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Processo nº 671/2013
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 6/Março/2014

Assunto: Citação pessoal e citação edital
Artigo 193º do Código de Processo Civil de Macau

SUMÁRIO
- Em regra, deve efectuar-se a citação pessoal, enquanto a citação edital só tem lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta ou quando sejam incertas as pessoas a citar, ou seja, a citação edital, para o réu ausente em parte incerta, é a ultima ratio (artigo 180º do Código).
- Mesmo que se trate de um estabelecimento hoteleiro, nada se exclui a possibilidade de o executado ter ali a sua residência mais ou menos estável, designadamente não se exclui a hipótese de ele ter arrendado um quarto de longo período, ou mesmo ser aquele estabelecimento o seu local de trabalho.
- Não havendo nos autos outra informação sobre o paradeiro do executado senão o seu último endereço conhecido na República Popular da China, além disso o tal endereço era o domicílio expressamente fornecido pelo executado para receber quaisquer notificações no âmbito do contrato celebrado com a recorrente e bem assim, quaisquer notificações ou citações no âmbito de quaisquer processos judiciais emergentes daquele contrato e respectivas garantias, não se vê razão para não se tentar promover a citação pessoal prevista no nº 1 do artigo 193º do Código de Processo Civil, conjugado com as regras previstas no Acordo sobre os pedidos mútuos de citação ou notificação de actos judiciais e de produção de provas em matéria civil e comercial entre os tribunais do Interior da China e os da Região Administrativa Especial de Macau, publicado através do Aviso do Chefe do Executivo nº 39/2001.
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 671/2013
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 6/Março/2014

Recorrente:
- A (Macau) S.A.

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A (Macau) S.A., exequente nos autos de execução ordinária a correr termos no Tribunal Judicial de Base da RAEM, inconformada com a decisão que ordenou que se procedesse à tradução do requerimento inicial e da procuração para língua chinesa, para posteriormente se efectuar a citação do 2º executado, XXX, nos termos do Acordo sobre os pedidos mútuos de citação ou notificação de actos judiciais e de produção de provas em matéria civil e comercial entre os tribunais do Interior da China e os da Região Administrativa Especial de Macau, vem interpor o presente recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
- O presente recurso tem como objecto o despacho proferido a fls. 62 dos presentes autos na parte que ordena que se proceda à tradução do requerimento inicial e da procuração para língua chinesa, para posteriormente se efectuar a citação do 2º Executado, XXX, nos termos do Acordo sobre os pedidos mútuos de citação ou notificação de actos judiciais e de produção de provas em matéria civil e comercial entre os tribunais do Interior da China e os da Região Administrativa Especial de Macau, publicado no Boletim Oficial de Macau em 29 de Agosto de 2001, conforme Aviso do Chefe do Executivo n.º 39/2001 (doravante “o Acordo”);
- A questão de direito que se suscita em sede do presente Recurso é saber se, in casu, à citação do 2º Executado, se aplica a norma prevista no n.º 6 do artigo 193º do CPC ao invés da norma prevista no n.º 1 do referido, aplicada pelo Tribunal a quo;
- Salvo o devido respeito por opinião diversa, ao decidir dessa forma, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei, nomeadamente, do disposto no artigo 193º do CPC, incorrendo assim em erro de julgamento, o que acarreta a ilegalidade da dita decisão;
- Porquanto, mostra-se preenchido o requisito de que depende o uso da modalidade de citação edital requerida – ausência do citando em parte incerta – pelo que o pedido da ora recorrente deveria ter sido deferido;
- Conforme referido supra, o Tribunal a quo decidiu aplicar a norma prevista no n.º 1 do artigo 193º do CPC que estipula que “Quando o réu resida no exterior de Macau, observa-se o estipulado nas convenções internacionais aplicáveis em Macau e nos acordos no domínio da cooperação judiciária”;
- Ora, o Acordo, mais concretamente no seu artigo 2º, dispõe que: “Os pedidos mútuos de citação ou notificação de actos judiciais e de produção de provas entre as duas Partes são feitos por intermédio dos tribunais populares superiores e do Tribunal de Última Instância da RAEM. O supremo Tribunal Popular e o Tribunal de Última Instância da RAEM podem, directa e reciprocamente, solicitar a citação ou notificação de actos judiciais e a produção de provas”, e no seu artigo 4º, estatui que “Os pedidos são redigidos em chinês; no caso de os instrumentos judiciais e outros documentos inerentes em anexo não serem redigidos em chinês, deve ser fornecida uma tradução para esta língua”;
- Sucede que, in casu, havia todas as razões e fundamentos jurídicos para não proceder desta forma, sem que tal consubstanciasse, obviamente, qualquer violação de lei expressa, privilegiando-se inclusive a observância de princípios basilares da lei processual civil;
- Na verdade, o âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 193º do CPC está circunscrito aos casos em que o citando reside no exterior de Macau;
- Ora, conforme a ora recorrente teve oportunidade de clarificar nos autos, por requerimento apresentado em 24 de Abril de 2013 (cfr. fls. 4 do Doc. n.º 1), o endereço indicado no seu requerimento inicial não corresponde à residência do 2º executado, mas sim a um estabelecimento hoteleiro situado na China, verbalmente indicado pelo 2º executado como sendo o último local onde esteve alojado antes de se deslocar para Macau;
- Na verdade, este endereço não pode, em circunstância alguma, ser considerado como a residência do citando, uma vez que, à luz da experiência e senso comum, tal endereço apenas poderá ser entendido como um domicílio ocasional, não sendo subsumível à previsão legal do artigo 193º do CPC que apenas se aplica quando o réu resida efectivamente no exterior de Macau;
- Sobre esta matéria, seguindo a esteira do entendimento de Castro Mendes (Teoria Geral, 1967, 1º, 228/229) residência é “um sítio preparado para servir de base de vida a uma pessoa singular”;
- Neste sentido, cite-se também, a título meramente exemplificativo, o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Fevereiro de 2005 proferido ao abrigo de legislação idêntica à que vigora na RAEM, onde se aclarou que a residência de uma pessoa singular “É a “sede” da sua vida familiar e social e da sua economia doméstica, donde deriva que tem que envolver um certo carácter de habitualidade e estabilidade”;
- Ademais, diga-se que também não foi realizada qualquer diligência nos autos que permita presumir sequer, com um nível mínimo de razoabilidade, que o 2º executado esteja alojado no mencionado estabelecimento hoteleiro;
- Pelo que, atenta a complexidade e morosidade do meio processual escolhido para a tentativa de citação do 2º executado, apenas podemos concluir que a decisão do Tribunal a quo é manifestamente desproporcionada e desfasada da realidade circunstancial dos factos;
- Por outro lado, ainda que por hipótese meramente académica, se admitisse que o mencionado estabelecimento hoteleiro se subsume ao conceito de residência, permitindo dessa forma a aplicação pelo Tribunal a quo do normativo previsto no n.º 1 do artigo 193º do CPC, sempre se dirá que o Tribunal, em conformidade com o princípio da adequação formal, previsto no artigo 7º do CPC, que expressamente dispõe que “Quando a tramitação processual prevista na lei não se adeqúe às especificidades da causa, deve o juiz oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos actos que melhor que se ajustem aos fins do processo”, deveria determinar a citação edital do 2º executado, o que em última análise, consubstanciaria a solução mais favorável ao andamento regular e célere dos autos em respeito do princípio da economia processual;
- A este propósito, veja-se o que consta da Nota Explicativa do Código de Processo Civil de Macau, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 55/99/M de 8 de Outubro, onde se explicita o alcance do princípio de adequação formal: “Mas, com vista à realização da justiça material são dados, ainda, mais amplos poderes ao juiz, podendo, inclusivamente, ser ele próprio a escolher o conjunto de actos processuais que melhor se adeqúem aos fins do processo. Trata-se do princípio da adequação formal (…)”;
- A par deste entendimento, esclareça-se que o princípio da economia processual, que se encontra reflectido no artigo 87º do CPC, considera ilícita a prática de actos inúteis, tratando-se, como acentua o Prof. José Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, I, pág. 240) de uma norma que se impõe a todos, juiz, secretaria e partes, visando proibir os actos que apenas tenham o efeito de complicar o processo, impedindo-o de rapidamente chegar a seu termo;
- Isto porque, em rigor, o Tribunal não deveria ter ignorado a circunstância do endereço indicado pela ora recorrente corresponder de facto a um estabelecimento hoteleiro, podendo e devendo assim promover a aplicação do n.º 6 do referido artigo 193º do CPC que prevê que: “Estando o citando ausente em parte incerta, procede-se à citação edital, averiguando-se previamente a sua última residência em Macau e procedendo-se às diligências a que se refere o artigo 190º”;
- Aliás, sobre esta matéria, veja-se que o Tribunal a quo expressamente aceitou e reconheceu que o 2º executado não reside no mencionado estabelecimento hoteleiro, mas que de facto se encontra ausente em parte incerta quando a fls. 49 dos presentes autos cuja certidão se requer a final, ordenou a realização das diligências previstas no n.º 1 do artigo 190º do CPC (“Ausência do citando em parte incerta”)”;
- Contudo, na sequência dos resultados negativos dessas mesmas diligências, ao invés de determinar a aplicação da norma que rege a citação dos ausentes em parte incerta, nomeadamente a mencionada no n.º 6 do artigo 193º do CPC, o Tribunal a quo decidiu considerar que o 2º executado afinal residia no exterior de Macau, concretamente no Interior da China, determinando assim que a sua citação deveria ser efectuada ao abrigo do Acordo, em clara contradição com o seu entendimento anterior;
- É que – conforme devidamente explanado no requerimento apresentado pela ora recorrente em 25 de Junho de 2013 – ficou devidamente demonstrado que nem a ora recorrente nem as entidades oficiadas pelo Tribunal a quo nos termos do artigo 190º do CPC, conhecem qualquer morada onde o 2º executado possa ser encontrado, sendo manifesta a incerteza do lugar onde este reside ou se encontre;
- Ou seja, o Tribunal a quo, ao arrepio dos factos comprovados nos autos, da letra da lei (plasmada nas supra referidas disposições legais) e dos princípios fundamentais que regem o processo civil, nomeadamente o princípio da economia e celeridade processuais, decidiu, erroneamente, que o citando reside no exterior de Macau, alicerçando assim a sua decisão num pressuposto que, à luz da lei, não se mostra efectivamente preenchido;
- Concluindo, ao ter ordenado a tradução do requerimento inicial e da procuração para língua chinesa, para posteriormente se efectuar a citação do 2º executado, XXX, no Hotel XXX, XXX Middle Jinshan Road, Cidade de XXX, República Popular da China (onde nem sequer se obteve a confirmação de que o mesmo aí esteja alojado), através do Acordo sobre os pedidos mútuos de citação ou notificação de actos judiciais e de produção de provas em matéria civil e comercial entre os tribunais do Interior da China e os da Região Administrativa Especial de Macau, indeferindo-se o pedido de citação edital requerido pela ora recorrente, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei violando assim o disposto no artigo 193º do CPC.
Concluindo, pede que se dê provimento ao recurso, e se ordene a citação edital do 2º executado XXX, nos termos do artigo 180º, nº 6, 193º e 194º, todos do Código de Processo Civil de Macau.
*
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
Assente está a seguinte factualidade que interessa para a decisão do recurso:
A 18 de Fevereiro de 2013, a recorrente intentou uma acção executiva para pagamento de quantia certa com processo ordinário contra Macau XXX de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada e XXX, pedindo a citação dos executados para, o prazo de 20 dias, pagarem à exequente a quantia exequenda, mencionando, para o efeito, que o 2º executado tem domicílio no Hotel XXX, XXX Middle Jinshan Road, Cidade de XXX, República Popular da China (fls. 54 a 56).
Por despacho judicial de 7 de Março de 2013, ordenou que se notificasse a exequente para em 20 dias juntar a tradução do requerimento inicial e da procuração para chinês e indicar o número de documento de identidade do 2º executado (fls. 64).
Por requerimento de 20 de Março de 2013, a exequente veio expor ao Tribunal a quo que o domicílio indicado pela exequente foi o domicílio expressamente fornecido pelo 2º executado para receber quaisquer notificações no âmbito do contrato que ambos celebraram e bem assim, quaisquer notificações ou citações no âmbito de quaisquer processos judiciais emergentes daquele contrato e respectivas garantias, como é o caso dos presentes autos.
Mais referiu ao Tribunal a quo que no seu entender, não era necessário o cumprimento dos formalismos a que alude o nº 1 do artigo 193º do Código de Processo Civil, nomeadamente lançar mão do Acordo sobre os pedidos mútuos de citação ou notificação de actos judiciais e de produção de provas em matéria civil e comercial entre os tribunais do interior da China e os da Região Administrativa Especial de Macau, pedindo que o 2º executado fosse citado apenas pelo Tribunal da RAEM através do envio de carta registada com aviso de recepção, por ser um meio mais adequado para garantir a economia e celeridade processuais (fls. 10 e 11).
Entretanto, decidiu o Tribunal a quo manter a decisão proferida em 7 de Março de 2013 (fls. 65).
Notificada do despacho, a exequente expôs novamente ao Tribunal a quo que a morada do 2º executado indicada no requerimento inicial localizava-se num hotel, não sendo, naturalmente, a sua residência habitual, sendo quando muito um domicílio ocasional, por não se saber qual o número do quarto onde eventualmente pernoitou ou iria pernoitar.
Mais informou ao Tribunal que conseguiu saber que o 2º executado foi visto recentemente em Macau, pedindo para não insistir na citação do referido executado no endereço da República Popular da China, mas sim promover diligências para se obter informações junto das entidades ou serviços públicos competentes sobre o último paradeiro ou última residência conhecida do 2º executado na RAEM, pedido esse que foi deferido pelo Tribunal a quo (fls. 12, 13 e 32).
Depois de ter sido notificada do resultado, aliás, negativo das diligências realizadas, a exequente pediu ao Tribunal a quo que se procedesse à citação edital do 2º executado, nos termos do artigo 180º, nº 6 e 194º, ambos do Código de Processo Civil de Macau (fls. 14).
Todavia, o Tribunal a quo ordenou, por despacho de 5 de Julho de 2013, que se procedesse à tradução do requerimento inicial e da procuração para chinês, a fim de o 2º executado poder ser citado nos termos do Acordo sobre os pedidos mútuos de citação ou notificação de actos judiciais e de produção de provas em matéria civil e comercial entre os tribunais do interior da China e os da Região Administrativa Especial de Macau (fls. 15).
*
    É perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer do recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
    Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
*
A questão que se coloca nos presentes autos recursórios é saber se, conforme os dados fornecidos pela exequente, e constando que 2º executado XXX tem domicílio no Hotel XXX, XXX Middle Jinshan Road, Cidade de XXX, República Popular da China, muito embora não se logre apurar o seu paradeiro em Macau, deve aplicar-se a norma prevista no nº 6 do artigo 193º do Código de Processo Civil, ao invés do nº 1 do mesmo artigo.
Vejamos.
Prevê-se no artigo 193º do Código de Processo Civil de Macau o seguinte:
“1. Quando o réu resida no exterior de Macau, observa-se o estipulado nas convenções internacionais aplicáveis em Macau e nos acordos no domínio da cooperação judiciária.
2. Na falta de estipulação, a citação é feita por correio, em carta registada com aviso de recepção.
3…
4…
5…
6. Estando o citando ausente em parte incerta, procede-se à citação edital, averiguando-se previamente a sua última residência em Macau e procedendo-se às diligências a que se refere o artigo 190º.”
No que respeita aos acordos no domínio de cooperação judiciária a que Macau se encontra vinculada e que interessa para o caso é o Acordo sobre os pedidos mútuos de citação ou notificação de actos judiciais e de produção de provas em matéria civil e comercial entre os tribunais do Interior da China e os da Região Administrativa Especial de Macau, publicado através do Aviso do Chefe do Executivo nº 39/2001, nele foram estabelecidas algumas regras relativas aos pedidos mútuos de citação ou notificação de actos judiciais e de produção de provas em matéria civil e comercial.
Vem dizer agora a recorrente que o endereço indicado no seu requerimento inicial não corresponde à residência do 2º executado, mas sim a um estabelecimento hoteleiro situado na China, verbalmente indicado pelo mesmo como sendo o último local onde esteve alojado antes de se deslocar a Macau, daí que no seu entender, à luz da experiência e senso comum, tal endereço apenas poderá ser entendido como um domicílio ocasional e não subsumível à previsão legal do artigo 193º do Código de Processo Civil de Macau que apenas se aplica quando o réu resida efectivamente no exterior de Macau.
Salvo o devido respeito, entendemos não assistir razão à recorrente.
Diz-se citação o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender; ou se chama, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa (artigo 175º, nº 1 do Código de Processo Civil de Macau).
No fundo, trata-se de um acto através do qual se convoca o réu ou alguma pessoa interessada para intervir, pela primeira vez, em determinada acção intentada pelo autor.
Por isso, para garantir que o réu ou a parte interessada possa ter conhecimento efectivo da propositura da acção contra si intentada, de modo que permita exercer plenamente o seu direito de defesa, estão estabelecidas na lei processual algumas regras imperativas no tocante à citação.
Em regra, deve efectuar-se a citação pessoal, enquanto a citação edital só tem lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta ou quando sejam incertas as pessoas a citar, ou seja, a citação edital, para o réu ausente em parte incerta, é a ultima ratio (artigo 180º do Código).
Olhamos para o vertente caso, assente está que o 2º executado se encontra ausente em Macau, mas conforme a indicação da recorrente, o mesmo executado teria domicílio num hotel da China devidamente identificado.
Pese embora a recorrente venha depois a dizer que o endereço indicado localizava-se num hotel, sendo, no seu entender, um domicílio ocasional e não habitual, pedindo que se procedesse à citação por carta registada com aviso de recepção ou citação edital, em vez de dar cumprimento ao disposto no artigo 193º, nº 1 do Código de Processo Civil de Macau, mas nenhum elemento confiável constante dos autos nos permite afirmar que o 2º executado ali não morava.
Com todo o respeito por melhor entendimento, entendemos que, mesmo que se trate de um estabelecimento hoteleiro, nada se exclui a possibilidade de o 2º executado ter ali a sua residência mais ou menos estável, designadamente não se exclui a hipótese de ele ter arrendado um quarto de longo período, ou mesmo ser aquele estabelecimento o seu local de trabalho.
Na verdade, não havendo nos autos outra informação sobre o paradeiro do 2º executado senão o seu último endereço conhecido no Hotel XXX, XXX Middle Jinshan Road, Cidade de XXX, da RPC, além disso o tal endereço era o domicílio expressamente fornecido pelo 2º executado para receber quaisquer notificações no âmbito do contrato celebrado com a recorrente e bem assim, quaisquer notificações ou citações no âmbito de quaisquer processos judiciais emergentes daquele contrato e respectivas garantias, daí que não se vê razão para não se tentar promover a citação pessoal prevista no nº 1 do artigo 193º do Código de Processo Civil.
E, antes de se realizarem as tentativas de citação pessoal, obviamente, a citação edital não deve ser autorizada.
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Por outro lado, entende a recorrente que o Tribunal a quo, em conformidade com o principio da adequação formal prevista no artigo 7º do Código de Processo Civil, deve adoptar uma solução mais favorável ao andamento regular e célere dos autos em respeito do princípio da economia processual.
Dispõe o artigo 7º do Código de Processo Civil que “quando a tramitação processual prevista na lei não se adeque às especificidades da causa, deve o juiz oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem aos fins do processo”.
Ora bem, a consagração deste novo princípio no processo civil não significa que são atribuídos ao juiz poderes de alterar as regras processuais definidas na lei.
De facto, a opção do legislador foi no sentido de atribuir poderes de adequação formal ao juiz quando a forma legal não se adequar às especificidades do caso concreto2.
Pedro Madeira de Brito, citado por Viriato Manuel Pinheiro de Lima3, sustenta que o princípio da adequação formal é susceptível de aplicar-se às seguintes situações:
- Quando a forma de processo comum não seja adequada à pretensão do autor e exista um processo especial mais adequado à justa composição do litígio;
- Nos casos em que seja necessário praticar actos numa determinada fase pertencentes a outra fase processual.
No vertente caso, não obstante o endereço indicado pela recorrente corresponder a um estabelecimento hoteleiro, mas conforme o acima exposto, ninguém sabe responder se o 2º executado ainda pode ser encontrado na respectiva morada, e não se vislumbrando que a citação pessoal a ser efectuada ao abrigo do Acordo sobre os pedidos mútuos de citação não seja adequada às especificidades do presente caso concreto, daí que nenhum reparo merece a decisão recorrida.
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Finalmente, ao contrário do que se afirma a recorrente nas suas conclusões, nunca o Tribunal a quo aceitou nem reconheceu o facto de que o 2º executado não reside no mencionado estabelecimento hoteleiro.
Embora seja verdade que o Tribunal a quo tenha ordenado a realização de diligências previstas no nº 1 do artigo 190º tendentes a averiguar o paradeiro daquele executado, mas assim ocorreu por que foi pedido pelo próprio recorrente, alegando esta que o 2º executado foi visto na altura em Macau, pedindo ao Tribunal não insistir na citação pessoal no endereço da China, e ao mesmo tempo, proceder-se a diligências para se obter informações sobre o último paradeiro ou última residência conhecida na RAEM.
Pedido esse que foi acedido pelo Tribunal a quo, que fazia todo o sentido, dado que se porventura o mesmo se encontrava em Macau, não valeria a pena continuar com a citação na residência da China, mas o Tribunal a quo nunca teria aceitado que o 2º executado não residia no mencionado estabelecimento hoteleiro.
Tudo ponderado, resta decidir.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente A (Macau), S.A., confirmando a decisão recorrida.
Custas nesta instância pela exequente.
Registe e notifique.
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Macau, 6 de Março de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
2 José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 1º Volume, página 471
3 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 33 e 34
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