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Processo nº 648/2010
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 27/Fevereiro/2014

Assunto: Embargos à execução
  Compensação
  Artigo 697º, alínea g) do CPC

SUMÁRIO
- Nos termos da alínea g) do artigo 697º do Código de Processo Civil de Macau, a ocorrência de um facto extintivo ou modificativo da obrigação só é motivo de oposição à execução quando for posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e for provado por documento.
- Consistindo a compensação de créditos num facto causal da extinção das obrigações, se tal for invocável na própria acção declarativa mas não se tenha invocado, com o trânsito em julgado da sentença condenatória que serviu de título para a acção executiva, esse meio de defesa deixa de ser invocável como fundamento de oposição à execução.
       
O Relator,

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Tong Hio Fong
Processo nº 648/2010
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 27/Fevereiro/2014

Recorrente:
- Sociedade de Exploração Hoteleira A Limitada (Executada)

Recorrido:
- B (Exequente)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Nos autos de execução em que é exequente B e executada Sociedade de Exploração Hoteleira A Limitada, veio esta deduzir contra aquele, por apenso, a oposição à execução e à penhora incidida sobre os saldos das contas bancárias da executada, pedindo que a quantia exequenda seja reduzida para MOP$27.321,31, com fundamento em que a executada tinha direito a compensar, parcialmente, na parte correspondente ao seu crédito com o crédito do exequente.
Por decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base, foi julgada improcedente a oposição e, em consequência, improcedente o pedido de redução da quantia exequenda.
Inconformada com a decisão, dela vem interpor recurso ordinário, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
- A ora recorrente não se conforma com a decisão proferida pela Meritíssima Juiz a quo que decide como improcedente o incidente de oposição à penhora com fundamento em compensação, bem como a redução da quantia exequenda;
- A Meritíssima Juiz baseia a sua decisão no direito processual ou seja, no facto de o artigo 697º do CPC dispor que quando a execução se basear numa sentença, os embargos só podem ter algum dos fundamentos seguintes: qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento (…);
- E ainda no facto de o encerramento do discussão no processo laboral em apenso ter acontecido em Setembro de 2008 e a sentença que condenou o ora recorrente ao pagamento de MOP$91.329,40 ter transitado em julgado em 26/11/2007 e por isso o facto extintivo da obrigação da recorrente ser anterior a tal encerramento, inquinando a possibilidade de tal matéria de excepção ser invocada nestes autos e servir de fundamento para a dedução da oposição;
- A recorrente considera que as normas do Código Civil que regem o instituto da compensação, se aplicam in casu, preenchendo os requisitos do artigo 838º do Código Civil;
- Entende a recorrente, que o direito substantivo ou material prevê apenas exclusões da compensação em situações que em nada se assemelham ao caso em apreço nestes autos (cfr. art.º 844º do Código Civil);
- Isto porque o instituto da compensação, como meio de extinção das obrigações, traduz-se no exercício de um direito potestativo, cujos efeitos se produzem na esfera jurídica da outra parte, mesmo sem o seu consentimento ou contra a sua vontade. E o recorrido admitiu que era devedor de tal montante de MOP$91.329,40 à recorrente;
- O direito adjectivo é o conjunto de normas que manda efectivar e tornar válidos os direitos substantivos, através de procedimentos, os quais se têm que revelar justos e razoáveis tal como estatuem os princípios gerais do Direito e da Justiça, comungando desta opinião o Mestre Meneses Cordeiro in Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, Ed. Almedina, 2003, pg. 132 e seguintes, quando diz “O processo civil só pode visar o aperfeiçoamento do direito civil: nunca a sua dificultação ou o seu retrocesso.”;
- Na verdade, não tem sentido que estando o ora recorrente na detenção de um poder processual sobre um determinado montante de que é devedor o recorrido, não possa fazer valer o direito que as normas materiais lhe conferem quando processualmente tem a oportunidade de o fazer. Ainda para mais quando no processo de execução que segue termos no CV2-06-0059-CAO-A, a recorrente não logra a penhora de quaisquer bens do ora recorrido, por o mesmo não deter bens em Macau;
- A oportunidade de a recorrente recuperar grande parte deste crédito é-lhe concedido pelo direito substantivo, nesta fase do processo executivo, através da dedução da oposição, direito esse que lhe não deve ser vedado;
- Por isso, e muito respeitosamente considera a recorrente que a Meritíssima Juiz a quo deveria ter aplicado as normas substantivas do Direito Civil quanto à compensação de créditos, entende a recorrente, na sua mui modesta opinião, e que com a prolação da sentença proferida em primeira instância não foi feita justiça encontrando-se a mesma ferida, por violação dos artigos 838º e seguintes do Código Civil;
- Conclui, pedindo a revogação da decisão recorrida e, em consequência, que seja admitida a oposição deduzida pela recorrente.
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Notificado para responder, foi apresentada a resposta pelo recorrido, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela exequente.
Cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
A audiência de julgamento da acção de processo comum do trabalho CV1-06-0096-LAC, em que era Autor B e Ré Sociedade de Exploração Hoteleira A Limitada, terminou no dia 18 de Setembro de 2008.
Por sentença proferida naquela acção, transitada em julgado em Janeiro de 2009, a recorrente foi condenada a pagar ao recorrido o montante de MOP$113.866,00, a título de compensações pela rescisão do contrato, por desrespeito de prazo de aviso prévio, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo cumprimento.
Nos autos de execução para pagamento de quantia certa baseada nessa mesma sentença instaurados em 24 de Novembro de 2009 (CV1-06-0096-LAC-A), o recorrido reclama da recorrente o pagamento da quantia acima aludida (MOP$113.866,00).
Por sentença proferida na acção ordinária CV2-06-0059-CAO do 2º Juízo Cível do TJB, transitada em julgado em 26 de Novembro de 2007, o recorrido foi condenado a pagar à recorrente o montante de MOP$91.329,40, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo cumprimento.
A recorrente instaurou, em 7 de Janeiro de 2008, contra o recorrido uma acção executiva para cobrança do montante acima aludido (MOP$91.329,40), acrescido de juros de mora vencidos até 05.02.2010, ascendendo a quantia de MOP$118.238,42.
O crédito da recorrente, reclamado na aludida execução, não se mostra pago.
Em data anterior a 2 de Junho de 2008, o recorrido foi notificado na execução CV2-06-0059-CAO-A para informar o Tribunal se possuía bens penhoráveis, tendo o mesmo naquela data, declarado deles não dispor.
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É perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer do recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
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A única questão que aqui se coloca é saber se a compensação alegada pela executada, ora recorrente, deveria ser atendida, ou pelo contrário, e tal como se decidiu pelo Tribunal a quo, tal excepção não podia servir de fundamento para a oposição à execução, por não poder estar integrada na previsão de existência de um facto extintivo superveniente para os termos do artigo 697º, alínea g) do Código de Processo Civil ex vi do artigo 84º, nº 2 do Código de Processo do Trabalho.
No vertente caso, a executada ora recorrente reconhece ser devedor do exequente ora recorrido da quantia de MOP$145.559,74 por força da sentença condenatória proferida no âmbito do processo comum do trabalho CV1-06-0096-LAC, mas alega ter sobre o mesmo recorrido um direito de crédito no montante de MOP$118.238,42, na medida em que o mesmo foi condenado a pagar ao recorrente, por sentença transitada em julgado proferida no âmbito do processo CV2-06-0059-CAO, a quantia de MOP$91.329,40 acrescida de juros de mora legais.
Portanto, entende a recorrente que tem ela o direito a compensar, parcialmente, na parte correspondente ao seu crédito com o crédito do recorrido nos autos de execução em apenso, nos termos do artigo 838º e seguintes do Código Civil de Macau.
Vejamos.
Ao abrigo do artigo 697º do Código de Processo Civil de Macau, aplicável ao vertente caso por força do disposto no artigo 84º, nº 2 do Código de Processo do Trabalho, dispõe-se que:
“Se a execução se basear em sentença, os embargos só podem ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa, quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, iliquidez ou inexigibilidade da obrigação exequenda, não supridas na fase preliminar da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento, salvo tratando-se da prescrição do direito ou da obrigação, que pode ser provada por qualquer meio.” – negrito nosso.
Entretanto, entende a recorrente que não sendo a situação em apreço subsumível a qualquer das previsões do artigo 844º do Código Civil de Macau, a compensação é invocável a todo o tempo, designadamente como fundamento de oposição.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos não assistir razão à recorrente.
Tal como se estatui na alínea g) do artigo 697º do Código de Processo Civil de Macau, a ocorrência de um facto extintivo ou modificativo da obrigação só é motivo de oposição à execução quando for posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e for provado por documento.
Na verdade, a recorrente tinha toda a faculdade de invocar na respectiva acção declarativa quaisquer factos extintivos ou modificativos da obrigação, tal como a compensação pretendida, para serem apreciados nessa mesma acção, mas escolhendo a recorrente não exercer a compensação de créditos que na altura era permitida, com o trânsito em julgado da sentença condenatória que serviu de título para a execução dos autos em apenso, esse meio de defesa passaria a ser extemporânea e deixaria de ser invocável como fundamento de oposição à execução.
Concordamos, na íntegra, com a decisão recorrida quando se refere que a razão de ser desta regra prende-se com a necessidade de se proteger o efeito de caso julgado material da sentença condenatória, tendo sido citado, para o efeito, o Acórdão do STJ de 25 de Novembro de 2008, no Processo 08A1997, disponível in www.dgsi.pt, nele se refere que “consistindo a compensação num facto causal da extinção das obrigações, para além do cumprimento, e encontrando-se hoje a mesma apenas dependente da vontade do devedor de exercer a compensação, em relação ao credor, a sua inoponibilidade, por crédito anterior ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, resulta cristalina das regras do caso julgado, considerando-se que, não tendo essa excepção sido deduzida na acção, tal implica que o contradireito do réu se tenha de haver sempre como extinto, pelo menos, até à medida do crédito do autor”.
Diz Miguel Teixeira de Sousa2 que “se a superveniência da compensação, se aferisse (…) pelo momento da declaração da compensação, então nenhum significado teria o ónus de apresentação da excepção na contestação, pois o réu poderia sempre vir a torná-la superveniente proferindo a declaração compensatória posteriormente ao termo do prazo de contestação ou do encerramento da fase de discussão e julgamento. Por isso, a superveniência da compensação determina-se pelo momento em que se verificam as condições de compensabilidade dos créditos(…)” – negrito nosso.
Melhor analisada a factualidade provada, podemos verificar que a sentença que condenou o recorrido ao pagamento à recorrente da quantia de MOP$91.329,40, na acção ordinária CV2-06-0059-CAO do 2º Juízo Cível do TJB, transitou em julgado em 26 de Novembro de 2007, enquanto o encerramento da discussão na acção laboral de que dependem os autos de execução em apenso ocorreu em 18 de Setembro de 2008, portanto o facto extintivo da obrigação invocado pela recorrente é anterior ao encerramento da discussão no processo laboral, impossibilitando, assim, que tal matéria de excepção seja invocada nos autos de execução em apenso como fundamento de oposição à execução.
Daí que se improcede o recurso interposto pela recorrente.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente Sociedade de Exploração Hoteleira A Limitada, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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Macau, 27 de Fevereiro de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
2 Boletim do Ministério da Justiça, nº 328, página 113
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