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Processo nº 414/2012
(Recurso Laboral)

Data: 13/Março/2014

   Assuntos:
- Impugnação da matéria de facto
- Contrato de trabalho de não residentes
- Regime mais favorável decorrente de um contrato celebrado entre
empregador e uma empresa agenciadora de mão- de- obra
- Contrato a favor de terceiro
- Subsídio de alimentação
    
    
    SUMÁRIO :
    
    1. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
    2. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
    3. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais
    4. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
    5. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
    6. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
    7. O subsídio de alimentação, vista a natureza e os fins a que se destina, deve estar dependente do trabalho efectivamente prestado.

               O Relator,
               João A. G. Gil de Oliveira
















Processo n.º 414/2012
(Recurso Civil)
Data : 13/Março/2014

Recorrente : A Lda.

Recorrido : B

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, LIMITADA, ré nos autos à margem referenciados, notificada da douta sentença proferida a fls 351 e seguintes e com a mesma não se conformando, vem, nos termos do disposto nos artigos 110.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, interpor RECURSO, alegando em síntese conclusiva:
    I) Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo douto Tribunal, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de MOP$48.695.63 (quarenta e oito mil, seiscentas e noventa e cinco patacas e sessenta e três avos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal.
    II) Andou maio douto tribunal a quo ao dar como provado o facto constante no quesito 4.º da base instrutória, porquanto não foi produzida qualquer proveàocumental, testemunhal ou outra, relativa à renovação dos contratos de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes.
    III) Por outro lado, a resposta positiva a tal quesito encontra-se em manifesta contradição com o teor do documento n.º 2 junto com a petição inicial, a lista dos contratos de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau donde resulta claramente quantas vezes foram renovados e até quando vigoraram os contratos de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes, da mesmas resultando que nenhum desse contratos de prestação de serviços vigorou até 31 de Maio de 2008.
    IV) Assim, deveria antes o douto Tribunal a quo ter considerado não provado o facto constante do quesito 4.º da Base Instrutória.
    V) Nos presentes autos não se apurou ao abrigo de qual contrato de prestação de serviços foi o Autor contratado, se decorrido o período de validade pelo qual foi celebrado tal contrato de prestação de serviços o mesmo foi ou não renovado, por quantas vezes, em que condições, e até quanto vigorou.
    VI) Cada um dos contratos de prestação de serviços referidos na alínea C) da matéria de facto assente, têm datas ou períodos de validade diferentes, bem como preveem uma série de formalidades para a sua renovação que, não se tendo apurado, não podem ser ultrapassadas nem sequer por via judicial, nos termos do principio geral da liberdade contratual e da prova.
    VII) Pelo que sem a prova de tais factos nunca poderia o Tribunal a quo ter aplicado um qualquer contrato de prestação de serviços - seja ele qual for - à relação laboral inicialmente estabelecida entre Autor e Ré, fazê-lo estender a todo o período de tempo em que o Autor esteve ao serviço da Ré ao abrigo de autorizações para contratação distintas e limitadas no tempo, e condenar a Ré nos moldes em que o fez.
    VIII) Assim, e não obstante as tentativas nesse sentido realizadas pela ora Recorrente, nomeadamente, ao requerer a ampliação da base instrutória para se aferir ao abrigo de que contrato de prestação de serviços o Autor foi inicialmente contratado pela Recorrente, até quando permaneceu ao seu serviço ao abrigo desse mesmo contrato de prestação de serviços e se outros houve que sustentaram a sua permanência como trabalhador não residente ao serviço da Ré até Maio de 2008, a matéria de facto apurada em sede dos presentes autos, reputa-se manifestamente insuficiente para sustentar a decisão final proferida pelo douto Tribunal a quo.
    IX) Não obstante o devido respeito pelo entendimento que vem sendo sufragado por este douto Tribunal ad quem, e que é também invocado na sentença em recurso, a ora Recorrente não pode deixar de discordar com a classificação como contrato a favor de terceiro do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda..
    X) Na verdade, conforme consta do também douto Acórdão 1026/2009 de 15 de Dezembro de 2009 proferido por este douto Tribunal de Segunda Instância : "[ ... ] Voltando ao caso dos autos a Ré/Recorrente é parte do referido contrato de prestação de serviços, mas o Autor ( ... ) desta acção não é parte do mesmo, como talo contrato não o vincula, por força do disposto no artigo 400º/2 do CCM (correspondente ao artigo 406º/2 do CC de 1996), que prescreve: "2. Em relação a terceiros o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei." ( ... ) tal contrato não é convenção colectiva de trabalho, muito menos acordo tipo que vincula os trabalhadores ( ... ) Aliás, o contrato de trabalho individual assinado pelo Autor, em lado nenhum remete para o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e o terceir [ ... ]”.
    XI) À celebração do referido contrato de prestação de serviços não está, nem nunca esteve, subjacente a criação de direitos/deveres na esfera jurídica de outrem que não os seus originais outorgantes, sendo que a aprovação administrativa a que foi sujeito não lhe conferiu tal virtualidade.
    XII) Por força do contrato a favor de terceiro, e segundo a definição legal e doutrinal, o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, ao que acresce que a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não a de celebrar um outro contrato.
    XIII) Através do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, a ora Recorrente não se obrigou a prestar ou atribuir a um terceiro uma vantagem patrimonial imediata, mas antes a celebrar um outro contrato, concretamente, de trabalho, ao abrigo do qual nasceriam na esfera jurídica do terceiro não só direitos, mas também obrigações, como seja a prestação de trabalho e todas as demais inerentes à relação laboral.
    XIV) Não resultam dos autos quaisquer elementos que permitissem concluir que os contra entes - ou seja a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau - agiram com a intenção de atribuir directamente ao Autor uma vantagem patrimonial, intenção essa que constitui um elemento essencial do contrato a favor de terceiro e que permite ao este mesmo terceiro exigir o cumprimento da promessa.
    XV) De contrário, sempre se estará perante uma figura próxima, mas distinta do contrato a favor de terceiro, como será o caso dos contratos a que a doutrina alemã denomina de autorizativos de prestação a terceiro, em que, apesar de a prestação se destinar ao terceiro beneficiário, este não adquire a titularidade dela, isto é, não assume a posição de credor e por conseguinte não pode exigir do obrigado a satisfação da prestação.
    XVI) Assim, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau vincula apenas as partes contratantes, não podendo beneficiar directa ou indirectamente o Autor, e não tem interferência na validade e eficácia do contrato celebrado entre este e a Recorrente, nem no seu concreto conteúdo.
    XVII) Em todo o caso, e ainda que V. Exas. entendam que os contratos de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes são fonte dos direitos reclamados pelo Autor, por se tratarem de contratos a favor de terceiro, sempre se diga que da factualidade apurada em sede dos presentes autos e transcrita na decisão sob Recurso não é permitido concluir-se ao abrigo de que o contrato de prestação de serviços o Autor foi contratado, e nem se tal contrato de prestação de serviços foi renovado e em que condições o terá sido até 31 de Maio de 2008.
    XVIII) A interpretação dos factos que foi levada a cabo pelo douto Tribunal a quo de presumir a renovação até 31 de Março de 2008 dos contratos de prestação de serviços mencionados em C) dos factos assentes, é feita totalmente ao arrepio de qualquer prova produzida nos presentes autos., sendo que era ao Autor a quem cabia o ónus de alegação e prova destes mesmos factos.
    XIX) Pelo que, a conclusão de que foi sempre ao abrigo de um dos contratos de prestação de serviços mencionados em C) que o Autor se manteve ao serviço da Ré até 31 de Maio de 2008 e que, como tal, durante todo o período que durou a relação laboral o Autor é titular do direito às diferenças salariais existentes entre um daqueles contratos de prestação de serviços e os vários contratos de trabalho que foi celebrando com a Recorrente, não tem suporte factual, e trata-se de uma mera presunção que, ao arrepio da lei, o douto Tribunal a quo lançou mão para "acomodar' a pretensão do Autor.
    XX) A Ré, ora Recorrente, não confessou que foi um e só um contrato de prestação de serviços, o mesmo que esteve na base da contratação inicial do Autor, que fundamentou a manutenção da relação laboral entre as partes desde 12 de Novembro de 2004 e 31 de Maio de 2008 e nem o Autor invoca tal facto.
    XXI) Assim, não poderia o douto Tribunal a quo ter extrapolado o alegado pelas partes e nem os elementos probatórios existentes nos autos e condenado a ora Recorrente a pagar ao Autor um montante a título de diferenças salariais existentes entre um contrato de prestação de serviços, cuja identificação, duração e renovação não se apuraram, e os contratos de trabalho que foram sendo celebrados entre as partes.
    XXII) Pelo que, não se tendo apurado a verdadeira extensão e condições da promessa (contida nos contratos que o douto Tribunal a quo qualificou como contratos a favor de terceiros), o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 437.º e 438.º, ambos do Código Civil.
    XXIII) O subsídio de alimentação, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário.
    XXIV) Entendeu o douto Tribunal Q quo condenar a ora Recorrente a pagar ao Autor um valor correspondente ao subsídio de alimentação alegadamente devido pelo número total de dias de toda a relação laboral, o que, salvo devido respeito por melhor opinião, se reputa ilegal.
    XXV) Para que houvesse condenação da Ré, ora Recorrente, no pagamento desta compensação, deveria o Autor ter alegado e provado quantos foram os dias de trabalho efectivamente por si prestados, o que não sucedeu.
    XXVI) Pelo que, salvo devido respeito por melhor opinião, não tendo sido alegados nem provados os factos essenciais de que depende a atribuição do mencionado subsídio de alimentação, ou seja, a prestação efectiva de trabalho, não poderia o douto Tribunal ter condenado a Recorrente nos termos em o fez, padecendo assim a douto sentença nesta parte do vício de violação de lei, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pagamento de compensação a título de subsidio de alimentação.
    Nestes termos, pede que seja o presente recurso julgado procedente e, consequentemente, revogada a sentença proferida e substituída por acórdão que absolva a ora recorrente do pedido.
    
    B, autor já identificado nos autos à margem indicados, notificado das alegações de recurso juntas pela ré, apresentou as suas ALEGAÇÕES de RESPOSTA, dizendo, no essencial:
    1. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a douta Sentença de que recorre procedeu a uma correcta interpretação dos factos e das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação da Lei e do Direito devendo, em consequência, manter-se na integra;
    2. Partindo dos meios de prova existentes nos presentes autos, em concreto, do teor dos articulados, dos documentos juntos e da prova testemunhal produzida em sede de audiência, discussão e julgamento, salta à vista que não existe um qualquer erro, contradição ou vício que possa "inquinar" o conteúdo do quesito n.º 4;
    3. Basta ver que o referido quesito corresponde ao alegado pelo Recorrido na sua Petição Inicial, e que foi aceite pela Recorrente na sua Contestação, e que em pouco se afasta da matéria contida nos Factos Assentes, sobre o qual a Recorrente em momento nenhum se pronunciou como tendo sido incorrectamente seleccionada;
    Por outro lado,
    4. A mera referência constante do doc. 2 junto pelo Autor na sua Petição Inicial à existência de outros contratos de prestação de serviços, em caso algum poderia afastar, por si só, o ónus de prova que recaía sobre a Recorrente, no sentido de trazer aos autos todos os elementos que pudessem demonstrar a existência ou não de outros contratos de prestação de serviços, tal qual, aliás, a seu tempo requerido pelo próprio Recorrido;
    5. De onde, também por aqui, a Recorrente não pode pretender beneficiar das suas "próprias falhas" para, em sede de recurso, procurar atingir o que não consegui alcançar em sede de instrução e produção de prova;
    6. Assim, em face do alegado e aceite por ambas as partes, em sede de articulados, em caso algum o Tribunal a quo poderia ter chegado a outra conclusão que não a constante da douta Sentença;
    Ao que acresce que,
    7. Não obstante, o Tribunal a quo não ter especificado o concreto número do contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o Autor havia sido contratado pela Ré, o número de tal contrato vem expressamente identificado pela Recorrente na sua Contestação, nada tendo a mesma adiantando, ao tempo, quanto à existência de outro, ou de outros contratos de prestação de serviços;
    8. De onde, tendo a Recorrente afirmado, aceite e confessado que o Autor foi contratado ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviço n.º 12/04, que as suas cláusulas eram válidas, eficazes e aplicáveis à relação laboral durante todo o seu período - o que em momento algum sofreu qualquer tipo de discordância ou controvérsia por parte do Autor - não se justifica que o douto Tribunal de Base tivesse de ir ao "preciosismo" de indicar exactamente qual o contrato de prestação de serviços com base no qual o Autor exerceu as suas funções de guarda de segurança para a Ré;
    9. Ademais, resultando da prova produzida que o teor dos contratos de prestação de serviço constantes da al. C) dos Factos Assentes eram efectivamente iguais, v.g., dispondo das mesmas condições de recrutamento e de remuneração, e que todos eles haviam sido apresentados e aprovados pela entidade competente (DSTE), nem se percebe em que medida a concreta indicação do contrato desprestação de serviço ao abrigo do qual o Autor havia sido recrutado pela Ré pudesse vir a ter qualquer influência ao nível da boa decisão para os presentes autos;
    10. Ao que acresce que, se a única diferença existente nos referidos contratos assentava em os mesmos apresentarem diferentes datas ou períodos de validade (sendo certo que nenhum dos mesmos poderá ter vigorado para lá do termo da relação laboral entre as partes), apenas teria interesse a concreta identificação do contrato de prestação de serviços se a Recorrente tivesse feito prova que o mesmo não havia sido renovado ou que havia caducado antes do termo da relação laboral com o Autor, prova esta que apenas à Ré seria possível, visto ser a Ré e não o Autor a parte outorgante de tais contratos de prestação de serviço ...
    11. Certo é que, em momento nenhum a Recorrente questionou a validade temporal do contrato de prestação de serviços n.º 12/04, nem o facto do seu concreto conteúdo não ter sido de forma reiterada e sucessiva objecto de fiscalização e de aprovação por parte da entidade competente, a pedido da própria Recorrente, enquanto única entidade interessada na sua renooação;
    12. E somente a Recorrente poderia ter feito prova de que o contrato de prestação de serviços n.º 12/04, que esteve na base da contratação do Autor, decorrido o prazo inicial pelo qual foi celebrado, não teria sido renovado, ou que não teria sido revogado e/ ou substituído por outro:
    13. Ou melhor, tão-só e apenas a Recorrente estava em condições de mostrar ao Tribunal que para além do contrato de prestação de serviço que permitiu a contratação do Recorrido, teriam existido outros contratos (outorgados pela própria Recorrente, não deixe de se sublinhar) quiçá terão existido outros destinados a regular a relação de trabalho com o Recorrido;
    14. Ademais, se a Recorrente entendesse que a questão do prazo de validade do contrato de prestação de serviços n.º 12/04 (que a própria Recorrente juntou aos autos como estando ou tendo estado em vigor até ao termo da relação laboral com o Autor) configurava uma questão controvertida, já há muito que o haveria de ter suscitado, maxime em sede de matéria de excepção aquando da apresentação da sua Contestação em Maio de 2009;
    15. Com efeito, sabido que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (art. 335.°, n.º 2 do Código Civil), caberia à Recorrente o ónus de impugnação especificada dos factos alegados pelo Autor com os quais não tenha concordado;
    16. Não o tendo feito, tendo inclusivamente a Recorrente junto aos autos cópia do contrato de prestação de serviços n.º 12/04 afirmando expressamente tratar-se do contrato com base no qual foram celebrados os contratos individuais de trabalho com o Recorrido, a consequência de tal incumprimento de tal ónus de prova é a decisão ter de ser desfavorável à parte onerada ... ;
    17. A não se entender assim, serão beliscados todos os mais elementares princípios que dão corpo ao nosso Processo Civil (Princípio do dispositivo, Princípio do contraditório, Princípio da cooperação e Princípio da preclusão);
    Quanto à matéria de Direito,
    18. Resulta do próprio conteúdo literal do contrato celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio, que o mesmo - na sua quase totalidade - não se destinava a regular as relações jurídicas dos outorgantes mas antes de terceiros, maxime dos trabalhadores que seriam recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e posteriormente cedidos à Recorrente (de entre os quais se inclui o Recorrido);
    19. Assim, tratando-se de um «contrato a favor de terceiro» e repercutindose o mesmo na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, mais do que líquido que o beneficiário da promessa (in casu, o Recorrido) adquire o(s) direito(s) - ou parte dele(s) - constantes do mesmo contrato independentemente de aceitação (art. 438.°, n.º 1 do Código Civil de Macau) e, em consequência, poderá exigir o seu cumprimento directamente do obrigado (in casu, da Recorrente), tal qual concluiu o Tribunal a quo;
    20. A este respeito, veja-se, entre muitos outros, o entendimento sufragado pelo Tribunal de Segunda Instância (Processo n,? 739/2009), em muito relacionado ao dos presentes autos, quando se sublinha que: as condições de trabalho em que devem ser contratados os trabalhadores não residentes, constam do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, sendo que este toma de forma clara e expressa uma natureza assumidamente normatioa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes (trabalhadores este que estão excluídos do Regime Geral das Relações Laborais apenas aplicável aos trabalhadores residentes - DL 24/89/M, de 3 de Abril e LRT) obrigando a uma contratação em condições mínimas acordadas com a empresa prestadora de serviços (in casu, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.);
    Por outro lado,
    21. Resulta do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, que o despacho (leia-se, despacho da «entidade governamental competente» que autoriza a contratação de trabalhadores não residentes) condiciona a mesma à apresentação prévia de um «contrato de prestação de serviços» celebrado entre a “entidade interessada” e uma “terceira entidade - fornecedora de mão-de-obra não residente” (cfr. n.º 3 e n.º 9 c) do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
    22. In casu, quer o «despacho da autoridade governamental» quer o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, vincularam imperativamente a Recorrente a contratar os trabalhadores não residentes - e, em concreto, o Recorrido - em conformidade com as condições mínimas constantes do «contrato de prestação de serviços» celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.;
    23. A fixação legal de condições tidas como mínimas, em si mesma constitui um direito que escapa à liberdade da autonomia das partes, visto terem sido consagradas por uma razão - de ordem pública - maxime de protecção dos interesses da generalidade dos trabalhadores residentes (cfr. preâmbulo do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
    24. In extremis, nunca o Recorrido poderia ter sido admitido como trabalhador da Recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não respeitasse o disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, maxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes está sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderá ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador;
    25. No demais, deve manter-se integralmente a douta decisão.
    Nestes termos, pronuncia-se pela improcedência do recurso.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os seguintes factos:
    
    “A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (alínea A) dos factos assentes)
    A Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de guarda de segurança, supervisor de guarda de segurança, guarda sénior, entre outros. (alínea B) dosfactos assentes)
    A Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os contratos de prestação de serviços: n° 9/92, em 29 de Junho de 1992; n.º 6/93, em 1 de Março de 1993; n.º 2/94, em 3 de Janeiro de 1994; n.º 29/94, em 11 de Maio de 1994; n.º 45/94, de 27 de Dezembro de 1994. (alínea C) dosfactos assentes)
    Esses contratos de prestação de serviços dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de recrutamento e cedência de trabalhadores; de despesas relativas à admissão dos trabalhadores; à remuneração dos trabalhadores; ao horário de trabalho e alojamento; aos deveres de assistência; .aos deveres dos trabalhadores; às causas de cessação do contrato e repatriamento; a outras obrigações da Ré; à provisoriedade; ao repatriamento; ao prazo do contrato e às disposições finais, dos trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente cedidos à Ré. (alínea D) dosfactos assentes)
    Ao abrigo de um desses contratos de prestação de serviços, o Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré. (alínea E) dos factos assentes)
    A Ré apresentou junto da entidade competente, maxime junto da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, cópia dos referidos contratos de prestação de serviço, para efeitos de renovação da contratação de trabalhadores não residentes, entre os quais se inclui a do Autor. (alínea F) dos factos assentes)
    Entre 12 de Novembro de 2004 e 31 de Maio de 2008, O, Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de "guarda de segurança". (alinea G) dos factos assentes)
    Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea H) dos factos assentes)
    Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alinea I) dosfactos assentes)
    Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (alinea J) dos factos assentes)
    O contrato de trabalho entre a Ré e o Autor cessou em 31 de Maio de 2008, por iniciativa da Ré. (alinea K) dos factos assentes)
    O Autor foi convidado a assinar outros dois contratos individuais de trabalho. (alínea L) dos factos assentes)
    Os dois contratos de trabalho assinados entre o Autor e a Ré correspondem a uma renovação do primeiro contrato assinado com a Ré. (alinea M) dosfactos assentes) Entre 13 de Novembro de 2004 e Fevereiro de 2005, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.000,00 mensais. (alinea N) dos factos assentes)
    Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.100,00 mensais. (alínea O) dos factos assentes)
    Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.288,00 mensais. (alinea P) dos factos assentes)
    Para o período de Novembro de 2004 a Fevereiro de 2005, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,00 por hora. (alinea Q)dosfactos assentes)
    Para o período de Março de 2005 a Fevereiro de 2006, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,30 por hora. (alínea R) dos factos assentes)
    Para o período de Março de 2006 a Dezembro de 2006, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MüP$11,50 por hora. (alínea S) dos factos assentes)
    A autorização para a contratação de trabalhadores não residentes está condicionada à apresentação prévia de um contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade interessada e a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente. (resposta ao quesito da 1º da base instrutória)
    O contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade interessada e a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente é sempre remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho (hoje, DSAL) para efeitos de verificação e aprovação de certos requisitos tidos como mínimos exigíveis para o efeito. (resposta ao quesito da 2° da base instrutória)
    A entidade interessada na contratação de trabalhadores não residentes tem que contratar os trabalhadores não residentes em conformidade com as condições mínimas constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente. (resposta ao quesito da 3° da base instrutória)
    Desde 1992, o concreto conteúdo dos contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes sempre foram objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego. (resposta ao quesito da 4° da base instrutória)
    Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviços da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir, no mínimo, a quantia de MüP$90,00 por dia, por 8 horas de trabalho diárias, o que perfaz a quantia de. MOP$2.700,00 por mês. (resposta ao quesito da 8° da base instrutorta)
    Entre Novembro de 2004 e Fevereiro de 2005, o Autor fez 462,50 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 10° da base instrutória)
    Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, o Autor fez 2.050,75 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 11 ° da base instrutôria)
    Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, o Autor fez 2.747,67 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 1]0 da base tnstrutôrta)
    Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir a quantia de MOP$15,00 diárias, a título de subsídio de alimentação. (resposta ao quesito da 13° da base instrutária)
    Nunca a Ré entregou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (resposta ao quesito da 14º da base instrutôriat
    Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir um subsídio mensal de efectividade, de montante igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta ao serviço. (resposta ao quesito da 15° da base instrutória)
    Nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho. (resposta ao quesito da 16° da base instrutôria)
    Nunca a Ré atribuiu ao Autor qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade. (resposta ao quesito da 17° da base instrutória)”
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. O presente recurso tem por objecto:
    - A questão da matéria de facto;
    - Erro na aplicação do direito.
    
    2. Não houve erro de julgamento da matéria de facto, nem insuficiência da mesma, pois a partir do momento em que se definiu qual o contrato aplicável à relação laboral em concreto, foram essas as condições que serviram de base à prolação da sentença e respectivos cálculos.
    Resulta dos autos que durante o aludido tempo o trabalhador esteve ao serviço da ré, com contrato sucessivamente renovado e ao abrigo de um dos aludidos contratos de prestação de serviços, contrato esse que definiu as condições de contratação.
    Sustenta a recorrente que o Tribunal não tinha elementos para dar como provado o quesito 4º que prevê:
    "Desde 1992, o concreto conteúdo dos contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes sempre foram objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego."
    Não tem razão enquanto pretende daí retirar benefício.
    Desde logo é a própria recorrente, enquanto ré que afirmou que esse facto seria consideração pessoal, interpretação de facto ou direito ou conclusões manifestamente infundadas. É o que afirma no artigo 28º da contestação.
    Neste particular entendimento concede-se-lhe razão, pois mostra-se inócua a comprovação de uma actividade de apreciação, fiscalização e aprovação posterior dos contratos, se se comprova que eles foram previamente aprovados, eram eles que regiam a relação laboral em causa, independentemente daquela actividade ratificativa posterior.
    Mesmo a dar-se como não provada, mesmo em eventual contradição com o teor do documento número 2 junto pelo recorrido, daí não emerge uma outra decisão, a partir do momento em que se tem aplicável o supra citado regime jurídico à relação em presença.
    Trata-se de matéria perfeitamente dispensável.
    3. O ponto está em saber qual o regime aplicável à relação laboral em presença.
    Na sentença afirma-se que foi com base num dos contratos de prestação de serviços da alínea C) que o autor foi contratado. Trata-se de matéria especificada na alínea E).
    É verdade que a ré diz que o trabalhador em causa foi contratado com base num outro contrato, o contrato n.º 12/04, documento que juntou com a sua contestação, resultando daí um salário mensal de MOP2.000,00, correspondente ao que foi realmente pago.
    O certo é que, bem ou mal, a ré deixou passar o Saneador, sem que tenha reclamado do mesmo, na parte relativa à matéria dada como assente, não podendo agora vir invocar insuficiência da matéria de facto. Aliás, tratar-se-ia de erro de julgamento e não de insuficiência da matéria de facto. É certo que reclama da matéria da base instrutória, pretendendo a inclusão de condições contratuais diferentes das invocadas pelo A., mas não há aí contradição alguma, pois a aplicação de um dos contratos da al. c) bem podia ser compatibilizada com a matéria da base instrutória que foi posta em crise; isto é, a reclamação feita à BI não arrasta necessariamente a impugnação do especificado em E), ou seja, que não foi ao abrigo de um dos contratos referidos em C) que o autor foi contratado. Devia a Ré ter reclamado deste facto, pois pode acreditar-se que apenas divergia em relação a algumas das cláusulas aplicáveis.
    Tivesse assim procedido e seria difícil agora deixar de se lhe dar razão, pois, não se pronunciando as testemunhas sobre qual o contrato de prestação de serviços pretensamente aplicável, até porque nem todos constam do processo - foi apenas junto um pela autora e a ré juntou outro com condições diferentes - o certo é que não deixou de se conformar com a interpretação feita pelo Tribunal e que veio a ser consagrada em sede de especificação.
    4. Aliás, não é inocente que a própria ré tenha aludido na contestação a uma renovação do contrato de prestação de serviço, o que pressupunha que o contrato aplicável já vinha de trás e não deixa de ser curioso que o próprio Tribunal do julgamento de facto não deixa de afastar expressamente a aplicação do contrato invocado pela ré (contrato 12/04 -doc. de fls 107 a fls 111), conforme se alcança de fls 341v.
    É certo que só um desses contratos consta nos autos, mas o que releva é o seu regime e quais as cláusulas e condições contratuais, sendo matéria que pode ser admitida e confessada pelo réu que tem o dever da impugnação, traduzido no ónus de tomar posição sobre os factos articulados pelo autor - art. 410º do CPC.
    Não se vê como é que, mesmo à míngua desse facto, o Tribunal a quo não podia ter considerado aplicável o conteúdo de um desses contratos (nomeadamente as condições dadas como provadas nos quesitos 8.º, 13.º e 15.º da base instrutória), e que tal esteve em vigor durante todo o período que durou a relação laboral entre a ora recorrente e o recorrido, ou seja, entre 12 de Novembro de 2004 e 31 de Maio de 2008, condenando assim a recorrente a pagar ao autor diferenças salariais alegadamente devidas durante todo este período.
    5. Caberia ao tribunal, decorrido o ano pelo qual o contrato foi celebrado, ter apurado da sua renovação e do tempo da sua vigência.
    E a existirem diferenças para menos importa referir que não se percebe como se poderiam retirar direitos que integraram uma dada contratação e muito naturalmente se mantêm aquando das renovações, não tendo o empregador feito prova que contratou diferentemente no caso concreto, diminuindo ou retirando as regalias, dentro do princípio do favor laboratoris, para mais, não tendo ele alegado essas alterações nos seus articulados, limitando-se a referir que celebrou um contrato individual de trabalho, não deixando de aceitar, no artigo 39º do contestação, que a contratação foi feita ao abrigo do contrato de prestação de serviços n.º 12/04.
    Importa ainda não esquecer que o aludido contrato era renovável, sendo indiscutível que após o período da sua vigência o trabalhador continuou a trabalhar, pelo que é de crer que aquele contrato se renovou, cabendo ao empregador alegar e provar que renovou noutras condições.
    Estamos aqui perante um facto que foi alegado pelo autor, referimo-nos à base contratual, ou, melhor, às condições contratuais emanadas de um dado contrato que foram reger toda a prestação de trabalho e que a empregadora não pôs em causa.
    Vir agora dizer que esse contrato não se aplicava durante todo o contrato afigura-se extemporâneo e não consentido pelas regras do processo.
    Não se deixa de sublinhar que foi a própria recorrente, aquando da sua contestação, quem afirmou que as cláusulas do contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o autor havia sido contratado ainda se encontravam em vigor (arts. 39.° e 18.° da Contestação).
    Ora, se as cláusulas ainda estavam em vigor, é porque o contrato se havia "renovado", pelo que não existe um qualquer vício ou falta de coerência por parte da decisão proferida.
    Em suma, não tendo a recorrente praticado o acto processual em momento próprio, traduzido na reclamação da matéria dada como assente, precludido está o direito de o praticar neste momento.
    
    6. Erro de direito
    Entende a ora recorrente que, no plano do Direito aplicável ao caso, a decisão recorrida interpretou e aplicou incorrectamente as normas que lhe serviram de fundamento, porquanto, nada na lei fez nascer na esfera jurídica do autor os direitos a que se arrogou e reclamou.
    Esgrime a recorrente com argumentos que, não sendo novos, já foram esmiuçados por este Tribunal e nos quais se louvou a douta sentença proferida, para onde nos remetemos. A este concreto assunto e relativamente às questões identificadas deu já este TSI resposta, trata-se de matéria sobejamente tratada por este Tribunal, pelo que reproduzimos aqui o já exarado noutros arestos (cfr. entre outros, o Ac. do TSI proc. n.º 376/2012 de 14/6/2012; proc. n.º 779/2010, de 16/6/011; 131/2012, de 31 de Maio de 2012; 322/2013, de 25 de Julho de 2013).
    É já Jurisprudência assente ao nível deste TSI que os Contratos de Prestação de Serviços concluídos entre a recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, e ao abrigo dos quais os trabalhadores não residentes (e, in casu, o ora recorrido) eram autorizados a prestar trabalho juridicamente se configura como sendo um contrato a favor de terceiros.
    Ainda aqui nos remetemos para o que foi exarado na douta sentença recorrida e, entre outra, na Jurisprudência acima citada.
    Nesta conformidade, será de aplicar ao caso o aludido regime do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a recorrente e a empresa autorizada a importar mão-de-obra não residente.
    
    7. Do subsídio de alimentação
    Ao contrário do alegado pelo recorrido, o subsídio de alimentação ou de refeição depende da prestação efectiva de trabalho, fazendo todo o sentido que assim seja, tendo até em vista a sua natureza e os fins a que se propõe. Destinar-se-á a fazer face a um custo suplementar a suportar por quem trabalha e por quem tem de comer fora de casa ou com custos acrescidos por causa do trabalho.
    É esta a Jurisprudência deste Tribunal, concretizada no acórdão n.º 376/2012, de 14/6, onde se fez constar:
    “Ora, este subsídio tem uma função social radicada numa despesa alimentar efectuada por causa da prestação de trabalho efectiva.1
    E embora tenha havido por parte da jurisprudência alguma tendência para o considerar prestação retributiva, a verdade é que nem por isso outra a associava, mesmo assim, à noção de trabalho efectivo, tal como, por exemplo, foi asseverado no Ac. da Relação de Lisboa de 29/06/1994, Proc. nº 092324 “ Quer a Jurisprudência, quer a Doutrina têm vindo a entender que o subsídio de alimentação, sendo pago regularmente, integra o conceito de retribuição .... Porém, estando ligada essa componente salarial à prestação de facto do trabalho, só será devida quando o trabalhador presta serviço efectivo à entidade patronal…”.
    Com o art. 260º do Código do Trabalho Português, o panorama mudou de figura, pois o nº2, do art. 260º deixou claro que esse subsídio não devia ser considerado remuneração, salvo nos casos em que o seu valor excede o montante da despesa alimentar. E assim, terá ficado mais claro que ele só é assumido pelo empregador por causa da prestação efectiva de trabalho. Ele “visa compensar uma despesa diariamente suportada pelos trabalhadores quando realiza a sua actividade”.2 Ou “…visa compensar uma despesa na qual o trabalhador incorre diariamente, sempre que vai trabalhar…” (destaque nosso).3
    Em Macau, não está regulada a atribuição destes subsídios, mas não cremos que o sentido da sua natureza que melhor se adequa à geografia local é aquele que atrás descrevemos. Por conseguinte, por não estar regulada na lei (DL nº 24/89/M), nem no referido contrato de prestação de serviços nº 45/94 (…), deveremos considerá-lo como compensação pela prestação de serviço efectivo.
    Logo, da mesma maneira que deverá descontar-se o subsídio nos períodos de férias ou naqueles em que a pessoa está de licença de maternidade, também ele deve ser subtraído quando o trabalhador não prestou serviço por outra qualquer razão.4”
    
    Posto isto, estamos em crer que a sentença deixou escapar o facto de o autor não ter trabalhado todos os dias.
    Se assim é sempre necessário seria apurar qual o número de dias de trabalho efectivo, o que não aconteceu nos autos.
    Não se tendo apurado o número de dias de trabalho efectivo, condição de atribuição do mencionado subsídio de alimentação, não podia o Tribunal ter condenado a recorrente nos termos em o fez, padecendo assim a douta sentença nesta parte do vício de violação de lei, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que condene tão somente a ré a pagar ao autor, ora recorrente, no pagamento de compensação a título de subsídio de alimentação que se vier a liquidar em execução de sentença, face ao disposto no artigo 564º, n.º 2 do CPC.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso e, revogando parcialmente a sentença recorrida, condenam a ré a pagar ao autor, ora recorrente, a compensação a título de subsídio de alimentação que se vier a liquidar em execução de sentença, mantendo no mais o que foi doutamente decidido.
    Custas em ambas as instâncias, na proporção dos decaimentos, sem prejuízo do apoio judiciário concedido nos autos.
Macau, 13 de Março de 2014,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho

1 - Neste ponto, corrige-se a posição anteriormente tomada no proc. nº 781/2011.
2 - Luis M. Telles de Meneses Leitão, in Direito de Trabalho, Almedina, 2008, pag. 349. No mesmo sentido, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pag. 547 e Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho anotado, Coimbra Editora e Wolters Kluver, pag. 662-663.
3 - Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho anotado, 5ª edição, 2007, pag. 498.
4 - A não ser nas situações em que a não prestação se fica a dever a causa imputável ao empregador e em que, apesar disso, o trabalhador teve que efectuar a despesa alimentar.
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414/2012 31/31