打印全文
Processos nºs: 480/2011, 480/2011/A, 480/2011/B, 480/2011/C, 480/2011/D e 480/2011/E
  (Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 13 de Março de 2014

ASSUNTO:
- Impugnação da decisão quanto a custa
- Admissibilidade da reconvenção

SUMÁRIO:
- O recurso jurisdicional não é a via correcta e legal para impugnar/reformar a condenação do pagamento das custas, pois, a Ré deveria dirigir primeiramente ao próprio Tribunal a quo, autor das decisões impugnadas, para o efeito.
- O pedido reconvencional pode ser formulado a título condicional, isto é, “formulado condicionalmente em relação ao pedido do autor, ficando a reconvenção subordinada à condição de proceder à pretensão do autor”.
O Relator

Ho Wai Neng




Processos nºs: 480/2011, 480/2011/A, 480/2011/B, 480/2011/C, 480/2011/D e 480/2011/E
  (Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 13 de Março de 2014
Recorrente: B aliás B1 (Ré)
Recorrida : XXXX, SARL (Autora)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despachos proferidos a fls. 613 a 618v do processo principal nº CV1-02-0018-CAO, a fls. 509 a 514 do apenso nº CV1-02-0018-CAO-A, a fls. 518 a 523v do apenso nº CV1-02-0018-CAO-B, a fls. 519 a 524v do apenso nº CV1-02-0018-CAO-D, e a fls. 497 a 502v do apenso nº CV1-02-0018-CAO-E, decidiram-se não admitir as reconvenções deduzidas pela Ré, B aliás B1.
Dessas decisões vem recorrer a Ré, alegando essencialmente, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Na contestação da ré, ora recorrente, não só se invoca a inexistência do crédito que a autora se arroga, como também se invoca que, a existir tal crédito, então encontra-se o mesmo compensado pelas razões aduzidas na reconvenção.
II. Daí a razão de ser da inclusão na contestação de referências como as dos artigos 45º, 46º e 105º, bem como da própria estruturação do pedido ao prever expressamente semelhante hipótese.
III. Caso a autora intente provar o crédito que se arroga, ganhará toda a pertinência o pedido reconvencional deduzido pela autora.
IV. A reconvenção é o meio próprio para, em relação ao crédi to invocado pelo autor, a ré poder opôr um outro que lhe seja excedentário.
V. A Doutrina e a Jurisprudência convergem unanimemente no sentido de que o pedido reconvencional pode ser deduzido a título eventual ou subsidiário, para o caso da acção principal proceder (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 2ª edição, pág. 243; Ac. STJ de 27/11/2003, documento n° SJ200311270031267, in www.dgsi.pt; Ac. RP de 13/7/93, documento n° RP199307139340412, in www.dgsi.pt; Ac. RP, de 3.3.1997; BMJ, 465°-649).
VI. Decidir de outra forma viola, de forma intensa, o princípio da economia processual, precisamente a razão de ser da reconvenção - como o diz o Mmo. Juíz no despacho saneador.
VII. O facto de o crédito e o contracrédito invocados nos autos provierem de fontes diferentes não obsta à admissibilidade da reconvenção (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 331) .
VIII. Não cabe no âmbito do presente recurso apurar se os créditos reciprocamente invocados são judicialmente exigíveis.
IX. Mas se, por remota hipótese assim se não entender, sempre se dirá que o são, encontrando-se mesmo ambos já vencidos.
X. Pelo que, deveria desde logo, ter sido admitido o pedido reconvencional, ao abrigo da alínea b) do nº 2 do artigo 218º e para o caso de procedência da acção, ou seja, a título condicional.
XI. A causa de pedir da defesa não integra um facto único (negação da existência de um mútuo), mas também um conjunto de outros factos que fundamentam a contraposição de que a quantia entregue pela autora à ré tinha a natureza de um pagamento de remunerações e dividendos a que a autora estava obrigada para com a ré.
XII. Ora, in casu, a reconvenção é, precisamente, a exposição dos factos que fundamentam esse pagamento de dividendos e remunerações em falta.
XIII. Salvo o devido respeito, verifica-se, portanto, precisamente o oposto relativamente ao entendimento preconizado no despacho saneador recorrido: os factos que servem de causa de pedir na reconvenção estão intimamente conexionados com a defesa, porquanto a prova de que a autora efectuou à ré um pagamento adiantado de dividendos (este é o fundamento da defesa) está, evidentemente, umbilicalmente ligada à prova de que a autora deve dividendos à ré (este é o fundamento da reconvenção).
XIV. O que a recorrente aqui fez foi deduzir um pedido reconvencional baseado nos factos que articulou para justificar a conduta que integra a causa de pedir invocada pela autora, logo, também por esta via, a reconvenção é admissível.
XV. Na verdade, sendo a reconvenção uma acção enxertada noutra, podem ser diversas as causas de pedir numa e noutra acção, desde que exista uma certa conexão entre estas (Ac. RP, de 17.1.1975 BMJ, 243°-325).
XVI. O pedido reconvencional não tem, pois, que se mover dentro da causa de pedir invocada para a acção, sendo admissível quando o réu invoque, como meio de defesa, qualquer acto ou facto jurídico que reduza, modifique ou extinga o pedido do autor (cfr. acórdão supra citado e vd. Ac. RP de 16.9.1991: CJ, 1991, 4°-247).
XVII. Deste modo, a reconvenção deveria ter sido admitida também a coberto da alínea a) do n° 2 do artigo 218° do Código de Processo Civil.
XVIII. Ao decidir pela inadmissibilidade da reconvenção como decidiu, o douto despacho saneador recorrido viola o princípio da economia processual e o disposto nas mesmas alíneas a) e b) do n° 2 do art. 218° do CPC.
*
A XXXX, SA, respondeu à motivação dos recursos da Ré, nos termos constantes a fls. 781 a 794 do CV1-02-0018-CAO, a fls. 677 a 690 do apenso nº CV1-02-0018-CAO-A, a fls. 686 a 699 do apenso nº CV1-02-0018-CAO-B, a fls. 687 a 700 do apenso nº CV1-02-0018-CAO-D e a fls. 654 a 667 do apenso nº CV1-02-0018-CAO-E, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Por despachos proferidos a fls. 949 a 949v do CV1-02-0018-CAO, a fls.746 a 746v do apenso nº CV1-02-0018-CAO-A, a fls. 824 a 824v do apenso nº CV1-02-0018-CAO-B, a fls. 922 do apenso nº CV1-02-0018-CAO-C, a fls. 823 a 823v do apenso nº CV1-02-0018-CAO-D e a fls. 777 a 777v do apenso nº CV1-02-0018-CAO-E, foram declaradas as extinções da instância por inutilidade superveniente, condenando a Ré no pagamento das custas respectivas.
Dessas decisões vem recorrer a Ré, alegando essencialmente, em sede de conclusão, o seguinte:
I. A recorrida é uma sociedade comercial da qual a recorrente é sócia, tendo esta direito a receber uma parte dos dividendos anualmente distribuídos pela sociedade na proporção do capital social (neste caso, constituído por acções), de que é titular.
II. Durante os anos de 1999 a 2004, a recorrida deliberou ano a ano distribuir dividendos entre os sócios mas excluiu a recorrente dessa distribuição.
III. Em 22/07/2005 a recorrida decidiu pagar os dividendos em atraso que, de acordo com os seus cálculos, entendeu ser o que devia à recorrente.
IV. Quando efectuou o pagamento de dividendos supra descrito, a recorrida, arbitrariamente e sem haver auscultado a recorrente sob nenhuma forma, deduziu daquele montante, a quantia de HKD$3.000.000,00, correspondente ao pedido formulado na presente acção.
V. Com este acto, a recorrida tornou inútil a discussão da questão controvertida nos presentes autos.
VI. Subsequentemente, veio aos autos comunicar este seu fei to, conforme melhor consta do requerimento e documentos em anexo de fls. 807 a 811 dos mesmos autos.
VII. Nesse requerimento pode ler-se logo no seu ponto n° 1, o seguinte: "A ora Autora procedeu, em 22 de Julho de 2005, à entrega do valor de dividendos que à Ré cabia enquanto sua accionista, procedendo ao abatimento, do valor de HKD$3.000.000,00 (três milhões de dólares de Hong Kong), com expressa menção de que tal era fei to, por compensação nomeadamente do valor cujo pagamento é reclamado nos presentes autos".
VIII. Assim, não foi a recorrente quem liquidou a alegada dívida em discussão nos presentes autos e ficou por se saber se tal dívida existia.
IX. Nem foi um terceiro quem, com o consentimento da recorrente, liquidou a quantia de HKD$3.000.000,00, reclamada neste processo pela recorrida.
X. Deste requerimento resulta claro que foi um acto voluntário, unilateral e assumido pela recorrida que deu causa à inutilidade superveniente da lide.
XI. E tal acto foi praticado sem a concordância da recorrente, que foi colocada perante um facto consumado.
XII. Face ao exposto, a condenação da ora recorrente no pagamento das custas do processo afigura-se ser a antítese do que o legislador pretende salvaguardar no n° 1 do artigo 377º do Código de Processo Civil.
XIII. Com efeito, na primeira parte do n º 1 daquele normati vo o legislador fixa a regra geral de que em caso de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, "as custas ficam a cargo do autor".
XIV. A segunda parte deste mesmo nº 1 do art. 377º do CPC admite uma única excepção a esta regra, qual seja, precisamente, quando as custas "resultarem de facto imputável ao réu".
XV. O legislador consagra um critério de causalidade adequada que, aplicado ao caso vertente, para que se pudesse concluir que a ora recorrente deu causa à inutilidade superveniente da lide seria necessário que lhe fosse imputável um acto que, sendo em abstracto adequado a dar causa a esse mesmo efeito, em concreto o houvesse efectivamente provocado.
XVI. Todavia, como vimos, é exclusivamente à recorrida que se pode imputar tal facto.
XVII. Dir-se-ia, pois, que não só se não encontra preenchida a situação de excepção prevista na parte final do n° 1 do art. 377° do CPC, como, a final, estamos perante uma situação concreta em que a regra geral de responsabilidade por custas prevista na primeira parte do mesmo preceito legal sai reforçada, podendo falar-se de uma dupla via de imputação de tal responsabilidade à recorrida.
XVIII. Pelo que, a decisão recorrida viola o disposto no n° 1 do artigo 377° do Código de Processo Civil.
*
A XXXX, SA, respondeu à motivação do recurso da ora recorrente, nos termos constantes a fls. 967 a 976 do CV1-02-0018-CAO, a fls. 764 a 773 do apenso nº CV1-02-0018-CAO-A, a fls. 842 a 851 do apenso nº CV1-02-0018-CAO-B, a fls. 940 a 949 do apenso nº CV1-02-0018-CAO-C, a fls. 841 a 850 do apenso nº CV1-02-0018-CAO-D e a fls. 795 a 804 do apenso nº CV1-02-0018-CAO-E, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência dos recursos.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, fica assente a seguinte factualidade:
Processo Principal nº CV1-02-0018-CAO:
- Em 26/11/2002, a Autora intentou contra a Ré a acção de condenação com processo ordinário, que correu termos no TJB sob o nº CV1-02-0018-CAO, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de HK$3.000.000,00.
- Em 14/02/2003, a Ré apresentou a contestação, com dedução da reconvenção.
- Por despacho de 11/07/2005, proferido a fls. 613 a 618v, decidiu-se não admitir a reconvenção formulada pela Ré.
- Por despacho de 28/02/2011, proferido a fls. 949 a 949v, foi declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente, condenando a Ré no pagamento das custas.
- A decisão supra na parte relativa à declaração da extinção da instância não foi objecto de impugnação, pelo que já transitou em julgado.
Apenso nº CV1-02-0018-CAO-A:
- Em 26/11/2002, a Autora intentou contra a Ré a acção de condenação com processo ordinário, que correu termos no TJB sob o nº CV1-02-0018-CAO-A, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de HK$2.000.000,00.
- Em 14/02/2003, a Ré apresentou a contestação, com dedução da reconvenção.
- Por despacho de 11/07/2005, proferido a fls. 509 a 514, decidiu-se não admitir a reconvenção formulada pela Ré.
- Por despacho de 28/02/2011, proferido a fls. 746 a 746v, foi declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente, condenando a Ré no pagamento das custas.
- A decisão supra na parte relativa à declaração da extinção da instância não foi objecto de impugnação, pelo que já transitou em julgado.
Apenso nº CV1-02-0018-CAO-B:
- Em 26/11/2002, a Autora intentou contra a Ré a acção de condenação com processo ordinário, que correu termos no TJB sob o nº CV1-02-0018-CAO-B, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de HK$5.000.000,00.
- Em 14/02/2003, a Ré apresentou a contestação, com dedução da reconvenção.
- Por despacho de 11/07/2005, proferido a fls. 518 a 523v, decidiu-se não admitir a reconvenção formulada pela Ré.
- Por despacho de 28/02/2011, proferido a fls. 824 a 824v, foi declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente, condenando a Ré no pagamento das custas.
- A decisão supra na parte relativa à declaração da extinção da instância não foi objecto de impugnação, pelo que já transitou em julgado.
Apenso nº CV1-02-0018-CAO-C:
- Em 11/04/2003, a Autora intentou contra a Ré a acção de condenação com processo ordinário, que correu termos no TJB sob o nº CV1-02-0018-CAO-C, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de HK$20.000.000,00.
- Por despacho de 28/02/2011, proferido a fls. 922, foi declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente, condenando a Ré no pagamento das custas.
- A decisão supra na parte relativa à declaração da extinção da instância não foi objecto de impugnação, pelo que já transitou em julgado.
Apenso nº CV1-02-0018-CAO-D:
- Em 26/11/2002, a Autora intentou contra a Ré a acção de condenação com processo ordinário, que correu termos no TJB sob o nº CV1-02-0018-CAO-D, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de HK$5.000.000,00.
- Em 14/02/2003, a Ré apresentou a contestação, com dedução da reconvenção.
- Por despacho de 11/07/2005, proferido a fls. 519 a 524v, decidiu-se não admitir a reconvenção formulada pela Ré.
- Por despacho de 28/02/2011, proferido a fls. 823 a 823v, foi declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente, condenando a Ré no pagamento das custas.
- A decisão supra na parte relativa à declaração da extinção da instância não foi objecto de impugnação, pelo que já transitou em julgado.
Apenso nº CV1-02-0018-CAO-E:
- Em 26/11/2002, a Autora intentou contra a Ré a acção de condenação com processo ordinário, que correu termos no TJB sob o nº CV1-02-0018-CAO-E, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de HK$3.000.000,00.
- Em 14/02/2003, a Ré apresentou a contestação, com dedução da reconvenção.
- Por despacho de 19/01/2005, proferido a fls. 497 a 502v, decidiu-se não admitir a reconvenção formulada pela Ré.
- Por despacho de 28/02/2011, proferido a fls. 777 a 777v, foi declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente, condenando a Ré no pagamento das custas.
- A decisão supra na parte relativa à declaração da extinção da instância não foi objecto de impugnação, pelo que já transitou em julgado.
*
III – Fundamentação:
1. Dos recursos da condenação de custas:
Tanto no processo principal como nos apensos foi declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente, condenando a Ré no pagamento das custas respectivas.
A Ré não se conformou com a sua condenação no pagamento das custas, já que entendia que a inutilidade superveniente da lide não resultava do facto que lhe era imputável, razão pela qual recorreu das decisões judiciais em causa para este Tribunal.
Nos termos da al. b) do artº 572º do CPCM, pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença a sua reforma quanto a custas e multas.
Nesta conformidade, não nos parece que o recurso jurisdicional seja a via correcta e legal para impugnar/reformar a condenação do pagamento das custas, pois, a Ré deveria dirigir primeiramente ao próprio Tribunal a quo, autor das decisões impugnadas, para o efeito.
Aliás, trata-se duma posição já adoptada por este Tribunal no Acórdão de 17/10/2013, proferido no Proc. nº 884/2012.
Não ignoramos que os recursos em causa já foram admitidos quer por despacho do juíz titular do processo na primeira instância, quer por despacho liminar do Relator, porém, tais despachos são meros despachos tabulares e portanto não têm força vinculativa para o Colectivo, pelo que nada nos impedem de decidir em contrário quanto à admissibilidade ou não dos recursos.
Pelo exposto, é de rejeitar os recursos em causa.
2. Dos recursos da não admissão da reconvenção:
Tanto no processo principal como nos apensos, a Ré deduziu reconvenção, pedindo que a Autora fosse condenada a pagar-lhe a quantia a apurar em execução da sentença.
Como fundamento destas reconvenções, invocou a Ré/Reconvinte essencialmente que exerceu funções de administradora e de directora-executiva da Autora, tendo o direito, conforme deliberação social da Autora, de receber 1% dos lucros líquidos anuais da “XXXX”. Todavia, entre 1995 e 1998 a Autora não lhe pagou na íntegra este seu dividendo, “desviando” parte do que lhe cabia a ela para terceiros (C e D).
Mais, a partir de 1999 até 2002 (data em que foi exonerada das suas funções na Autora, mediante deliberação social), a Autora deixou também de lhe pagar a totalidade das remunerações a que tinha direito.
Por outro lado, a Ré alegou que a Autora, entre 1991 e 2001, fez errado cálculo na percentagem que lhe cabia nos dividendos a que tinha direito na sociedade Autora.
Por último, invocou, ainda, a Ré que a Autora tem vindo a efectuar uma indevida distribuição dos lucros pelos accionistas, por ser essa distribuição inferior à prevista nos estatutos societários.
Na óptica da Ré, as suas reconvenções devem ser admitidas ao abrigo das al. a) e b) do nº 2 do artº 218º do CPCM.
Quid iuris?
Dispõe o nº 2 do artº 218º do CPCM que:
“...2. A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter....”.
Segundo a anotação de Abílio Neto1, a primeira parte da al. a) do citado nº 2 do artº 218º do CPCM “tem o sentido de a reconvenção ser admissível quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir, da que serve de suporte ao pedido da acção”.
E a segunda parte do mesmo preceito legal “tem o sentido de a reconvenção ser admissível quando o réu invoque, como meio de defesa, qualquer acto ou facto jurídico que se representa no pedido do autor: reduzindo-o, modificando-o ou extinguindo-o”.
Nos casos sub justice, o fundamento das acções da Autora consiste nos alegados mútuos concedidos à Ré e que esta não liquidou as quantias em dívida.
A Ré defendeu-se pela inexistência das mesmas e deduziu as reconvenções nos termos acima referidos.
Pelo exposto, pode-se concluir facilmente que o pedido reconvencional da Ré não resulta do facto jurídico que serve de fundamento de acção ou à defesa, pelo que não são admissíveis ao abrigo da al. a) da norma jurídica em causa.
Não merecem, portanto, qualquer censura as decisões recorridas nesta parte.
Não obstante a Ré ter defendido na primeira linha pela inexistência dos mútuos alegados pela Autora, formulou as reconvenções também ao abrigo da al. b) do citado nº 2 do artº 218º do CPCM, propondo-se obter a compensação caso o Tribunal vier a considerar verificados os alegados créditos da Autora.
Ora, o pedido reconvencional pode ser formulado a título condicional, isto é, “formulado condicionalmente em relação ao pedido do autor, ficando a reconvenção subordinada à condição de proceder à pretensão do autor”2.
Face ao exposto, cremos que já assiste razão à Ré nesta parte, na medida em que os pedidos reconvencionais em causa foram formulados naquele sentido, pelo que não contrapõem a sua defesa na primeira linha no sentido da inexistência dos mútuos alegados pela Autora.
Assim, à partida, as reconvenções deveriam ser admitidas nos termos da al. b) do artº 218º do CPCM.
No entanto, tendo em conta a situação processual concreta do caso, não nos parece ter alguma utilidade prática a admissão das mesmas em face do disposto do nº 4 do artº 218º do CPCM, nos termos do qual a improcedência da acção e a absolvição do réu da instância obstam à apreciação do pedido reconvencional se este for dependente do formulado pelo autor, que é o caso.
Por despachos proferidos no processo principal e nos respectivos apensos, foi declarada a extinção da instância das acções propostas pela Autora por inutilidade superveniente.
As decisões em causa já transitaram em julgado.
Como as reconvenções deduzida pela Ré ficam subordinadas à condição da procedência da pretensão da Autora, fica assim prejudicado o seu conhecimento com a extinção da instância das respectivas acções por inutilidade superveniente.
Pois, não é possível operar as compensações requeridas pela Ré sem verificar os créditos da Autora.
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- rejeitar os recursos relativos à condenação da Ré no pagamento das custas; e
- negar provimento aos recursos relativos à não admissão das reconvenções, mantendo as sentenças recorridas.
*
Custas dos recursos pela Ré, ora Recorrente.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 13 de Março de 2014.

(Relator)
Ho Wai Neng

(Primeiro Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho

(Segundo Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
1 Código de Processo Civil Anotado, 21ª edição, pág. 421, anotação nº 8 do artº 274º, citando o Ac. RP, de 16/09/1991: CJ, 1991, 4º-247.
2 Obra citada de Abílio Neto, pág. 423, anotação nº 34 do mesmo preceito legal, com referência ao Ac. STJ, de 01/10/2002, Agr. nº 2069/02-1ª: Sumários, 10/2002.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




1
480/2011