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Processo nº 75/2014-A
Data do Acórdão: 20FEV2014


Assuntos:

Suspensão de eficácia do acto administrativo
Prejuízo de difícil reparação


SUMÁRIO

É de considerar como de difícil reparação o prejuízo consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.



O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 75/2014-A


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância

I – Relatório

A, devidamente identificado nos autos, vem, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s., requerer a suspensão de eficácia do despacho, datado de 29NOV2013, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que revogou a autorização da residência temporária, a ele anteriormente concedida, com prazo de validade até a 03JAN2014, tendo para tal deduzido, no seu requerimento a fls. 2 a 13 dos p. autos, as razões de facto e de direito que se dão aqui por integralmente reproduzidas.

Citada a entidade requerida, veio contestar pugnando pelo indeferimento do pedido – vide fls. 25 a 28 dos p. autos.

O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer de fls. 35 e 36 dos p. autos, no qual opinou no sentido de indeferimento da requerida suspensão.

Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

De acordo com os elementos constantes dos autos, podem ser seleccionados os seguintes factos com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:

* Em 17MAR2011, o requerente foi contratado, na qualidade de trabalhador não residente, com salário mensal de MOP$75.000,00, pela B Limited, para desempenhar as funções de Director of Hotel Operations and F&B;

* Foi com fundamento nesse vínculo contratual com a B Limited, ao requerente foi concedido a autorização de residência temporária cuja validade terminaria em 03JAN2014;

* O vínculo contratual terminou em 15FEV2013;

* O requerente não constituiu uma nova situação jurídica determinativa da concessão da autorização de residência que lhe foi concedida, decorrido o prazo de 30 dias para o efeito fixado pelo IPIM;

* Por despacho, datado de 29NOV2013, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, foi revogada a supracitada autorização da residência temporária;

Apreciemos.

Como se sabe, o instituto de suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa providência cautelar que visa obter provisoriamente a paralisação dos efeitos de um acto administrativo a produzir imediatamente na esfera jurídica do destinatário do acto, por forma a proteger, a título cautelar, os interesses que se dirijam à conservação de situações jurídicas já existentes.

Tratando-se de revogação de uma autorização antes do terminus do prazo da sua validade previamente determinado e tendo em conta que a revogação implica efectivamente a alteração de uma realidade preexistente e que da execução do acto de revogação decorre um efeito ablativo de um bem jurídico detido pelo requerente, estamos obviamente perante um acto de conteúdo positivo.

Verificado o pressuposto a que se alude o artº 120º do CPAC, passemos a averiguar se se verificam os requisitos para decretar a suspensão da eficácia do acto.

Para o deferimento da tal providência, a lei exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos – artº121º/1-a), b) e c) do CPAC:

a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;

b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e

c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.

Sendo de verificação cumulativa que é, a inverificação de qualquer deles implica logo o não deferimento da suspensão.

Comecemos então pelos requisitos exigidos nas alíneas b) e c), que nos se afiguram ser de fácil apreciação, tendo em conta a especificidade do caso, a matéria de facto assente, assim como os elementos constantes nos autos.

No que respeita ao requisito exigido na alínea b), apesar de o vínculo contratual com a sua ex-entidade patronal ter terminado, o certo é que a não execução do acto suspendendo que implica a continuação da permanência do requerente em Macau não deve ser tida como geradora de grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto que lhe revogou a autorização da permanência.

Em relação à inexistência dos fortes indícios da ilegalidade do recurso, podemos dizer que existem sim fortes indícios da legalidade do recurso, tendo em conta a data de notificação do acto suspendendo ao requerente (27DEZ2013) e a manifesta legitimidade do requerente para reagir contenciosamente contra o acto administrativo que representa a última palavra da Administração.

Então resta analisar a verificação ou não do requisito exigido na alínea a), ou seja, se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso.

Para sustentar a sua tese da verificação in casu desse requisito, o requerente alega que:

31. Como supramente alegado, o ora Requerente vinculou-se a uma relação laboral.
32. Sendo pois, a consequência necessária e directa da não manutenção da autorização de residência, o imediato cancelamento dessa mesma relação laboral e de todos os compromisso que no âmbito da mesma relação estavam projectados,
33. Para além de todos os custos sociais e económicos que tal decisão acarretará para o Requerente, nomeadamente, o facto de abruptamente o Requerente deixar de poder auferir um salário e consequentemente deixar de se poder sustentar condignamente.
34. Porque como poderá este fazer face às despesas em que o Requerente se constituiu na expectativa de manutenção da autorização de residência em Macau?
35. Sendo certo que, e de acordo com as mais elementares regras da experiência comum, a decisão a proferir por esse Venerando Tribunal sobre o recurso contencioso da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário para Economia e Finanças nunca será tomada em tempo útil de forma a evitar prejuízos para o Requerente.
36. Por esse motivo, mostra-se imperioso suspender a decisão de revogação da autorização de residência do Requerente para que os nossos Tribunais possam julgar a presente matéria com toda a tranquilidade, ficando a decisão de revogação da residência a aguardar a prolação da decisão final.
37. É que Venerandos Juízes, não se suspendendo a decisão de revogação da autorização de residência do Requerente, estamos face de um prejuízo de reparação impossível!
38. Conforme resulta do já alegado na petição inicial do Recurso Contencioso que corre os seus termos nesse Venerando Tribunal,
39. Pese embora ainda não seja esta a sede para tal, o Requerente não pode deixar de registar o facto de ter criado expectativas de que iria ser bem sucedido no seu pedido.
40. Ao recorrer contenciosamente da decisão do Exmo. Secretário para Economia e Finanças, o ora Requerente não concebe nem antevê outro resultado que não seja a revogação da decisão de revogação da sua autorização de residência.
41. E, a realidade é só uma e, indesmentível: o aqui Requerente tem um sério e fundado receio que, em face de eventuais delongas na prolação de uma sentença por parte do Tribunal, tal demora venha a causar-lhe prejuízos irreparáveis designadamente que o submeta a uma condição de vida desumana face à impossibilidade de se poder sustentar.
42. É que, cancelando-se a autorização de residência em Macau o Requerente terá que cancelar também o seu contrato de trabalho,
43. Cancelando-se desta forma a única fonte de rendimento em Macau.
44. Por não ser suspenso o presente acto, ocorrerá uma situação de facto consumado evidente e a qual a decisão no processo principal instaurado não poderá reparar no plano de facto ou jurídíco.
45. Isto é, vindo a ser proferida sentença favorável ao Requerente, como se espera, a relação laborar do Requerente ter-se-á por dissolvida.
46. Como resulta de todo o exposto, e como se mostra evidente, a sentença a proferir no processo principal não terá a virtualidade de "apagar" os efeitos da revogação da autorização de residência do Requerente, na eventualidade de a mesma ser proferida após a saída do Requerente do Território.
47. Por todo o exposto, se por mera hipótese não for decretada a providência requerida, o que não se concede, quando vier a ser decidida no recurso contencioso de anulação a questão de fundo, tal decisão poderá não vir a ter qualquer utilidade.
48. Por essa razão, impõe-se a suspensão de eficácia do acto recorrido e a suspensão da decisão de revogação da renovação da autorização de residência do Requerente até decisão final do recurso contencioso, de modo a evitar uma posterior situação de impossibilidade ou de irreversibilidade da legalidade.

Ora, de acordo com a doutrina autorizada do Venerando Tribunal de Última Instância reafirmada no seu recente Acórdão de 10JUL2013 no processo nº 37/2013, é de considerar como de difícil reparação o prejuízo consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.

E no mesmo Acórdão, foi salientado também que cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, …… .

In casu, o alegado prejuízo de difícil reparação consiste, em síntese, no seguinte:

1. Deixar de poder auferir um salário;
2. Deixar de se poder sustentar condignamente; e
3. Não poder cumprir o compromisso contratual.

Em relação aos fundamentos alegados pelo requerente e ora por nós identificados com os nºs 1 e 2, é de salientar que foi o requerente que optou voluntariamente por vir a trabalhar em Macau, o que não quer dizer que ele não pode ganhar o sustento da sua vida em outros sítios do mundo, pois notoriamente existe no nosso mundo grande abundância de sítios onde existem condições de vida e trabalho iguais ou até muitíssimo melhores do que em Macau

E além disso, tendo limitado a alegar “deixar de se poder sustentar condignamente”, o requerente não cumpriu o ónus de alegar a matéria de facto integradora do invocado prejuízo de difícil reparação que, na esteira da supracitada jurisprudência do Venerando Tribunal de Última Instância, consiste na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.

Em relação à alegada impossibilidade de cumprir o compromisso profissional, por nós identificada com o nº 3, a nós só cabe dizer que o alegado incumprimento contratual nunca constitui uma situação irreparável, pois existe sempre meios ao dispor do requerente para ressarcir as eventuais responsabilidades contra a Administração se esta vier a ser comprovadamente julgada ter agido contra a lei ao praticar o acto cuja eficácia o requerente pretende ver suspensa.

Assim sendo, sem mais delongas, é de concluir pela inverificação do requisito exigido no artº 121º/1-a) do CPAC, o que implica o indeferimento da pretendida suspensão.

Resta decidir.

III – Decisão

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam indeferir o pedido de suspensão do despacho, datado de 29NOV2013, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que revogou a autorização da residência temporária, a ele já concedida, com prazo de validade até a 03JAN2014.

Custas pelo requerente, com taxa de justiça fixada em 6UC.

Notifique.

RAEM, 20FEV2014
Lai Kin Hong
Presente João A. G. Gil de Oliveira
Victor Manuel Carvalho Coelho Ho Wai Neng