem uma amante. Face ao exposto, a respondente entende que não há rompimento da relação conjugal e por isso, não concordou com divórcio. 2. Mesmo a respondente concorde com o divórcio, as partes devem reembolsar primeiramente a dívida comum para compra da fracção para casamento, no valor de RMB 200.000,00. Em Março de 2007, a respondente e o autor decidiram se casar e por isso, pretenderam comprar uma fracção. Mas na altura ambos tinham apenas 24 anos de idade e não tiveram capacidade económica para pagar a primeira prestação da fracção e as respectivas comissões, pelo que pediram emprestado à avó da respondente, C, uma quantia no valor de RMB 200.000,00 para comprar fracção. C, logo em 27 de Março de 2007, foi ao Banco Industrial e Comercial da China, Sucursal de Shishan da Cidade de Zhuhai, e levantou dinheiro por vezes, no total de RMB 200.000,00, e a respondente depositou logo a aludida quantia na sua conta pessoal (vd. caderneta bancária, o comprovativo de negócio pessoal do banco e o registo de abertura de conta da respondente). No mesmo dia de manhã logo depois, a respondente levantou uma quantia no valor de RMB30.000,00 em numerário para a sua mãe D para as despesas necessárias para compra da fracção, e a parte da qual no valor de RMB 5.000,00 é aquele que foi restituído à sua mãe para o preço de subscrição já pago pela mãe (vd. os recibos originais). E em Abril do mesmo ano, a respondente pagou à Companhia de Consulta de Investimento de Imóveis E de Zhuhai, Ltd. a primeira prestação no valor de RMB 163.000,00 através da transferência bancária (vd. o título da transferência emitido pelo Banco Industrial e Comercial da China e o recibo emitido pela aludida Companhia). Nos termos do art.º 41.º da Lei Matrimonial da RPC, por divórcio, as dívidas assumidas na constância matrimonial devem ser reembolsadas de forma solidária, e nos termos do art.º 23.º da Interpretação sobre as Determinadas Questões para Aplicação da Lei Matrimonial da RPC, II, emitida pelo Supremo Tribunal Popular, não se admite que o credor invoca direito de crédito antenupcialmente constituído contra o cônjuge do devedor, sem que o credor tenha provado que a dívida serve para vida comum após o casamento. Portanto, a respondente entende, ainda que consentisse em divórcio, o património comum só se pode ser dividido depois que reembolsar a dívida comum para compra da fracção, no valor de RMB 200.000,00. Aliás, o autor solicitou uma metade do preço de venda da aludida fracção, faltando-lhe fundamento jurídico, e a prática do autor implica uma intenção de obtenção da riqueza inesperada com pretexto de casamento. 3. Ainda que a respondente concorde com o divórcio, o património comum deve ser dividido de forma razoável e legal e conforme as condições concretas da respondente e o autor. 1. A respondente tem a doença ginecológica grave - histeromioma - e precisa de despesas médicas de elevado valor. E actualmente não consegue trabalhar por motivo de saúde e não tem rendimento, daí só depende do apoio económico do lar paterno para sobreviver e curar doença. 2. O autor tem trabalhado em Macau por anos e o seu rendimento devia ser considerado como parte de bens comuns e objecto de partilha. Segundo a prova de pagamento de salário, o rendimento mensal após o pagamento de contribuição do autor é de MOP 17.000,00, e durante o período de Junho de 2008 (após casamento) e Abril de 2010, 23 meses * MOP17.000,00/mês = MOP 391.000,00, isto é, 391.000*0.85 (taxa de câmbio) = RMB 332.350,00, deduzindo RMB 109.701,97 para reembolso de empréstimo e resultando RMB 222.648,03, a metade desta última é de RMB 111.324,015. Portanto, se o autor insista em divorciar-se, devia dar metade do seu rendimento à respondente, isto é, RMB 111.324,015, uma vez que o autor nunca assumiu a responsabilidade de marido, nunca dando despesas de vida à respondente após o casamento. Além disso, se o autor tenha uma amante e abandone a esposa que se encontra doente, a divisão do património comum devia ser mais favorável à respondente. Mais, o autor tem grande quantidade de acções e fundos em Macau, a partir deste ponto de vista é que também se deve dar mais consideração favorável à respondente na partilha.
   A ré apresentou as seguintes provas: 1. Caderneta de censo; 2. Caderneta bancária da avó da ré, C, n.º 20XXXXXX24, e título da transacção pessoal; 3. Caderneta bancária da avó da ré, C, n.º 20XXXXXX78 e título da transacção pessoal; 4. Caderneta bancária n.º 20XXXXXX14 e respectiva discriminação de registos da transacção bancária; 5. Título da transacção pessoal da ré para pagar a primeira prestação da compra da fracção; 6. Recibos emitidos pela Agência Mediadora de Imóveis F, Ltd. em 26 de Março e em 27 de Março de 2007; 7. Recibos emitidos pela Companhia de Consulta de Investimento de Imóveis E de Zhuhai, Ltd. em 19 de Abril e em 29 de Maio de 2007; 8. Declaração médica, relatório de diagnóstico de ultra-som e recibos das despesas emitidos pelo Hospital para Mulheres e Crianças da Cidade de Zhuhai; 9. Certidão emitida pela Companhia de Consulta de Investimento de Imóveis E de Zhuhai, Ltd. em 29 de Março de 2010; 10. Dados do registo no arquivo legível pela máquina da entidade; 11. Dados da alteração no arquivo legível pela máquina da entidade.
   Porquanto, o autor e a ré conheceram-se através da apresentação do amigo em 2002 e contraíram casamento por registo na RAEM em 26 de Maio de 2008, no casamento não têm filhos. O autor trabalha no Casino XX, S.A., auferindo MOP 17.000,00 mensalmente, enquanto a ré alegou que se encontra desempregada actualmente. Na audiência o autor afirmou que intentou esta acção de divórcio por ter a ré amor extraconjugal; a ré negou a existência do amor extraconjugal e consentiu divórcio.
   Em Março de 2007, o autor e a ré compraram uma fracção sita em Zhuhai, 香州XX溪XX棟XX單元XX房, e fizeram registo em nome de ambos. O preço total da fracção é de RMB 483.560,00, a ré pagou a primeira prestação no valor de RMB 183.560,00 e o autor pagou o montante remanescente (RMB 300.000,00) em prestações. Em Janeiro de 2010, as partes venderam a fracção em apreço a um terceiro estranho ao presente caso, G, no valor de RMB 716.705,00. O terceiro, G, pagou a primeira prestação à ré, no valor de RMB 216.705,00 e a ré pagou com este dinheiro o empréstimo hipotecário da fracção devido ao Banco, no valor de RMB 160.837,12, e ficou com o restante. O terceiro G pagou a quantia remanescente, no valor de RMB 500.000,00, à ré através da conta n.º 43XXXXXX62 do Banco de Construção da China em prestações. Na audiência, indicou a ré que ao comprar a fracção sita em Zhuhai, 香州XX溪XX棟XX單元XX房 em Março de 2007, ela e o autor pediram emprestado dinheiro à sua avó, C, no valor de RMB 200.000,00, para pagar a primeira prestação da compra da fracção; o autor defendeu que, não obstante tendo reconhecido o dinheiro emprestado à avó para pagar a primeira prestação no valor de RMB 183.560,00, foi apenas a própria ré quem pediu emprestado e o autor não interveio, nem sabia o montante concreto, mais, o autor já reembolsou sucessivamente o montante de RMB 118.000,00 a C. A ré não tem recibo de empréstimo, enquanto o autor também não tem recibo de reembolso.
   Porquanto, a ré forneceu a declaração médica emitida pelo Hospital para Mulheres e Crianças da Cidade de Zhuhai em 16 de Março de 2010, para provar que a ré tem histeromioma.
   Há provas supracitadas e alegações das partes para sustentar os aludidos factos.
   É de entender do presente Tribunal que, o autor intentou a acção de divórcio e a ré consentiu a resolução da relação matrimonial, pelo que, o é decretado o divórcio. A fracção sita em Zhuhai, 香州XX溪XX棟XX單元XX房, que foi comprada pelas partes antes do casamento, era bem comum conjugal. As partes já venderam esta fracção e o autor pediu a metade do preço da fracção, isto é, RMB 500.000,00, sendo procedente a pretensão do autor. Quanto ao dinheiro emprestado à avó, uma vez que as partes ainda têm contravérsia sobre o valor concreto emprestado e o reembolsado e a questão envolveu credor estranho ao presente caso, este Tribunal não a vai conhecer neste caso. Mais a ré solicitou maior parte do património comum porque actualmente se encontra desempregada e tem doença grave - histeromioma - mas este Tribunal entende que a ré é jovem e tem capacidade de trabalhar, apenas se encontra temporariamente desempregada e não contraiu doente grave, pelo que não julga procente esta pretensão da ré. A ré pediu ainda a partilha do rendimento do autor calculado a partir do casamento, mas não prestou provas para o suportar, este Tribunal entende que pode julgar esta questão logo depois que a ré apresenta mais provas para esclarecer e agora não a vai apreciar. E nos termos dos art.ºs 31.º, 39.º e 42.º da Lei Matrimonial da RPC, este Tribunal vem decidir no seguinte:
   1. É decretado o divórcio entre o autor A e a ré B;
   2. A ré B deve pagar ao autor A RMB 250.000,00 dentro de 10 dias desde o dia da entrada em vigor da presente sentença.
   Em caso de incumprimento da obrigação da prestação no prazo indicado na presente sentença, a ré deverá pagar juros de mora em dobro nos termos do art.º 229.º da Lei do Processo Civil da RPC.
   Custas de julgamento no valor de RMB 1.800,00 e despesas de conservação no valor de RMB 3.020,00, no total de RMB 4.820,00, a cargo do autor e da ré de forma solidária, isto é, RMB 2.410,00 respectivamente.
   Caso não se conforme com a decisão, poderá submeter petição de recurso junto a este Tribunal no prazo de 15 dias a contar do dias de entrega da sentença e apresentar tantas cópias quanto o número de pessoa da contraparte, para interpor recurso junto do Tribunal Popular de Segunda Instância da Cidade de Zhuhai, Província de Guangdong.
  
  
  Presidente do júri: H
  Membro do júri: I
  Membro do júri: J
  Aos 26 de Maio de 2010
  O escrivão: K
  (carimbo: vd. o original)
  Autenticado conforme o original”
  
  
    2. “ESCRITURA NOTARIAL
   (2013) 粵珠珠海n.º XXXXX
   Requerente: A, do sexo masculino, nascido a XX de XX de 1983, residente em Macau, titular do BIRPM n.º 5XXXXX(2).
   Assunto: cópia autenticada conforme o original
   Certifica-se, por este meio, que a cópia é idêntica com o original da Sentença Civil do Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou, Cidade de Zhuhai, Província de Guangdong exibido por A ao notário.
   Cartório Notarial de Zhuhai, Guangdong, China
   O notário: L
   Aos 6 de Agosto de 2013
   (Carimbo: vd. o original)”
   
   
    3. “ESCRITURA NOTARIAL
   
   Cartório Notarial de Zhuhai, Guangdong, China
   
   *
   
   TRIBUNAL POPULAR DE SEGUNDA INSTÂNCIA
   CERTIFICADO DE VIGÊNCIA
   (2010) 珠中法民一終字n.º XXX
  
   Referente ao caso de litígio surgido no âmbito do divórcio entre B e A, a sentença civil (2010) 珠中法民一終字n.º XXX proferida pelo presente Tribunal já entrou em vigor a 16 de Setembro de 2010.
   
   O responsável ou chefe da sala de audiência:
   Ass.: vd. o original
   (Carimbo: vd. o original)
   (vd. data ilegível)”
   

    III - FUNDAMENTOS
   
   1. O objecto da presente acção - revisão de sentença proferida em processo de divórcio pelo Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou, Cidade de Zhuhai, Província de Guangdong, República Popular da China -, de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
   
   - Requisitos formais necessários para a confirmação;
   - Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
   - Compatibilidade com a ordem pública;
   
2. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
   
   “1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
   
   Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
   
   A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
   
   Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
   
   3. Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
   
   Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
   
   Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão proferida em acção de divórcio intentada pela marido do ora requerente no Tribunal respectivo da cidade de Zhuhai, proferida em 26 de Maio de 2010, cujo conteúdo facilmente se alcança, por ruptura conjugal e impossibilidade de recuperação do convívio e harmonia entre o casal, em particular no que respeita à parte decisória - dissolução do casamento -, sendo certo que é esta que deve relevar.2
   
   4. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
   
   “O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
   
   Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior3, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam4.
   
   É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.5
   Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos que assim se têm por presumidos.
   
   5. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:

“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
   
   Ora, facilmente se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice, tratando-se aqui da revisão de um divórcio requerido apenas por um dos cônjuges e contestado pela outra parte.
   
   6. Da ordem pública.
   Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”6
   
   E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
   No caso em apreço, em que se pretende confirmar o acórdão que dissolveu o casamento, decretando o divórcio entre o ora requerente e a sua esposa, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública.
   
   Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê a dissolução do casamento, até por mútuo consenso, constando-se da documentação que se alegou que o casamento chegou a um ponto em que já não era possível continuar, por comprovada violação dos deveres e ruptura dos laços conjugais, situação essa que a sentença não deixa de reflectir.
   Também a o acordo de partilha dos bens em nada contende com a ordem interna,
   
   O pedido de confirmação de sentença do Exterior não deixará, pois, de ser procedente.
   
    V - DECISÃO

   Pelas apontadas razões, acordam conceder a revisão e confirmar a decisão proferida no processo de divórcio litigioso entre o requerente A e a requerida B, decisão judicial, proferida pelo Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou, Cidade de Zhuhai, Província de Guangdong, China - na acção da sentença civil (2010) 香民一初字n.º XXX8, com acórdão proferido no dia 26 de Maio de 2010 que decretou o divórcio dos cônjuges e com produção de efeitos jurídicos em 16 de Setembro de 2010, tal como consta do acórdão certificado nos autos de fls 5 a 19.

Custas pelo requerente.
   Macau, 27 de Fevereiro de 2014,


_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

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Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002

2 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
3 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
4 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
5 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
6 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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546/2013 20/22