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Proc. nº 978/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 6 de Março de 2014
Descritores:
-Audiência de interessados
-Aposentação
-Subsídio de residência

SUMÁRIO:

I - A realização da audiência só se imporá se, apresentado o pedido à Administração, ele tiver tido um desenvolvimento tramitacional com vista à recolha de elementos indispensáveis à decisão. Nisso consiste a instrução de que fala o art. 93º do CPA.

II - A formalidade mostra-se imprescindível nos casos de actividade discricionária, pois aí o papel do interessado pode revelar-se muito útil, decisivo até, ao sentido do conteúdo final do acto. Mas, noutros casos em que é vinculada a actividade administrativa, a audiência pode degradar-se em formalidade não essencial se for de entender que outra não podia ser a solução tomada face à lei.

III - Transpira do art. 98º da Lei Básica que a RAEM apenas garante o pagamento das pensões aos funcionários que tenham mantido o vínculo funcional e adquirido posteriormente à transferência da administração o direito à aposentação.

IV - Se a Lei nº 2/11 tem por destinatários/beneficiários os trabalhadores dos serviços públicos da RAEM, maior evidência não pode haver no sentido de que não pode o legislador ter pensado nos trabalhadores que se aposentaram ao serviço da Administração Pública do Território de Macau (portanto, até 19/12/1999) para efeito da atribuição do subsídio de residência, independentemente do local de residência.

V - Qualquer interpretação que se queira fazer do art. 10º daquela Lei atentaria contra o comando do art. 98º referido, se nele se descortinasse o asseguramento indistinto do subsídio de residência a todos os aposentados, independentemente do momento da aposentação.







Proc. nº 978/2012

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, aposentada, residente em Macau, na Av. Sidónio Pais, nº 30 AB, Edif. Leal Senado, 2º andar, ap. B, recorre contenciosamente para este TSI do despacho do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças de 26/11/2012 que, na sequência de recurso hierárquico, confirmou o despacho da Directora dos Serviços de Finanças, que à recorrente indeferiu o requerimento de atribuição de subsídio de residência.
Ao acto imputa os vícios de forma, por “falta de audiência prévia” (art. 97º do CPA), de violação do art. 10º da Lei nº 2/2011, de 28/03 e dos arts. 2º, 4º, 5º e 7º da Lei nº 8/1999, de 20/12, e erro sobre os pressupostos de facto e de direito (na medida em que os diplomas em que se sustentou a decisão recorrida não faziam depender a atribuição do subsídio de o respectivo direito estar constituído na esfera do recorrente à data da entrada em vigor da Lei nº 2/2011) e violação do princípio da igualdade.
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Contestou a entidade recorrida defendendo a bondade da decisão aqui impugnada.
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Em alegações facultativas, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1. Por acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 26/11/2012, exarado na Informação n.º 504/NAJ/LRB/2012 e notificado a coberto do ofício n.º 265/NAJ/LRB/2012, foi indeferido o abono do subsídio de residência à ora recorrente, que havia sido requerido ao abrigo do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
2. A recorrente nunca se pronunciou no procedimento de 1.º grau, que culminou com o acto da Senhora Directora dos Serviços que naquele procedimento indeferiu o pedido formulado pelo recorrente.
3. A violação do direito de audiência da recorrente imposto pelos artigos 10.º e 93.º e seguintes, ambos do CPA, consubstancia vício de forma determinante da invalidade do acto recorrido, conducente à sua anulação.
4. A dispensa da audiência de interessados prevista no artigo 97.º do CPA exige uma decisão devidamente fundamentada nesse sentido.
5. Não existe no procedimento administrativo qualquer decisão da Senhora Directora da DSF, que dispense a audiência de interessados, e respectiva fundamentação, pelo que a decisão da entidade recorrida que sancionou tal actuação ofende a regra do artigo 97.º do CPA, o que consubstancia vício de violação de lei conducente à anulabilidade do acto recorrido.
6. A Lei n.º 2/2011 expressamente afastou o critério de residência como condição para a atribuição do subsídio previsto no seu artigo 10.º.
7. Essa decisão consta do Relatório das Linhas de Acção Governativa para o ano Financeiro de 2011, na área da Administração e Justiça e da Nota Justificativa que acompanhou o ante-projecto da Lei n.º 2/2011.
8. O abono do transporte para Portugal ao abrigo do DL n.º 14/94/M, não impede à recorrente o acesso ao direito previsto no artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
9. O artigo 10.º da Lei n.º 2/2011 afastou expressamente o critério da residência em Macau como requisito para a concessão do subsídio previsto nessa norma, pelo que o acto recorrido, fazendo depender a atribuição do subsídio ao critério de residência em Macau, viola o disposto naquela regra, o que o torna anulável por vício de violação de lei.
10. O Comissariado Contra a Corrupção interpreta a lei no sentido de que a residência em Macau dos aposentados já não é exigida pela Lei n.º 2/2011 para a atribuição do subsídio de residência e que, de acordo com o teor do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, de 28 de Março, os aposentados que transferiram as suas pensões para a CGA de Portugal devem ter direito ao subsídio de residência.
11. A entidade recorrida indeferiu a atribuição do subsídio de residência com fundamento nos DL nºs 14/94/M, 38/95/M e 96/99/M para aferir dos requisitos de acesso a um direito previsto em legislação da RAEM - a Lei n.º 2/2011.
12. A faculdade de transferir a responsabilidade do pagamento das pensões para a CGA para aqueles que exerceram funções na administração pública do Território de Macau e se aposentaram antes de 19 de Dezembro de 1999, decorreu do Ponto VI do Anexo I da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau, assinado em Pequim em 13/04/1987.
13. Na Declaração Conjunta a Parte Chinesa só se responsabiliza pelo pagamento das pensões de aposentação e de sobrevivência dos trabalhadores da administração pública que se aposentassem depois de 19 de Dezembro de 1999.
14. A Parte Portuguesa assegurou o pagamento das pensões aos aposentados de Macau até 19/12/1999 pelo DL n.º 357/93, de 14 de Outubro, com a consequente regulamentação no Território de Macau, através do DL n.º 14/94/M, do DL n.º 38/95/M e do DL n.º 96/99/M.
15. Havendo aposentados que transferiram o pagamento das pensões para a CGA que permaneceram em Macau, o DL n.º 38/95/M e o DL n.º 96/99/M concede-lhes o direito ao subsídio de residência, mesmo quando tenham exercido total ou parcialmente os direitos conferidos pelo n.º 3 do artigo 17.º DL n.º 14/94/M, maxime o direito de transporte.
16. Transferiu-se a responsabilidade pelo pagamento de pensões de pessoas que permaneceram como aposentados de Macau após 20 de Dezembro de 1999 com todos os direitos inerentes a essa condição, salientando-se o acesso a assistência médica e medicamentosa: os cuidados de saúde.
17. Foi regulada a forma de pagamento das suas contribuições para efeitos de acesso aos cuidados de saúde, nos termos do regime geral em vigor à data da transferência da pensão de aposentação para a CGA, a efectuar directamente junto dos Serviços de Saúde de Macau, por iniciativa de cada um dos interessados.
18. Situação que ainda hoje se mantém para todos os aposentados, independentemente de terem ou não transferido a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA e de terem ou não accionado o direito a transporte para Portugal enquanto direito conexo.
19. Não resulta da legislação invocada no acto recorrido nem dos respectivos preâmbulos que os aposentados que transferiram o pagamento das pensões para a CGA e receberam o abono de transporte não beneficiam do subsídio de residência porque a lei os considerava residentes de Portugal.
20. Mesmo que a recorrente não estivesse abrangido pelo direito ao subsídio de residência previsto naqueles diplomas, a aferição dos pressupostos de acesso a esse mesmo direito definido, ex novo, na Lei n.º 2/2011, só pode ser feita com base na previsão do artigo 10.º desta Lei, única lei vigente na matéria no ordenamento jurídico da RAEM.
21. O acto recorrido, aferindo dos pressupostos ao subsídio requerido com base nos DL nºs 14/94/M, 38/95/M e 96/99/M, incorre em violação do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, vício que o invalida.
22. O Comissariado Contra a Corrupção, pronuncia-se no sentido da inexistência de previsão legal de qualquer requisito da manutenção da residência em Macau, concluindo que não é correcta a interpretação de que, à luz da alínea b) do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 96/99/M, o exercício do direito ao subsídio de transporte leva à caducidade do direito ao subsídio de residência, uma vez que já se eliminou, através da Lei n.º 2/2011 vigente, o segundo requisito, isto é, a residência em Macau.
23. O DL n.º 96/99/M eliminou do n.º 2 do artigo 3.º do DL n.º 38/95/M o limite temporal para o acesso dos aposentados ao subsídio de residência bem como a condição de os mesmos residirem em Macau.
24. A alínea b) do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M, abandona o requisito da prévia existência do direito ao subsídio de residência, no momento da transferência das pensões para a CGA, permitindo que os aposentados que reunissem as condições previstas no artigo 203.º do ETAPM beneficiassem daquele direito, mesmo que anteriormente o não detivessem.
25. Se o legislador apenas pretendesse eliminar o limite temporal fixado, bastaria proceder à alteração do n.º 2 do artigo 3.º do DL n.º 38/95/M, eliminando a referência a 19/12/1999, mantendo a restante redacção da norma.
26. A expressão “mantido”, no corpo do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M, não comporta qualquer referência ao passado.
27. A expressão “mantido”, no corpo do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M, afirma que o direito, em abstracto, permanece no ordenamento jurídico da RAEM, englobando aqueles que não estavam a beneficiar do abono mas que a ele pretendiam aceder, seja pela primeira vez, seja na sequência de uma interrupção de pretérito.
28. Os SAFP emitiram Parecer, em Fevereiro de 2002, afirmando que são aposentados de Macau, para todos os efeitos legais segundo o regime jurídico fixado pelas normas legais aplicáveis, aqueles que transferiram a responsabilidade do pagamento das suas pensões para a CGA.
29. O Senhor Secretário para a Economia e Finanças decidiu em 24/07/2001, a legalidade do direito ao subsídio de residência dos aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento da sua pensão para a CGA, de acordo com o parecer da sua assessoria jurídica elaborado em 23/07/2001.
30. A diferença de tratamento pela entidade recorrida, face à mesma situação factual e à mesma legislação, em 2001 e 2011, consubstancia uma violação do Princípio da Igualdade previsto no artigo 25.º da Lei Básica, que no âmbito de actos praticados no exercício de poderes vinculados é susceptível de os invalidar, por erro nos pressupostos de direito, conducente à sua anulação.
32. Os SAFP, em Maio de 2011, através do ofício n.º 1105120001/DIR, defenderam que o pessoal abrangido pelo DL n.º 96/99/M continua a beneficiar do regime de residência previsto na Lei n.º 2/2011, desde que não esteja abrangido por nenhuma das situações indicadas no n.º 2 do seu artigo 10.º.
33. Não existe qualquer obrigação de continuidade no acesso ao subsídio de residência a coberto da legislação de 1994, 1995, 1999 e 2011.
34. O direito previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º do DL 14/94/M engloba o transporte de pessoas, bagagens e veículo ligeiro de passageiros, sendo o exercício de qualquer um deles condicionado à decisão fixação de residência em Portugal, de acordo com a definição do conteúdo deste direito efectuada pelo n.º 4 da mesma norma e diploma.
35. A entidade recorrida distingue, para efeitos de aferição da pretensa fixação de residência em Portugal, entre aqueles a quem foi abonado o transporte de pessoas dos a quem foi abonado o transporte de bagagens e/ou veículo automóvel.
36. A lei não prevê qualquer distinção de tratamento a conferir àqueles que exerceram o direito ao transporte previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º do DL 14/94/M, consoante o tipo de transporte que requereram e beneficiaram - de pessoas, bagagem ou veículo - pois condiciona todos e cada um deles à fixação de residência em Portugal.
37. A entidade recorrida não pressupõe a fixação de residência em Portugal para aqueles que exerceram o direito a transporte de bagagem e/ou de veículo, ao abrigo da alínea a) do n.º 3 e do n.º 4 do artigo 17.º do DL n.º 14/94/M, mas pressupõe a fixação de residência em Portugal para aqueles que exerceram o direito a transporte de pessoas, ao abrigo da mesma norma.
38. A entidade recorrida devia ter decidido que também aqueles que exerceram o direito a transporte de pessoas, isoladamente ou em conjunto com os demais abonos, têm exactamente o mesmo direito ao subsídio de residência, previsto no artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
39. Esta diferença de tratamento face a um direito de transporte que se encontrava sujeito à mesma condição, traduz vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, decorrente da violação do Princípio da Igualdade previsto no artigo 25.º da Lei Básica.
40. A ausência de Macau num determinado período temporal ou o exercício do direito a transporte ao abrigo do artigo 17.º do DL n.º 14/94/M, não fazem decair o critério de residência para efeitos de acesso ao direito ao subsídio.
41. A entidade recorrida acolheu como fundamento da sua decisão um parecer jurídico que se pronuncia sobre a questão da residência em Macau, matéria regulada na Lei n.º 8/1999.
42. A Lei n.º 8/1999 apenas exige que aqui se tenha residência legalmente consentida, presumindo residentes de Macau os portadores de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM, como é o caso da ora recorrente.
43. O acto recorrido sustenta que a recorrente fixou residência em Portugal, sem que conste no procedimento qualquer documento que demonstre o que alega, em sentido inverso do dever estabelecido no n.º 1 do artigo 86.º do CPA.
44. O acto recorrido afasta, implicitamente, a qualidade de residência que a Lei n.º 8/1999 lhe confere, enquanto titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, para efeitos de atribuição de um direito previsto na legislação da RAEM.
45. O acto recorrido traduz que o pensionista que se ausente da RAEM, no âmbito de um processo de integração que admite o transporte por conta do território em função de uma intenção de residência em Portugal, fica impedido de voltar a residir em Macau e usufruir dos direitos que as leis lhe conferem, por isso lhe retirando o direito ao subsídio de residência, que a Lei n.º 2/2011 lhe concede.
46. Do acto recorrido resulta que a ausência de Macau numa determinada situação ao abrigo de legislação soberana portuguesa condiciona a percepção de um abono geralmente concedido a quem se inclua nas classes inactivas da administração pública de Macau e que aqui permaneça, o que é ilegal, na medida em que o princípio básico do estatuto dos residentes de Macau não pode ser restringido na sequência de uma ausência, ainda que temporária, encontrando-se por isso o acto recorrido ferido de violação de lei, por ofensa aos artigos 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 8/1999, o que o torna anulável.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.ªs entendam por bem suprir, se requer a anulação do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 26/11/2012 que indeferiu ao ora recorrente a atribuição do subsídio de residência, nos termos consentidos pelo artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.º do CPAC:
a) em vício de violação de lei do artigo 97.º do CPA e em vício de forma por preterição da audiência do interessado, imposta pelo artigo 93.º do mesmo Código;
b) em vício de violação de lei por ofensa ao artigo 10.º da Lei n.º 2/2011;
c) em violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na medida em que os diplomas em que se sustentou a decisão recorrida não impunham que o direito ao subsídio de residência se encontrasse constituído na esfera jurídica do recorrente à data da entrada em vigor da Lei n.º 2/2011, nem este diploma exige qualquer outro requisito que não os previstos no seu artigo 10.º;
d) em violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de direito, na medida em que existe uma desigualdade de tratamento consubstanciada na decisão de indeferimento do pedido formulado pelo recorrente, quanto à interpretação da mesma legislação efectuada em 2001 pela entidade recorrida e quanto à presunção de fixação de residência do recorrente com os demais interessados que requereram e lhes foi concedido o mesmo direito a transporte, ao abrigo do n.º 3 e 4 do artigo 17.º do DL n.º 14/94/M;
e) por ofensa aos artigos 2.º, 4.º, 5.º e 7,º da Lei n.º 8/1999.».
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A entidade recorrida, por seu turno, concluiu as suas do seguinte modo:
«I. Na RAEM, a audiência dos interessados, regulada nos artigos 93.º e ss. do Código do Procedimento Administrativo (CPA), é uma decorrência do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares e do princípio da participação, plasmados nos artigos 9.º e 10.º do referido Código.
II. A conformação da relação jurídico-administrativa envolve, por definição, ponderação de interesses públicos e dos administrados. Os portadores destes últimos não poderão ser mantidos fora do procedimento. Daí a importância de que se reveste a audiência dos interessados.
III. Que se concretiza mediante a possibilidade do interessado participar de forma útil no procedimento. A audiência dos interessados serve para obter factos e interesses relevantes para a decisão. Ou seja, não é uma mera formalidade procedimental. A audiência dos interessados há-de revestir-se de alguma utilidade. Existe uma teleologia inerente à sua realização. Não se trata de uma mera pronúncia do interessado, mas sim de um pronúncia útil.
IV. Quando as questões que importem à decisão e as provas já foram fornecidas pelo interessado ou são de conhecimento oficial ou oficioso da Administração a audiência dos interessados pode e deve ser dispensada, por constituir mera duplicação.
V. Caberia ao recorrente o ónus de demonstrar, ou pelo menos sugerir, a insuficiência desses elementos ou que outros poderiam ter sido carreados para o procedimento pela audiência do interessado. Nunca o recorrente mencionou sequer tais elementos.
VI. Não se vislumbra na legislação em vigor, nem o recorrente cita, qualquer norma que preveja a necessidade de um despacho que dispense a audiência prévia, como pretende o recorrente. Ou a audiência é indispensável e a sua não realização implica pelo menos a anulabilidade do acto, ou é dispensável e o acto é legítimo, salvo outra causa de invalidade.
VII. Inexiste preterição de audiência dos interessados quando todos os elementos relevantes para a tomada de decisão são do conhecimento da Administração. Sendo certo que nunca o recorrente mencionou, sequer, que contribuição poderia ter carreado para o procedimento.
VIII. Não se verifica, in casu, violação de lei por preterição da audiência dos interessados, soçobrando toda a argumentação do requerente.
IX. O Decreto-Lei n.º 14/94/M visava a aplicação a Macau do Decreto-Lei n.º 357/93 de 14 de Outubro. Definindo este a integração nos quadros da República Portuguesa dos funcionários do então Território de Macau, o que aquele fez foi regular as condições, em Macau, do modo como se processaria essa integração.
X. O recorrente por se encontrar nas condições prevista na Lei, transferiu a responsabilidade pela sua pensão para a CGA. Isto no âmbito do processo de integração, tendo em conta a transferência da Administração da República Portuguesa para a República Popular da China em 20 de Dezembro de 1999.
XI. Efectuada a transferência da responsabilidade pela pensão para a CGA, previa o Decreto-Lei n.º 14/94/M no artigo 17.º n.º 4 a possibilidade de estes pensionistas beneficiarem de viagem para Portugal para si e familiares, transporte de bagagens e veículo ligeiro, desalfandegamento, bem como seguro.
XII. Dada a extensão do direito consagrado neste número, não se trata de ter direito a uma passagem para Portugal, mas de garantir o transporte de todos os bens móveis do funcionário para Portugal, uma vez que tal é feito na condição de fixar residência em Portugal.
XIII. Dos aposentados que transferiram a responsabilidade para a CGA nem todos requereram o transporte para Portugal. Ficaram alguns a habitar casas património da Administração ou de outros entes públicos, ou apenas permaneceram em Macau.
XIV. Reconhecendo a situação especial destes pensionistas veio o Decreto-Lei n.º 38/95/M no preâmbulo “proceder à sua clarificação, (aplicação do ETAPM) aproveitando-se, ainda, esta oportunidade para acolher outras soluções previstas naquele Estatuto, adaptando-as aos condicionalismos próprios deste processo (de integração) ”.
XV. Segundo o ETAPM, apenas os aposentados residentes em Macau e cuja pensão fosse paga pelo então Território, tinham direito a subsídio de residência. O Decreto-Lei n.º 38/95/M vem modificar a situação dizendo que, após a transferência da responsabilidade pela pensão para a CGA, estes pensionistas manteriam o subsídio. Em suma, os aposentados, que perderiam o direito a subsídio de residência por passarem a sê-lo pela CGA, excepcionalmente, manteriam este direito, enquanto residissem em Macau, e até Dezembro de 1999.
XVI. Os outros aposentados da CGA, que tinham exercido o direito a transporte não tinham direito a subsídio de residência. Porque não se enquadravam nas previsões do Decreto-Lei n.º 38/95/M. Não estavam na situação excepcional de receber pensão não paga pelo Território, mas residirem em Macau. Ao aceitar, na condição de fixar residência em Portugal, o abono de viagem e direitos conexos, ficaram excluídos dos destinatários do Decreto-Lei n.º 38/95/M. Este decreto não lhes era destinado. A sua situação estava totalmente resolvida pela aplicação do Decreto-Lei n.º 14/94/M.
XVII. O Decreto-Lei n.º 38/95/M, cria uma norma excepcional que veio a ser revogada pelo Decreto-Lei n.º 96/99/M que diz no preâmbulo:
“Contudo, parte significativa destes aposentados e pensionistas tencionam continuar a residir em Macau para além de 19 de Dezembro de 1999, mantendo a condição de arrendatários de moradias do Território, bem como o acesso ao subsídio de residência.
XVIII. A que aposentados se refere a Lei? É óbvio que aos que tendo transferido a responsabilidade pelo pagamento da pensão para a CGA, continuaram a residir em Macau, pelo que, excepcionalmente, foi-lhes mantido o direito a subsídio de residência, que doutro modo lhes seria negado pelo ETAPM. O que se confirma no último parágrafo, falando-se em manutenção. Só se pode manter o que já se tem, facto que parece ser ignorado do recorrente, como demonstra no artigo 59.º da sua contestação.
XIX. Assim sendo, alcança-se que tal como não estavam contemplados no Decreto-Lei n.º 38/95/M, continuam excluídos do Decreto-Lei n.º 96/99/M, os pensionistas da CGA que fixaram residência em Portugal, como decorrência da aplicação do n.º 4 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M.
XX. Mais, que não é a condição de residência em Macau plasmada no artigo 203.º do ETAPM que importa para avaliar do direito à sua percepção, mas sim o Decreto-Lei n.º 96/99/M e os que o antecedem na regulação da mesma questão.
XXI. Analisando o parecer referido pelo recorrente verifica-se que se trata de uma questão muito diferente da do recorrente. Trata-se de um funcionário aposentado, que após a transferência da responsabilidade da pensão para a CGA, continuou a residir em Macau, em moradia do património do Território.
XXII. Adquiriu posteriormente moradia própria com o recurso a crédito, e foi-lhe deferido e mantido por duas vezes o subsídio de residência. Quando voltou a requerer a manutenção do subsídio, foi-lhe recusado. Após reclamação vieram o Núcleo de Apoio Jurídico da DSF e o Senhor Secretário para a Economia e Finanças confirmar que tinha direito ao subsídio. De resto, absolutamente de acordo com a tese que vem sendo expendida.
XXIII. Nunca se manteve um direito a subsídio de residência, em abstracto, para os pensionistas em geral da CGA e agora renascido pela alteração das condições antes previstas no artigo 203.º do ETAPM. Os que utilizaram o direito a transporte para Portugal, obviamente deixaram de ter direito a subsídio de residência, e o consagrado nos Decretos-Lei n.º 38/95/M e 96/99/M não se lhes aplica.
Pelo que inexiste vício de violação de lei porque a lei nem sequer se aplica ao recorrente.
XXIV. Pugna o recorrente por uma leitura directa do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011. Em suma, entende que uma vez que não se exige agora a residência em Macau, tem, como aposentado, direito a subsídio de residência. Regista-se o facto, corolário dessa argumentação, que o recorrente reconhece não ter residência em Macau.
XXV. Certamente que o recorrente não admite, por absurdo, que qualquer reformado, seja de onde o for, residente onde for tem direito a subsídio de residência pago pela RAEM.
XXVI. Pelo que sempre se há-de conceder que deve haver uma limitação do universo de aposentados a quem a RAEM deve abonar subsídio de residência.
XXVII. Pelo que quando no artigo 10.º da Lei n.º 2/2011 se refere aos aposentados, forçosamente será aos aposentados da RAEM. A quem esta paga a pensão.
XXVIII. E é precisamente a este conjunto que não pertence o recorrente. Não é aposentado da RAEM, é aposentado da CGA. E tem residência em Portugal.
XXIX. No âmbito do processo de integração, transferiu a responsabilidade pela sua pensão para a CGA e na condição de fixar residência em Portugal, foram-lhe abonados todos os direitos referidos no artigo 17.º n.º 3 e 4 do Decreto-Lei n. º 14/94/M. De outro modo, está integrado na Administração Pública de Portugal, como pensionista.
XXX. O que permite concluir que não se verifica violação de Lei n.º 2/2011 na não atribuição de subsídio de residência ao recorrente, uma vez que não é aposentado da RAEM.
XXXI. Inexiste violação do Princípio da Igualdade perante a Lei, plasmado no artigo 25.º da Lei Básica, uma vez que a não houve diferença de tratamento como afirma o recorrente; afirmação que lhe cabe provar o que não faz, uma vez que remete para dois pontos de uma informação que absolutamente nada diz, implica ou esclarece sobre o assunto.
XXXII. Inexiste vício de violação da Lei n.º 9/1999 quando o estatuto de residente nunca foi posto em causa no procedimento, nem sequer levado em conta, não tendo servido para fundamentar o acto que o recorrente pretende ver anulado.».
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O digno Magistrado do MP opinou nos seguintes termos:
«Tem o presente recurso por objecto o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 26/11/12 que, em sede de recurso hierárquico, manteve decisão da directora dos Serviços de Finanças de indeferimento de pretensão do recorrente, XXX, em receber subsídio de residência ao abrigo da Lei 2/2011, assacando aquele ao acto vícios de forma por falta de audiência prévia, violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito (nestes enquadrando o atropelo da igualdade) e afronta do artº 10º da citada Lei 2/2011 e 2º, 4º, 5º e 7º da Lei 8/1999.
Vejamos:
O direito do interessado a ser ouvido no procedimento, consagrado no artº 93º, CPA, concretiza-se na possibilidade de aquele participar, de forma útil, no procedimento, utilidade essa atinente ao próprio, com a faculdade de apresentar a sua motivação e argumentos que possam, de algum modo, conformar a decisão a ser tomada, constituindo também específica forma de controlo preventivo relativamente à Administração, à qual, desta forma, é possibilitada uma mais ponderada e adequada decisão, mediante a recolha de elementos e dados porventura relevantes para a mesma, permitindo-se, pois, melhor ponderação dos interesses em presença.
Nestes parâmetros, resulta evidente que o direito conferido por lei para pronúncia dos interessados no procedimento há-de conter algum efeito útil não se justificando a mesma quando todos os dados pertinentes a boa decisão se encontram já na posse da Administração, sob pena de se estar a proceder a uma repetição desnecessária, sendo certo que aquela não deixa de se encontrar sujeita ao dever de celeridade, desburocratização e eficiência.
Terá sido precisamente isso que o legislador terá tido em vista ao consignar a dispensa de audiência se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importam à decisão - al a) do artº 97º, CPA.
Ora, no caso, ao formular a sua pretensão, a recorrente introduziu todos os dados e provas que julgou pertinentes e relevantes para o efeito, para além dos que sabia serem do conhecimento oficial e oficioso da Administração, não se vendo que os elementos constantes do procedimento não constituam fundamento suficiente para a decisão, nem que outros, relevantes, pudessem ter sido carreados para o efeito (os quais, aliás, o próprio interessado não adianta), não se descortinando que na motivação do decidido se tenha lançado mão de prova ou elemento “surpresa”, pelo que forçosamente haverá que concluir que, a registar-se a almejada audiência, a mesma não poderia passar, no caso, da mera duplicação do já devidamente registado no procedimento, razão por que a dispensa daquela terá plena justificação, não carecendo tal dispensa, como é óbvio, de qualquer acto administrativo prévio que a sustente, já que a audiência dos interessados constitui, em si, uma formalidade, um elemento do procedimento, dispensável ou indispensável, com as consequências inerentes.
Esgrime a recorrente ainda com a afronta da igualdade, ao que descortinamos, fundado na circunstância de, reportando-se o “direito a transporte” a que alude o artº 17º do Dec Lei 14/94/M (cfr nº 4), não só às pessoas, mas também às bagagens, veículo ligeiro de passageiros e seguro, a entidade recorrida apenas ter accionado a ficção legal da fixação da residência em Portugal, supostamente impeditiva do direito almejado, relativamente aos aposentados que requereram e obtiveram o transporte de pessoas (com ou sem bagagem e veículo), indeferindo-lhes o pedido de atribuição de subsídio de residência, do mesmo passo que o deferiu relativamente àqueles que requereram e a quem foi abonado apenas o transporte de bagagens e, ou, veículo ligeiro de passageiros.
Cremos revelar-se claro não lhe assistir razão também neste domínio, pelo menos quanto à afronta do princípio da igualdade, já que independentemente da razão que possa, porventura, assistir no escrutínio e análise do tipo de transporte requerido e abonado aos pensionistas e aposentados e respectivas consequências à luz do preceituado no artº 17º do Dec Lei 14/94/M, a verdade é que acaba por ser o próprio a esclarecer que os casos efectivamente idênticos mereceram similar tratamento, sendo a diferenciação estabelecida precisamente pelo diferente tipo de transporte requerido e abonado: transporte de pessoas, com ou sem bagagem e veículo ligeiro num “bloco” e transporte de apenas bagagens e ou veículo ligeiro noutro “bloco”.
A diferenciação de tratamento resulta, pois, de diferente circunstância.
Podendo, porventura, questionar-se, como o faz a recorrente, a legalidade dessa diferenciação, a verdade é que se não descortina, a esse propósito, a ofensa da igualdade.
De todo o modo, não deixaremos de frisar a nossa não compreensão das razões por que a Administração condiciona a ficção da decisão de fixação de residência em Portugal à efectivação do transporte de pessoas, quando o normativo (nº 4 do artº 17º do Dec Lei 14/94/M de 23/2) não reporta qualquer destrinça entre aquelas e as bagagens, veículo ligeiro de passageiros ou seguros.
Porquê, à luz de tal dispositivo, ficcionar a decisão da fixação da residência em Portugal apenas relativamente ao transporte de pessoas?
Adiante...
No que tange à pretensa violação de lei, cremos que não andaremos muito arredados da verdade ao entendermos que a questão fulcral a delucidar no caso presente será a de saber se a recorrente, enquanto funcionário aposentado do então Território de Macau, tendo transferido a responsabilidade pelo pagamento da sua pensão para a Caixa Geral de Aposentações no processo de integração (tendo em conta a transferência da Administração da República Portuguesa para a República Popular da China em 20/12/99) e requerido e obtido, para si e seus familiares, os direitos consagrados nos nºs 3 e 4 do artº 17º do Dec Lei 14/94/M (viagem aérea para Portugal, transporte de bagagens e veículo ligeiro e seguro), terá ou não direito ao abono do subsídio mensal de residência a que se reporta o nº 1 do artº 10º da Lei 2/2011 de 1/4.
Desde logo, uma nota: encontramo-nos, de forma geral, de acordo com a análise empreendida pela entidade recorrida no que concerne ao âmbito de aplicação dos diversos diplomas legais que têm regido sobre a matéria, ou seja, no essencial e para o que agora nos ocupa, concordamos que, tendo o exercício do direito a que supra nos reportamos ficado legalmente condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal, a recorrente terá, por esse motivo, deixado de poder usufruir do subsídio de residência a que se reportava o nº 1 do artº 203º, ETAPM, não se podendo arrogar, melhor dizendo, ficando também excluído como “destinatário” das previsões sobre a matéria contempladas pelo Dec. Lei 38/95/M de 7/8, pela razão simples que, nos termos legais, havia, sob ficção legal, fixado residência em Portugal e tais diplomas se reportavam expressamente a residentes em Macau, revelando-se inquestionável, à luz daqueles diplomas, que a situação dos aposentados que transferiram a responsabilidade para a CGA se revela diversa, conquanto tenham ou não exercido o direito de viagem para Portugal nos termos sobreditos, apresentando-se clara a manutenção do subsídio relativamente aos que não fizeram uso daquele direito e sucedendo o inverso ao que o fizeram, como é o caso da recorrente.
Algo diversa se apresenta, porém, a nosso ver, a apreciação do disposto sobre a matéria pelo Dec. Lei 96/99/M de 29/11, diploma que visou garantir aos aposentados e pensionistas que transferiram a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA, a manutenção dos direitos respectivos, designadamente o subsídio de residência (al b) do artº 1º).
É que, se bem se atentar, o seu artº 3º revogou expressamente a al b) do artº 3º do artº 17º do Dec Lei 14/94/M e o nº 2 do artº 3º do Dec Lei 38/95.
E, percebendo-se que na génese dessa revogação se encontrará fundamentalmente, para compatibilização, a necessidade de “quebrar” o prazo limite (19/12/99) do abono do subsídio em questão, a verdade é que era em tais normativos revogados que se expressava o condicionalismo da residência em Macau como condição de percepção do subsídio, sendo que, embora o teor do preâmbulo do citado Dec Lei 96/99/M pareça continuar a apontar como visados os aposentados, naquelas condições específicas, que continuavam a residir em Macau, o normativo aplicável - al b) do artº 1º - não expressa tal circunstância como condicionante do abono daquele beneficio.
Como, de resto, o não faz a Lei 2/2011, diploma que, regulando o regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família dos trabalhadores dos serviços públicos da RAEM, revogou o estipulado na matéria pelo ETAPM (artºs 203º a 212º), sendo que no seu artº 10º, sob o epíteto de “Direito ao subsídio”, se contempla, sem distinções o acesso ao mesmo dos aposentados, em parte alguma se descortinando qualquer diferenciação “negativa” relativamente aos aposentados que, tendo transferido a responsabilidade para a CGA, usufruíram dos direitos contemplados nos já citados nºs 3 e 4 do artº 17º do Dec Lei 14/94/M, ou, dizendo de outra forma, não se alcança do diploma em causa qualquer dispositivo que limite o acesso do direito ao abono do subsídio de residência aos aposentados residentes na Região.
Poderá, porventura, argumentar-se, a esse nível, com o elemento histórico e sistemático, o que, aliás, a entidade recorrida não deixou de empreender.
Só que, para além da especificidade do sucedido com o Dec. Lei 96/99/M e respectivas revogações, o já mencionado Dec. Lei 38/95/M de 7/8 destinou-se, conforme os termos do preâmbulo respectivo, a clarificar e adaptar o ETAPM a determinadas situações específicas do processo de integração dos funcionários de Macau nos Serviços da República Portuguesa e da transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e sobrevivência para a CGA, sendo certo que, como já se frisou, de acordo com o artº 24º da Lei 2/2011, as normas daquele Estatuto (artºs 203º e 204º) referentes à atribuição do subsídio em questão foram expressamente revogadas, passando a vigorar na matéria, “tout court” as disposições daquele diploma, onde, repete-se, em parte alguma se configura o reporte à residência em Macau como condicionante no acesso ao benefício.
Aceita-se que, conforme defendido pela entidade recorrida, deve haver uma limitação do universo de aposentados a quem a RAEM deve abonar subsídio de residência, reportando-se, naturalmente, o normativo em causa - artº 10º - aos aposentados da RAEM.
Só que, aceitando a Administração abranger nesse conceito, para efeitos de atribuição do subsídio de residência, os funcionários que, no processo de integração, transferiram a responsabilidade pelo pagamento das pensões para a CGA e mesmo aqueles que, nessas condições, requereram e obtiveram o direito ao transporte de bagagens e, ou, veículo ligeiro de passageiros para Portugal, não se descortina, à luz do novo diploma em questão, razão válida para afastar do acesso a esse subsídio os aposentados que, nas mesmas condições, no processo de integração, solicitaram e obtiveram o transporte de pessoas para o mesmo país, sendo certo que, no caso da recorrente, não deixou o mesmo de deter o estatuto de residente da RAEM e aqui efectivamente residir.
E, não se diga que, neste contexto, a atribuição daquele subsídio ao recorrente e casos similares constituiria um absurdo por natureza, como parece pretender a recorrida: a partir do momento em que a Administração decide conceder aos aposentados que transferiram a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA (e a quem, portanto, não paga as respectivas pensões) o subsídio de residência, neles se abrangendo mesmo os que, naquelas condições, requereram e obtiveram o transporte para Portugal de bagagens e, ou veículo ligeiro de passageiros e seguro, não se vê que constitua maior “salto” ou algo de transcendente que se possa concluir que, a partir da publicação da Lei 2/2011, tenha a mesma Administração decidido estender a concessão do mesmo aos aposentados naquelas mesmas condições, mas que entenderam requerer também o transporte de pessoas para o mesmo país.
Que se saiba, “a questão humana e social”, a “idade avançada”, as dificuldades de se encontrarem “alternativas de residência compatíveis com a pensão auferida”, algumas das razões invocadas no preâmbulo do Dec. Lei 96/99/M para a manutenção do subsídio de residência aos visados, não serão monopólio dos aposentados que não requereram as passagens para Portugal, ou que só para ali requereram o transporte de bagagens e, ou veículo, razão por que, não estabelecendo o nº 1 do artº 10º da Lei 2/2011 qualquer distinção ou destrinça relativamente aos aposentados, se entende como incorrecta a interpretação efectuada do preceito.
Donde, sermos, por tal via, a entender merecer provimento o presente recurso.».
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Cumpre decidir.
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II - Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III - Os Factos
1 - A recorrente aposentou-se em 1996 e, a seu pedido formulado em 15/05/1995, a responsabilidade pelo pagamento da respectiva pensão foi transferida para a CGA em 1996 (fls. 153, 154, 155, 156), tendo sido efectuado o seu primeiro abono por esta entidade em Dezembro desse ano (fls. 65 do p.a.).
2 - Em Julho de 1999 dirigiu um requerimento ao Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões de Macau pedindo que lhe fossem abonadas as passagens aéreas, bem como o transporte de bagagem para Portugal, onde pretendia fixar residência (fls. 163-174).
3 - Foi deferido e efectuado o pagamento de tais passagens (fls. 163-174).
4 - Regressou de Portugal para Macau em Março de 2000 (fls. 159).
5 - Em 19/04/2011 o recorrente formulou o pedido de atribuição do subsídio de residência, acompanhado dos documentos de instrução respectivos (fls. 63 do p.a.).
6 - Nesse requerimento o recorrente afirmou não habitar em moradia do património da RAEM ou de qualquer outra pessoa colectiva pública e não ter beneficiado de passagens aéreas de transporte para fixação de residência em Portugal nos termos da alínea a), do nº3 e 4, ambos do art. 17º do DL nº 14/94/M, de 23 de Fevereiro (doc. cit.).
7 - Através do Ofício n.º 485/DDP/DCP/2012, de 01/02/2012, da Direcção dos Serviços de Finanças (doravante “DSF”) o recorrente foi notificado da decisão que recaiu sobre o pedido do referido subsídio, da qual se transcreve o seguinte por ser a sua parte relevante:
“…verifica-se que V. Ex.ª já auferiu do abono de passagem aérea para fixação de residência em Portugal nos termos do nº 4 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M.
Conforme se deduz explicitamente do parecer constante do ofício n.º 1106010005/DIR, de 01/06/2011, emitido pelos SAFP, sobre esta matéria, onde se afirma:
“Estando o exercício do direito ao transporte por conta da RAEM condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal, conforme o disposto no n.º 4 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M, somos do entendimento que o pessoal que tenha exercido o direito ao transporte por conta da RAEM regulado na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M, deixa de reunir o pressuposto decorrente do Decreto-Lei nº 96/99/M e, em consequência, deixa de poder manter o direito ao subsídio de residência nos termos do ETAPM e, desde 1 de Abril de 2011, nos termos da Lei nº 2/2011” (fls. 48 do p.a).
8 - Não se conformando com tal decisão a recorrente apresentou, em 8/03/2012, recurso hierárquico necessário dirigido ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças, impugnando graciosamente o despacho de indeferimento da Senhora Directora da DSF (doc. fls. 24 do p.a.).
9 - Foi prestada a Informação nº 504/NAJ/LRB/2012 de 15/11/2012, com o seguinte teor:
«Na sequência do recurso hierárquico dirigido ao Sr. Secretário para a Economia e Finanças, interposto por A, e cumprindo o despacho da Srª Coordenadora do NAJ, de 8/03/2012, cumpre emitir parecer.
Questão prévia
Insere-se o presente recurso numa série, que versa a mesma questão de facto, a decidir no âmbito de mesma legislação. A motivação consiste no indeferimento da pretensão a receber subsídio de residência, nos termos da Lei n.º 2/2011, apresentada por aposentados da Caixa Geral de Aposentações (CGA).
A questão de fundo, é a de saber se os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento das pensões de reforma para a CGA, e beneficiaram do direito a transporte de pessoas e bens para Portugal, na condição de aí fixarem residência, ao abrigo do estipulado nos nºs 3 e 4 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M, face ao disposto no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, passam a ter direito a receber subsídio de residência, uma vez que deixou de constar neste normativo a condição de residência na RAEM.
Entendem os recorrentes que sim. Eliminada a exigência de residência, a condição estabelecida no Decreto-Lei n.º 14/94/M deixaria de operar e portanto podem começar a receber subsídio de residência.
A Administração assim não entendeu e indeferiu todos os pedidos. Na verdade, sendo aposentados da CGA e, presumidamente, residentes em Portugal, estão completamente desligados da Administração da RAEM. Excepcionalmente, por considerações de ordem social e justiça social, aos aposentados da CGA que decidiram manter a residência em Macau, não usufruindo das passagens previstas no Decreto-Lei n.º 14/94/M, fui mantido o direito a subsídio de residência. Como melhor se explica infra.
Inconformados com a decisão, recorreram hierarquicamente, apresentando todos os recursos a mesma argumentação de fundo. Assim sendo, foi um primeiro recurso apreciado e submetido a decisão superior, com a proposta de indeferimento. Atendendo à identidade da questão de fundo c do enquadramento jurídico, a decisão final deve ser a mesma para todos os recorrentes.
Superiormente, foi decidido proceder a uma reavaliação da questão. Efectuada a reavaliação, não se encontraram fundamentos legais na legislação actualmente em vigor, para alterar o sentido da decisão. Procedeu-se, quiçá, a uma melhor explanação dos fundamentos da proposta de indeferimento.
Veio esta a merecer a concordância superior. Pelo exposto, é lícito esperar que todos os recursos venham a merecer idêntica decisão, com base na fundamentação ora expendida.
Recurso hierárquico necessário.
Deu entrada a 07 de Março de 2012 nestes Serviços recurso hierárquico necessário, interposto por A e aí melhor identificada, do indeferimento da pretensão a subsídio de residência apresentado pela recorrente.
Objecto do recurso
Constitui objecto do presente recurso o despacho da Sr.ª Directora da Direcção dos Serviços de Finanças, (DSF) de 31/01/2012 lavrado na Informação n.º 411/DCP-DDP/2011, de 16/01/2012, que indeferiu a pretensão a subsídio de residência do ora recorrente.
O Senhor Secretário para a Economia e Finanças é a entidade competente para decidir, nos termos do disposto no artigo 153.º e no n.º 2 do artigo 156.º ambos do Código do Procedimento Administrativo.
Dos factos
1. A ora recorrente apresentou uma declaração para efeito de atribuição de subsídio de residência nos termos do artigo 10.º n.º 1 da Lei n.º 2/2011, a que juntou cópias do BIRP, do cartão de pensionista da Caixa Geral de Aposentações (CGA), caderneta bancária e recibo da CEM.
2. A 16/01/2012 foi elaborada a informação n.º 411/DCP-DDP/2012, na qual foi exarado despacho da Sr.ª Directora da DSF de 31/01/2012.
3. Foi notificado a recorrente, através do ofício n.º 485/SAP/DDP/DCP/2012 de 01/02/2012 da impossibilidade de proceder à atribuição do subsídio de residência visado.
4. Consta do procedimento que a recorrente exerceu o seu direito a transporte para Portugal, nos termos do n.º 3 e ss. do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M de 23 de Fevereiro.
Apreciação do recurso
A recorrente assaca ao despacho da Sr. Directora Substituto supra mencionado, o acto administrativo em causa, três vícios:
I. Vício de forma, por preterição da audiência prévia
II. Vício de violação de lei - artigo 10.º da Lei n.º 2/2011
III. Vício de violação de lei - artigos 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei 8/1999
I. Sobre o pretenso vício de forma
1. Começa-se por analisar o vício de forma, uma vez que a confirmar-se a razão da recorrente o acto é anulável, ex vi do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), independentemente da conformidade ou não do seu conteúdo com a Lei.
2. Tem a recorrente absoluta razão quando diz que não foi chamado a pronunciar-se oralmente ou por escrito e que inexistem, in casu, os motivos elencados no artigo 96.º do CPA em que tal formalidade é dispensável.
3. Já não quando cita o aresto do Tribunal de Segunda Instância, proferido no processo 234/2003. Na própria citação constante do ponto 21 do recurso, diz-se “...nas circunstâncias concretas do caso...”. E, no caso, trata-se de um procedimento sancionatório, onde, é óbvio, a audição do interessado configura-se nos moldes de um direito de defesa, de contraditar. O que aqui não se aplica.
4. Cabe aqui dizer que, se a cada pretensão dos particulares fosse a Administração obrigado a promover audiências, os serviços ficariam paralisados. Importantes como são, o direito que assiste aos particulares de serem ouvidos, artigo 10.º do CPA, não é um direito absoluto, Pelo que o legislador previu as situações em que a audiência é dispensável.
5. Crucial para aferir da eventual preterição desta formalidade essencial, é o disposto no artigo 97.º do CPA (sublinhados nossos):
Artigo 97.º
(Dispensa de audiência dos interessados)
O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.
6. A questão é de saber se o interessado já se pronunciou ou não sobre as questões que importem ao procedimento.
7. Ora quando o interessado apresentou a declaração que consta do procedimento, todos os elementos pertinentes à decisão ficaram expressos.
8. Aliás, a recorrente não faz menção, nas suas doutas alegações, de qualquer elemento que pudesse ter carreado para o procedimento, que tivesse a virtualidade de alterar o sentido da decisão ou habilitar a uma melhor apreciação e decisão.
9. Compreende-se o equívoco da recorrente. A Administração bastou-se com uma declaração, acompanhada com cópias de documentos para iniciar o procedimento. Tivesse a recorrente apresentado um requerimento, claro se tornaria a inexistência da necessidade da audiência.
10. Porque, reitera-se, não é necessário que para todos os requerimentos se tenha de socorrer de audiência do interessado. No caso trata-se, apenas, de aplicar o que dispõe Lei ao pedido do interessado, concessão de subsídio de residência ao abrigo do estipulado no artigo 10.º da Lei 2/2011, sendo conhecidos todos os dados jurídicos relevantes. Como prevê o artigo 97.º a) do CPA. Sendo certo que, ainda que se pretendesse dever a mesma ter sido observada, a sua preterição jamais teria caracter invalidante, uma vez que a decisão tomada é a única legalmente possível.
11. Pelo que soçobra a argumentação da recorrente.
12. Em conclusão, inexiste qualquer preterição de audiência prévia.
II. Vício de violação de lei - artigo 10.º da Lei n.º 2/2011
1. Entende a recorrente que o artigo 10.º da Lei n.º 2/2011 deve ser interpretado literalmente. Para o que interessa ao caso, atribui subsídio de residência a todos os reformados, com as únicas excepções contidas no seu n.º 2.
2. Para tanto faz uma interpretação de parte do articulado no n.º 2 artigo 3.º de Decreto-Lei n.º 38/95/M. Vejamos todo o texto deste número:
2. Os pensionistas que têm direito a subsídio de residência, nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, após a transferência da respectiva pensão para a CGA mantêm esse direito, até 19 de Dezembro de 1999, enquanto residirem no território de Macau, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças.
3. Quer a recorrente concluir deste número que o termo “mantêm” apenas quer dizer que o direito, em abstracto, permanece no ordenamento jurídico da RAEM.
4. Não se consegue acompanhar o raciocínio da recorrente, Do texto retira-se que:
a) quem tem nos termos do ETAPM direito a subsídio de residência - condição prévia;
b) depois de transferirem a pensão para a CGA
c) mantêm esse direito
d) na condição de continuarem a residir em Macau
É óbvio que quem tem direito a subsídio de residência nos termos do ETAPM e que não transferiu a pensão para a CGA continua a ter esse direito. A norma pretende regular a situação dos que, tendo direito a subsídio de residência, transferiram a pensão para a CGA.
5. E para estes determina que, na condição de continuarem a residir em Macau, esse direito será mantido, até 19 de Dezembro de 1999.
6. Se bem se entende o alcance que a recorrente quer retirar desta norma, ela significaria que o direito a subsídio de residência, permanece no ordenamento da RAEM, pelo que, quando se alteram os pressupostos da sua concessão, como o faz a Lei n.º 2/2011, apenas há que cuidar da verificação destes novos pressupostos para conceder o direito.
7. Diga-se de passagem, que esta norma foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 96/99/M.
8. Supõe a recorrente, mal, que ausência de Macau, ou o uso do direito consagrado no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M, não põe em causa o critério de residência, pelo que, a todos os reformados agora residentes em Macau, se deve aplicar directamente o estipulado no Lei n.º 2/2011.
9. Para clarificar a situação, urge fazer uma recapitulação mais completa da situação jurídica em questão.
10. O Decreto-Lei n.º 14/94/M de 23 de Fevereiro veio regulamentar a aplicação no então Território de Macau do Decreto-Lei n.º 357/93 de 14 de Outubro - legislação da República Portuguesa - No artigo 2.º define-se o seu âmbito de aplicação. Na alínea b) refere-se ao pessoal que reuna condições de transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e sobrevivência para a Caixa Geral de Aposentações. É neste pessoal que se integra a recorrente.
11. Reza o 17.º, sob a epígrafe Direitos, na parte que nos interessa, (sublinhados nossos):
3. Ao pessoal a quem tenha sido autorizada a transferência das respectivas pensões para a CGA é mantido o direito a:
a) Transporte para Portugal por conta do Território;

4. O direito a transporte referido neste artigo compreende o transporte de pessoas, o transporte e desalfandegamento de bagagens e de veículo ligeiro de passageiros, bem como os respectivos seguros, sendo o seu exercício condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal.
12. Ou seja, define o conteúdo do direito, e uma condição para o seu exercício: fixação de residência em Portugal. Como consequência, aos aposentados que fizessem a transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e sobrevivência para a Caixa Geral de Aposentações e exercerem o direito a transporte, a Lei presumia que tivessem fixado residência em Portugal.
13. De outro modo, considerava que tinham deixado de residir em Macau. E daí retirava as consequências no que tange ao subsídio de residência: deixavam de poder usufruir desse direito, atento o facto de não terem residência em Macau, para esse efeito.
14. Posteriormente, veio o Decreto-Lei n.º 38/95/M esclarecer no seu artigo 3.º que para os pensionistas que tendo transferido a sua pensão para a CGA, tinham direito a subsídio de residência, nos termos do ETAPM, isto é, que residiam em Macau, e enquanto aqui residissem, lhes era assegurado o subsídio de residência, até 19/12/1999.
15. Por exclusão de partes, os outros, como é óbvio, que não residiam em Macau, por terem beneficiado do direito a transporte, continuavam a não ter esse direito. Note-se que tudo se passa durante a Administração Portuguesa. São aposentados da Administração Portuguesa, que optaram por receber as suas pensões pela Caixa Geral de Aposentação de Portugal e que usufruíram do direito a transporte para Portugal, porque aí iam fixar residência. A ligação ao então Território de Macau deixava, em termos legais de existir. Passaram a ser aposentados de Portugal.
16. Ainda mais tarde, o Decreto-Lei n.º 96/99/M veio prolongar esse direito no tempo. Retirou o limite temporal anteriormente estabelecido, 19/12/1999. Mais esclarecedor é, no entanto, o preâmbulo:
...parte significativa destes aposentados e pensionistas (da CGA mas que se tinham mantido em Macau, sem exercer o direito a transporte) tencionam continuar a residir em Macau para além de 19 de Dezembro de 1999, mantendo a condição de arrendatários de moradias do Território, bem como o acesso ao subsídio de residência.
Assim, o Governo de Macau não pode alhear-se da questão humana e social, atendendo à idade avançada da maior parte destes cidadãos, à dificuldade destes encontrarem alternativas de residência compatíveis com a pensão auferida, assim como ao desenraizamento provocado pelo abandono da sua residência habitual e da comunidade circundante.
17. O presente diploma visa, por questões humanas e sociais, portanto excepcionalmente, garantir aos aposentados e pensionistas que tinham transferiram a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA, a manutenção dos referidos direitos
18. O conjunto dos pensionistas da CGA continuou a compreender duas classes: os que tinham mantido a residência em Macau, e os que, tinham utilizado o direito de transporte para Portugal. Os primeiros viram estendido esse direito no tempo. Os segundos, continuaram a ser considerados como não residentes em Macau, para o efeito de pagamento de subsídio de residência.
19. Aliás, o preâmbulo deste normativo é bem explícito. Trata-se de proteger os reformados que, apesar de o serem pela CGA, por manterem a residência em Macau, devem ser auxiliados.
20. Os outros estão afastados dos cuidados da Lei. O Decreto-Lei n.º 14/94/M operou um corte,
21. A remissão para o ETAPM, feito no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 96/99/M, tem por âmbito de aplicação, por pressuposto, a classe de reformados da CGA que mantiveram a sua residência em Macau.
22. Significa que não é a exigência de residir em Macau plasmada no artigo 203.º n.º 1 do ETAPM que aqui opera em primeiro lugar. A que opera em primeiro lugar é a referida, contida no Decreto-Lei n.º 14/94/M.
23. Após satisfazer esse requisito, é que passam a operar os pressupostos do artigo 203.º do ETAPM.
24. Chegados a 2011, a Lei 2/2011 revogou a norma referida no ponto anterior.
25. Mas não revogou a primeira exigência estabelecido no Decreto-Lei n.º 14/94/M. E por isso esta continua a operar.
26. E é por força deste normativo que, os pensionistas da CGA, que beneficiaram do direito a transporte, não têm direito a subsídio de residência.
27. A Lei n.º 2/2011 não criou um direito ex novo para estes aposentados. Alargou o âmbito dos beneficiários, com a supressão da restrição da posse de habitação própria livre de encargos e a residência.
28. Importa esclarecer que não se trata, como diz o requerente, de uma espécie de “trato sucessivo”. Do que se trata é de determinar o regime jurídico a que está sujeito o requerente. E da continuidade do sistema jurídico da RAEM, como consta do artigo 8.º da Lei Básica.
29. Acresce que este entendimento está conforme com o facto da recorrente, embora residente permanente da RAEM, só agora vir requerer o subsídio em causa. Se se tratasse de mera questão de residência, sempre teria tido direito ao subsídio.
30. Fica assim demonstrada a inexistência de violação da Lei n.º 2/2011 pelo acto em crise.
III. Do vício de violação de lei - artigos 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei 8/1999
1. Com o devido respeito, que é muito, não se acompanha a argumentação do recorrente no que concerne à violação da Lei n.º 8/1999.
2. É que em todo o procedimento nunca foi posto em causa o estatuto de residente da RAEM da recorrente.
3. Como supra se referiu, a lei considerou que, o exercício do direito ao transporte para Portugal é condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal.
4. E preciso é convir que a norma faz sentido. Todo o conteúdo do direito, transporte de pessoas, bens, seguros, entre outros, é compreensível visando a finalidade de fixação de residência fora da, agora, RAEM.
5. Nunca como um prémio.
6. Os termos em que está redigida a norma não implicam qualquer consideração sobre o estatuto de residente ou não. A recorrente foi e é livre de estabelecer residência onde melhor lhe aprouver, de acordo com as leis locais.
7. O que a lei fez foi condicionar um direito. Exercido o direito, considera a lei que a condição foi satisfeita e retira daí as devidas consequências. Para os efeitos que a lei pretende regular.
8. Não é nada de novo. Como exemplo, o artigo 5.º do ETAPM diz:
Artigo 5.º
(União de facto)
1. Aqueles que não sendo casados ou, sendo-o, se encontrem separados judicialmente de pessoas e bens e vivam, há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges são havidos como cônjuges para efeitos do presente diploma.
9. Não se trata de uma alteração ao Código Civil então vigente. Apenas para efeitos de aplicação do estatuto, se criou uma regra e restringe-se o seu âmbito de aplicação ao estatuto. O que tem consequências, pacificamente aceites.
10. Repete-se não se descortina lugar algum onde se tenha posto em causa o estatuto de residentes do recorrente. Como supra se demonstrou, nem isso é necessário.
11. Pelo que não pode haver qualquer violação da Lei n.º 8/1999, quando ela nunca foi considerada, nem sequer tida em conta, no procedimento que se concluiu com o acto administrativo sub judice.
結論 Conclusão
當上訴人向當局遞交含作出決定的所有資料的申請書時,就不存在忽略預先聽證的形式瑕疵,因為《行政程序法典》第九十七條a項規定,當作出決定的所有資料已被提供時,免除預先聽證,這就如本個案。肯定上訴人沒有可證明預先聽證的任何理由或資料附入程序。除此之外,即使不是這樣理解,忽略絕沒有無效的特徵,因為採取的決定是唯一可依法而行的決定。
Quando a recorrente apresenta um requerimento à Administração onde constam todos os elementos pertinentes à tomada de uma decisão, inexiste vício de forma por preterição de audiência prévia, uma vez que o artigo 97.º alínea a) do CPA, dispensa a audiência prévia quando, como no caso, todos os elementos atinentes à decisão já foram fornecidos. Sendo certo que a recorrente não aduz qualquer razão ou elemento a carrear para o procedimento que pudesse justificar a audiência prévia. Além disso, ainda que assim se não entendesse, a preterição jamais teria carácter invalidante, uma vez que a decisão tomada é a única legalmente possível.
正如第14/94/M號法令第十七條第三款和第四款的明確規定,上訴人是依照在葡萄牙定居的條件,才能行使運輸人和物往葡萄牙的權利。為此,上訴人不列入第96/99/M號法令範圍內,因為這項法令僅適用已將退休金和撫恤金責任轉往退休事務管理局且己決定留居澳門的退休人士。這項法令澄清及擴展了載於第14/94/M號法令的1999年12月19日房屋津貼日期的權利。為此,第2/2011號法律不適用於上訴人,因為這項法律僅擴展了受惠人的範圍,而這些受惠人不是因第14/94/M號法令而被排除的人士。為此,沒有違反第2/2011號法律。
A recorrente, ao ter exercido o direito a transporte de pessoas e bens para Portugal, consagrado no artigo 17.º nºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 14/94/M, fê-lo, na condição de fixação de residência em Portugal como é claramente expresso nessas normas. Por isso fica excluído do âmbito de aplicação do Decreto-Lei 96/99/M, uma vez que este apenas se aplica aos reformados que, tendo efectuado a transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e sobrevivência para a Caixa Geral de Aposentações, tinham decidido permanecer em Macau. Este decreto veio clarificar e estender o direito a subsídio de residência para lá da data de 19/12/1999, que constava do Decreto-Lei n.º 14/94/M. Pelo que à recorrente é inaplicável a Lei n.º 2/2011. Esta apenas alarga o âmbito de beneficiários, de entre os que, não foram excluídos pelo Decreto-Lei n.º 14/94/M. Pelo que não houve violação da Lei n.º 2/2011.
在作出有關行為的程序中,上訴人的居民身份沒有被考慮,故沒有違反法律的瑕疵,尤其是第8/1999號法律第二條、第四條、第五條和第七條規定。法律為着本身規定的目的,才制定上訴人留居葡萄牙方得行使運輸權的條件。第14/94/M號法令、被上訴批示及依該批示完成的程序均沒提及上訴人有否居民身份。
Não existe vício de violação de lei, nomeadamente dos artigos 2.º,4.º,5.º e 7.º da Lei n.º 8/1999, quando em parte nenhuma do procedimento que conduziu à prolação do acto sub judice, se desconsiderou o estatuto de residente do recorrente. É a lei que condiciona o exercício ao direito a transporte da recorrente à fixação de residência em Portugal, para os efeito que a própria lei visa disciplinar. Não se pronuncia nem o Decreto-Lei n.º 14/94/M, nem o despacho recorrido, nem o procedimento que culminou nesse despacho sobre o estatuto de residente ou não da recorrente.
為此,建議訴願理由不成立及有關行為維持不變。
Pelo que se propõe o indeferimento do recurso e a manutenção do acto. » (fls. 9 a 23 do p.a.).
10 - O Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças, em 26/11/2012, decidiu o seguinte (a.a.):
“Concordo com o parecer. Indefiro o respectivo recurso hierárquico” (fls. 9 do p.a. apenso).
***
IV - O Direito
1 - Do vício de forma por falta de audição prévia (conclusões 2ª a 6ª).
Defende a recorrente que o acto deveria ter sido precedido de audiência de interessados, nos termos do art. 97º, al. a), do CPA.
Entremos rapidamente na análise do vício. A audiência prévia constitui uma importante fase procedimental, por representar o momento em que a Administração realiza já uma ideia, tem já concebido o sentido provável de como vai ser a decisão a tomar, veiculando-a ao interessado para que ele mesmo possa manifestar-se sobre ela, aceitando-a ou, tendo-a por ilegal ou injusta, apresentando subsídios em ordem a fazer a Administração alterar o rumo da projectada solução administrativa sobre o caso concreto. Esta formalidade visa, pois, dotar a Administração do maior conjunto de elementos necessários à decisão, para que ela não venha a sofrer de algum vício que, nesse momento, a Administração não esteja, porventura, a vislumbrar. Portanto, tem esse duplo fim: assegurar o direito de contradição e defesa do interessado e procurar induzir a entidade administrativa a uma decisão acertada sob todos os pontos de vista. Por isso, ela é geralmente considerada formalidade essencial, cuja omissão pode levar à anulação do acto, salvo nos casos (de criação legal) de inexistência (art. 96º, do CPA) ou de dispensa (art. 97º do CPA) ou, ainda, nas situações (de criação doutrinal/jurisprudencial) de actividade vinculada em que a posteriori se venha a concluir que a falta da diligência em nada interferiu, nem podia interferir, com a validade do acto em virtude de o respectivo conteúdo decisório, em caso nenhum, não poder ser outro.
Todavia, o Código de Procedimento Administrativo, no seu art. 93º, faz depender a necessidade de audiência da existência prévia de uma acção procedimental instrutória (“…concluída a instrução…”). Quer isto dizer que a realização da audiência só se imporá se, apresentado o pedido à Administração, ele tiver tido um desenvolvimento tramitacional com vista à recolha de elementos indispensáveis à decisão. Nisso consiste a instrução. Na verdade, o conceito de “instrução” integra toda a actividade administrativa destinada a captar os factos e dados relevantes para a decisão final, nela se incluindo informações, pareceres e realizações de diligências, necessários à prolação de tal decisão1. Daí que não seja sequer necessário proceder à formalidade em causa se, após o requerimento do interessado a Administração, o decide sem efectuar tais diligências instrutórias, por desnecessárias e não obrigatórias2.
É bom que se diga, por outro lado, que além dos casos de inexistência e de dispensa já referidos, nem sempre a omissão da formalidade conduz à invalidade do acto. Referimo-nos agora às situações (de criação doutrinal/jurisprudencial) de actividade vinculada em que a posteriori se venha a concluir que a falta da diligência em nada interferiu, nem podia interferir, com a validade do acto em virtude de o respectivo conteúdo decisório, em caso nenhum, não poder ser outro. Isto é, sem dúvida que a formalidade se mostra imprescindível nos casos de actividade discricionária, pois aí o papel do interessado pode revelar-se muito útil, decisivo até, ao sentido do conteúdo final do acto. Mas, noutros casos em que é vinculada a actividade administrativa, a audiência pode degradar-se em formalidade não essencial se for de entender que outra não podia ser a solução tomada face à lei3, caso em que se acciona o princípio do aproveitamento do acto administrativo. É este, precisamente, o caso dos autos, em que a Administração agiu vinculadamente e com respeito pelos ditames da lei.
Ora, no caso em apreço, duas são as circunstâncias que obstam à procedência do vício.
A primeira é a seguinte: se a insurgência do recorrente é contra o acto administrativo impugnado (o acto do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças), então estamos a falar de um acto administrativo praticado num procedimento de 2º grau4. Na medida em que o interessado teve oportunidade de se manifestar contra a bondade jurídica do acto decisório de 1º grau, desferindo-lhe os golpes que muito bem entendeu certeiros e pertinentes, os fundamentos que nesse sentido invocou haverão de ser avaliados pela entidade competente para a prática do acto secundário. Ou seja, aquilo que pode ter faltado no 1º grau do procedimento veio a ser suprido no próprio procedimento de 2º grau (recurso hierárquico), o que permitiria ao órgão decisor ficar inteirado das razões manifestadas pelo interessado no sentido de uma decisão diferente da recorrida, acolhendo-as ou rechaçando-as. Por isso se diz que a falta de audiência de interessados apenas tem especial sentido quando referida ao acto final do procedimento de 1º grau e não às decisões ulteriores tomadas em sede de impugnação administrativa5.
A segunda é esta: se o recorrente imputa o vício pretendendo dizer que ele foi cometido no procedimento administrativo de 1º grau, então, razão vemos para que a formalidade não pudesse ser cumprida. A circunstância de serem cerca de 150 os processos administrativos desencadeados por outros tantos aposentados permite formar a ideia de se estar em presença de processos em massa, o que poderia levar a entidade administrativa a não ter que efectuar a audiência. Assim o permite a 1ª parte da alínea c) do art. 96º do CPA.
Portanto, por qualquer das razões apontadas, improcede este vício.
*
2 - Do vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito
Este vício consta da alínea c) das conclusões da petição inicial e visa, no fundo e tal como decorre do articulado, desferir uma crítica ao acto, devido ao modo como ele interpretou algumas disposições dos diversos diplomas, nomeadamente do DL nº 14/94/M, de 23/02, DL nº 38/95/M, de 7/08 e do DL nº 96/99/M, de 29/11. E se isto é assim, então o problema não será tanto um erro sobre os factos, mas um erro sobre o direito aplicado.
De qualquer modo, a compreensão exacta do problema impõe-nos uma incursão ao iter histórico-normativo, cujo início relevante, e dispensada maior amplitude temporal, remonta à Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau (assinada em Pequim em 13/04/1987 e publicada no Boletim Oficial de Macau nº 23, 3º Suplemento, em 7/06/1988), cujo parágrafo VI dispõe do seguinte modo:
“Após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os nacionais chineses e os portugueses e outros estrangeiros que tenham previamente trabalhado nos serviços públicos (incluindo os de polícia) de Macau podem manter os seus vínculos funcionais e continuarão a trabalhar com vencimentos, subsídios e benefícios não inferiores aos anteriores. Os indivíduos acima mencionados que forem aposentados depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau terão direito, em conformidade com as regras vigentes, a pensões de aposentação e de sobrevivência em condições não menos favoráveis do que as anteriores, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência” (negrito nosso).
Esta questão dos vínculos e da aposentação, aliás, veio a ser plasmada na Lei Básica de Macau promulgada pelo Presidente da República Popular da China em 31 de Março de 1993 para entrar em vigor em 20/12/1999. E o fio que percorre o articulado desta Lei Básica, a respeito deste assunto, vem na mesma linha da Declaração Conjunta.
Efectivamente, relativamente à possibilidade de manutenção dos anteriores vínculos funcionais, o art. 98º, 1º parágrafo preceitua que:
“À data do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os funcionários e agentes públicos que originalmente exerçam funções em Macau, incluindo os da polícia e os funcionários judiciais, podem manter os seus vínculos funcionais e continuar a trabalhar com vencimento, subsídios e benefícios não inferiores aos anteriores, contando-se, para efeitos de sua antiguidade, o serviço anteriormente prestado” (negrito nosso).
E no que ao aspecto fulcral da aposentação concerne, o 2º parágrafo do mesmo art. 98º textua que:
“Aos funcionários e agentes públicos, que mantenham os seus vínculos funcionais e gozem, conforme a lei anteriormente vigente em Macau, do direito às pensões de aposentação e de sobrevivência e que se aposentem depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, ou aos seus familiares, a Região Administrativa Especial de Macau paga as devidas pensões de aposentação e de sobrevivência em condições não menos favoráveis do que as anteriores, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência” (negrito nosso).
Daqui se pode inferir, facilmente, que a RAEM se comprometeu a assegurar a pensão de aposentação aos trabalhadores que, após a transição (após 19/12/1999), tivessem mantido os seus anteriores vínculos funcionais e posteriormente aqui se viessem a aposentar. Seriam aposentados de Macau!
*
Mas no que respeita ao subsídio de residência, talvez importe perceber o périplo legislativo, que teve o seu início preponderante no art. 203º do ETAPM (DL nº 87/89/M, de 21/12)6, que assim prescreve:
“1. Os funcionários e agentes em efectividade de funções, desligados do serviço para efeitos de aposentação ou aposentados, que residam em Macau e recebam, total ou parcialmente, vencimento, salário ou pensão por conta do Território, têm direito a um subsídio de residência de montante constante da tabela n.º 2, ou de importância igual à renda paga se esta for inferior àquela quantia.
2. O direito ao subsídio é atribuído a todos os funcionários e agentes ainda que existam entre eles relações de parentesco e residam na mesma moradia.
3. O direito previsto no número anterior é extensivo aos assalariados com mais de seis meses de serviço efectivo e ininterrupto, enquanto se mantiverem em funções.
4. Exceptuam-se do disposto no n.º 1 os trabalhadores que se encontrem numa das seguintes situações:
a) Habitem casa do património do Território, dos serviços autónomos ou dos municípios;
b) Tenham casa própria, salvo quando esteja sujeita a encargos de amortização.
5. A atribuição do subsídio depende de declaração a apresentar pelo trabalhador no respectivo serviço, na qual deve declarar, sob compromisso de honra, o montante da renda paga e, ainda, que não se encontra nas situações previstas no número anterior.
6. Junto com a declaração a que se refere o número anterior deve o trabalhador fazer prova que habita em casa arrendada, subarrendada ou em qualquer outra situação pela qual uma das partes se obrigue a proporcionar a outra o gozo temporário de um imóvel mediante retribuição.
7. No decurso do mês de Dezembro de cada ano, o trabalhador, com subsídio de residência atribuído deve apresentar, junto do respectivo serviço, a declaração a que se refere o n.º 5, bem como o recibo da renda de casa ou da retribuição, a que se refere o n.º 6, relativo ao mês imediatamente anterior.
8. Haverá redução rateada do subsídio de residência no caso do valor da renda ser inferior ao montante global dos subsídios atribuídos a trabalhadores que residem na mesma casa.
9. A inobservância do disposto no n.º 7 determina a suspensão do respectivo abono até ao mês, inclusive, da apresentação dos referidos documentos”.
Nessa altura, e como se vê, o subsídio de residência era conferido aos aposentados que recebessem pensão “por conta do Território” (nº1), ficando dependente da condição declarada de o trabalhador habitar em casa arrendada, subarrendada ou em situação de gozo temporário de imóvel mediante retribuição (nº5). Direito que seria, no entanto, excluído:
a) A quem habitasse em casa do património do Território, dos serviços autónomos ou dos municípios (nº4, al.a));
b) A quem tivesse casa própria sem encargos de amortização (nº4, al. b)).
Com o DL nº 357/93, de 14/10, aos funcionários que não pretendessem continuar a exercer funções na Administração da RAEM após a transição, foram reconhecidos alguns direitos, nomeadamente o de integração nos quadros de pessoal dos serviços públicos portugueses e o da transferência da responsabilidade pelo encargo e pagamento das pensões aos aposentados para a Caixa Geral de Aposentações (CGA). Tratava-se de um diploma que estabelecia uma antevisão, simultaneamente condição: valia para aqueles funcionários que não viessem a trabalhar para a RAEM, logo que efectuada a transferência de soberania.
Na sequência deste último diploma, surgiu o DL nº 14/94/M, de 23/02, que àquele veio trazer regulamentação. Tratava-se de um diploma que tinha o seu âmbito de aplicação definido no art. 2º, ou seja, era aplicável ao pessoal que, nos termos do Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro, se encontrasse numa das seguintes situações:
a) Reunisse condições de integração nos serviços da República Portuguesa;
b) Reunisse condições de transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e de sobrevivência para a Caixa Geral de Aposentações (CGA).
Assim, e no que à transferência da responsabilidade pelo pagamento das pensões respeita, este diploma visava o pessoal inscrito na previsão do art. 10º, nºs 1 e 2, do DL nº 357/93, desde que fizesse a opção estabelecida no art. 9º, al. b), do citado DL nº 14/94/M (ver ainda art. 10º, 13º e 14º).
Mas não é tudo. Este mesmo diploma apresentava um normativo com a epígrafe “Direitos”. Referimo-nos ao art. 17º do DL nº 14/94/M, que tinha por destinatário o pessoal que viesse a cessar funções em Macau em virtude da integração nos serviços da Administração Pública de Portugal ou em virtude da desvinculação mediante compensação pecuniária e ainda aquele a quem tivesse sido autorizada a transferência das respectivas pensões. Ora, no que se refere a este último grupo de funcionários, o que ele previu foi a manutenção do direito (nº3) a:
a) Transporte para Portugal por conta do Território;
b) Continuar a habitar moradia do Território, até 19 de Dezembro de 1999 e enquanto residisse em Macau, mediante o pagamento da respectiva renda7;
c) Acesso a cuidados de saúde, mediante o pagamento da respectiva contribuição.
O exercício do direito ao transporte (al. a)), porém, ficava “condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal” (nº4).
De referir que este diploma mandava aplicar subsidiariamente o ETAPM em tudo o que nele não estivesse expressamente previsto ou em que não o contrariasse (art. 22º).
Ora, dessa aplicação subsidiária reconheceu o legislador ter advindo alguma dificuldade interpretativa e, na tentativa de a resolver, foi publicado o DL nº 38/95/M, de 7 de Agosto. E então o art. 3º passou a clarificar o seguinte:
Artigo 3.º
(Renda de casa)
1. O montante devido mensalmente a título de renda de casa pelos pensionistas, na situação a que se refere a alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M, de 23 de Fevereiro, após a transferência da respectiva pensão, é o que resultar das disposições legais em vigor à data da transferência, sendo o pagamento efectuado no serviço ou entidade a quem cabe a administração das moradias.
2. Os pensionistas que têm direito a subsídio de residência, nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, após a transferência da respectiva pensão para a CGA mantêm esse direito até 19 de Dezembro de 1999, enquanto residirem no território de Macau, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças (negrito nosso).
Ficou claro, pois, que os pensionistas que tinham direito a subsídio de residência após a transferência da responsabilidade pelo pagamento da pensão mantê-lo-iam somente até 19/12/1999, e enquanto residissem em Macau! Tudo muito claro por essa altura.
Já muito perto da transferência da Administração para a República Popular da China tomou conta o legislador da intenção de muitos pensionistas e aposentados continuarem a residir em Macau depois de 19/12/1999. Não se alheando da questão humana e social envolvida no caso e atendendo à avançada idade de alguns deles, pretendeu o legislador garantir-lhes a manutenção dos direitos à condição de arrendatários de moradias do Território e ao acesso ao subsídio de residência, tanto quanto se pode ler no preâmbulo. E assim é que, no artigo 1º, do DL nº 96/99/M, de 29/11, com a epígrafe “Direitos”, consignou o seguinte:
“Ao pessoal a quem seja autorizada a transferência das respectivas pensões para a Caixa Geral de Aposentações é mantido o direito a:
a) Continuar a habitar moradia do Território enquanto residir em Macau, mediante o pagamento da respectiva renda no serviço ou entidade a quem cabe a administração de moradias;
b) Subsídio de residência nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças” (negrito nosso).
Se bem se reparar, o que o legislador fez foi estender o direito dos aposentados que hajam transferido o pagamento das pensões para a CGA para lá de 19/12/1999, isto é, eliminou o limite temporal definido no art.3º, nº2, do DL nº 38/95/M. Deste modo, se à partida os aposentados iriam receber o subsídio de residência somente até 19/12/1999, por aquela via legislativa passaram a poder continuar a recebê-lo depois dessa data, obviamente desde que residissem em Macau, pois assim o mandam interpretar, quer a própria natureza genética do subsídio, quer a letra do art. 203º, nº1 do ETAPM, diploma para cujos termos o art. 1º transcrito remete expressamente.
Isso é uma coisa; diferente, é saber se com a consagração da RAEM se poderia manter o direito ao subsídio de residência. Veremos isso mais adiante.
*
Aqui chegados, algumas questões agora se nos colocam:
- Podia o legislador do DL nº 96/99/M, de 29/11 estabelecer tal determinação?
A resposta é afirmativa; sim podia, pois esta era matéria que estava no espectro da sua competência legal.
- E podia tal estatuição comprometer a futura RAEM? Não atentaria ela contra a Declaração Conjunta ou a Lei Básica?
A resposta a esta 2ª pergunta já é mais problemática e levanta outra série de questões. Segundo parece, embora as disposições dos diplomas acima transcritas assegurassem os direitos de aposentação somente àqueles que viessem a reunir os respectivos requisitos após 19/12/2009, a verdade é que neles nenhuma limitação ou restrição foi incluída no que respeita ao subsídio de residência. Realmente, nem mesmo o art. 98º da Lei Básica funciona neste caso como norma-travão, uma vez que o seu alcance se confina a manter as condições laborais e estatutárias a quem continuar a trabalhar em Macau (1º §) e a garantir os encargos pelo pagamento das pensões de aposentação (2º §). E isso poderia levar-nos a admitir um bom princípio de hermenêutica para a solução que o problema exige, na medida em que se pode entrever neste diploma o mote para algo que se tem que conciliar com os anteriores textos legais. Na verdade, o percurso normativo-histórico acima gizado deixa sempre exposta uma permanente circunstância: no que ao subsídio de residência concerne, parece que o factor da residência surge à cabeça como essencial. E nem admira que assim seja. Um subsídio de residência, à partida, só se deve justificar para quem reside num determinado local, que o legislador elege como condição de concessão do direito. Portanto, a geografia impõe-se em abstracto na génese ou no fundamento da existência do direito e o seu abono depende em concreto da verificação da circunstância típica. Assim, se o subsídio em apreço é motivado pela residência em Macau, cristalina há-de ser a conclusão do silogismo de que a sua concessão depende de uma premissa menor que se adeqúe à premissa maior.
Evidentemente que este silogismo é perfeito se nada se lhe atravessar no caminho que o perturbe num dos seus traços lógicos essenciais. Por exemplo, se admitirmos que o funcionário aposentado, mesmo tendo transferido para Portugal o pagamento da pensão, acabou por nunca deixar de residir em Macau, poderemos estar perante uma situação que aparentemente se enquadra no DL nº 96/99/M. Ponto é saber se a mesma solução se haverá de justificar no caso de a situação de residência em Macau ter sofrido alguma modificação.
*
E é aqui que se nos depara a grande dificuldade, que se pode traduzir na seguinte interrogação:
“Quid iuris” se o aposentado, além do direito à transferência da pensão para a CGA, também utilizou o outro direito conferido pelo art. 17º, nº3, al. a), do DL nº 14/94/M? Tendo obtido o seu transporte e o dos seus bens e consequentemente transferido para Portugal a sua residência, entender-se-á que perdeu a condição da residência em Macau para a obtenção do direito ao respectivo subsídio? Este cruzamento de caminhos que conduzem a diferentes direitos é juridicamente interessante, porque obriga a uma reflexão sobre se eventual opção por um redundaria em prejuízo definitivo do outro, hipótese essa que significaria que se estaria ante linhas de sentido único, espécie de “river of no return”8, ou sobre se a inicial opção é de algum modo reversível.
Ora, que o direito ao transporte dependia da decisão de fixação de residência em Portugal, isso resulta expressamente do nº4, do art. 17º citado. Visto isso, o Governo de Macau, em 1994 assegurava o transporte aos aposentados que, além de terem transferido as pensões para a CGA, também deslocassem para Portugal o seu local de residência habitual. Situação diferente seria a de não quererem mudar o seu local de residência. Nesse caso, poderiam cumular com o direito de transferência do pagamento das pensões (art. 17º, nº3, proémio do DL nº 14/94/M) o de continuar a habitar moradia do Território - primeiro até 19/12/1999 (art. 17º, nº3, al. b) do DL nº 14/94/M) e, depois, sem qualquer limite temporal (art. 1º, al. a) e art. 2º do DL nº 96/99/M) - e ainda o de acesso a cuidados de saúde mediante o pagamento da respectiva contribuição (art. 17º, nº3, al. c) do DL nº 14/94/M)9. É assim que deve ser entendido o exercício dos direitos ali previstos.
Mas então, é caso para se ir à procura da mais adequada interpretação.
Numa perspectiva ampla do direito, poderia dizer-se que a fixação da residência em Portugal se apresenta como pressuposto histórico do exercício do direito ao transporte (nº4, cit. art. 17º). Quer dizer, num determinado enquadramento histórico-temporal haveria que compreender-se que, pretendendo o interessado ir viver para Portugal, a Administração de Macau de então se deveria comprometer a efectuar o pagamento das passagens do transporte de pessoas e bens. Mas a opção manifestada e concretizada nesse sentido não poderia em caso algum impedir que o aposentado regressasse a Macau para aqui de novo estabelecer a sua vida, enfim, aqui mais uma vez (re)fixar residência. Em favor desta tese dir-se-ia, por conseguinte, que uma coisa não podia impedir a outra, porque seriam direitos distintos com pressupostos diferentes e insusceptíveis de se atropelarem, comprimirem ou anularem. Consequentemente, um posterior retorno a Macau, o que poderia suscitar seria, eventualmente, uma discussão sobre se haveria lugar por parte da RAEM a um direito de reaver aquilo que a Administração do Território tinha dispendido com o transporte fundado numa fixação de residência que se verificou não se ter consolidado. Eventualmente, repetimos.
Mas, a afiançar esta posição ainda se poderia invocar, por analogia, os casos daqueles que, tendo regressado a Portugal no termo de uma comissão de serviço prestada no Território, por exemplo, mais tarde para cá voltaram a fim de trabalharem na Administração Pública da RAEM sem que lhes tivesse sido pedida a devolução das despesas do transporte que foram suportadas aquando do regresso e sem que lhes tivesse “anulado” o tempo de residência então ocorrido até à transferência10. Todos os funcionários que regressaram a Portugal nessas condições, obviamente para aí fixarem residência habitual, e que tenham voltado para Macau, onde continuam a ser residentes da RAEM para todos os efeitos, e colhendo dessa condição a jurisdicidade dos seus direitos, não estão em diferente situação dos aposentados. Ou seja, também estes, depois de fixarem residência em Portugal após o transporte, se acabaram por regressar a Macau, para aqui (re)fixarem residência, continuam a ter o estatuto de residentes, que aliás, nalguns casos, e, verificados os respectivos requisitos, nunca terão perdido11 (nem os direitos correspondentes).
Diferentemente, uma concepção mais restrita do direito encobre-se num conceito mais efectivo da residência, portanto, mais apertado, mais factual, mais reportado a uma situação material e concreta. Só podia aceder ao direito ao transporte quem fosse fixar residência efectiva em Portugal, não é verdade? Então, uma vez ali fixada, deixou o interessado de ter qualquer vínculo com Macau, perdeu em relação a ele qualquer contacto de proximidade real. E perdendo isso, perdeu consequentemente o direito ao subsídio de residência, mesmo que de novo para cá voltasse em plena RAEM. Assim se pode sintetizar a equação desta ideia.
Esta perspectiva tem alguma margem de conforto legal? Sim, evidentemente.
Há, efectivamente, uma coisa que é preciso radiografar no DL nº 96/99/M. É que nem o artigo 1º, nem o 2º desse articulado legal deixam dúvidas severas a respeito do seu objectivo essencial. A sua ratio está vazada no próprio preâmbulo, onde é afirmado o sentido humano e social que é preciso conferir àqueles que «…tencionam continuar a residir em Macau», até para se evitar o «…desenraizamento provocado pelo abandono da sua residência habitual e da comunidade circundante»), assente num pressuposto evidente, que era o da continuação ou manutenção do “status quo ante”. Ou seja, visava-se criar as condições para que este pessoal pudesse continuar a viver em Macau e assim manter os anteriores direitos. Está ali um sentido claramente proteccionista marcado por uma ideia de continuidade da situação material e, portanto, sem hiatos. E é na letra do articulado que esta intenção se corporiza. Com efeito, ao pessoal que transfira a responsabilidade pelas pensões será «…mantido o direito…» (proémio do art. 1º) a:
«Continuar a habitar moradia do Território enquanto residir em Macau…» (al. a);
Ou,
ao «Subsídio de residência nos termos do Estatuto…» (al. b).
Nesta linha, até o artigo 2º não permite a menor réstia de dúvida ao acentuar a ideia de «Manutenção» de outros direitos que já decorressem dos DL nºs 14/94/M e 38/95/M.
Quer dizer, todos os direitos anteriores reconhecidos pelos dois diplomas de 1994 e 1995 se manteriam, desde que se mantivesse a situação de residência dos interessados em Macau (o que significaria que nunca a deveriam ter perdido). Note-se que o art. 1º do DL nº 96/99/M, se bem que tenha deixado de falar em qualquer limite temporal, acabou por não revogar o art. 17º do DL nº 14/94/M, onde no seu nº4 se prescreve o direito ao transporte sob condição de fixação de residência em Portugal. Ora, se o art. 1º mantém o subsídio de residência “nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau” (al. b)), é porque o legislador tinha bem presente que a sua aplicação era dirigida aos que continuassem a ser residentes de Macau, porque assim é pressuposto no art. 203º, nº1 do ETAPM.
E não poderá o art. 2º do DL nº 96/99/M (“O disposto no artigo anterior não prejudica os demais direitos previstos nos Decretos-Leis nºs 14/94/M, de 23 de Fevereiro, e 38/95/M, de 7 de Agosto”) constituir, ele mesmo, um obstáculo a esta tese? Ao plasmar que o direito ao subsídio de residência reconhecido na alínea b) do art. 1º não prejudica os direitos anteriormente reconhecidos, nomeadamente o direito ao transporte (que pressupunha a fixação de residência em Portugal) não será o mesmo que dizer que o uso deste (direito ao transporte) não inviabiliza aquele (direito ao subsídio)?
Bem. Em defesa da tese anterior, melhor seria que o legislador dissesse que o uso de qualquer dos direitos previstos nos diplomas de 1994 e de 1995 não seria obstáculo ao uso do direito ao subsídio de residência. Mas, na medida em que o não expressou, isso mais reforça a tese agora em análise, no sentido de que o legislador disse o que queria e expressou o seu pensamento pelo modo mais adequado (art. 8º, nº3, do CC). Portanto, o não prejuízo dos direitos anteriores tem que ser interpretado até onde for possível a conciliação de ambos. Na verdade, quem tivesse fixado residência em Portugal para exercer o direito ao transporte, não podia concomitantemente beneficiar do direito ao subsídio, o qual implica necessariamente uma residência efectiva em Macau, nos termos do art. 203º, nº1, do ETAPM, como já se disse anteriormente. A não ser que se pense que a referência ao não prejuízo daqueles demais direitos tenha implícito que o titular do direito ao transporte o tenha realmente exercido e tenha de novo voltado a residir efectivamente em Macau. Ora isso, como vimos, nem está plasmado na letra do diploma, nem o preâmbulo expressamente o admite, pois o espírito desse articulado é de uma situação de continuidade na residência em Macau. Desta maneira, a referência feita no art. 2º tem que ser interpretada como sendo a determinação legal de permissão de uma reunião de direitos até onde for possível a sua compatibilidade.
Pensamos que esta 2ª tese é a que melhor se coaduna com os termos dos diplomas acabados de estudar.
No entanto, ainda não se pode dar resolvida a principal questão. Quer dizer, o facto de isoladamente se poder avistar no diploma em causa (DL 96/99) alguma abertura à defesa (abstracta) do ponto de vista do recorrente, nem por isso podemos deixar de fazer a sua leitura num âmbito alargado ou mais vasto do regime legal. Ainda falta estudar o tema com a adição da Lei 8/1999 e da Lei Básica. Veremos isso já.
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3 - Do vício de violação dos arts. 2º, 4º, 5º e 7º da Lei nº 8/1999
O recorrente insiste que nem a Lei nº 8/1999, de 20/12 (sobre o direito de residência na RAEM e sobre atribuição do conceito de residente permanente) é obstáculo à satisfação do pedido. Para si, esta lei apenas exige que aqui se tenha residência “legalmente consentida”, presumindo residentes de Macau os portadores de Bilhete de Identidade de Residente da RAEM, como era o seu caso. Isto para dizer que nunca chegou a deixar de ser residente de Macau.
Ora bem. O recorrente faz apelo ao conceito jurídico de residente e é verdade que aquele diploma nem sempre exige um domicílio efectivo na RAEM para que alguém possa ser considerado aqui residente permanente. Basta ler logo o art. 1º, als. 1) e 2), para se perceber que assim é. E adquirido o título jurídico de residente permanente (residência jurídica), pode gozar do direito de residência (residência efectiva e material), nos termos definidos no art. 2º. Mas também é certo que noutros casos, para ser residente permanente é preciso que, além de outros requisitos, “aqui tenha o seu domicílio permanente” (art. 1º, als. 4), 5) , 6), 7), 8), 9)), o que significa que aqui tenha a sua residência habitual (art. 4º, nº1) e a não perca nos termos do art. 2º, nº2. Quer dizer, o domicílio permanente/residência habitual em Macau continua a ser fundamental para a obtenção do título jurídico.
É certo que a simples posse de um título jurídico, como é o do BIRM, confere uma presunção de residência habitual (art. 5º, nº1). Só que esta presunção é iuris tantum, a ponto de ser ilidível pelo próprio Director dos Serviços de Identificação no âmbito dos seus poderes (art. 5º, nº2). E não podemos dizer que o art. 7º conforta a tese defendida pelo recorrente, uma vez que ele se refere ao modo de confirmação do estatuto e não ao modo de ilidir a presunção, a qual não está afastada. Ou seja, a confirmação não impede a prova do contrário.
Ora, portanto, se até mesmo esta presunção é ilidível, não se deve olhar para ela como instrumento de apoio à tese de que basta o título jurídico ou a “residência legal” para os interessados se poderem fazer valer do direito ao subsídio de residência em causa. Na verdade, o que conta para este direito é a residência real. E para isso, a própria fixação em Portugal da residência em virtude do exercício do direito ao transporte serve para, automaticamente, expor uma elisão da presunção. Foi esse o sentido do acto, quanto a este aspecto, e não achamos que essa perspectiva seja errada.
Improcede, pois, este vício.
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4 - Da violação do art. 10º da Lei nº 2/2011, de 28/03.
4.1 - Estamos convencidos de que o próprio recorrente sempre terá a si mesmo concedido a clara noção de ter perdido o direito ao subsídio de residência a partir do momento em que aceitou a transferência das pensões para a CGA e desde o momento em que requereu o direito ao transporte para Portugal, nos moldes acima explanados, pois, de outro modo o sentisse, há muito o teria tentado receber12. Mesmo que não tenha ido viver para Portugal, o pedido de pagamento das passagens com o fundamento de que pretendia fixar residência em Portugal e o seu deferimento haverá de ter reflexos (não pode valer para uma coisa, que é o recebimento do montante das passagens, e não valer para o seu pressuposto, que é a deslocação para Portugal do seu local de residência). Quer dizer, para a Administração, este titular foi para Portugal, tanto é assim que lhe pagou as passagens aéreas e o transporte dos bens. Tanto quanto nos parece, a fruição do pagamento das passagens na sequência de um requerimento nesse sentido, será de atender para efeito de perda do subsídio que o regime legal porventura reconhecesse (se o reconhecesse) a quem se mantivesse em Macau após o estabelecimento da RAEM.
Veio pedir o subsídio só agora por causa da emergência da Lei nº 2/2011. Estudemo-la.
Esta lei dispõe no seu art. 10º que:
“1. Os trabalhadores dos serviços públicos que se encontrem em efectividade de funções ou desligados do serviço para efeitos de aposentação, bem como os aposentados, incluindo os magistrados aposentados, têm direito a um subsídio mensal de residência, nos termos previstos na presente lei, ainda que existam entre eles relações de parentesco e residam na mesma moradia.
2. Não têm direito ao subsídio de residência aqueles que habitem em moradia do património da RAEM ou de qualquer outra pessoa colectiva de direito público ou que recebam mensalmente subsídio para arrendamento ou equivalente”.
Trata-se de um artigo que, conjugado com o art. 24º (determina a revogação expressa do art. 203º do ETAPM, já acima transcrito), denota um novo propósito do legislador.
Até então, era necessário que o interessado possuísse residência em Macau, ou melhor, que nunca tivesse deixado de residir em Macau na configuração interpretativa que acima expusemos, pois tendo transferido a residência para Portugal em algum momento, teria ocorrido a perda do direito ao subsídio em causa, como se viu.
Com esta nova intenção legislativa, ter-se-ia querido abranger aqueles que, tendo utilizado aquele direito ao transporte e, por causa dele, fixado a residência em Portugal?
Sim, na opinião do recorrente. E terá sido mesmo por tal condição ter deixado de figurar na lei que o recorrente requereu a concessão do subsídio.
Pois bem. O que antes de mais se mostra útil discutir é se esta lei visa abranger todos os aposentados, ou se vale apenas para os funcionários que vierem a aposentar-se a partir da sua entrada em vigor (novos aposentados), independentemente de manterem ou não residência em Macau.
Se se pensar que a lei se aplica só para as futuras aposentações, então, ao deixar de fora aqueles que chegaram alguma vez a fixar residência em Portugal, dir-se-ia ser ela injusta e desigual na criação do direito, na medida em que, se todos estiverem presentemente nas mesmas circunstâncias (i.é, se todos viverem em Macau), reduziria o universo dos titulares do direito somente a alguns deles.
Todavia, não entendemos que a lei tenha esse campo de aplicação tão restrito.
Na verdade, o art. 10º tem por destinatários beneficiários, segundo a sua própria literalidade:
- Os (actuais) trabalhadores dos serviços públicos “que se encontrem em efectividade de funções”;
- Os (actuais) trabalhadores “que se encontrem…desligados do serviço para efeito de aposentação” (ainda não estão aposentados, mas virão a estar);
- Os trabalhadores dos serviços públicos “que se encontrem…aposentados”.
Portanto, o nº1 ao falar em aposentados, além de obviamente não poder deixar de prever os futuros aposentados (porque a lei valerá sempre para todas as situações que se venham a subsumir daí em diante à fattispecie), está também, e nitidamente, a referir-se aos que se encontrem já na situação de aposentados. Parece-nos que sobre esta conclusão haverá unanimidade de pontos de vista.
Mas o consenso acaba aí. Isto é, se as mais simples regras de interpretação não nos permitem outra conclusão para além da que se expôs, mais problemática é a resposta à interrogação sobre se nessa previsão (extensão do direito aos aposentados no momento da entrada em vigor da lei) se incluem os aposentados do “Território de Macau”, ou se apenas os “aposentados da RAEM”. É assim, exactamente desta maneira, que a questão deve ser colocada.
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4.2 - Duas correntes principais entrevemos a propósito da polémica.
4.2.1 - De acordo com uma, chamemos-lhe abrangente, dir-se-ia que esta lei surge num novo contexto histórico-social inclusivo e, desse modo, abrangendo todos os aposentados, sem discriminação objectiva (o que conta é a situação objectiva de aposentadoria), sem limitação temporal (a lei não estabelece nenhum marco temporal para a frente do qual a lei cobre as situações da fattispecie, muito menos para trás do qual a escuridão é total em termos de previsão), e sem restrição pessoal injusta (não há uma classe de aposentados favorecida e outra classe de aposentados, em razão das suas condições pessoais, não contemplada pela lei).
E, transpondo a força deste argumentário para as situações da vida, então dir-se-ia que para o legislador é indiferente saber se se trata de:
a) - Aposentados antes ou depois de 19/12/1999;
b) - Aposentados com pensões transferidas para Portugal; ou, inclusive,
c) - Aposentados que tenham obtido transporte para Portugal.
A circunstância de algum dos aposentados ter obtido transporte para Portugal tê-los-á feito fazer perder o direito ao subsídio durante todos estes anos segundo a legislação então vigente. Todavia, nada impedia o legislador actual de, dentro da sua soberania de competência, a qualquer momento, lhes reconhecer novamente o subsídio em diferentes circunstâncias. Conceder um direito a quem o tinha perdido ao abrigo de legislação anterior é, numa certa perspectiva, o mesmo que reconhecer o direito pela primeira vez a quem nunca o teve. Tudo se passa como se estivéssemos perante legislação independente da anterior, com novos destinatários, novos requisitos e diferentes pressupostos conjunturais e histórico-sociais, cega, por conseguinte, para os circunstancialismos antecedentes.
Ora, para lhos reconhecer não precisava de revogar o art. 17º, nº4, do DL nº 14/94/M; bastava retirar a condição de residência em Macau estatuída no ETAPM para assim todos ficarem no mesmo plano de igualdade. Neste sentido, não se acolheria a ideia de que este normativo fazia depender a concessão do subsídio a quem já o possuísse ao abrigo do DL nº 14/94/M ou, dito de outra maneira, a quem não o tivesse perdido por força desse mesmo diploma. Se fosse necessária a tal continuidade, haveria aí uma escusada tautologia, mas o certo é que nem isso em lado nenhum resulta da Lei nº 2/2011.
Para esta corrente, não se percebe como possa ver-se na Lei 2/2011 alguma relação de dependência de uma situação consolidada ao abrigo de diplomas anteriores.
Para quem segue esta corrente, dirá que esse é o erro maior do acto, na medida em que estabelece uma conexão entre a Lei nº 2/2011 e os DL nºs 14/94/M (art. 17º, nº4) e 96/99/M, como se estes diplomas alguma vez tivessem condicionado para todo o sempre o legislador futuro. Com efeito, nem isso é verdade, nem o legislador de 2011 se auto-vinculou a nenhuma solução de continuidade como condição de acesso ao direito. Se o legislador, no que ao subsídio respeita, quisesse afastar do seu âmbito pessoal de previsão os aposentados que tivessem transferido a responsabilidade do pagamento das pensões para a CGA e que simultaneamente tivessem utilizado o direito ao transporte para Portugal a fim de aí fixarem residência, facilmente os teria incluído expressamente nas causas de exclusão do nº2 do mesmo art. 10º. Bastaria apertar o filtro e dizer que não teriam direito ao subsídio “aqueles que habitem em moradia do património da RAEM ou de qualquer outra pessoa colectiva de direito público ou que recebam mensalmente subsídio para arrendamento ou equivalente” (redacção actual) e ainda “aqueles que, em virtude do direito ao transporte para Portugal, ali tenham fixado residência nos termos do art. 17º, nº4, do DL nº 14/94/M). E não o fez, apesar de bem conhecer esta problemática! Não o fez, porque a sua intenção seria não deixar de fora quem quer que alguma vez tivesse residido, esteja actualmente a residir ou venha futuramente a residir, no exterior de Macau. Aliás, se a sua intenção era seguramente essa, que lógica e racionalidade haveria em permitir que o subsídio viesse a ser reconhecido aos aposentados que vivam no exterior de Macau, por exemplo, em Pequim, Londres ou Sidney, e negado aos aposentados que vivem actualmente em Macau só porque alguma vez residiram em Portugal?! Não faria sentido e seria mesmo injustificadamente discriminatório.
Em suma, ainda que tivesse postergado o conceito intrínseco de subsídio de residência tal como ele geneticamente é justificado (veja-se o que sobre ele acima dissemos), o certo é que, no que respeita ao factor residência, quis o legislador pôr o contador a “zero”, de maneira a fazer uma abrangência total e para que todos ficassem em igualdade de circunstâncias. Assim é que, para os defensores desta tese13, passou a atribuir “ex novo”, i.é., pela primeira vez com este sentido, o direito ao subsídio a todos os aposentados independentemente do lugar de residência14, o que significa que o reconhece agora e para valer in futurum aos que, indiferentemente:
- Sempre residiram em Macau; ou
- Alguma vez tenham residido em Portugal ou noutro sítio qualquer15; ou
- Não estejam actualmente a residir em Macau; ou, estando,
- Venham futuramente a residir fora de Macau.
Nessa tese, então o acto, porque cria uma solução que a mais correcta interpretação do art. 10º não consente, padeceria da violação do preceito.
É a opinião do recorrente.
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4.2.2.- A tese acabada de expor é tentadora, sem dúvida, porventura aplaudível segundo algumas regras de lógica jurídica.
Tentemos, ainda assim, alinhavar uma segunda opinião, que se pode exprimir pelos seguintes traços:
Qualquer interpretação que se queira fazer da norma não pode deixar de atender ao disposto no art. 98º da Lei Básica. Ofende o seu comando qualquer solução que descortine na norma em apreço o asseguramento indistinto a todos os aposentados desse reclamado direito ao subsídio de residência. Na verdade, o que dele transpira é que a RAEM apenas garante o pagamento das pensões aos funcionários que tenham mantido o vínculo funcional e adquirido posteriormente à transferência da administração o direito à aposentação. Quer dizer, o art. 98º representa a fonte do direito à pensão de aposentação assegurada pela RAEM a todos aqueles funcionários a que a lei vigente no Território de Macau reconhecesse esse direito. Mas o art. 98º ainda estabelece outra condição dupla: a de que os funcionários tivessem continuado a prestar serviço após o “handover” e já sob a RAEM viessem a aposentar-se. Só esses seriam os aposentados a que reconhece direito a receber a pensão pela RAEM.
E nesta interpretação ancorada no art. 98º da lei fundamental da RAEM haveriam de radicar todas as normas que futuramente se reportassem aos direitos dos aposentados. Isto é, quando lei posterior dedicar alguma linha do seu articulado aos direitos e deveres dos aposentados, estará a ter por pressuposto que se trata dos aposentados da “RAEM”, não os aposentados do “Território de Macau”. Certo é que este preceito da Lei Básica garante ao funcionário e agente o pagamento da pensão em tais circunstâncias, para lá da nacionalidade e do local de residência. Ou seja, claramente quis abranger os funcionários com nacionalidade portuguesa (“independentemente da nacionalidade”), ainda que deixassem de residir na RAEM após a aposentação (“independentemente do seu local de residência”). Atenção, porém: só deixou de ser importante o local de residência a partir do momento em que o funcionário da RAEM se aposentou localmente. Esta indiferença do legislador quanto ao local de residência não pode ser extrapolada para outros quadrantes jurídicos, nomeadamente o do eventual direito ao subsídio de residência. Pelo facto de a lei não relevar o local de residência para efeito do pagamento da pensão, não se pode concluir que a mesma razão sirva para assegurar o pagamento do subsídio em causa, uma vez que antes desse singular aspecto ainda está o fundamento para a subjectividade do direito. E o direito subjectivo ao subsídio só é reconhecido a quem tiver sido, repetimos, aposentado ao serviço da RAEM. O artigo tem que ser lido apenas com o alcance que dele expressamente evola, não sendo legítimo transpor para outros planos ou para outras hipóteses que o legislador não tipificou. Ele apenas garante ou assegura o pagamento das pensões aos funcionários que continuaram a prestar serviço na Administração Pública e que, por reunirem os requisitos à aposentação, a venham obter. A RAEM assume os encargos que derivam dessa situação, mesmo que se trate de funcionários que apenas continuem a trabalhar para ela durante escassos meses. O que para o legislador da LB importa é que esse trabalhador venha a adquirir o direito à aposentação já sob a égide da RAEM: nesse caso, a RAEM paga-lhe a pensão. É isso e mais nada o que o preceito estipula. Esse é o fundamento e o pressuposto de que a Lei nº 2/2011 não abdicou.
Muito mais simples, como se acaba de ver, trata-se de uma hipótese de solução que se não pode enjeitar pelo peso do argumento tirado da Lei Básica.
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4.3 - E será que ela cria algum obstáculo a que lei ordinária confira diferente direito na esfera dos seus destinatários, nomeadamente o direito ao subsídio de residência? Será que a Lei nº 2/2011 tem por pressuposto incontornável que os seus beneficiários sejam os aposentados a que se refere o art. 98º da LB? Isto é, quando reconhece o direito ao subsídio de residência aos aposentados, independentemente do lugar onde residam, somente o legislador se quis referir aos aposentados cujas pensões são suportadas pela RAEM?
Cremos que sim. Mas, sem perdermos o pé, tentemos uma terceira via de solução, que a bem dizer não será mais do que uma segunda vertente da segunda tese.
Talvez seja a hora de perder algum tempo, que depois se ganha na justeza da solução, na interpretação específica do diploma que todo este problema criou: a lei nº 2/2011.
O art. 8º do Código Civil é o guardião de uma ideia de núcleo irredutível no sistema de interpretação da lei: Trata-se do pensamento, da intenção da autoridade legiferante que, para além da letra da lei, o intérprete deve investigar na sua actividade (…”reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo…”). Estamos a apontar para uma concepção subjectivista, psicológica, que conduz a que o ofício de interpretação deve averiguar o facto histórico desvendando, apreendendo e reconstruindo um certo conteúdo psicológico real e efectivo16.
Mas o art. 8º também não deixa de acolher a objectividade que a lei procura e deve ter, ao acrescentar que é preciso também olhar para a letra da lei, atendendo ainda às condições em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº1). Aquilo que Ferrara, citado por Manuel de Andrade17, dizia ser a voluntas legis, não a voluntas legistoris.
Se por aqui nos ficássemos, a letra da lei apontar-nos-ia o caminho mais directo, fácil e curto: o art. 10º da Lei nº 2/2011 apenas fala em aposentados sem distinção, nem acréscimo de outras qualidades pessoais. O elemento linguístico (interpretação literal: gramatical, linguística, verbal), por isso, tanto nos pode ajudar, como não; tanto nos pode sugerir a noção de aposentados em termos genéricos, como a de aposentados específicos. O artigo 10º é claro nas palavras que utiliza, mas não é, por si mesmo, esclarecedor sobre o que visa disciplinar com os termos que emprega (podia, efectivamente, ter eliminado qualquer dúvida à partida).
Deve partir-se, pois, para aquilo a que se chama interpretação lógica, com três ordens de elementos: racional, histórico e sistemático.18
Quanto à ratio legis (via de interpretação racional), igualmente critério objectivo de interpretação19, também pouco se vê que por ela subsídios de vulto se nos deparem. Quando muito, colher-se-ia dela que o seu fim, a sua razão de ser, é, aparentemente, colocar em pé de igualdade todos os aposentados no momento da publicação da lei, à falta de melhor critério. A razão de ser residiria, nessa suposição, numa eventual desigualdade que a sociedade teria detectado entre uns e outros e que o legislador, dela se dando conta, teria querido eliminar. E nesse pressuposto, poderíamos dizer que tal solução, acaso essa fosse, satisfaria as exigências éticas e as necessidades práticas. Não acode satisfatoriamente o estudo do elemento histórico da interpretação, na medida em que não temos precedentes históricos pós-transição que subsidiem o intérprete na busca da solução da lei. O que temos a este respeito é algo remotamente histórico, anterior a Dezembro de 1999, mas cuja decifração já temos por resolvida, nos termos acima estudados. Quer dizer, por ser própria de um contexto histórico muito particular, que não teve similitude na fase posterior da vida de Macau, a legislação anterior à transição é de pouca ou nenhuma monta quanto ao subsídio que possa fornecer à interpretação da lei (pelo menos, não vemos nem na ida legislação, nem na recente, nada que apresente conexão relevante em termos que dêem apoio decisivo ao intérprete).
E se quisermos ir à raiz da voluntas legistoris, a dificuldade torna-se evidente, desde logo, porque não há um preâmbulo que ilumine o pensamento do seu autor. Com efeito, nem mesmo as actas da Assembleia Legislativa (ver documento juntos aos autos) nos dispensam o mais leve testemunho, a mais simples indicação, nenhum esclarecimento, enfim, acerca do que quiseram os senhores deputados com a sua aprovação. Nem sequer as reuniões da Comissão Permanente, conforme o documentam os CDs juntos aos autos (ver também as transcrições do seu conteúdo na sua parte essencial) nos fornecem o modo da mais pura e autêntica interpretação20. Ou seja, não temos modo de saber pela voz do próprio legislador qual foi o seu propósito.
A verdade é que se não pode olhar para a lei como um reservatório vazio para onde o intérprete derrame o que lhe parecer mais razoável21, sob pena de transformar o juiz em legislador como num sistema de direito livre22. Preciso é, por isso, olhar para o discurso legislativo como um processo racional para que possa impor-se por si próprio. “O discurso legislativo deve saber adequar os argumentos a preferir às exigências particulares das matérias a tratar. (…).Todo o discurso legislativo deve arrancar das razões pelas quais se dá prevalência a certos valores”23.
Pensa-se que a natureza das coisas24, enquanto justificação para a satisfação das necessidades económicas e sociais, pode justificar a medida25. Claro que a norma em apreço nos surge como relativamente indeterminada do ponto de vista da incidência pessoal reflectida na moldura, na hipótese legal, na “tatbestand”. Mas essa é, precisamente, a função criadora do direito dos tribunais26 e para isso se lança ainda mão do elemento sistemático da interpretação. Procura-se aqui olhar para a norma, não como uma ilha, mas como uma regulação integrada num conjunto mais vasto de normas, regras e princípios27. Esta interpretação, se falha a coincidência entre a letra e o pensamento, entre o lógico e o literal, permite ao intérprete a “rectificação”, restringindo a letra excessiva, quando o legislador disse mais do que quereria, ou ampliando a letra deficiente, quando o legislador disse menos do que queria28. No primeiro caso, interpretação restritiva; no segundo, interpretação extensiva.
Se considerarmos esta “natureza das coisas”, a lógica dos elementos, então o factor sistemático da interpretação haverá, prontamente, de dar-nos o alento necessário à solução que procuramos.
Ora bem. Dizer que o art. 10º citado se aplica aos aposentados é uma evidência, como se disse, pois tal é o que evola da sua letra. Achar que se aplica a todos os aposentados (concepção extensiva) ou apenas a alguns (concepção restritiva) já obriga a maior esforço. Por si só, a norma não esclarece e, unicamente, a se não se descobre se por ela o legislador quis uma aplicação geral ou restritiva. Verdadeiramente, até talvez se não possa dizer que o legislador disse “mais” do que devia ou “menos” do que queria. Podendo, embora, ter dito “melhor”, o que disse pode ser encarado como sendo exactamente o que queria dizer. Ele mesmo pode ter chegado à auto-consciencialização de que não precisava de dizer melhor (ou mais) do que disse, na medida em que o ordenamento jurídico em que se encontrava não lhe permitia outro agir legislativo. Se pensarmos que todo o diploma é uma estrutura sólida, procuremos nele elementos sistemáticos de interpretação que ele contenha para se descobrir eventual incompletude ou excesso do que foi dito no art. 10º. E isso é interpretação contextual.
Por que razão o art. 10º, contrariamente ao art. 203º do ETAPM, também dedicado ao subsídio de residência (mas agora revogado pela Lei 2/2011), não condiciona a atribuição do direito à residência em Macau? A resposta que se podia dar era a de que, se o legislador não introduziu esse condicionamento, é porque não quis que ele fosse travão e obstáculo ao alargamento pessoal do direito. Sim, poderia seguir-se esse caminho e não estaria errado. Todavia, o que esse legislador fez foi outra coisa que não podia deixar de fazer: foi respeitar e seguir o caminho aberto pela Lei Básica.
Aliás, nem isso é caso para grande admiração se tivermos em conta que o próprio art. 5º da Lei da Reunificação (Lei nº 1/1999) consagrou o princípio da continuidade dos vínculos dos funcionários e agentes, bem como os poderes e obrigações conferidos a entidades públicas e funcionários e agentes, «sem prejuízo das eventuais modificações nos termos da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau»
Pois, é o próprio art. 98º da Lei Básica que afirma muito claramente o asseguramento do pagamento aos funcionários e agentes que se viessem a aposentar depois do estabelecimento da RAEM das pensões de aposentação “…independentemente da nacionalidade e do seu local de residência”. Cremos que aí reside a razão da desnecessidade de o legislador “ordinário” fazer qualquer pronunciamento sobre o assunto. Quer dizer, se a pensão haveria de ser paga qualquer que fosse o local de residência do aposentado da RAEM, ilógico e desrespeitador da Lei Básica seria se o legislador “ordinário”, apesar de associar o subsídio de residência à condição de aposentação, estabelecesse o local de residência como requisito para a atribuição do subsídio.
Nesse sentido, o próprio artigo 23º, nº3 da Lei, ao dizer que “Os trabalhadores dos serviços públicos que não tenham direito ao subsídio de residência mas que, ao abrigo da presente lei, passem a ter o direito de o auferir, recebem esse subsídio a partir do mês seguinte ao da entrada em vigor da presente lei”, torna-se agora compreensível na linha do raciocínio acabado de expor. Isto é, não tinham direito ao subsídio os aposentados que não residiam em Macau (art. 203ºdo ETAPM); passam a tê-lo os aposentados, ainda que não residam em Macau.
Note-se, porém, que o art. 203º citado só serve para estabelecer a diferença e que não pode mais ser convocado para coisa nenhuma. Isto é, dele não pode aproveitar-se a parte que porventura permitisse ao intérprete perscrutar nele a possibilidade de os aposentados em causa poderem ser quaisquer uns, tivessem atingido essa qualidade antes ou depois do estabelecimento da RAEM. Tal não é mais possível, uma vez que o art. 203º foi revogado pela Lei nº 2/2011, afastando desse modo o espectro de incidência pessoal dos beneficiários do direito que pudesse decorrer da conexão do art. 10º ao art. 203º.
Por fim, porventura mais importante, o art. 1º da Lei 2/2011 parece servir como a porta grande para o entendimento de todo o articulado. Ele reza no nº 1 que a “…lei regula o regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família dos trabalhadores dos serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau...” (negro nosso). Quer dizer, o regime daqueles subsídios passa a ser outro, passa a ser o que vem contido no diploma novo. De modo que quem não tinha direito ao subsídio de residência passará a tê-lo, desde que reúna os requisitos dessa lei no quadro mais vasto de toda a energia legislativa que brota da Lei nº 2/201, sem excluir por conseguinte o referido art. 98º da Lei Básica. Ora, se a Lei nº 2/11 tem por destinatários/beneficiários os trabalhadores dos serviços públicos da RAEM (nº1), maior evidência não pode haver no sentido de que não pode estar a pensar nos trabalhadores que se aposentaram ao serviço da Administração Pública do Território de Macau.
Dito isto, cremos que se a lei em causa não tem aqueles funcionários do Território de Macau por receptores do seu comando normativo, então também o art. 10º os não pode ter.
É por todas estas razões, radicadas nos pontos acima tratados, que preferimos a solução para que se encaminhou o acto. E isto só pode significar a improcedência do vício. É que se o recorrente apenas pretende a atribuição do subsídio de residência em virtude deste diploma de 2011, então ele não lhe dá nenhum suporte legal à satisfação da sua pretensão e a Administração não podia, a partir dele e da sua articulação com a Lei Básica, senão indeferir vinculadamente o pedido.
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5 - Dito isto, toda a argumentação do recorrente vertida nas conclusões da petição inicial se mostra aqui refutada, em qualquer dos vícios invocados.
Mas, o recorrente invocara nas conclusões da p.i., ainda que com outra designação, um outro vício: violação do princípio da igualdade (art. 25º da Lei Básica) face à posição da Administração, diferenciada consoante os interessados tivessem beneficiado do abono de transporte de pessoas para Portugal ou apenas tivessem beneficiado do transporte de bagagens e/ou veículo automóvel.
Mas esta argumentação tão-pouco procede. Na verdade, e como é sabido, o princípio da igualdade só se mostra violado se, ante duas situações de facto iguais, sob a égide de uma actuação discricionária e no âmbito do mesmo enquadramento jurídico, a Administração tome em concreto duas decisões diferentes. Ora, este caso nem se enquadra no limite dos poderes discricionários, nem está demonstrado que ela tivesse decidido diferentemente em casos iguais.
Por outro lado, ainda que fosse discricionária a actuação administrativa (e não é, pois se submete à lei que temos vindo a referir), a verdade é que, bastaria a diferença de situações (nuns casos, uns interessados teriam partido para Portugal; noutros, apenas lhes teria sido concedido o valor das passagens de bens) para nunca se poder estar violado o referido princípio (cfr. ainda art. 5º do CPA).
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Tudo visto, somos a concluir que nenhum dos invocados vícios procede.
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IV - Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de Justiça em 4 UC.
TSI, 6 de Março de 2014
Presente José Cândido de Pinho
Vitor Coelho Tong Hio Fong (voto a decisão)
Além da decisão quanto à questão da falta de audiência prévia que concordo perfeitamente, subscrevo apenas a decisão quanto à questão da alegada violação do artº 10º da Lei nº 2/2011, que na minha óptica de per si já é suficiente para julgar improcedente o recurso e prejudica o conhecimento dos outros vícios entretanto invocados pelo recorrente, uma vez que para mim, o recorrente, enquanto aposentado antes do estabelecimento da RAEM, não está abrangido pelo legislador no âmbito de aplicação dessa lei que preceitua expressamente no seu artº 1º que “a presente lei regula o regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família dos trabalhadores dos serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau”, preceito esse que obviamente exclui os aposentados da Administração do então Território de Macau.

Lai Kin Hong

1 Ver no direito comparado: Ac. STA de 18/01/2001, Proc. nº 046766,25/10/2001, Proc. nº 046934; 28/11/2001, Proc. nº 046586, 16/02/2006, Proc. nº 0684/05, entre outros.
2 Ac. STA, de 16/02/1994, Proc. nº 32.033, in Apêndice ao DR, Vol. II, págs. 1158 e segs.; de 30/11/2011, Proc. nº 0983/11.
3 Ac. deste TSI de 21/07/2011, Proc. nº 344/2009; do STA de 16/02/2006 cit; também Ac. 25/06/2008, Proc. nº 0392/08, 11/05/2011, Proc. nº 833/10.
4 Esta distinção vem estabelecida por Freitas do Amaral, Curso De Direito Administrativo, Vol. II, pag. 311 e 336.
5 Neste sentido, no direito comparado, Ac. STA de 24/04/1996, Proc. nº 37432; de 9/06/1998, Proc. nº 039004; de 15/10/1998, Proc. nº 036508; 22/04/1999, Proc. nº 42386,
6 O art. foi revogado pela Lei nº 2/2011. O nº 7 apresenta a redacção do art. 1º do DL nº 62/98/M, de 28/12 e o nº9 apresenta a redacção apõs a rectificação publicada no BO nº 3, de 18/01/1999.
7 Esta alínea b) foi revogada pelo DL nº 96/99/M, de 29/11.
8 “Rio sem regresso”, a título de curiosidade, é nome de um famoso Western com Robert Mitchum e Marilyn Monroe.
9 Parece claro que, tendo transferido a sua residência para Portugal, o direito contido na alínea c), do nº3, do citado art. 17º (acesso a cuidados de saúde em Macau) deixa de ter razão de ser, sob pena de contradição de termos.
10 Todo o tempo de residência anteriormente verificado no Território conta, nos termos da Lei nº 8/1999, como tempo de residência para efeito de obtenção do título de residência permanente.
11 Não perderam com base num critério preponderante do conceito de residência eminentemente jurídico.
12 Neste pensamento não está excluída a possibilidade de o recorrente não o ter pedido também por ser titular de casa própria em Macau, facto que o excluiria do subsídio, face ao art. 203º do ATAPM.
13 Mas, se no programa das Linhas de Acção Governativa para a área da Administração e Justiça para 2011 apresentado por um membro do Governo era feito o anúncio de que se iria propor que fosse “eliminada a norma que exige que todos os trabalhadores devem residir em Macau para ter direito ao subsídio de residência” (doc. fls. 104) e se a Nota Justificativa da Proposta de Lei seguiu o mesmo caminho (doc. fls. 105), então a melhor maneira de evitar que outro membro do Governo contrariasse aquele que, aparentemente, é o espírito da Lei, seria, ou será, estabelecer com urgência uma lei interpretativa de modo a eliminar todas as dúvidas na aplicação da norma em apreço (art. 10º, nº1).
14 Passou a ser um subsídio de residência de Macau que não carece de residência em Macau. Será doravante simplesmente um subsídio inerente ao estatuto de aposentado (propter statutum) e não em razão da residência (propter commorationis).
15 Mesmo os que transferiram as suas pensões para a CGA são aposentados de Macau (porque uma coisa é a reunião dos pressupostos estatutários necessários à obtenção do direito à aposentação; outra, é a responsabilidade da transferência das pensões para outro “pagador”), tal como, de resto, a própria Administração chegou a reconhecer no Parecer nº 106/GTJ/90 citado a fls. 68 dos autos e no ofício nº 032/DTJ de 11/02/2002, dirigido pela Direcção dos Serviços da Administração Pública ao Director dos Serviços de Finanças a fls. 106 e no ofício nº 1103120001/DIR, a fls. 107 dos autos.
16 Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 4ª ed., 1987, pag.15.
17 Ob. cit., pag. 16.
18 Inocêncio Galvão Teles, Introdução ao Estudo do Direito, I, 11ª ed., pag. 245 e sgs.
19 Idem e tb. pag. 22 e sgs.
20 Com efeito, a não ser uma breve opinião pessoal de um elemento da assessoria da Assembleia que, inquirida sobre o tema, manifestou a ideia de que o subsídio se aplicaria aos funcionários do tempo da Administração Portuguesa que não tivessem pedido a transferência do pagamento da pensão para Portugal (CD 1).
21 Regelsberger, citado por Manuel de Andrade, ob. cit., pag. 60.
22 Coviello, cit. por M. Andrade, ob. cit., pag. 61.
23 Luis Cabral de Moncada, Contributo para uma teoria da legislação, Lisboa, 1998, pag. 111.
24 Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, traduzido por Manuel de Andrade, Interpretação e Aplicação das Leis, na obra “Ensaio…”, pag. 141.
25 L. Cabral de Moncada, ob. cit., pag. 112-115.
26 Hans Kelsen considera que, na interpretação do aplicados da lei, existe uma interpretação autêntica, in Teoria Pura do Direito, tradução de João Baptista Machado, pag. 470. Fugindo à concepção tradicional que se tem da interpretação autêntica, aquela que emana do próprio legislador, geralmente a através de uma lei interpretativa, Inocêncio Galvão Teles, Introdução ao Estudo do Direito, I, 11ª ed., pag. 241; Manuel de Andrade, ob. cit., pag. 131.
27 Inocêncio Galvão Teles, ob. cit., pag. 250, José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 10ª, ed., pag. 403 e sgs.
28 Interpretação estrita (limitativa ou restritiva) e interpretação ampla (em sentido lato ou extensivamente) apud Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 2ª ed., pag. 425.
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