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Processo nº 706/2010
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 6/Março/2014

Assunto: Marca
Prioridade de registo
LANDMARK

SUMÁRIO
- Uma vez provada a apresentação pela recorrente, a 4 de Abril de 2003, do primeiro pedido de registo da marca “XX” em Hong Kong para serviços da classe 36ª, tem aquela direito de prioridade para apresentar o pedido de registo da mesma marca em Macau, no prazo de 6 meses a contar dessa data.
- Efectuado o pedido de registo da mesma marca - “XX” - para serviços da classe 36ª em Macau, em 18 de Setembro de 2003, no qual foi reivindicado o direito de prioridade no registo com fundamento no primeiro pedido da mesma marca nominativa efectuado em Hong Kong no dia 4 de Abril de 2003, uma dada marca requerida pela parte contrária em 29 de Julho de 2003, para serviços da classe 36ª, tem que ceder face àquele direito de prioridade internacional.

O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 706/2010
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 6/Março/2014

Recorrente:
- A Company, Limited


Recorridas:
- B – Sociedade Gestora, Limitada
- Sociedade de Investimento Predial C, S.A.


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A Company Limited, sociedade constituída segundo as leis de Hong Kong, melhor identificada nos autos, intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM recurso judicial do despacho do Chefe do Departamento dos Serviços de Economia, de 22 de Novembro de 2005, que recusou o pedido de registo da marca N/1XX13, para a classe 36ª.
Por sentença do Tribunal Judicial de Base proferida a 9 de Abril de 2010, julgou improcedente o recurso mantendo a decisão recorrida que rejeitou o registo da marca N/1XX13.
Inconformada com a decisão, recorreu a recorrente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
- Imputa a recorrente à douta sentença recorrida um vício de erro de julgamento de um facto da maior relevância para a decisão de direito, qual seja, a existência do direito de prioridade da recorrente no registo, em Macau, do sinal XX, para assinalar serviços da classe 36ª;
- Pese o facto de existirem elementos de prova suficientes no processo, o douto Tribunal a quo nos “Factos Provados” não elencou alguns deles, certo sendo que, e se estivessem integrados nessa parte da douta sentença, permitiria apreender mais facilmente as razões de facto que fundamentam o recurso judicial de marca apresentado pela recorrente, impugnando a decisão administrativa de recusa da sua marca XX, para a classe 36ª;
- Interessava demonstrar que a decisão administrativa em impugnação no presente processo teve por base a aferição entre a marca registanda e quatro marcas requeridas pela Parte Contrária, porque que lhes haviam sido concedidas pela DSE;
- Dessas 4 marcas, três vieram a ser, por decisão judicial, recusadas à parte Contrária, pelo que, a aferição para efeitos de exame e estudo da marca registanda passou a ser feita com a marca n.º N/1XX61, para a classe 36ª;
- O douto Tribunal a quo, ao decidir não reconhecer à ora recorrente o direito de prioridade no registo da sua marca, fê-lo com erro nos pressupostos de facto, pois foi induzido pelo teor da Resposta ao Recurso Judicial de Marca apresentada pela DSE, tendo entendido que aquela entidade se referia à recorrente quando escreveu que o uso de marca livre prolongou-se por mais de seis meses e, como tal, quando da apresentação da marca para o registo, a requerente do mesmo não dispunha de prioridade nesse registo (…);
- Encontra-se provado nos autos que a recorrente goza do direito de prioridade no registo em Macau do sinal marcário consistente na expressão inglesa XX, para assinalar serviços das classes 35ª, 36ª e 42ª, certo sendo que o reivindicou no momento em que apresentou a sua marca a registo, com fundamento em pedido idêntico feito em Hong Kong em 4 de Abril de 2003;
- Reconhecido tal direito de prioridade à recorrente não se pode dar por verificado o fundamento previsto na alínea b) do n.º 2 do art.º 214º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, por não se preencher o primeiro requisito do art.º 215º do RJPI;
- A douta decisão recorrida violou as normas do art.º 214, n.º 2, alínea b), do RJPI e da alínea a) do art.º 215º do mesmo diploma legal, porquanto, aplicou-as, por erro nos pressupostos de facto.
O douto Tribunal a quo violou, também, os art.ºs 15º a 18º do RJPI e o art.º 4º da Convenção de Paris pois, pese o facto de as ter interpretado convenientemente, acabou por não as aplicar, no caso, por erro nos pressupostos de facto.
Conclui, pedindo a procedência do recurso e a revogação da decisão recorrida, e em consequência, que se conceda à recorrente o registo da marca que consiste em “XX” com o N/1XX13 e que se destina a assinalar serviços da classe 36ª.
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Notificadas as partes contrárias e a Direcção dos Serviços de Economia, todas apresentaram resposta, pugnando pelo não provimento do recurso.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
a) Em 18.09.2003 a recorrente requereu o registo da marca N/1XX13 para os serviços da classe 36ª a qual consiste no seguinte: XX – cf. fls. 1 do proc. adm. Apenso.
b) O pedido de registo foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (BORAEM), II Série, de 03.12.2003 – cf. fls. 25 do proc. adm. Apenso.
c) Por despacho de 22.02.2005 proferido a folhas 326 do processo administrativo apenso foi recusado o pedido de registo da marca N/1XX13 com base nos fundamentos constantes da informação de folhas 326 a 335 do mesmo processo cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
d) O Despacho referido na alínea c) foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 14, II Série, de 06.04.2005 – cfr. fls. 336 do proc. adm. Apenso.
e) As marcas N/1XX62, N/1XX23 e N/1XX86 não foram concedidas – cfr. fls. 522/555, 526/583 e 595/617.
f) A marca N/1XX61 constituída por



para a classe 35ª foi concedida a “B – Sociedade Gestora Limitada” tendo sido requerida em 29.07.2003.
g) A recorrente é titular da marca XX para a classe 35º em Hong Kong desde 06.03.1998, Myanmar, Indonésia desde 25.05.1999, em Hong Kong para a classe 19ª e 25ª desde 19.03.1999, em Hong Kong para as classes 19ª, 25ª, 43ª, 44ª, 45ª, 36ª, 37ª, 41ª, 18ª, 30ª, 35ª, 3ª, 14ª e 16ª desde 04.04.2003.
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É perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer do recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
A recorrente começou por impugnar a decisão da matéria de facto dada pelo Tribunal a quo.
Vejamos.
Pretende a recorrente que se dê como provada a seguinte matéria:
- A recorrente, em 18 de Setembro de 2003, quando requereu o registo da marca N/1XX13, para os serviços da classe 36ª, reivindicou o direito de prioridade com fundamento em pedido idêntico feito em Hong Kong em 4 de Abril de 2003.
- As marcas N/1XX62, N/1XX23 e N/1XX86 foram concedidas, administrativamente, às sociedades comerciais, aqui parte contrária; porém, por decisão judicial, os respectivos despachos de concessão foram revogados.
No que respeita ao primeiro ponto, entendemos corresponder à realidade, face ao teor dos documentos juntos aos autos, designadamente fls. 1 do processo administrativo e a certidão emitida pela Direcção dos Serviços de Economia constante de fls. 710, a qual vem comprovar que “o pedido de registo para a marca nominativa, XX, requerida por, A Company, Limited, para assinalar serviços integrados na classe trinta e seis, foi apresentado no dia dezoito de Setembro de dois mil e três, no qual foi reivindicado o direito de prioridade no registo de tal marca com fundamento no primeiro pedido da mesma marca nominativa em Hong Kong...no dia quatro de Abril de dois mil e três...”, pelo que tal facto deve ser dado como provado.
Quanto ao segundo ponto, salvo o devido respeito, entendemos não haver relevância nenhuma para seu aditamento, visto que a matéria essencial reportada naquele facto já se encontra consagrada na alínea e) da matéria provada, daí que se julga improcedente o recurso quanto a esta parte.
Por outro lado, constata-se, na verdade, alguns lapsos de escrita indicados pela recorrente.
O primeiro diz respeito à alínea f) da matéria de facto provada, uma vez que a marca N/1XX61 destina-se a assinalar serviços da classe 36ª e não da classe 35ª (cfr. fls. 169 e 170 dos autos), pelo que deve a tal alínea ser rectificada, onde se lê “classe 35ª”, deve ler-se “classe 36ª”.
O outro encontra-se na alínea g), a qual merece alguma correcção.
Resulta dos documentos constantes dos autos que a marca “XX” cujo pedido de registo foi apresentado em 4 de Abril de 2003 destina-se a assinalar serviços da classe 3ª, 14ª, 16ª, 18ª, 30ª, 35ª, 36ª, 37ª, 41ª, 43ª, 44ª e 45ª, e não das classes 19ª e 25ª (vide fls. 227 a 231).
Assinalada essa rectificação, impõe-se a seguinte nova redacção à alínea g) da matéria de facto provada:
“A recorrente é titular da marca “XX” para a classe 35ª em Hong Kong desde 06.03.1998, em Myanmar e Indonésia desde 25.05.1999; em Hong Kong para as classes 19ª e 25ª desde 19.03.1999; em Hong Kong para as classes 3ª, 14ª, 16ª, 18ª, 30ª, 35ª, 36ª, 37ª, 41ª, 43ª, 44ª e 45ª desde 04.04.2003.”
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Arrumada a matéria de facto, é momento próprio para analisar se o registo da marca N/1XX13, para serviços da classe 36ª, devia ser concedido, por beneficiar a recorrente da prioridade de registo com base em pedido de registo efectuado em data anterior em Hong Kong, aferida em relação à marca N/1XX61, também para a classe 36ª.
Sobre a questão em apreço, a decisão recorrida não acompanhou o entendimento da recorrente, tendo considerado que a marca da recorrente não tem prioridade registral.
Salvo o devido respeito por melhor entendimento, julgamos ter razão a recorrente, senão vejamos.
No que à questão da prioridade concerne, dispõe o artigo 16º, nº 1 do Regime Jurídico de Propriedade Industrial que “aquele que tiver apresentado regularmente pedido de concessão de direito de propriedade industrial previsto no presente diploma, ou direito análogo, em qualquer dos países ou territórios membros da OMC ou da União, ou em qualquer organismo intergovenamental com competência para conceder direitos que produzam efeitos extensivos a Macau, ou o seu sucessor, goza, para apresentar o pedido em Macau, do direito de prioridade estabelecido na Convenção da União de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial.”
Por sua vez, preceitua-se no artigo 4º da Convenção de Paris para a Protecção de Propriedade Industrial de 20 de Março de 1883, aplicável em Macau em consequência do Aviso de Depósito em 30 de Novembro de 1999 pelo Ministério de Negócio Estrangeiro da R.P.C., o seguinte:
“Aquele que tiver apresentado, em termos, pedido de patente de invenção, de depósito de modelo de utilidade, de desenho ou modelo industrial, de registo de marca de fábrica ou de comércio num dos países da União, ou o seu sucessor, gozará, para apresentar o pedido nos outros países, do direito de prioridade durante os prazos adiante fixados.
...
Os prazos de prioridade atrás mencionados serão de doze meses para invenções e modelos de utilidade e de seis meses para os desenhos ou modelos industriais e para as marcas de fábrica ou de comércio.
Estes prazos correm a partir da data da apresentação do primeiro pedido; o dia da apresentação não é contado.
...” – sublinhado nosso
No caso vertente, uma vez provado que a recorrente apresentou, a 4 de Abril de 2003, o primeiro pedido de registo da marca “XX” em Hong Kong para serviços das classes 3ª, 14ª, 16ª, 18ª, 30ª, 35ª, 36ª, 37ª, 41ª, 43ª, 44ª e 45ª, então tem direito de prioridade para apresentar o pedido de registo da mesma marca em Macau, no prazo de 6 meses a contar de 4.4.2003.
Efectivamente, em 18 de Setembro de 2003, a recorrente efectuou o pedido de registo da mesma marca -“XX” - para serviços da classe 36ª em Macau, no qual foi reivindicado o direito de prioridade no registo de tal marca com fundamento no primeiro pedido da mesma marca nominativa efectuado em Hong Kong no dia 4 de Abril de 2003.
Pese embora o registo da marca
tenha sido efectuado pela parte contrária com o N/1XX61 para serviços da classe 36ª, em 29 de Julho de 2003, ou seja, antes da formulação pela recorrente do pedido de registo da marca em Macau, mas aquela marca (N/1XX61) tem que ceder face ao direito de prioridade internacional da recorrente, por que nessa altura ainda estava dentro do prazo que lhe concedia o benefício da prioridade com base no primeiro pedido de registo noutro país da União, qual seja, pedido de registo da mesma marca “XX” para serviços da classe 36ª efectuado em Hong Kong em 4.4.2003.
Tudo isto para apontar que a recorrente goza de prioridade registral em relação à marca “XX” para serviços da classe 36ª.
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Uma vez reconhecido à recorrente o direito de prioridade registral, fica, já agora, arredada a aplicação do disposto nos artigos 214º, nº 2, alínea b) e 215º, ambos do Regime Jurídico de Propriedade Industrial.
Procede, assim, o recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto por A Company, Limited, e, consequentemente, revogar a decisão recorrida e determinar a procedência do pedido de registo da marca N/1XX13.
Custas pelas recorridas.
Registe e notifique.
***
Macau, 6 de Março de 2014

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Tong Hio Fong
(Relator)

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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
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