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Processo nº 305/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 06 de Março de 2014

ASSUNTO:
- Marca notória e prestigiada

SUMÁRIO:
- Para que uma marca possa ser qualificada como notória e prestigiada, a mesma tem de adquirir um certo grau de conhecimento junto do público. Além disso, deve ter ainda uma imagem de qualidade acima da média, ou seja, ter bom nome ou reputação.
- Com efeito, para o preenchimento dos requisitos em causa, incumbe ao titular da marca o ónus de alegar e provar os respectivos factos constitutivos.
- Não tendo registado a marca na RAEM com anterioridade nem ficar provada a notoriedade e prestígio da marca, o recurso não deixará de se julgar improcedente.
O Relator
Ho Wai Neng





Processo nº 305/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 06 de Março de 2014
Recorrente: A, Limited
Recorridas: - B, Limitada
- Direcção dos Serviços de Economia

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 11/11/2009, foi julgado improcedente o recurso judicial da Recorrente A, Limited, mantendo a decisão da DSE que concedeu o registo do Nome de Estabelecimento nº XXX, requerido pela sociedade comercial B, Limitada.
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Imputa a Recorrente à douta decisão recorrida um vício decorrente de uma interpretação errada dos elementos de facto que foram carreados para os autos, não tendo feito o Tribunal a quo uma correcta conjugação da matéria de facto que deu como provada, com os elementos de facto constantes dos autos.
2. O douto Tribunal recorrido subscreveu, na íntegra, a posição tomada pela DSE, tendo mesmo feito consignar no seu despacho saneador-sentença, ora em impugnação, que “a decisão posta em crise teve o cuidado de analisar e rebater todas as questões colocadas tanto pela Recorrente como pela Requerente”, acabando por dar por integralmente reproduzida tal decisão da DSE.
3. Assim, a Recorrente vê-se forçada a trazer ao conhecimento do Venerando Tribunal de Segunda Instância as questões que foram colocadas no âmbito do processo administrativo, impugnando a decisão da DSE.
4. A sociedade comercial “B, Limitada”, ao pretender registar na RAEM, o Nome do Estabelecimento, aqui em apreciação, mais não fez que que procurar sem justo motivo, tirar partido do carácter distintivo e de grande prestígio de um dos símbolos comerciais da Recorrente: a expressão C.
5. A existir o Nome registando outra não poderá ser a situação que não seja a de que se encontra associado às marcas de que é titular a Recorrente, sobejamente conhecidas pelos consumidores da RAEM.
6. Gozando as marcas da ora Recorrente, que integram a expressão C, de notoriedade e de grande prestígio e sendo por via disso uma marca protegida, não poderia deixar de se considerar a oposição procedente por se apurar que o Nome do Estabelecimento registando é composto por um elemento de uma marca protegida, nos termos do art.º 237º, nº 1, alínea a), do RJPI.
7. A decisão da DSE, no que se refere à alegada e provada notoriedade da marca de que é titular a ora Recorrente, fez consignar que a marca C é notória na RAEM mas considerando que a sua notoriedade se deve aos serviços oferecidos pela Requerente do registo, acrescidos dos investimentos feitos pela mesma, bem como pelas acções de marketing promovidas, não tendo, porém, indicado serviços oferecidos pela Requerente do registo do Nome do Estabelecimento, nem referido que investimentos foram feitos e que acções de marketing foram levadas a cabo pela mesma.
8. Tendo a ora Recorrente juntado documentos comprovativos da notoriedade e do prestígio de que goza a marca “C” de que é titular e tendo, por sua vez, a Requerente juntado documentos para prova de que a notoriedade de tal marca advinha de acções por si desenvolvidas, a decisão do douto Tribunal a quo, apenas, poderia considerar-se fundamentada – neste particular – se tivesse feito uma apreciação conjunta de tais elementos.
9. No Nome registando, o valor dos elementos figurativos (o desenho de um edifício, a letra L, os caracteres chineses) é despiciendo relativamente ao relevo do seu elemento literal ou nominativo (a expressão C), sendo que a palavra MACAU não é um sinal susceptível de protecção, embora, obviamente, possa entrar na composição do nome, mas que não o torna com carácter distintivo.
10. O elemento mais relevante e impressivo do Nome de Estabelecimento registando é o elemento nominativo – C – já que os demais elementos figurativos pouco relevam só por si, acontecendo que a letra L é a inicial da expressão C, o que sublinha ainda mais a força impressiva desta expressão.
11. Quando a lei determina que não podem fazer parte do Nome ou insígnia de Estabelecimento elementos constitutivos de marcas protegidas, verifica-se que se pretendeu consagrar no ordenamento jurídico da RAEM o princípio da novidade ou da especialidade, segundo o qual o Nome do Estabelecimento, como sinal distintivo do comércio, tendo como principal escopo a identificação do estabelecimento enquanto suporte material individualizado da actividade do empresário, deve ser composto de tal forma que não se confunda com qualquer outras designações referentes a direitos industriais protegidos.
12. A par da concorrência desleal que a lei pretende evitar com a proibição de elementos integrados nos nomes de estabelecimentos por expressões que integram marcas protegidas, também se pretende evitar que alguém tire partido indevido do prestígio de uma determinada marca, mesmo que não se prove o prejuízo causado ao titular da marca imitada.
13. O Tribunal a quo não tomou em consideração a problemática das marcas que contêm as expressões C (inglesa) e C (chinesa) e que tem tem feito correr muita tinta, uma vez que, embora não sejam sinónimas uma da outra nem, tão-pouco, a expressão chinesa corresponda à transliteração da expressão inglesa, quer a ora Recorrente quer a Parte Contrária e as suas três associadas – as empresas sediadas em Macau (i) “B, Limitada”, (ii) “D, SARL”; (iii) “Empresa Administradora de Imóveis Macau C, Limitada” – quer, ainda, os consumidores de Macau e de Hong Kong consideram aqueles dois sinais (que integram as várias marcas) como indissociáveis.
14. E a verdade é que a ora Recorrente ainda que não tivesse à data em que foi concedido o Nome e Insígnia de Estabelecimento nº XXX – já decorreram cerca de 6 anos – registada uma marca na RAEM, com o desenvolvimento processual de todos os recursos interpostos pela Recorrente e pela Requerente (e suas associadas), acabou por se verificar que foi reconhecido o direito de prioridade no registo da expressão inglesa C à ora Recorrente.
15. Certo sendo que não foram mantidos, por decisões judiciais, os despachos da DSE que concederam, administrativamente, as marcas XXX, cujo registo foi concedido à sociedade comercial “E, S.A.”; XXX, cujo registo foi concedido à sociedade comercial “F, S.A.”, XXX, cujo registo foi concedido à sociedade comercial “F, S.A.”;
16. É verdade que a situação de não terem sido objecto de uma decisão única decorre do facto de estar consagrado no Regime Jurídico da Propriedade Industrial o princípio da unidade do pedido e do registo de marca, segundo o qual, no mesmo requerimento, não se pode pedir mais do que um registo e a cada marca, destinada aos mesmos produtos e serviços, só pode corresponder um registo.
17. Se tivessem sido explicitadas no mesmo processo todas as decisão referentes às marcas requeridas pela Parte Contrária (e suas associadas) e às marcas requeridas pela ora Recorrente, certamente, que poderiam ter sido objecto de um processo único, o que facilitaria uma decisão mais conforme com a real situação.
18. A qualidade dos produtos e serviços oferecidos pela Recorrente sob a marca C determinou que, quando escolheu a expressão C para compor uma marca contendo uma expressão inglesa, os consumidores e o público em geral tivessem, de imediato, associado ambas as marcas porque eram da titularidade da Recorrente.
19. Aliás, essa é a maior prova da usurpação das marcas por parte da Recorrida e das suas associadas: fez sempre associar a expressão inglesa C à expressão chinesaC, conforme, aliás, se verifica da composição de todas as marcas cujo registo solicitou e acima se deixaram mencionadas.
20. No que se refere à ora Recorrente, essa indissociabilidade decorre do facto do sinal C corresponder ao sinal que integra a sua denominação social e que posteriormente foi adoptado como marca e o sinal C ter sido por si escolhido para integrar uma marca contendo uma expressão inglesa.
21. Relativamente aos consumidores de Macau e de Hong Kong, ao terem conhecimento de que a marca C fora adoptada pela aqui Recorrente, logo as associaram, dado o alto nível de qualidade dos produtos e serviços oferecidos pela Recorrente.
22. E, também, é sem dúvida essa a posição da Parte Contrária e suas associadas, pois decorre da forma como apresentaram as suas marcas compostas, que associam a expressão inglesa C e a expressão chinesa C (que romaniza XX ou XX).
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A Recorrida B, Limitada respondeu à motivação do recurso da Recorrente, nos termos constantes a fls. 186 a 189 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso interposto.
A Entidade Recorrida Direcção dos Serviços de Economia também respondeu à motivação do recurso da Recorrente, nos termos constantes a fls. 181 a 185 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando também pela improcedência do recurso interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Foi considerada assente a seguinte factualidade pelo Tribunal:
- A 29 de Julho de 2003, a 《B, Limitada》, com sede em Macau na XXXX, solicitou o registo do Nome de Estabelecimento nº XXX.
- O nome de estabelecimento consiste no seguinte: XXX
- O pedido de registo foi publicado no BORAEM nº 36 – II Série, de 03/09/03, fls. 10 e 11 do processo administrativo.
- Foi feita busca, fls. 12 a 18 do processo administrativo.
- A Recorrente é titular da marca C registada em Hong Kong.
- Não existe nos ficheiros da RAEM registo da marca da Recorrente.
- A Recorrente apresentou Reclamação em oposição à concessão do registo em 03 de Novembro de 2003.
- Por despacho da Exmª Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia foi o pedido de registo deferido.
- O despacho de concessão foi publicado no BORAEM, nº 14 - II Série, de 07 de Abril de 2004.
- No dia 07 de Maio de 2004 deu entrada neste Tribunal Judicial de Base o presente recurso.
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III – Fundamentação:
Nos termos do nº 1 do artº 237º do RJPI, não podem fazer parte do nome ou insígnia de estabelecimento:
a) Nomes, designações, figuras ou desenhos que sejam reprodução ou imitação de nome ou insígnia de estabelecimento já registados por outrem;
b) Elementos constitutivos da marca ou desenho ou modelo, protegidos por outrem para os produtos que se fabricam ou vendem ou os serviços que se prestam no estabelecimento a que se pretende dar o nome ou a insígnia;
c) Palavras ou frases em língua estrangeira que não sejam simples designações geográficas, excepto se o estabelecimento pertencer a súbditos da respectiva nação;
d) Designações que indiquem uma nacionalidade e outras de semelhante sentido, excepto se o estabelecimento pertencer a pessoa singular ou colectiva dessa nacionalidade ou com estabelecimento efectivo no país ou território indicado.
Por sua vez, dispõe o nº 1 do artº 222º do RJPI que: “O registo de marca constitui fundamento de anulação de firmas com ela confundíveis, desde que os pedidos de autorização ou alteração das mesmas sejam posteriores aos respectivos pedidos de registo”.
Articulando os dois preceitos em causa, pode se concluir que a marca referida na al. b) do nº 1 do artº 237º tem de ser uma marca registada na RAEM com anterioridade em relação ao do registo do nome do estabelecimento.
No caso em apreço, a marca em que a Recorrente se arrogou como titular, não se encontra registada na RAEM, mas sim em Hong Kong.
No entanto, para a Recorrente, a sua marca é uma marca notória e prestigiada, pelo que, não obstante não se encontrar registada na RAEM, merece uma protecção especial.
O Tribunal a quo considerou que não estava demonstrada que era uma marca notória na RAEM.
Adiantamos desde já que concordamos com a posição tomada pelo Tribunal a quo.
Pois, quer na petição inicial, quer na motivação do presente recurso jurisdicional, a Recorrente sempre se limitou a dizer, de forma conclusiva, que a sua marca era notória e prestigiada, sem alegar e provar factos concretos e objectivos para o efeito.
Para que uma marca possa ser qualificada como notória e prestigiada, a mesma tem de adquirir um certo grau de conhecimento junto do público. Além disso, deve ter ainda uma imagem de qualidade acima da média, ou seja, ter bom nome ou reputação.
Com efeito, para o preenchimento dos requisitos em causa, incumbe ao titular da marca o ónus de alegar e provar os respectivos factos constitutivos.
No caso em apreço, não sabemos a intensidade, a extensão territorial e a duração da utilização da marca da Recorrente, nem sabemos qual é a quota de mercado por si ocupado e a sua imagem na óptica dos consumidores.
Na falta desses elementos, nunca é possível para o Tribunal chegar à conclusão de que a marca da Recorrente é notória e prestigiada.
Não tendo registado a marca na RAEM com anterioridade nem ficar provada a notoriedade e prestígio da marca, o recurso não deixará de se julgar improcedente, sem necessidade de analisar se existe imitação ou reprodução dos elementos constitutivos da marca da Recorrente no nome do estabelecimento da entidade recorrida particular, cujo registo foi concedido sob o nº E/40.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 06 de Março de 2014.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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