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Processo nº 4/2009-I
Data do Acórdão: 27FEV2014


Assuntos:

Valoração da prova testemunhal
Depoimento indirecto


SUMÁRIO

1. A simples circunstância de existirem relações de inimizade entre o arguido e a testemunha não é causa impeditiva da valoração dos seus depoimentos, dado que o julgador/instrutor apreciará sempre livremente os seus depoimentos de acordo com o princípio de livre apreciação.

2. Não estamos perante depoimento indirecto quando a testemunha inquirida declarou perante o instrutor do processo disciplinar quais foram as razões de facto concretamente invocadas pelo arguido para justificar a sua não comparência ao serviço numa determinada data, pois a testemunha não estava a reproduzir simplesmente o que ouviu dizer ao arguido, mas sim a relatar factos que conheceu pessoalmente através dos seus ouvidos e do seu senso visual.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 4/2009-I


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

A, devidamente identificado nos autos, inconformado com o despacho do Senhor Secretário para a Segurança, de 10NOV2008, que lhe negou provimento ao recurso hierárquico da decisão que o puniu com a pena disciplinar de 120 dias de suspensão, veio recorrer dele para o Tribunal de Segunda Instância.

Por Acórdão de 27MAIO2010, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso.

Inconformado com o decidido nesse Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância.

Por Douto Acórdão datado de 12JAN2011, o Venerando Tribunal de Última Instância declarou nulo o Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, na parte em que não conheceu das duas questões, suscitadas pelo recorrente na petição do recurso nos artigos 47º a 68º e negar provimento ao recurso na parte restante.

Baixados os autos a este TSI, temos de nos debruçar sobre estas duas questões ainda não apreciadas.

O recorrente suscitou as duas questões na petição do recurso nos seguintes termos:


(2) 證人之迴避
47º
紀律程序中的證人B關務監督及C助理關長與上訴人之間存在著極大的矛盾衝突,故不應該在該紀律程序卷宗中以證人身份作聲明,因為:
48º
作為船隊指揮官,上訴人於2005年7月11日,晚上約20時00分,接獲D關務督察之電話,詢問上訴人是否給予命令准許E工程公司之沒有准照之運沙船於澳門蛋運動場旁邊進行施工。上訴人馬上回覆D關務督察並沒有下達允許施工之命令,並要求D關務督察須依法處理。
49º
因為有關命令明顯為不合法及濫用職權,上訴人馬上致電值日官,F副關務督察,詢問是否有別人給予上述命令。
50º
開始時,F副關務督察不願意直接回答上述詢問;接著,上訴人表示若不如實回答時將對其進行紀律起訴,這樣,F副關務督察向上訴人報告較早前曾收到B關務監督兩次電話,命令其准許E工程公司之沒有准照之運沙船於澳門水域內從事商業活動。
51º
但是,當天B關務監督正在日本享受特別假期,其職務正由G關務監督代任。
52º
為了查明事實真相,上訴人命令F副關務督察如實製作報告,而上訴人亦以船隊指揮官之身份作出批示,提起簡易調查程序(見2005年7月14日報告書(Inf)編號: 05/FLOT/2005)。
53º
但是,該簡易調查程序被C助理關長命令歸檔。
54º
雖然如此,數天之後,上訴人、C助理關長、H總廳長、B關務監督、D關務督察及其船上工作人員、F副關務督察、I高級關員等被傳訊到廉政公署接受偵查。
55º
從這時起,上訴人開始感到被B關務監督、C助理關長及F副關務督察針對,最終被提起已被撤銷之紀律卷宗40/2005-1.1-AVE/DIS。
56 º
最為巧合的是,上述紀律卷宗的舉報人為B關務監督;C助理關長作出有關提起紀律程序批示;及F副關務督察則為該卷宗中的證人。
57º
另一頗為巧合的是,上訴人於2008年1月21日向紀律程序預審員G關務總長遞交的答辯狀內,要求聽取17名證人之聲明,其中高級關員I及關務監督D均為上述簡易調查程序(報告書(Inf)編號:05/FLOT/2005)中的兩名重要證人。
58º
但是,該簡易調查程序被C助理關長命令歸檔,而且本紀律程序之預審員於“預審終結報告書”中指出:“...與卷宗調查之事實没有任何關連,故決定不聽取二人之聲言。”(見附件九第7頁,即紀律卷宗第315頁)。
59º
而該簡易調查程序中之事件是引起本紀律程序中證人B關務監督及C助理關長與上訴人之間存在極大矛盾衝突之起因。
60º
因為上訴人並非第一次命令取消查船,但是從未被紀律起訴。
61º
例如,紀律卷宗之指控書內第(四)條第1點(見附件10第2頁,即紀律卷宗第128頁)指出上訴人於2005年1月5日星期三缺勤整個上午, 即查船肯定已被取消,為何其直屬上司B關務監督不舉報上訴人?是B關務監督包庇上訴人?抑或B關務監督違反通則第9條第2款的向上級即時報告缺勤及其他由下屬作出之違規行為之義務?
62º
因為存在上述矛盾衝突,所以B關務監督、C助理關長及F副關務督察在上述紀律程序卷宗的聲明筆錄中,對上訴人的補休、補假、及出入境通知等情況均會作出不利的供詞,直接或間接影響該紀律程序卷宗的調查。
63º
上訴人在紀律卷宗中所作答辯已申請拒卻B關務監督、C助理關長及F副關務督察為紀律卷宗中的證人(見附件11第4頁,即卷宗第146頁),所有該三人所作之口供應不予考慮(通則第256條、刑事訴訟法典第4條,準用民事訴訟法典第537條及第543條)。
64º
按照行政程序法典第124條規定,因為違反上述法律規定,該行為可被撤銷。

(3) 間接證言
65º
按照通則第256條準用經適當配合之刑事訴訟法典第116條規定,如證言之內容係來自聽聞某些人所說之事情,預審員應傳召該等人作證言,如預審員不傳召該等人作證言,則該部分證言不得作為證據方法。
66º
紀律卷宗預審員聽取K關務副總長講述上訴人所述聲明,實為間接證言,根據上述條文,載於紀律卷宗第85頁之聲明應為無效。
67º
被上訴行為及紀律卷宗錯誤地引用上述被撤銷聲明及間接證言為事實依據來作出處罰行政行為: “(…) 他先而表示2005年8月3日上午因處理個人銀行事務而遲到上班,繼而又表示前往醫務所治療皮膚過敏,及後再修改為前往國內照顧患病的妹妹(…)”(見附件一第4頁)。
68º
按照行政程序法典第122條第1款,被上訴之行為為欠缺主要要素之行為,屬無效之行政行為。

De acordo com o assim alegado, são as seguintes questões que constituem objecto da nossa apreciação:

1. do alegado impedimento das testemunhas B, C e F, respectivamente Comissário, Adjunto do Director-Geral e Sub-Comissário da Alfândega; e

2. do alegado depoimento indirecto prestado pelo Sub-intendente K

Então vejamos.

1. do alegado impedimento das testemunhas B, C e F, respectivamente Comissário, Adjunto do Director-Geral e Sub-Comissário da Alfândega

Conforme se vê na parte acima transcrita do alegado na petição do recurso, o recorrente defende que não podem ser valorados no âmbito do processo disciplinar os depoimentos das testemunhas B, C e F.

Para o recorrente, a partir do sucedido em 11JUL2005 junto do Domo dos Jogos da XXX, ele próprio passou a sentir-se ser alvo de perseguição por parte dessas três testemunhas. Na mente do recorrente, em virtude de um caso ocorrido naquela data, relacionado com um barco não licenciado que transportava areia e operado pela empresa E na execução de obras junto do Domo dos Jogos da XXX, ele ordenou a ora testemunha F, então subalterno seu, a elaboração de um relatório sobre o sucedido e determinou a abertura do processo de investigação do caso, no qual estiveram envolvidas, entre outros, as ora testemunhas B e F, processo esse que apesar de ter sido posteriormente arquivado pela ora testemunha C, deu lugar a um inquérito a correr no CCAC (Comissariado contra a Corrupção) em que foram alvo da investigação, entre outros, as três testemunhas B, C e F.

No fundo, o que pretende insinuar o recorrente é existirem razões de suspeição quanto à credibilidade dos depoimentos destas três testemunhas por causa da sua actuação no exercício das suas funções naquele caso sucedido em 11JUL2005. Para o recorrente os tais depoimentos não podem ser valorados no âmbito de processo disciplinar dadas as relações de conflitos ou inimizade existentes entre ele próprio e as testemunhas. Tendo sido valorados, o processo disciplinar ficou viciado e a decisão punitiva se tornou anulável.

Ora, tanto o EMFSM (Estatuto do Militarizados das Forças de Segurança de Macau) como o ETAPM, nada diz sobre impedimentos de testemunhas.

Assim sendo, nessa matéria, aplica-se subsidiariamente a legislação do processo penal, ao abrigo do disposto no artº 256º do EMFSM, rezando que “o processo disciplinar rege-se pelas normas constantes do presente Estatuto e, na sua falta ou omissão, pelas regras aplicáveis do regime disciplinar vigente para os trabalhadores da Administração Pública de Macau e da legislação processual penal.”.

A lei processual penal regula a matéria de impedimentos de testemunhas no seu artº 120º, à luz do qual:

1. Estão impedidos de depor como testemunhas:

a) O arguido e o co-arguido no mesmo processo ou em processo conexo, enquanto mantiverem aquela qualidade;

b) A pessoa que se tiver constituído assistente, a partir do momento da constituição; e

c) A parte civil.

2. Em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo podem depor como testemunhas, se nisso expressamente consentirem.

Além dos impedimentos em termos absolutos, em relação às testemunhas que a lei considera existir razão de suspeição quanto à credibilidade dos seus depoimentos, a lei concede-lhes a faculdade de se recusarem a depor. Se estiverem dispostas a depor, o tribunal apreciará livremente os seus depoimentos de acordo com o princípio de livre apreciação consagrado no artº 114º do CPP.

Quer dos impedimentos quer da recusa, não vimos intenção por parte do nosso legislador de afastar em abstracto a valoração dos depoimentos a prestar pelas testemunhas que travarem relações de inimizade ou hostilidade com o arguido no processo.

O que não quer dizer que o nosso legislador fechou de todo em todo os seus olhos quanto a este aspecto, pois o artº 329º/3 do CPP exige que o juiz que preside à audiência pergunte à testemunha pelas suas relações pessoais, familiares e profissionais com os participantes e pelo seu interesse na causa, e as eventuais relações de inimizade ou hostilidade deverá evidentemente ser tidas em conta pelo Tribunal para valorar, de acordo com o princípio de livre apreciação da prova, a credibilidade dos seus depoimentos.

In casu, não se verificando nenhuma de situações geradoras quer do impedimento quer da recusa facultativa de testemunhas, não pode deixar de improceder a pretensão por parte do recorrente de ver anulado o acto recorrido com fundamento na valoração da prova não admissível.

2. do alegado depoimento indirecto prestado pelo Sub-intendente Ian Chan Un

O recorrente entende que os depoimentos prestados pelo Sub-intendente K não podem ser valorados por se tratar de depoimento indirecto. Não tendo o instrutor do processo disciplinar chamado a pessoa fonte do teor desse depoimento indirecto, o depoimento é nulo face ao disposto no artº 116º do CPP, ex vi do artº 256º do EMFSM e o acto recorrido é nulo por falta de elementos essenciais nos termos do disposto no artº 122º/1 do CPA.

Compulsados os autos do processo disciplinar, verifica-se que os ditos depoimentos indirectos são parte dos depoimentos prestados pelas testemunhas K e C, no âmbito do processo disciplinar.

Constam dos autos de processo disciplinar que quando inquirida, a testemunha K disse que o recorrente justificou perante ele a não comparência ao serviço na parte de manhã de 03AGO2005 pelo facto de ter ido à consulta médica por causa da alergia da pele, mas quando já confrontado com o registo da sua saída e reentrada através do posto fronteiriço de Portas do Cerco naquele dia e no dia anterior, o recorrente já alterou a sua versão dizendo que naquele dia tinha de ir à Cidade de Zhongshan a fim de buscar medicamentos para a sua irmã que estava doente – vide as fls. 85 e v. dos autos de p. disciplinar.

E que a outra testemunha C, Adjunto do Director-Geral da Alfândega, quando inquirida, declarou que o recorrente chegou a justificar perante ele a sua falta na parte de manhã de 03AGO2005 dizendo que tinha de ir ao banco para tratar de assuntos pessoais – vide as fls. 87 dos autos de p. disciplinar.

Ora, quando inquiridas, as duas testemunhas não estavam a reproduzir o que ouviram dizer ao recorrente, mas sim declararam perante o instrutor do processo disciplinar quais foram as razões de facto concretamente invocadas pelo recorrente naquele momento para justificar a sua não comparência ao serviço, ou seja, estavam a relatar factos que as testemunhas conheceram pessoalmente através dos seus ouvidos e do seu senso visual.

Obviamente não estamos perante testemunho “ouvir dizer”.

Não se tratando de depoimentos indirectos, cai por terra toda a tese avançada pelo recorrente para ver declarado nulo o acto recorrido.

Sem necessidade de mais delongas, resta decidir.

Pelos fundamentos expostos, acordam julgar improcedente o recurso na parte respeitante às questões do impedimento das testemunhas e dos depoimentos indirectos, suscitadas pelo recorrente nos artigos 47º a 68º da petição do recurso e mencionadas nos pontos 3 e 4 na parte de fundamentação de direito do Douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância.

Custas pelo recorrente no que respeita a estas duas questões.

RAEM, 27FEV2014

Lai Kin Hong
Presente João A. G. Gil de Oliveira
Victor Manuel Carvalho Coelho Ho Wai Neng