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Proc. nº 431/2010
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 6 de Março de 2014
Descritores:
-Marcas
-Função da marca
-Secondary Meaning

SUMÁRIO:

I - A marca exerce uma função de garantia de qualidade não enganosa, visando associar um produto ou serviço a determinado produtor ou prestador e evitar no consumidor o erro e a confundibilidade de origem e proveniência.

II- Nesse sentido, uma marca que exclusivamente seja composta por termos geográficos, genéricos ou descritivos, geralmente não pode ser objecto de registo.

III- Uma marca, porém, que seja constituída pelos caracteres 金門 ou pela romanização JIN MEN, pelo sentido figurado, pela fantasia que transporta, pelo “secondary meaning” que encerra (“Porta Dourada/Golden Gate), já pode ser registada, ainda que aqueles sejam os dois primeiros caracteres de uma composição mais alargada (金門縣) que designa uma zona situada no Sul da China, concretamente num arquipélago da Província de Fujian.
















Proc. nº 431/2010

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
“A Limited”, com os demais sinais dos autos, recorreu para o TJB (Proc. nº CV1-09-0026-CRJ) do despacho da Chefe de Departamento da Propriedade Industrial dos Serviços de Economia que lhe recusou o registo das marcas N/35406 (para a classe 39), N/35407 (para a classe 41), N/35408 (para a classe 43), N/35409 (para a classe 39), N/35410 (para a classe 41) e N/35411 (para a classe 43).
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Após a resposta da entidade recorrida, foi proferida sentença, datada de 15/12/2009, que julgou improcedente o recurso e manteve o despacho recorrido.
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Dessa decisão, recorreu a “A”, em cujas alegações, formulou as seguintes conclusões:
«1.ª Sinal descritivo, segundo a doutrina, é a denominação (portuguesa ou estrangeira) que indica, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor ou qualquer outra característica do produto ou serviço.
2.a O art.º 199.º, n.º 1, alínea b), do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, embora referindo apenas a qualificação jurídica de elemento genérico, sem distinguir sinal genérico propriamente dito do sinal descritivo, acaba por acolher o conceito doutrinário de sinal descritivo tal como acima é transcrito.
3.a O Regime Jurídico da Propriedade Industrial consagrou o princípio da proibição do registo de marca composta exclusivamente por uma designação geográfica (art.º 9.º, n.º 1, alínea a), art.º 199.º, n.º 1, alínea b), art.º 214.º, n.º 1, alínea a) mas simultaneamente consagrou o princípio do “secondary meaning” (art.º 214.º, n.º 3, e art.º 229.º), segundo o qual um sinal originariamente privado de capacidade distintiva pode converter-se num sinal distintivo de produtos ou serviços, sendo passível de protecção legal e, portanto, sendo registável como marca.
4.ª Assim, mesmo que se entendesse que se estava perante um nome próprio geográfico, não poderia ser entendido, linearmente, que se estava perante um sinal insusceptível de ser protegido como marca, como se deixou consignado na douta sentença recorrida, lá onde se lê que o facto de não ter capacidade distintiva - por ser um nome geográfico jamais se poderia reconhecer tais marcas como marcas de prestígio.
5.ª Ao contrário do que acontece a nomes que são propriamente geográficos (tais como: Paris, Londres, Califórnia, Mónaco, Pequim, Shanghai, Cantão, etc), a expressão PORTA DOURADA, em inglês GOLDEN DOOR e em chinês em 金門 (que romaniza JIN MEN e/ou KUM MAN) contém palavras comuns, isto é, palavras que têm um significado próprio, não se tratando de um nome geográfico próprio.
6.a Existe um arquipélago - formado por uma ilha grande e 12 ilhotas - situado na Costa da Província de Fujian que é conhecido por 金門縣, que romaniza JINMEN ou KUM MAN mas que também romaniza KINMEN, sendo que esta romanização deriva do espanhol QUEMOY, cujo nome formal deste arquipélago (que é governado pela República Popular da China) é WUZHOU ou XIANZHOU, WU JIANO ou WUDIAO,
7.a A denominação de JINMEN deve-se ao facto das principais cidades conterem o caracter chinês 金 que romaniza JIN (GOLD); JINCheng Township; JINsha Township; JINHu Township; JINMing Township; o caracter chinês 門 que romaniza MEN (GATE) deve-se ao facto de, por causa a sua peculiar localização geográfica e pele importância estratégica, o arquipélago ter a reputação de “um impregnável forte, guardião ou porta para o mar”.
8.a O caracter chinês “金” significa sorte e poder (enquanto estatuto social) e o caracter chinês “門” significa o proprietário de uma casa cheia de sorte, poder e estatuto social; os caracteres chineses juntos 金門 têm o significado de GOLDEN GATE.
9.ª Só é um nome geográfico a expressão 金門縣 que é o nome de um arquipélago situado numa das províncias de Taiwan.
10.ª “JINMEN” é a transliteração dos dois caracteres chineses 金門 e, portanto, têm o mesmo significado.
11.ª No caso, “JINMEN” e 金門 são marcas utilizadas pelo “Premium GAMING CLUB” e pelo “JINMEN PREMIUM CLUB”, instalados, respectivamente, nos 5.º e 10.º andar do Star World Hotel, os quais oferecem aos seus consumidores (VIP) serviços.
12.ª As marcas “JINMEN” e 金門 são marcas arbitrárias, porque são constituídas por uma denominação arbitrária, ou seja, por palavras comuns, que não têm qualquer relação, necessária ou normal, com os serviços que assinalam.
13.ª Os sinais “JINMEN” e 金門 não são descritivos, não indicando a proveniência geográfica dos serviços que assinalam.
14.ª Os sinais “JINMEN” e 金門, que correspondem ao sinal GOLDEN GATE é usado para denominar vários serviços e/ou instituições, especialmente, em S. Francisco dado o nome de um estreito que separa a baía do Oceano Pacífico.
15.ª A lei manda atender, no tocante aos elementos nominativos que compõem as marcas, à possível confundibilidade dos caracteres portugueses, chineses, ingleses ou outros, separadamente ou entre si.
16.ª O princípio da territorialidade esgota-se (i) no facto de se exigir o registo de marcas na RAEM, pois de contrário elas não podem merecer qualquer protecção (com a excepção das marcas notórias e as marcas de prestígio) e (ii) no facto de não se poder considerar registável um sinal em Macau se razões muito específicas assim exigirem.
17.ª A Convenção de Paris está em vigor, ininterruptamente, em Macau, desde 12 de Agosto de 1999, conforme, aliás, é entendido pelos nossos Tribunais Superiores, de que é exemplo o Acórdão de 22 de Junho de 2004 do TUI, pois o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal avisou, em 5 de Julho de 1999, o Director Geral da Organização Mundial da Propriedade Industrial, na sua qualidade de depositário da Convenção de Paris, de que, em Macau, a Convenção passou a vigorar.
18.a Sendo a RAEM membro da Organização Mundial do Comércio e sendo signatária do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relativos ao comércio, está vinculada a acompanhar os mecanismos de protecção dos direitos de propriedade industrial adoptados nos outros países membros, razão por que é concebível que determinada marca estando registada em vários países da União possam, desde logo, merecer protecção em Macau, desde que requerido o respectivo registo.
19.ª A internacionalização dos mercados determinou a necessidade de internacionalizar as regras de propriedade industrial, impondo que a protecção dos direitos privativos ultrapasse os limites geográficos de um determinado país ou território, utilizando-se várias modalidades que correspondem à evolução do fenómeno dessa internacionalização, sendo que uma dessas modalidades é o reconhecimento mútuo.
20.a As expressões JIN MEN e 金門 que correspondem à expressão GOLDEN GATE são marcas que assinalam serviços prestados pela Recorrente - uma empresa subsidiária da Casino Galaxy, S.A. (“Galaxy, S.A.”), urna das concessionárias da indústria do jogo na RAEM - e já é conhecida pelos consumidores de Macau, uma vez que está associada ao STARWORLD HOTEL de Macau, onde se encontra instalado (5.º andar), o “XXX Club” um clube para VIP e que oferece serviços aos seus membros.
21.ª No 10.º andar do STARWORLD HOTEL de Macau podem os consumidores encontrar uma sala com uma decoração dourada totalmente concebida para fazer jus ao nome do “JINMEN PREMIUM CLUB”, garantindo, assim, um nível de luxo e elegância aos convidados.
22.ª Os consumidores de Macau, perante os sinais JIN MEN e 金門, associam-nos ao Clube VIP existente no StarWorld Hotel e, portanto, à reputadíssima empresa comercial CASINO GALAXY, S.A., concessionária do jogo e não ao arquipélago situado entre a China Continental e Taiwan.
23.ª Em Macau, qualquer marca da Recorrente é, de imediato, associada à prestação de serviços de excelente qualidade que são assinalados por marcas registadas; ora, entre as marcas da Recorrente, contam-se as marcas “JINMEN” e 金門, ambas consideradas pelos consumidores de Macau marcas de prestígio.
24.ª A douta decisão recorrida violou as normas do art.º 214.º, n.º 2, alínea a), do RJPI e do art.º 199.º do mesmo diploma legal, porquanto, não deviam ser aplicadas ao caso em apreciação.
25.ª O Tribunal a quo devia ter aplicado a norma do art.º 212.º, n.º 3, do RJPI que, no exame e estudo do processo de registo, manda expressamente atender, quando estão em causa elementos nominativos, à possível confundibilidade dos caracteres portugueses, chineses, ingleses ou outros, separadamente ou entre si.
TERMOS EM QUE, contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada que seja a douta decisão recorrida, devem os despachos da DSE que recusaram as marcas nominativas que consistem em JIN MEN e 金門 (que romaniza KAM MUN - cantonense e JIN MEN mandarim) e que tomaram os nºs N/35406 (para a classe 39.a), N/35407 (para a classe 41.a), N/35408 (para a classe 42.a), N/35409 (para a classe 39.a), N/35410 (para a classe 41.a) e N/35411 (para a classe 42.a) ser, igualmente, revogados e concedidos os respectivos registos, desta forma se fazendo a costumada Justiça.».
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Respondeu a entidade recorrida, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos.
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Cumpre decidir.
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II - Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«1. Em 18/04/2008, a Recorrente requereu o registo da marca JIN MEN que tomou os nºs N/35406 a N/35408 e da marca 金門 que tomou os nºs N/35409 a N/35411 para assinalarem serviços incluídos nas classes 39.a, 41.a e 43.a.
2. O pedido de registo foi publicado no BORAEM, n.º 27 -II Série, de 02/07/2008, não tendo merecido qualquer reclamação.
3. Por despacho de 26/05/2009 foi o pedido de registo recusado pela DSE, tendo tal facto sido publicado no BORAEM, n.º 26, II Série, de 01/07/2009.
4. A marca 金門 (que romaniza KAM MUN em cantonense e JIN MEN em mandarim) é uma marca nominativa formada por dois caracteres chineses, que constitui uma versão abreviada do nome de uma das províncias de Taiwan cujo nome completo é “金門縣”.
5. As referidas marcas JIN MEN e 金門 encontram-se registadas em Hong Kong e na Coreia do Sul em nome da ora recorrente, em conformidade com os documentos de fls. 51 a 62, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos».
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III - O Direito
A sentença negou procedência ao recurso por entender que, tal como fora já a opinião da entidade recorrida ao recusar o registo, que a marca 金門 (que romaniza KAM MUN, em cantonense, e JIN MEN, em mandarim), constitui uma versão abreviada do nome de um local sito nas águas próximas da Província de Fujian onde se faz o principal trânsito no estreito e que, portanto, se limita a apelar a uma proveniência geográfica e sem capacidade distintiva.
Acrescenta que a fantasia só pode obter-se na transliteração dos termos para a expressão “Golden Gate”, o que não corresponde ao sentido dos caracteres da marca 金門 e da marca JIN MEN.
A recorrente, por seu turno, não se conforma e defende que a sentença peca por fazer uma incorrecta interpretação dos arts. 199º e 214º, nº2, al. a), do RJPI, por não ter atendido ao art. 22º,nº3 do mesmo diploma, por ser contraditória na sua fundamentação e por violação da Convenção de Paris.
Vejamos.
Decorre do art. 197º do RJPI, aprovado pelo DL n. 97/99/M, de 13 de Dezembro, que só pode ser objecto de protecção, mediante um título de marca,…”o sinal ou conjunto de sinais de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
A forma ampla como a noção é vertida na norma tem sido objecto de estudo diverso, mas para o caso que aqui nos interessa, importa apenas que nos fixemos nos seus aspectos jurídicos mais essenciais.
Assim, genericamente, a marca visa, entre outras funções aqui menos prestáveis, distinguir um produto ou serviço de outro, de modo a que ele se impute a uma empresa e não a outra e, portanto, evitando-se um uso enganoso perante o público. A marca indica uma origem de base pessoal e desempenha uma função de garantia de qualidade não enganosa1.
O consumidor, em defesa de quem a marca em última instância é registada, através dela associa, rápida, fácil e comodamente o produto e as suas qualidades a uma determinada origem ou proveniência. Isto é, sabe que está perante um produto que procede de uma empresa determinada. Embora a marca não tenha por missão garantir a qualidade do produto (embora o empresário procure mantê-la de forma a defender, conservar ou ampliar a sua clientela), ao menos permite que o produto ou serviço seja imediatamente associado ao produtor ou ao prestador2. A última palavra na escolha pertence ao consumidor, é certo, mas para tanto ele deve ter a certeza de que está a fazer a opção consciente e livre. Ou seja, ele tem que saber o que compra e a quem3 compra.
O que acaba de dizer-se entronca numa questão nem sempre presente na discussão em torno da marca. Tem que ver com evicção do erro, com a confundibilidade no espírito do destinatário da marca, o homem médio, o cidadão comum eventualmente interessado no bem ou no serviço. Claro está que há cidadãos que são minuciosos, que por natureza perscrutam em detalhe, mais do que é regra geral, o sentido e a função das coisas e que, por isso, dificilmente se deixam enganar. Não é bem para esse tipo de pessoas que a marca exerce o seu papel primordial, mas sim para o conjunto de pessoas que se inscrevem no universo da regra4.
É para este somatório alargado de consumidores que o princípio da singularidade ganha relevância quando a norma fala em sinais adequados a distinguir os produtos5.
Mas, o próprio diploma desce mais fundo de forma a reduzir o leque de eventuais dificuldades resultantes da amplitude da norma do art. 197º. E assim é que, na alínea b), do número 1, do art. 199º dispõe, que “Não são susceptíveis de protecção os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos” (negrito nosso).
Assim é que, em princípio, não se pode considerar uma marca constituída apenas por indicações geográficas, nem genéricas, nem ambas as coisas associadas. Por exemplo, “Macau Pearls” ou “Portuguese Wine”, do mesmo modo que não é possível a marca “Parfum de Paris”, porque não são indicativos para o consumidor de um determinado ou especial produto ou, então, porque induziriam o público a pensar que só aquelas eram pérolas de Macau ou que só aquele perfume era verdadeiramente parisiense, sendo certo que outros há com a mesma origem de Paris (quanto aos perfumes) ou de Portugal (no que respeita aos vinhos).
Da mesma maneira de fora da protecção ficam os sinais que somente sirvam para realçar alguma qualidade do produto em marcas que apenas (exclusivamente) usem esses sinais. Percebe-se bem a razão: sendo essa qualidade igual à de outros produtos da mesma espécie ou classe, os sinais utilizados não serviriam como referência distintiva, não seriam capazes de levar o consumidor a identificá-los e, então, não exerceriam a função da marca.
Por exemplo, nomes com os dizeres “Pura lã” (tecidos) ou “fresco leve” (classe de vinhos) não servem como marcas, porque são designações que não chegam a individualizar e distinguir os produtos em causa. São meros traços descritivos que se podem aplicar a todos os produtos da mesma classe. E às vezes até servem para aplicação simultânea a classes diferentes de produtos ou serviços. Por exemplo, “Serviço: 24 horas”, tanto serve para caracterizar os serviços de uma clínica, de um posto de abastecimento de combustível ou de reboque de viaturas acidentadas6. Não podem servir de marca.
Certo é, porém, que nem tudo o que é genérico e descritivo, mesmo que utilizado em sinais de exclusividade, isto é, desacompanhado de outros sinais mais identificadores, fica arredado da integração numa marca. Para ilustrar o que queremos dizer, ainda que não chegue a ser marca no sentido estrito do termo, recordamo-nos da designação “The Special One”. Em princípio qualquer serviço ou produto pode caber no âmbito desta expressão. Todavia, quando se fala no “Special One” todo o mundo associa este conjunto de palavras ao nome de um treinador de futebol conhecido internacionalmente. Serve esta ilustração apenas para dizer que, por vezes, os sinais, mesmo se descritivos e genéricos e, portanto, aplicáveis a uma infinidade de produtos e serviços, também podem servir como marcas quando aqueles produtos e serviços, antes do registo e após o uso e publicidade que deles foi feito, tenham assentado no grande público com carácter ou capacidade distintiva7.
Se levada ao extremo a limitação prevista na referida norma, nunca seria possível a marca “Frango da Quinta”, porque referente a um produto (frango) e a uma proveniência genérica (quinta, por contraste com aviário) aplicável a todos os produtores de frango que não fossem de produção extensiva em aviário. No entanto, sabemos que essa marca existe (v.g. em Portugal).
Levada a um tal limite interpretativo, a marca constituída pelo único vocábulo “façonnable”, que quer dizer “à moda” ou “na moda”, não seria permitida. Trata-se de uma mera qualidade, que em princípio faria parte da previsão do preceito. E no entanto a marca existe. Por vezes, marcas com sinais e termos em língua estrangeira, relativamente ao país onde se faz o registo, podem ser devidamente identificáveis, individualizáveis, distinguíveis. Este exemplo, aliás, explica que os termos, quando saltam as fronteiras do território da língua original, para se espalharem por países de outras línguas, adquirem uma significação própria e diferente da sinonímia nativa e do significado genético e semântico original. Hoje, quando alguém fora de França pensa nessa marca não representa aquilo que o termo quer dizer na língua de Voltaire. Simplesmente pensa numa marca internacional de roupa e em mais nada.
Terá sucedido, pensamos nós, algo parecido com uma marca conhecida de cosméticos/shampoos. Se só o termo “orgânico” é qualificativo e podia servir para muitos produtos diferentes, a verdade é que se aceita em toda a parte do mundo, segundo cremos, que a marca exista no plural “organics”, porque aí algo mais foi levado à marca, induzindo a ideia de produto/s. Esta simples alteração na palavra tornou-a graficamente diferente da palavra-base e passou a constituir uma nova e diferente entidade gráfica, individualizável e com um sentido próprio.
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No caso, temos duas marcas: 金門 e JIN MEN.
Na primeira, o primeiro caracter romaniza JIN e o segundo romaniza MEN; no conjunto, JIN MEN (em mandarim) ou KAM MUN (em cantonês). Temos assim que, tanto uma marca, como outra significam o mesmo. JIN significa GOLD e MEN significa PORTA ou GATE. O sentido dos vocábulos juntos passa a ser “GOLDEN GATE” ou PORTA DOURADA.
Ora bem. E porquê esta designação?
Porque aqueles caracteres correspondem aos dois primeiros da palavra 金門縣, que também romaniza JINMEN ou KUM MAN e que identificam uma zona situada nas águas próximas da província de Fujian, constituída por um arquipélago, e que, pela sua localização estratégica, constitui uma zona de passagem ou de entrada marítima (porta para o mar).
Ora, sendo embora certo que金門縣, identifica uma zona geográfica, certo é que as marcas agora reclamadas não são formadas por todos aqueles caracteres. E, por isso, não se pode dizer que os caracteres incluídos na expressão chinesa 金門 ou na sua romanização para JIN MEN apelam à referida zona geográfica. Quer dizer, a sua composição enquanto marca não está a identificar nenhum produto daquela região da China, não está a apelar para nenhum bem com origem naquele arquipélago.
Pretende a interessada atribuir estas marcas a bens e serviços de luxo e jogo a clientes VIP em áreas bem determinadas do Casino/Hotel “STAR WORLD”.
Sendo assim, num jogo de palavras a que se pretende dar um “secondary meaning”, são marcas que visam criar no espírito dos consumidores das marcas (dos clientes especiais) uma ideia de fruição de um serviço diferente no plano do jogo e de outros serviços de magnificência e de fausto, próprios da especial categoria de frequentadores que eles para o casino representam. A atribuição dessa designação JIN MEN, que na sua transliteração para a língua de Shakespeare se apresenta como GOLDEN GATE mostra-se ajustada à característica dos bens e serviços oferecidos: o cliente pode entrar num mundo “à parte”; espera-o um mundo de sorte e de dinheiro; basta que se aventure por essa “porta dourada”.
Ora, esta mesma ideia (precisamente com esta designação inglesa) está patente em várias outras manifestações e realizações humanas, como é o caso da “Golden Gate Bridge”, em S. Francisco, Califórnia (USA), o “Golden Gate Hotel Casino” em Las Vegas, a “Golden Gate University” (USA), “Golden Gate Theatre” (USA), “Golden Gate Hotel” (Camboja), “Golden Gate Grand Café” (Madeira), etc.
Quer dizer, a marca que a recorrente pretende registar não se está a apropriar de uma localização geográfica determinada do globo (o consumidor não vai pensar no arquipélago referido, como não vai pensar na Universidade ou na ponte citadas, bem assim como não associa o nome ao hotel do Camboja ou ao estabelecimento de café madeirense), mas antes está a edificar um conceito rico a partir da ideia de sinonímia apropriada a um novo espaço de jogo, diversão e entretenimento de luxo para lá da “fronteira” que o jogador queira transpor, para lá da “Golden Gate” que se atreva a vencer, para lá da 金門 e da JIN MEN que tente atravessar (circunstância igualmente aplicável aos serviços que integrem a classe 39 e 43).
Ou seja, estamos perante um sentido figurado, um sentido que vai para além da semântica estrita. E, portanto, as referidas marcas foram uma entidade nova com uma significação não necessariamente coincidente com a dos seus elementos. São marcas composta de duas palavras que adquiriram um sentido substantivo que o empresário quer que seja identificador de um produto ou uma classe de produtos e com uma certa qualidade intrínseca. Têm uma designação de fantasia, um “secondary meaning” de que fala o art. 214º, nº3, do RJPI8.
Por esta razão (e não pelo facto de terem obtido registo em Hong Kong e na Coreia do Sul, uma vez que os ordenamentos jurídicos não são necessariamente coincidentes), escapa à insusceptibilidade de protecção a que se refere o art. 199º, nº1, al. b), do RJPI.
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IV - Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso revogando a sentença recorrida e anulando os despachos administrativos em causa, que deverão ser substituídos por outros que concedam as marcas requeridas.
Sem custas em ambas as instâncias.
TSI, 6 de Março de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong



1 Luis M. Couto Gonçalves, in “Função da Marca”, na obra colectiva Direito Industrial, Vol. II, Almedina, pag. 99 e sgs.
2 Neste sentido, Alberto Francisco Ribeiro de Almeida, in “Denominações Geográficas e marca”, na citada obra, a pag.371 e sgs.
3 Não nos referimos, obviamente, à relação directa entre comprador e imediato revendedor, mas sim, à indirecta estabelecida entre o adquirente final e o produtor ou fabricante.
4 Sobre o assunto, Adelaide Menezes Leitão, in “Imitação servil, concorrência parasitária e concorrência desleal”, na obra colectiva citada, Vol. I, pag. 122/128.
5 José Mota Maia, Propriedade Industrial, Vol. II, Código da Propriedade Industrial Anotado, Almedina, 2005, pag.393
6 Sobre o assunto e outros exemplos, ver Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in Curso de Direito Comercial, Almedina, 4a ed., pag. 365. Também José Mota Maia, in ob. cit., apg.397.
7 Neste sentido, Jorge M. Coutinho de Abreu, in ob. cit. pag. 366.
8 Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, Coimbra Editora, pág. 256 e sgs.
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