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Processo nº 840/2009
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 20/Março/2014

Assunto: Impugnação da matéria de facto
Simulação
Execução específica

SUMÁRIO
- O Tribunal de Segunda Instância repondera a prova produzida em que assentou a decisão impugnada, para tal será de atender ao conteúdo das alegações do recorrente e do recorrido, que têm o ónus de identificar os depoimentos, ou parte deles, que invocam para infirmar ou sustentar a decisão de 1ª instância.
   - Uma vez declarado nulo o negócio de compra e venda de imóvel, por simulação absoluta, procede o pedido de execução específica se se encontrarem verificados todos os seus pressupostos.
   - Provado, por um lado, que o Réu se recusou a cumprir o contrato-promessa outorgando a respectiva escritura pública de compra e venda de imóvel, e por outro, tentou vender o imóvel ao seu irmão cujo negócio foi entretanto declarado nulo por simulação, a sua conduta integra-se no incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa firmado com a Autora.
   - Encontrando-se o Réu em incumprimento definitivo, e não havendo qualquer convenção no sentido de afastar a execução específica, aliado ao facto de esta não contrariar a natureza da obrigação assumida pelo Réu, a execução específica deve ser julgada procedente.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 840/2009
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 20/Março/2014

Recorrente:
- B (Autora)

Recorridos:
- C (aliás C1) e C2 (Réus)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B intentou acção ordinária junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM, pedindo que se declare nulo o negócio de compra e venda celebrado entre os Réus C (aliás C1) e C2, respeitante ao prédio identificado nos autos, e consequentemente, se profira sentença que produza os efeitos da declaração de vontade negocial de venda à Autora do referido imóvel e se condene os Réus a entregarem o mesmo imóvel à Autora, devoluto e livre de quaisquer ónus ou encargos, e subsidiariamente, se condene o Réu C a pagar à Autora o dobro do sinal, acrescido de juros legais.
Realizado o julgamento, a acção foi julgada improcedente, tendo os Réus sido absolvidos dos pedidos.
Inconformada com a sentença, dela vem a Autora recorrer para este TSI, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
     - A recorrente instaurou a presente acção declarativa em virtude de ter celebrado com o 1º Réu um contrato-promessa de compra e venda, através do qual aquele prometeu vender-lhe o prédio sito na Travessa dos ......, n.º ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ****;
- A Autora entregou ao 1º Réu, a título de sinal e princípio de pagamento, o montante de HKD$150.000,00, correspondente a MOP$154.500,00;
- A Autora convocou para a outorga da escritura pública de compra e venda o 1º Réu, por duas vezes, designadamente, nos dias 28 de Outubro de 2002 e 30 de Abril de 2003;
- O 1º Réu, nas datas referidas, recusou-se a outorgar o contrato;
- No dia 18 de Agosto de 2003, através de escritura pública, o 1º Réu declarou vender a C2, seu irmão, o qual, por sua vez, declarou comprar o referido prédio, pelo preço de MOP$495.000,00, aquisição essa que se mostra registada junto da competente Conservatória;
- Os factos acima descritos ficaram a constar da «Matéria de Facto Assente»;
- Após os articulados e seleccionada a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, foi realizado o julgamento da matéria de facto integradora da Base Instrutória, tendo sido considerado provado que “Pelo menos a partir de Março de 2002, após ter sofrido o acidente vascular cerebral, o 1º Réu estava impedido de entender e compreender, necessitando de apoio de terceiros para alimentação” e que “A Autora sabia o estado de saúde do 1º Réu.”
- Ficou por provar que “Não obstante o declarado na escritura pública referida na alínea C) da matéria de facto assente, o Réu C2 de comum acordo com o Réu C não pagou a este qualquer contrapartida pecuniária”, “O 1º Réu não pretendeu transmitir a propriedade do prédio referido na alínea C) para o 2º Réu nem este a pretendeu adquirir”, bem como que “Os Réus agiram com o propósito de impedir e frustrar o acordo referido na alínea A) da matéria de facto assente”;
- O douto Acórdão que julgou a matéria de facto esclareceu que “A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, nomeadamente os de fls. 12 a 18, 41 a 49, 107 a 112, 119 a 132, 142 a 143, 150 a 151, 159 a 160, e 166 a 168 dos autos, no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram com isenção e imparcialidade sobre os quesitos constantes da acta (…) e que tinham conhecimento pessoal, o que permitiu formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos”;
- Perante tal factualidade, o douto Tribunal só podia julgar improcedentes os pedidos da Autora, e declarar resolvido o contrato-promessa de compra e venda, por incapacidade acidental do Réu C, o que foi o caso;
- Entende a Autora que se impunha decisão diferente face aos elementos de prova constantes dos autos, designadamente, os documentos juntos, bem como o depoimento das testemunhas;
- A Autora provou que o 1º Réu se recusou a outorgar a escritura pública de compra e venda, não tendo comparecido nas datas indicadas para celebração da escritura;
- Tendo a Autora invocado a simulação do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os Réus, alegando sumariamente que os Réus agiram com o propósito de impedir e frustrar a celebração do contrato definitivo entre a Autora e o 1º Réu, o Tribunal a quo considerou tal facto não provado;
- Os depoimentos de parte dos Réus e o testemunho da sua irmã, bem como das demais testemunhas, demonstraram que os irmãos efectivamente celebraram o contrato de compra e venda para “salvar” o prédio que alegadamente pertencia à família, o que determina que actuaram com o propósito de frustrar o negócio entre a Autora e o 1º R.
- Os Réus alegaram que o 1º Réu, à data da outorga do contrato-promessa de compra e venda, padecia de incapacidade acidental, tendo arguido a anulabilidade do referido contrato;
- Designadamente, alegaram que o 1º Réu sofria de “Doença de Parkinson” e “cerebral lacunar infections”, encontrando-se com um esgotamento cerebral profundo e sob o efeito de muitos medicamentos, o que o impedia de entender e querer as declarações prestadas à data da outorga do contrato promessa de compra e venda celebrado com a Autora;
- Contudo, tais sintomas não são característicos das doenças alegadas, nem as referidas doenças determinam incapacidade psíquica, conforme consta nos documentos juntos aos autos, e designadamente, nos documentos juntos pela Autora – estudos médicos sobre as referias doenças publicados na Internet;
- Tais documentos foram juntos com a Réplica apresentada pela Autora, contudo, o douto Tribunal a quo optou por ignorá-los, tendo-os desconsiderado conforme se vê do relatório do acórdão que julgou a matéria de facto assente, onde estão omissos;
- Não obstante ter o julgador a faculdade de livremente proceder à apreciação dos documentos juntos pelas partes, não pode simplesmente ignorar os documentos não impugnados pela contraparte, e cuja falsidade não foi arguida;
- Não se compreende qual o critério utilizado pelo douto Tribunal a quo quando seleccionou como documentos relevantes os documentos de justificação de falta à perícia médica do 1º Réu, ou os documentos de marcação da consulta, os quais, nada relevam para a solução jurídica da lide, e, por outro lado, desconsiderou as cópias de estudos médicos relativos às doenças sofridas pelo 1º Réu, e consideradas pelos Réus como tendo sido causadoras da sua incapacidade acidental, publicados e juntos pela Autora, ignorando-as completamente;
- “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.” (cfr. art.º 436º do Código de Processo Civil);
- Uma vez que a incapacidade acidental proveio das doenças do 1º Réu, necessário era que este provasse que tais doenças determinam os alegados sintomas, o que não sucedeu;
- Nos documentos juntos pelos Réus não se refere que a capacidade de querer e de entender do Réu não existia no dia 8 de Outubro;
- Não existe qualquer doença denominada de “cerebral lacunar infections”; nem a doença “cerebral lacunar infections”, esta existente, determina o estado de falta de lucidez ou ausência da capacidade de querer e de entender;
- Apenas consta num dos relatórios realizado em 30 de Abril de 2004, que o 1º Réu necessitava de ajuda para a sua actividade diária, nada se referindo sobre o seu estado de lucidez ou quaisquer cuidados a ter com o doente antes dessa data;
- O relatório pericial efectuado pela médica que realizou a perícia refere que a doença pode perturbar o estado normal de compreensão e desejo do doente, mas não apurou se o Réu àquela data sofria ou não das referidas doenças, nem sequer qual o estádio de desenvolvimento da doença;
- As doenças alegadas pelos Réus têm diversos estádios, do menos ao mais grave ou mais avançado, e podem afectar mais ou menos o doente que delas padece, de acordo com a sua própria saúde, sendo que cada caso é um caso;
- O Réu, podendo, nunca juntou aos autos quaisquer documentos que comprovassem a falta de lucidez ou a ausência da capacidade de querer e de entender, nem sequer o Tribunal oficiosamente, ordenou quaisquer diligência para apurar a verdade dos factos, conforme lhe permite a lei;
- Pelo que não se percebe como é que o douto Tribunal a quo concluiu que o 1º Réu estava impedido de querer e de entender, uma vez que as testemunhas apresentadas pelos Réus, ou não estiveram com o Réu no dia 8 de Outubro, ou não foram unânimes na versão dos factos apresentados, nem sequer descreveram situações que permitissem inferir que ao Réu faltava essa capacidade de querer e de entender, conforme aliás, igualmente sucedeu com o depoimento de parte de ambos os Réus;
- O ónus da prova dos factos constitutivos do direito alegado pelos Réus – a incapacidade acidental no dia 8 de Outubro – recai sobre os mesmos;
- O depoimento de parte do 1º Réu foi contraditório e díspar, tendo aquele constantemente alterado as suas declarações, não resultando do seu depoimento que estivesse confuso, tendo-se, ao invés, verificado que pretendia omitir certas informações;
- O 1º Réu começou por proferir declarações contraditórias, ora afirmando que não assinou nenhum contrato que tivesse como objecto o imóvel, que nada sabia sobre o imóvel, que o mesmo se encontrava devoluto de pessoas e bens e depois afirmou o contrário, ou seja, que o vendeu ao seu irmão e que o mesmo se encontra arrendado, sendo a renda mensal recebida por ele próprio;
- Afirmou que devia ao irmão cerca de 400 mil e poucas patacas, razão pela qual lhe vendeu o imóvel;
- Caso o imóvel fosse vendido à B, o 1º Réu sempre teria tido possibilidade de saldar a sua dívida, pois iria receber mais HKD$670.000,00, pela venda;
- Pelo que a venda entre os irmãos não foi efectuada para evitar que o 2º Réu deixasse de ser pago, mas para frustrar o negócio prometido;
- O 2º Réu, tal como o irmão, no depoimento de parte, tentou evitar responder às questões colocadas, apesar de as mesmas serem directas;
- O 2º Réu também alterou constantemente as suas declarações, não resultando do seu depoimento que se encontrasse confuso ou esquecido, antes se verificando que pretendia omitir certas informações, tal como a resposta à simples questão sobre a actual titularidade do imóvel a que o Meritíssimo Juiz se viu obrigado a perguntar 4 vezes, para que o Réu admitisse que o mesmo está em seu nome;
- O Réu afirmou que nasceu nesse imóvel, o qual era da família, que a família não tinha qualquer intenção de proceder à sua venda – donde se retira que a razão pela qual transferiu a propriedade para si, foi para frustrar o negócio entre o 1º Réu e a Autora;
- Conforme veio a Autora a apurar o imóvel não era da família, nem foi transmitido pela família. O 1º Réu, em Março de 1946, adquiriu-o por compra a D;
- A junção da referida certidão deverá ser admitida ao abrigo do n.º 2 do art.º 451º do Código de Processo Civil, pois só no decurso da audiência de discussão e julgamento é que os Réus invocaram – e falsamente – que a propriedade do imóvel pertencia à família, desde pelos menos 1894, data da primeira invasão Sino-Japonesa, ou então de 1937 a 45 data da segunda guerra Sino-Japonesa, o que não se sabe porque também não foi por aqueles explicado;
- O 1º Réu é filho de F e G, e em momento algum estes indivíduos constam como tendo sido proprietários do prédio em causa
- Logo a seguir o 2º Réu vem dizer outra coisa diferente – afirma que o irmão tinha-lhe prometido o imóvel como forma de pagamento dos empréstimos. Não faz sentido que o imóvel pertencente à família, e consequentemente também ao 2º Réu, que também faz parte da família, lhe seja entregue para pagamento da dívida do irmão;
- O 2º Réu também disse que o irmão já lhe tinha transmitido a propriedade do imóvel há mais de 10 anos, através de um contrato-promessa e mais tarde disse que o único documento que assinou relativamente ao imóvel foi a escritura de compra e venda;
- O 2º Réu esclareceu ainda que apenas emprestou cerca de 300 mil ao irmão, e que o irmão já lhe tinha devolvido parte do dinheiro;
- Perguntado sobre se sabia por que motivo o irmão procedeu à celebração do contrato-promessa de compra e venda o 2º Réu não tinha certeza dos factos;
- Não foi descrito pelo 2º Réu qualquer situação que tivesse presenciado onde fosse patente a ausência de lucidez e da capacidade de querer e de entender do 1º Réu;
- O 2º Réu confessou que apesar de saber que o irmão tinha celebrado um contrato-promessa de compra e venda sobre o imóvel, comprou-o, porque era um imóvel da família;
- A primeira testemunha da Autora afirmou que o 1º Réu em Outubro de 2002 trabalhava na loja, o que se mostra confessado pelos Réus na sua Contestação, não se recordando de ter visto o 1º Réu destituído da sua capacidade de querer e de entender;
- A segunda testemunha afirmou que a Autora e o 1º Réu partilhavam a Travessa dos ...... n.º ..., para prossecução da sua actividade comercial, tendo conhecimento de que os dois celebraram um contrato-promessa para compra e venda da aludida fracção, não se recordando de ter visto o 1º Réu destituído da sua capacidade de querer e de entender;
- A terceira testemunha da Autora também referiu que ambos, Autora e 1º Réu, partilhavam a fracção autónoma na sua actividade comercial;
- Segundo esta testemunha, o 1º Réu, apesar das doenças, continuou a trabalhar na sua loja, não se recordando de o ter visto sem capacidade de querer e de entender, tendo até descrito situações onde a sua capacidade de querer e de entender era patente;
- A quarta e última testemunha da Autora, à semelhança das anteriores, não se recordavam de alguma vez ter visto o 1º Réu destituído da sua capacidade de querer e de entender;
- Também afirmou que a loja sita na Travessa dos ...... n.º ... era partilhada por ambas as partes, os quais separaram a loja em duas partes, e em cada parte cada um vendia os seus produtos;
- As testemunhas produzidas pelos Réus não foram unânimes na versão dos factos descritos, não tendo nenhuma delas estado com o Réu no momento da outorga do contrato-promessa de compra e venda, o que demonstrou que o contrato celebrado entre os irmãos foi celebrado com o único propósito de frustrar a celebração do contrato definitivo de compra e venda entre a Autora e o Réu;
- Todas afirmaram que a Sra B, a Autora, nunca partilhou a loja com o Réu, que nunca arrendou a loja do Réu, não obstante saberem que a mesma se dedicava ao comércio de malas. Houve ainda quem dissesse que a Autora tinha uma loja, mas que situava longe da loja do 1º Réu;
- A primeira testemunha, mulher do 2º Réu, quando perguntada sobre o estado de saúde do 1º Réu após o internamento, a testemunha apenas afirmou que o mesmo teve uma trombose, descrevendo o seu “estado grave” com os sintomas de impossibilidade de falar e movimentar os membros, nada tendo referido sobre o seu intelecto;
- Quanto ao contrato-promessa, a testemunha afirmou que o 1º Réu “na altura não devia estar lúcido”, afirmando que «achava» que o mesmo não poderia comprometer-se, porque ela à data, entregou-lhe 500 patacas e ele não se lembrou dos factos;
- Sucede que a testemunha entregou dinheiro directamente ao Réu porque sabia que o poderia fazer – ele entregá-lo-ia à irmã para comprar alimentos, como ela própria esclareceu no depoimento;
- Sucede que a entrega do dinheiro é alegadamente imediata à alta do 1º Réu, que ocorreu em 8 de Abril de 2002. A assinatura do contrato-promessa ocorreu 6 meses depois disso;
- Não faz sentido afirmar-se que o 1º Réu saiu do hospital em 8 de Abril, esteve incapaz de querer e de entender desde 8 de Abril até 8 de Outubro e depois, em 28 de Outubro, de repente, ficou lúcido e “deslocou-se de manhã cedinho ao cartório público” para dizer que não pretendia vender;
- A testemunha afirmou ainda que foi o Réu quem tomou a iniciativa de voltar atrás e devolver o sinal, uma vez que os familiares não sabiam porque estavam em Hong Kong. Sucede que os Réus já tinham confessado na sua contestação que a Autora primeiro foi avisada pelos familiares e só depois é que foi avisada pelo próprio Réu;
- As confissões constantes dos art.ºs 34º, 39º e 40º da contestação dos Réus, não foram retiradas pela parte, nem pelo seu mandatário, apesar de estarem em completa contradição com o que foi dito em audiência, pelo que devem ser tidas como aceites;
- A testemunha não sabia se o 1º Réu continuava a ir à loja depois do internamento o que era importante para o caso em apreço;
- A testemunha seguinte, a sobrinha que alegadamente tomava conta do 1º Réu, começou por afirmar que conhecia o 1º Réu desde criança e que só conhecia mais ou menos a família da B, porque tinham um negócio, sito à distância de 2 estabelecimentos, de cintos e malas. Afirmou que o tio sempre explorou o negócio sozinho e apenas com a irmã, desconhecendo se alguma vez a loja foi arrendada à Autora;
- Afirmou ainda que logo após a trombose, após o internamento, recebeu ordens do 1º Réu para compra de objectos pessoais que este iria necessitar durante o internamento, o que demonstra que o mesmo estava lúcido;
- Sobre o estado de saúde do 1º Réu, os únicos sintomas que referiu foi que não conseguia falar muito bem, pois tinha a língua afectada, que foi o próprio que quis sair do hospital, ou seja, a sua capacidade de querer e de entender não estava ausente;
- Afirmou ainda que depois do internamento do 1º Réu era irmã daquele que ia à loja, o que irá ser contrariado pelo testemunho da irmã, a qual afirmará que não ia à loja porque tinha que cuidar do irmão;
- Esta testemunha veio ainda afirmar que aquando do regresso a casa o Réu contratou uma empregada, ou seja, o Réu teve capacidade de querer e de entender para contratar alguém;
- Afirmou que o Réu assinou o contrato porque não estava bem. Tenho-lhe sido pedidos esclarecimentos afirmou que o 2º Réu tinha dores de cabeça, tremia e tinha dores de barriga;
- Não tendo estado com o Réu no momento da assinatura, não descreveu nenhuma atitude deste Réu que demonstrasse a falta da capacidade de querer e de entender. Apenas afirmou que o Réu assinou – e assinou em casa, segundo a testemunha – porque tinha dores de cabeça;
- Mais afirmou que a irmã mais velha não estava lúcida
- Seguidamente foi ouvida a irmã dos Réus. De acordo com o mandatário dos Réus, e contrariamente ao afirmado pela anterior testemunha, tinha muito boa memória;
- A irmã afirmou que o 1º Réu, após o internamento não podia andar, corria-lhe a saliva, às vezes ficava zonzo e tinha dores de cabeça, como os únicos sintomas de que padecia devido às doenças.
- Apesar de referir que o irmão lhe dizia que já lhe tinha levado comida, nada disse nem descreveu que demonstrasse que o Réu não tinha capacidade de querer e de entender
- O facto de o irmão dizer que a irmã já lhe trouxe comida não releva se corresponder à verdade, não releva se a testemunha não demonstrar que a sua afirmação não era verdadeira;
- Quanto à assinatura do contrato, a testemunha apenas afirmou que o irmão lhe disse que saiu, não se lembrando para onde foi;
- Por outro lado, a sobrinha referiu que aquando da assinatura do contrato, que ocorreu lá em casa, estava presente a empregada gorda e a irmã estava lá fora, ficando-se sem saber em que versão acreditar;
- Os factos descritos pela irmã mais velha, só por si, não demonstram que no momento da assinatura do contrato-promessa o 1º Réu não estava lúcido. Não foi descrito qualquer comportamento, ou qualquer sintoma que permitisse concluir pela falta de capacidade de entender do Réu;
- Contrariamente ao que disse a sobrinha, a irmã afirmou que após o internamento a loja ficou fechada, o que demonstra o desconhecimento ou a distorção da verdade dos factos;
- A testemunha afirmou também, categoricamente, que a Autora, ora Recorrente, não partilhava a Travessa do ...... n.º ... com o 1º Réu;
- Esta foi a única testemunha que respondeu à questão “A B sabia que o C estava doente?”;
- Com base na resposta desta testemunha, o Tribunal a quo deu como provado o quesito 7º, tendo determinado que a Autora não deveria receber o sinal em dobro, por ser nulo o contrato celebrado;
- A testemunha apenas respondeu que a Autora visitou o Réu no hospital, tendo acrescentado que achou que a Autora era uma pessoa bondosa, demonstrando assim que a Autora se preocupava com o Réu;
- O Réu esteve internado de Março a 8 de Abril de 2002, e o contrato-promessa foi celebrado em 8 de Outubro, ou seja 6 meses depois do internamento;
- Não se percebe o raciocínio do douto Tribunal a quo ao dar como provado que a Autora conhecia o estado de saúde do Réu, requisito para se declarar a nulidade do contrato celebrado;
- “A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.”
- Pelo que não se percebe como é que o Tribunal pôde dar como provado o quesito 7º e dar como preenchido este requisito declarando a nulidade do contrato;
- A irmã vem também afirmar que a casa pertencia à família, razão pela qual não se podia vender, o que demonstra claramente que o contrato de compra e venda entre os irmãos teve intuito frustrar o negócio celebrado com a Autora;
- A quarta e última testemunha dos Réus, falando sobre o estado “grave” de saúde do 1º Réu apenas referiram que este não se podia mexer e falar, nada dizendo quanto à sua incapacidade intelectual;
- A testemunha, não tendo estado com o Réu no dia 8 de Outubro afirmou que ele não estava lúcido, tendo depois afirmado que estava mais lúcido e melhor no dia 28, quando foi à XXXXX Casa da Misericórdia para dizer que não queria vender;
- A testemunha que não esteve com o 1º Réu no dia 8 de Outubro de 2002 não pode comparar o seu estado de lucidez nos dias 8 e 28 de Outubro;
- Esta testemunha também veio afirmar categoricamente que a B nunca explorou o seu negócio na Travessa dos ......, n.º ..., apenas tinha uma tendinha no meio da rua;
- Perante a prova testemunhal produzida em audiência não se compreende de que forma pôde o douto Tribunal a quo considerar que “testemunhas ouvidas em audiência que depuseram com isenção e imparcialidade sobre os quesitos constantes da acta (…) e que tinham conhecimento pessoal, o que permitiu formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos”;
- De acordo com a versão apresentada pelos Réus foram as doenças de que o 1º Réu padecia e os medicamentos prescritos que determinaram a incapacidade acidental do Réu no dia da outorga do contrato promessa de compra e venda;
- Nos termos do disposto no art.º 335º do Código Civil “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito”;
- No caso em apreço, nenhuma dúvida subsiste – os Réus invocaram as doenças e, consequentemente, a perda de lucidez e ausência da capacidade de entender e querer, como facto extintivo do direito do Autor, e constitutivo do seu direito.
- É manifestamente claro que a incapacidade acidental do Réu, resultante das doenças que alegadamente padecia, são factos que só aos Réus aproveitam;
- A doutrina entende que “Desde que se trate de factos constitutivos do direito invocado pelo A., quer esses factos sejam positivos, quer sejam negativos, é ao requerente que compete fazer sua prova. Tratando-se de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Autor, quer sejam positivos, quer sejam negativos, é ao R que cabe fazer a prova da sua verificação.” (Antunes Varela, RLJ, 116º-341 anotação 17 ao Código Civil Anotado, Abílio Neto, 2006);
- Entende a Autora que não foi feita prova dos factos alegados pelos Réus, ónus esse que só sobre os Réus impendia;
- Da prova produzida, não ficou claro que o 1º Réu padecia das doenças alegadas. Muitas dúvidas ficaram por esclarecer, pelo que o Tribunal a quo não deveria ter dado como provado os quesitos 2º, 3º, 5º, 6º e 7º da Base Instrutória;
- Não basta a simples afirmação das testemunhas de que o 1º Réu não estava lúcido, sem que sejam demonstrados comportamentos ilustrativos dessa falta de lucidez, ou da falta da capacidade de querer e de entender para anular o contrato-promessa de compra e venda;
- Todas as testemunhas, quando perguntado sobre o estado de saúde do Réu invocaram apenas sintomas físicos, tal como a dificuldade de movimentos, da fala e dores físicas;
- Quanto à memória, as falhas apontadas não foram graves que permitisse considerar-se como ausência da capacidade de querer e de entender;
- Quando uma pessoa está hospitalizada, ou logo após a hospitalização é normal, face à medicação administrada bem como às próprias circunstâncias do internamento, que padeça de algumas tonturas ou outros sintomas descritos pelas testemunhas nas suas visitas;
- O contrato dos autos foi celebrado 6 meses após a hospitalização do Réu e, reitera-se, nenhuma das testemunhas atribuiu ao Réu qualquer comportamento que demonstrasse que seis meses após os factos o Réu não tinha capacidade para querer e entender;
- Além de que não se compreende como é que a Autora, ainda que acompanhada da sua família, como alegado pelos Réus consiga tirar de casa o Réu que se encontrava ao cuidado da irmã, da sobrinha e da empregada;
- Caso o seu estado fosse verdadeiramente de ausência de capacidade de entender o que se passa a sua volta, nunca lhe seria permitido sair de casa com estranhos, ou deixar-se a casa à mercê de estranhos que lá pudessem entrar e fazer o que entendessem, sem que ninguém desse conta;
- Pelo que dúvidas subsistem quanto ao estado de saúde do Réu, e na medida em que não foi feita prova cabal e concreta de que o Réu estava incapacitado de querer e de entender no dia 8 de Outubro de 2002, data em que assinou no cartório, o contrato-promessa de compra e venda com a Autora;
- As testemunhas apresentadas pelos Réus limitaram-se a afirmar que o Réu no dia 8 de Outubro de 2002 não estava lúcido, tendo apenas descrito momentos de fraca memória do Réu ocorridos durante ou exactamente após o internamento, que ocorreu de Março a Abril de 2002;
- Não foram descritas quaisquer circunstâncias ou situações onde se demonstrasse que o 1º Réu estava impedido da capacidade de querer e de entender;
- Qualquer das doenças apresentadas pelo Réu é degenerativa, pelo que não se compreende que, se a ausência de lucidez é resultante das mesmas, como é que o Réu fica destituído das suas capacidades até 8 de Outubro, para em 28 de Outubro, 20 dias depois, recuperar e decidir que afinal “já não quer vender”;
- Acresce que em audiência de discussão e julgamento estava completamente lúcido como se viu pelo seu depoimento;
- Salvo melhor respeito por opinião contrária, a Autora não consegue vislumbrar como é que o douto Tribunal a quo considerou que as testemunhas depuseram com isenção e imparcialidade e demonstraram ter conhecimento directo dos factos, uma vez que os depoimentos das várias testemunhas são contraditórios e confusos não condizendo uns com os outros, nem sequer os factos alegados pelas testemunhas dos Réus condizem com o que foi pelos mesmos alegado nas suas peças e requerimentos processuais;
- Acresce que Autora e Réu apresentaram duas versões completamente opostas, pelo que fica em dúvida qual o raciocínio lógico que permitiu ao douto Tribunal optar por uma versão dos factos em detrimento da outra, não obstante as contradições existentes, e as dúvidas que ficaram, face à prova produzida;
- Estabelece o art.º 451º do Código de Processo Civil que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.”;
- Em momento algum, ao longo das peças processuais apresentadas, ou dos requerimentos e documentos, foi alegado pelos Réus que a Travessa dos ...... n.º ... era uma casa que pertencia à família, tendo tal facto sido apenas “revelado” em audiência de discussão e julgamento;
- Atenta a contradição dos factos apresentados pela família – ora é casa da família, que não podia ser vendida, ora é casa do 1º Réu prometida vender ao 2º Réu para pagamento das dívidas do primeiro ao segundo – os Réus requereram à Conservatória do Registo Predial uma certidão de teor de todas as inscrições, onde se verificou que a casa não foi herdada pelo 1º Réu dos seus familiares, não foi comprada pelo 1º Réu aos pais, nem foi herdada através dos seus pais que alegadamente lá moraram e morreram ou do resto da sua família que desde a Guerra Sino-Japonesa – 1ª em 1894-1895 e 2ª entre 1937 e 1945 – viveram nessa fracção;
- O imóvel foi adquirido pelo 1º Réu, por compra a D em Março de 1946;
- Por causa do alegado na audiência de discussão e julgamento é que se tornou necessária a junção aos autos da certidão com todas as inscrições anteriores;
- No BIR do 1º Réu, constam como seus pais F e G, os quais nunca foram proprietários da fracção em causa;
- As testemunhas da Autora afirmaram que conheciam o 1º Réu e tinham privado com o mesmo em virtude de este partilhar a loja com a Autora
- As testemunhas dos Réus, vieram todas afirmar categoricamente que o 1º Réu nunca tinha partilhado a loja com a Autora, que esta tinha uma tendinha na rua, ou que tinha um estabelecimento sito à distância de dois estabelecimentos relativamente à loja do 1º Réu e inclusivamente, a sobrinha que o conhece desde criança e cuida do 1º Réu e a irmã que com ele alegadamente partilhou o negócio em tempos, conhecem apenas “mais ou menos” a Autora e os familiares que tinham uma loja, ou uma tendinha, na vizinhança;
- Tal afirmação é completamente falsa e para sua prova, uma vez que o douto Tribunal a quo, optou por escolher a versão dos Réus em vez da versão da Autora, sem mais investigação, é necessário proceder-se à junção de documentos, designadamente fotografias, onde se vê o n.º ... da Travessa dos ......, onde se constata que numa parte da loja havia tesouras e outros objectos semelhantes e na outra parte da loja havia as malas da Autora;
- As testemunhas descaradamente omitiram e distorceram a verdade dos factos, bem sabendo que o seu depoimento não correspondia à verdade, prejudicando a Autora, não obstante terem conhecimento do seu negócio de família, iniciado pelo pai, conforme as próprias testemunhas afirmaram;
- A Autora tem fotografias onde se constata que partilhou com o 1º Réu a Travessa dos ......, n.º ...;
- A Autora tem facturas da CEM datadas de 96 e 97, cujo pagamento era efectuado por “autopay” de uma conta bancária pertencente à irmã da Autora;
- A Autora tem um ofício da Direcção dos Serviços de Finanças, de 2003, dirigido à irmã da Autora, para a Travessa dos ......, n.º ... referente à actividade comercial aí desenvolvida pela Autora e familiares;
- A Autora tem facturas dos recibos dos produtos comercializados pela Autora e familiares na Travessa dos ...... n.º ...;
- Tais documentos provam que as testemunhas apresentadas pelos Réus mentiram na maior parte dos factos descritos ao Tribunal, não obstante terem sido advertidas de que deveriam falar verdade, sob pena de serem punidas criminalmente. Não foram mentiras inocentes, ou menores;
- Pelo que face aos factos ora apresentados, deverá considerar-se que o depoimento destas testemunhas não foi isento, nem imparcial, nem sequer poderia ter sido considerado que as testemunhas tinham conhecimento directo dos factos, pois nenhuma demonstrou ter tido conhecimento exacto do que se passou no dia 8 de Outubro de 2002, o que era imprescindível para a solução jurídica a dar ao presente litígio;
- A douta sentença violou o art.º 599º, ao julgar incorrectamente a matéria de facto, o art.º 436º, o art.º 437º, todos do Código de Processo Civil;
Concluindo, pede a procedência do recurso, com a alteração da matéria de facto, dando-se como provados os quesitos 2º, 3º e não provados os quesitos 5º, 6º e 7º da Base Instrutória, e consequentemente, declarando-se nulo o negócio de compra e venda do imóvel em causa celebrados pelos Réus, com fundamento na simulação absoluta, violação da ordem pública ou dos bons costumes, cancelando-se o registo da respectiva inscrição na Conservatória do Registo Predial, e por último, proferindo-se sentença que produza os efeitos da declaração negocial de venda do prédio por parte do 1º Réu à Autora.
*
Notificados os Réus, apresentaram resposta, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela Autora.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
Em 8 de Outubro de 2002, a Autora e o 1º Réu celebraram entre si um acordo que reduziram a escrito, com o seguinte teor:
承諾買賣樓字合約
立約人:
出售樓宇人:C(C) 持澳門身份證編號:1/XXXXXX/X
聯絡地址:....街...號....大廈...樓...座 電話:(以下簡稱甲方)
承購樓宇人:B(B) 持澳門身份證編號:5/XXXXXX/X
聯絡地址:....街...號...樓 電話:(以下簡稱乙方)
茲因甲方承諾將其名下物業座落本澳......街...號全幢單位,澳門物業登記局編號第****內第XXX頁,第B8書註用冊在案,交吉出售予乙方承受,現雙方訂立買賣樓宇合約,條件及規定並共同遵守如下:
一. 甲方現承諾將上述單位以港幣捌拾貳萬元正(HKD$820,000.00),折算澳門幣為捌拾肆萬伍仟捌佰叁拾元(MOP$845,830.00),之價格出售予乙方,而乙方亦承諾照價承購,甲乙雙方同意下列付款方法。
二. 乙方於簽訂買賣合約時繳交甲方第一次訂金為港幣壹拾伍萬元正(HKD$150,000.00),往立契官公處簽立證契約時繳付樓款港幣伍萬元正(HKD$50,000.00),尚餘港幣陸拾貳萬元正(HKD$620,000.00)須在簽立證契約後四個月付清。
三. A. 由即日起計雙方必須於90天內完成辦理簽立公證契約手續。
       B. 如上述期限因繳納政府稅項,公證署排期延遲,或因政府行政手續導致延遲,雙方同意將日期順延,不作違反合約論。
四. 上述單位甲方將於簽立公證契約日後四個月交予乙方,如仍有住客居住,有關搬遷須在簽立公證契後四個月前甲方自行負責。
五. 有關上述單位立公證契約前所欠一切政府稅項,水、電、電話費、管理費及其他雜費等,由甲方負責繳付清,而有關銀行抵押按揭借款,甲方須在簽立公證契約前清還所有欠款及負責繳付辦理取消按揭費用。
六. 有關購入上述單位所需之物業轉移印花稅、律師費、立契費及物業登記費、副契等費用概由乙方負責支付。
七. 簽立本約後,乙方不能悔約,否則甲方將訂金全部沒收,作為撻訂論,倘甲方悔約,則由甲方將所收訂金雙倍賠償予乙方即港幣$400,000。
八. 本合約未列明事項,概依據本澳現行法律辦理。(包括民事法第820條)
九. 本合約之所有房屋紀錄資料及業權登記,係根據甲方/乙方所呈遞澳門物業登記局於2002年9月6日所發出之第XX號證明書所提供雙方聲明,清楚地明瞭上述單位之建築土地合法狀況性質屬於私家地。
十. 本合約共壹式三份,經由甲乙雙方簽署後即時生效並各執壹份為據。
註:- 乙方在簽立證契約後四個月內須清繳樓價餘款港幣陸拾貳萬元正(HKD$620,000.00)給予甲方,如乙方在上述時間內不能付清有關款項,甲方有權入禀法院追討而一切有關追討費用概由乙方承擔,乙方不得異議。
- 如四個月內乙方不能將上述樓宇於澳門物業登記局完成登記手續,甲方需將上述樓宇訂金及所有關一切費用(包括:見證合約費、證明書費、律師費、驗證筆跡費、物業轉移印花稅、立契費、等記費)交回乙方,甲方不得異議。(A)
Na mencionada data (8 de Outubro de 2002), com a assinatura do acordo referido na alínea anterior, a Autora entregou ao 1º Réu, que recebeu, a título de sinal e princípio de pagamento, o momento de HKD$150.000,00, correspondente a MOP$154.500,00. (B)
A Autora convocou o primeiro Réu, por duas vezes, para a outorga da escritura notarial de compra e venda do prédio identificado na alínea A), nomeadamente para os dias 28 de Outubro de 2002 e 30 de Abril de 2003. (C)
O primeiro Réu, nas datas referidas, recusou-se a tal outorga. (D)
No dia 18 de Agosto de 2003, através de escritura pública celebrada no 1º cartório notarial de Macau, o Réu declarou vender a C2, que por sua vez declarou aceitar a venda, pelo preço de MOP$495.000,00, o prédio sito na Travessa dos ......, n.º ..., em Macau, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo XXXX-00 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ****. (E)
A aquisição do prédio referido na alínea anterior encontra-se registada na Conservatória do Registo Civil a favor de C2. (F)
Pelo menos a partir de Março de 2002, após ter sofrido o acidente vascular cerebral, o 1º Réu estava impedido de entender e compreender, necessitando de apoio de terceiros para alimentação. (4º, 5º e 6º)
A Autora sabia o estado de saúde do 1º Réu. (7º)
*
É perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer do recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
*
Nos presentes autos recursórios, a Autora ora recorrente vem impugnar a decisão da matéria de facto dada pelo Tribunal a quo, alegando ter havido erro na apreciação da prova, pedindo que se dê como provados os factos quesitados nos artigos 2º, 3º e não provados os quesitos 5º, 6º e 7º da Base Instrutória.
Vejamos em primeiro lugar quais foram as respostas dadas aos referidos quesitos após o julgamento.
Quesito 2º - O 1º Réu não pretendeu transmitir a propriedade do prédio referido na alínea C) (há aqui um lapso de escrita, portanto deve ler-se “alínea E”) para o 2º Réu nem este a pretendeu adquirir? – Resultou “Não provado”.
Quesito 3º - Os Réus agiram com o propósito de impedir e frustrar o acordo referido na alínea A) da matéria de facto assente? – Resultou “Não provado”.
Em relação aos quesitos 4º a 6º, a versão inicial era o seguinte:
Quesito 4º - No dia 8 de Outubro de 2002, o 1º Réu sofria de “cerebral lacunar infections” e da doença de Parkinson?
Quesito 5º - O que o impedia de entender e querer as declarações consubstanciadas no documento referido na alínea A) da matéria de facto assente?
Quesito 6º - Nessa data, o 1º Réu encontrava-se com um esgotamento cerebral profundo e sob o efeito de muitos medicamentos?
Resultou, após o julgamento, provado apenas que “Pelo menos a partir de Março de 2002, após ter sofrido o acidente vascular cerebral, o 1º Réu estava impedido de entender e compreender, necessitando de apoio de terceiros para alimentação.”
Finalmente, no tocante ao quesito 7º:
Quesito 7º - As doenças e o estado psíquico do 1º Réu eram do conhecimento da Autora? – Resultou “Provado que a Autora sabia o estado de saúde do 1º Réu.”
Insurge-se a Autora ora recorrente contra a decisão da matéria de facto dada pelo Tribunal a quo, entendendo que outra deveria ter sido a decisão do Tribunal face aos elementos de prova constantes dos autos, a saber os documentos juntos e o depoimento das testemunhas.
Dispõe o artigo 629º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Quando exista gravação dos depoimentos prestados em audiência, nos termos do nº 2, a Relação vai, na sua veste de tribunal de apelação, reponderar a prova produzida em que assentou a decisão impugnada, para tal atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente e do recorrido, que têm o ónus de identificar os depoimentos, ou parte deles, que invocam para infirmar ou sustentar a decisão de 1ª instância.(…), na verdade, o alegado erro de julgamento normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo facto, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente.2
Vejamos.
Nos presentes autos, temos nós por assente que entre a Autora e o 1º Réu foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda de imóvel em 8 de Outubro de 2002, tendo aquela pago a este a quantia de HK$150.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento, e acordado ambos os outorgantes celebrar a escritura pública dentro do prazo de 4 meses.
Posteriormente, o 1º Réu recusou-se a outorgar a escritura notarial de compra e venda do imóvel, tendo declarado vender, e vendeu, o mesmo imóvel, através de escritura pública, ao seu irmão ora 2º Réu, em 18 de Agosto de 2003, encontrando-se assim a aquisição do imóvel registada a favor deste último Réu.
No tocante ao pedido de reapreciação da matéria de facto formulado pela recorrente, começamos pela questão de saber se o 1º Réu efectivamente não teve intenção de transmitir a propriedade do imóvel em causa para o 2º Réu nem este teve intenção de o adquirir, e se ambos os Réus agiram com o propósito de impedir e frustrar o contrato-promessa celebrado entre a Autora e o 1º Réu.
Como acima se mencionou, o Tribunal a quo não deu como provada aquela factualidade.
Reapreciada a prova produzida, nomeadamente o depoimento dos Réus e das testemunhas inquiridas na audiência e indicadas pela recorrente, bem como a prova documental junta aos autos, salvo o devido respeito por melhor entendimento, estamos convictos de que o 1º Réu teria vendido o imóvel ao seu irmão ora 2ª Réu, com o propósito de impedir e frustrar a promessa de compra e venda que o 1º Réu tinha acordado com a Autora ora recorrente.
Senão vejamos.
Assente nos autos que o contrato-promessa foi celebrado entre a Autora e o 1º Réu em 8 de Outubro de 2002, tendo aquela pago a este, a título de sinal e princípio de pagamento, o montante de HK$150.000,00.
Não obstante ter a Autora convocado o 1º Réu, por duas vezes e conforme o acordado, para a outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel, o mesmo recusou os pedidos da Autora.
A 18 de Agosto de 2003, o 1º Réu vendeu por meio de escritura pública ao 2º Réu ora seu irmão o mesmo imóvel, pelo preço declarado na escritura na quantia de MOP$495.000,00, tendo sido registada essa aquisição em 22 de Agosto de 2003.
Na audiência, foi dito pelos Réus e algumas suas testemunhas que o 2º Réu chegou a efectuar alguns pagamentos ao 1º Réu para comprar o imóvel.
Entretanto, questionado sobre o valor efectivamente pago pelo 2º Réu ao 1º Réu para compra do imóvel, nenhum dos Réus conseguiram responder a pergunta com toda a certeza, um disse cerca de cento e tal mil, outro disse por volta de trezentas mil, ou seja, nenhum dos Réus conseguiram dizer o valor do preço nem afirmar que o preço declarado na escritura pública foi integralmente pago.
Por outro lado, foi dito pelos próprios Réus e também por algumas suas testemunhas que o imóvel foi vendido ao 2º Réu para saldar a dívida que o 1º Réu tinha para com o seu irmão, alegadamente no valor de cerca de quatrocentas mil.
Se fosse verdadeira essa justificação, não se compreenderia por que motivo não fora o imóvel vendido à Autora, pois o 1º Réu iria receber pela venda mais HK$670.000,00, quantia essa mais do que suficiente para saldar a alegada dívida.
Também resulta do próprio depoimento do 2º Réu a dizer que o imóvel era casa de família, portanto nunca era para ser vendida, entretanto, nenhum elemento probatório nos autos nos permite chegar a essa conclusão.
Mais estranho ainda foi o facto de que depois da venda do imóvel ao 2º Réu, este assinou uma “procuração” (documento de fls. 125), conferindo poderes ao 1º Réu para este cobrar e aplicar livremente as rendas do imóvel até à morte deste.
Em nossa opinião, seria uma situação fora do comum, por que contrariava as regras de experiência comum, isto é, não faria muito sentido que alguém comprava um imóvel a uma pessoa, tendo pago para o efeito o preço ao vendedor, mas depois vinha conferir a essa mesma pessoa ora próprio vendedor plenos poderes para ele receber e aplicar as rendas do imóvel como entendesse.
Além disso, referiu o 2º Réu que ele próprio já teve conhecimento da celebração do contrato-promessa entre a Autora e o 1º Réu pouco tempo depois de este ter celebrado o contrato com a Autora, facto esse que foi contado pela sua irmã.
Daí resulta sem margens para dúvidas que aquando da outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel, o 2º Réu já sabia da existência do contrato-promessa celebrado entre a Autora e o 1º Réu.
Face aos contornos e circunstancialismo acabados de expor, julgamos que a prova trazida aos autos nos permite chegar à conclusão de que o 2º Réu não tinha intenção de adquirir do 1º Réu o imóvel em causa, tendo ambos celebrado a escritura pública de compra e venda com o objectivo de impedir a outorga do contrato definitivo entre a Autora e o 1º Réu.
Nestes termos, julgamos que os quesitos 2º e 3º da Base Instrutória devem merecer resposta afirmativa, nos seguintes termos:
Quesito 2º - O 1º Réu não pretendeu transmitir a propriedade do prédio referido na alínea E) para o 2º Réu nem este a pretendeu adquirir.
Quesito 3º - Os Réus agiram com o propósito de impedir e frustrar o acordo referido na alínea A) da matéria de facto assente.
*
Analisamos agora a matéria vertida na resposta dada aos quesitos 5º a 7º da base instrutória.
Iniciamos pelos quesitos 5º e 6º, os quais foram respondidos conjuntamente com o quesito 4º da seguinte forma:
- Pelo menos a partir de Março de 2002, após ter sofrido o acidente vascular cerebral, o 1º Réu estava impedido de entender e compreender, necessitando de apoio de terceiros para alimentação.
Uma vez que a resposta ao quesito 4º não foi objecto de impugnação, teremos logo que separar as águas, devendo consignar-se na resposta ao quesito 4º a matéria de facto não impugnada, com a seguinte redacção: “Em Março de 2002, o 1º Réu sofreu do acidente vascular cerebral.”
E vem a Autora impugnar a restante matéria de facto inserida na resposta aos quesitos 5º e 6º, alegando, para sustentar a sua tese, que nenhuma das testemunhas apresentadas pelos Réus estiveram com o 1º Réu no dia da celebração do contrato-promessa, nem sequer descreveram situações que permitissem inferir que ao Réu faltava a capacidade de querer e de entender naquele momento, e pertencendo o ónus da prova dos factos constitutivos do direito alegado aos Réus, competindo-lhes fazer a prova mas não o fizeram, daí que, no seu entender, se impunha decisão diferente em relação à resposta dada aos quesitos 5º e 6º.
Ora bem, questionava-se naqueles dois quesitos se o problema “cerebral lacunar infections” e a doença de Parkinson sofridos pelo 1º Réu o impedia de entender e querer as declarações consubstanciadas no contrato-promessa celebrado com a Autora, e se nessa data, em 8 Outubro de 2002, o 1º Réu encontrava-se com um esgotamento cerebral profundo e sob o efeito de muitos medicamentos.
Após o julgamento, o Tribunal a quo respondeu da seguinte forma: “Pelo menos a partir de Março de 2002, após ter sofrido o acidente vascular cerebral, o 1º Réu estava impedido de entender e compreender, necessitando de apoio de terceiros para alimentação”.
Por se tratar de uma excepção suscitada pelos Réus, têm os mesmos o ónus da prova desse facto impeditivo, ao abrigo do artigo 335º, nº 2 do Código Civil de Macau.
Entretanto, analisados os depoimentos produzidos na audiência e indicados pela recorrente, salvo o devido respeito, entendemos que os Réus não lograram fazer a prova de que o 1º Réu sofria de qualquer incapacidade acidental no dia 8 de Outubro de 2002, senão vejamos.
Alegaram os Réus que naquela data o 1º Réu padecia do problema “cerebral lacunar infections” e da doença de Parkinson, encontrando-se com um esgotamento cerebral profundo e sob o efeito de muitos medicamentos, o que o impedia de entender e querer as declarações prestadas à data em que foi outorgado o contrato-promessa com a Autora.
Em primeiro lugar, dos documentos juntos aos autos resulta que o 1º Réu esteve internado no Hospital Kiang Wu para ser sujeito a tratamento, no período compreendido entre 11 de Março e 8 de Abril de 2002, por padecer de AVC, hipertensão e doença de Parkinson.
Também se prova documentalmente que cerca de seis meses depois de receber alta do Hospital, a Autora e o 1º Réu celebraram, em 8 de Outubro de 2002, um contrato-promessa de compra e venda de imóvel.
Nenhum documento vem referir que durante aquele período o 1º Réu deixou de possuir capacidade de querer e de entender.
Embora o relatório pericial, com data de Dezembro de 2008, tenha indicado que a doença podia perturbar o estado de compreensão e vontade do doente, mas não conseguiu dar resposta se à data da celebração do contrato-promessa com a Autora, isto é, em Outubro de 2002, o 1º Réu sofria das referidas doenças e qual o seu estado de desenvolvimento, uma vez que só a partir de Julho de 2008 é que tem sido o 1º Réu acompanhado no Hospital Conde São Januário.
No tocante ao depoimento das testemunhas dos Réus, vieram todas a referir que à data da celebração do contrato-promessa com a Autora, o 1º Réu não estava lúcido. Mas em termos? Como é que tomaram conhecimento? Nenhuma delas conseguiram dar uma resposta satisfatória.
Por um lado, todas as testemunhas dos Réus não estavam com o 1º Réu no dia 8 de Outubro de 2002, ou seja, no momento da outorga do contrato-promessa de compra e venda, tendo referido apenas que o estado de saúde do 1º Réu em Março de 2002 foi grave por que teve uma trombose, não podendo falar e movimentar os membros naquela altura, mas não referiram ter o 1º Réu problemas quanto à sua capacidade intelectual e volitiva.
Por outro lado, também nenhuma daquelas testemunhas conseguiram afirmar que depois de sair do Hospital, em Abril de 2002, o 1º Réu perdeu a sua capacidade intelectual ou volitiva, antes pelo contrário, continuou a praticar actos que de um modo geral era exigido o seu intelecto, por exemplo, segundo a testemunha H (sobrinha do 1º Réu), referiu que foi o próprio 1º Réu quem decidiu sair do Hospital por serem as despesas médicas do Hospital Kiang Wu muito caras, e foi o 1º Réu que se encarregou de cobrar rendas do imóvel; também de acordo com o depoimento da testemunha I (cunhada do 1º Réu), referiu que foi o próprio 1º Réu quem decidiu dar sem efeito o contrato-promessa celebrado com a Autora.
Aliás, foi estranho e fora do comum, ao afirmar-se que o 1º Réu saiu do Hospital em 8 de Abril de 2002, esteve incapaz de querer e de entender desde 8 de Abril até 8 de Outubro de 2002, mas depois, em 28 de Outubro, mudou-se completamente, ficou lúcido e deslocou-se ao Cartório para dizer que já não pretendia vender.
Mais estranho ainda quando se verifica que, depois de ter anunciado não querer celebrar o contrato definitivo com a Autora, o 1º Réu decidiu vender, e vendeu, o mesmo imóvel ao 2º Réu em Agosto de 2003, se aquele não tivesse capacidade de querer e de entender.
De facto, todas as testemunhas dos Réus afirmaram que depois de sair do Hospital, o 1º Réu encontrava-se apenas com problemas de movimentação e de expressão, e também com dores de cabeça, e nenhuma delas conseguiram descrever qualquer atitude desse Réu que demonstrasse a falta de capacidade de querer e de entender.
Subsistindo essas várias dúvidas, entendemos que não basta a simples afirmação de algumas testemunhas de que o 1º Réu não estava lúcido no momento da celebração do contrato-promessa, sem que sejam demonstrados comportamentos ilustrativos dessa falta de lucidez, para poder concluir que aquele Réu estava impedido de entender e compreender o conteúdo daquele negócio.
Socorrendo-se ao depoimento das testemunhas da Autora, embora não lhe compita fazer a prova daquele facto impeditivo, nenhuma delas chegaram a ouvir que o 1º Réu estava destituído de capacidade de querer e de entender quer antes quer depois do seu internamento em Março de 2002.
Para além de que quando o 1º Réu prestou depoimento de parte perante o Tribunal a quo em 2009, também não se verificou que o mesmo estava destituído de capacidade de entender as questões que lhe foram colocadas.
Nestes termos, entendemos que, por insuficiência de prova, os quesitos 5º e 6º da Base Instrutória, ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal a quo, devem merecer resposta negativa.
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Finalmente, vem a Autora impugnar a matéria de facto inserida na resposta ao quesito 7º, alegando que a única pessoa que respondeu à questão foi a testemunha J (irmã dos Réus), a qual referiu que a Autora visitou por várias vezes o 1º Réu no Hospital e que era uma pessoa bondosa, daí que entende não ser suficiente dar como provado o facto no sentido de que a Autora conhecia o estado de saúde do Réu.
Ora bem, questionava-se no quesito 7º se as doenças e o estado psíquico do 1º Réu eram do conhecimento da Autora, tendo o Tribunal a quo respondido que “A Autora sabia o estado de saúde do 1º Réu”.
Analisados os depoimentos produzidos na audiência e indicados pela recorrente, é verdade que a única pessoa que respondeu à questão foi a irmã dos Réus, J, tendo ela afirmado que a Autora visitou por várias vezes o 1º Réu no Hospital e que era uma pessoa bondosa.
Será isto suficiente para concluir que “a Autora sabia o estado de saúde do 1º Réu”?
Face ao depoimento dessa mesma testemunha, cremos que a Autora visitou por algumas vezes o 1º Réu durante o seu internamento, e segundo as regras de experiência comum, entendemos que quando alguém realiza uma visita no Hospital, é muito normal mandar cumprimentos e perguntar sobre o estado de saúde dos pacientes.
Daí que, mesmo com base no depoimento dessa única testemunha, não se descortina razão para duvidar a resposta dada ao quesito 7º da base instrutória.
*
Analisamos agora o mérito da questão.
Da simulação
Aponta a Autora que havia simulação de negócio entre os 1º e 2º Réus.
Dispõe o nº 1 do artigo 232º do Código Civil de Macau que há simulação quando “se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante”.
Trata-se de uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada, resultante de um acordo entre declarante e declaratário ou qualquer interessado no negócio no intuito de enganar terceiros, dando-se o nome ao acordo referido de «pactum simulationis» ou acordo simulatório (v. Castro Mendes, Teoria Geral, vol. II, ed. A.A.F.D.L., Reimpressão, 148).
Assim, há simulação absoluta quando se verifica cumulativamente os seguintes elementos:
- divergência entre a vontade real e a declaração;
- acordo ou conluio entre as partes – “pactum simulationis”; e
- intenção de enganar terceiros ou o chamado “animus decipiendi”.
Diz-se absoluta a simulação quando as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem nenhum negócio jurídico. Há apenas o negócio simulado e, por detrás dele, nada mais.3
Ao contrário do que acontecia no Código anterior, não é agora exigido o chamado “animus nocendi”, ou seja, o intuito de prejudicar terceiros ilicitamente ou de contornar qualquer norma da lei, também designado, na doutrina, por simulação fraudulenta.
No caso vertente, pese embora tenha provado que os 1º e 2º Réus celebraram escritura pública de compra e venda de imóvel, mas constata-se que o 1º Réu não pretendeu transmitir a propriedade do imóvel em causa para o 2º Réu nem este a pretendeu adquirir, o que se traduz numa divergência entre a vontade real e a vontade declarada, por que demonstrada ficou a ausência total de vontade ou intenção por parte do 1º Réu de vender e do 2º Réu de comprar o respectivo imóvel.
Por outro lado, provado ainda que os Réus agiram desta forma com o propósito de impedir e frustrar o acordo (contrato-promessa) firmado entre a Autora e o 1º Réu, pelo que evidente fica que os Réus agiram em conluio e com a intenção de enganar terceiros, especialmente a aqui Autora ora recorrente, ou seja, com isto pretenderam os mesmos Réus criar um obstáculo à satisfação dos direitos da Autora resultantes da celebração do respectivo contrato-promessa, procurando registar uma transmissão já antes da celebração do contrato prometido que prejudicasse os interesses da Autora.
Nestes termos, entendemos que a conduta dos Réus integra na figura de simulação absoluta, assim, declara-se nulo o negócio de compra e venda celebrado entre os Réus, ao abrigo do nº 2 do artigo 232º do Código Civil de Macau.
*
Da execução específica
Alega a recorrente que o 1º Réu, na qualidade de promitente-vendedor, incumpriu, de forma culposa e definitiva, o contrato-promessa que celebrou com ela, e ao qual se vinculou, porquanto se recusou a outorgar a respectiva escritura pública de compra e venda de imóvel.
Uma vez que o negócio celebrado entre os Réus foi declarado nulo, por simulação, assim nada obsta à execução específica se se verificarem os respectivos pressupostos legais.
Estatui-se no nº 3 do artigo 436º do Código Civil que “A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.”
Por sua vez, dispõe o artigo 820º do mesmo Código o seguinte:
“1. Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.
2. Para efeitos do número anterior, a simples existência de sinal prestado no contrato-promessa, ou a fixação de pena para o caso do não cumprimento deste, não é entendida como convenção em contrário e, ainda que tenha havido convenção em contrário, o promitente-adquirente, relativamente a promessa de transmissão ou constituição onerosas de direito real sobre prédio ou fracção autónoma dele, goza do direito à execução específica, contanto que tenha havido a seu favor tradição da coisa objecto do contrato.
3...
4...
5...
6...”
Em termos legais, há lugar a execução específica quando se encontrarem verificadas as seguintes circunstâncias:
– Não cumprimento da promessa;
- A sentença que vier produzir os efeitos da declaração negocial do faltoso não se oponha a natureza da obrigação por ele assumida (como promitente-vendedora);
- Depósito da diferença do preço devido pelo promitente-comprador, se for o caso.
– O imóvel objecto da execução específica ainda se encontra registado em nome do promitente-vendedor.
Com se refere no Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, proferido no âmbito do Processo nº 44/2011, de 30 de Novembro de 2011:
“…a propósito do cumprimento e não cumprimento das obrigações, que, de acordo com o artigo 797.º, n.º 1, do Código Civil, a mora se converte em incumprimento definitivo, ou pela perda do interesse do credor na prestação ou pela interpelação admonitória, pela qual o credor, em caso de mora, concede um prazo suplementar ao devedor, para que este cumpra, seguida da não realização da prestação. Pois bem, tal mecanismo da alínea b) do n.º 1 do artigo 797.º do Código Civil, aplica-se ao contrato-promessa, por se aplicar à generalidade dos contratos bilaterais e por não haver nenhuma razão séria para não se aplicar a solução ao contrato em questão. Aliás, devem também, considerar-se aplicáveis ao contrato-promessa as regras respeitantes ao incumprimento definitivo das obrigações, atrás mencionadas, designadamente, as relativas à perda do interesse do credor, ao termo essencial e à declaração do devedor de não querer cumprir.”
Semelhante questão também chegou a ser tratada neste TSI, no Processo nº 365/2007, de 13 de Setembro de 2007, onde se decidiu que “1. O incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa de compra e venda imputável a culpa única e exclusiva da R., confere ao A. o direito a requerer, nos termos do disposto nos artigos 436º, nº 3 e 820º, nºs 1 e 2 ambos do CCM, a realização coactiva da prestação através da execução específica do contrato-promessa, ou seja, a obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso; 2. O incumprimento definitivo ocorre quando o credor perde o interesse na prestação devida (perda de interesse a apreciar em termos objectivos), em consequência da mora culposa do devedor (artigo 797º, nº 2, alínea a) do CCM), quando o devedor, ocorrendo mora no cumprimento por causa que lhe seja imputável, não realize a prestação dentro do prazo que lhe tiver sido razoavelmente fixado pelo credor (artigo 797º, nº 2, alínea b) do CCM), e quando o devedor declara antecipada e categoricamente que não tem intenção de cumprir o acordado”.
Ora no presente caso, estando provado, por um lado, que o 1º Réu se recusou a cumprir o contrato-promessa outorgando a respectiva escritura pública de compra e venda de imóvel, e por outro, tentou vender o imóvel ao seu irmão cujo negócio foi entretanto declarado nulo por simulação, podemos, assim, concluir que a conduta do 1º Réu se integra no incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa firmado com a Autora.
Uma vez encontrando-se o 1º Réu em incumprimento definitivo, e não havendo qualquer convenção no sentido de afastar a execução específica, aliado ao facto de a execução específica não contrariar a natureza da obrigação assumida pelo 1º Réu, é forçoso julgar procedente a acção, com a condição de a Autora vir efectuar o depósito do remanescente do preço acordado, no prazo de 10 dias.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pela Autora B, revogando a sentença recorrida, e julgar procedente a acção, e em consequência:
- Declarar-se nulo, por simulação, o contrato de compra e venda celebrado entre os Réus a 18 de Agosto de 2003, respeitante ao prédio urbano sito na Travessa dos ......, n.º ..., em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ****.
- Decretar o cancelamento na Conservatória do Registo Predial da inscrição 6####G;
- Declarar a Autora ora recorrente B como proprietária do prédio urbano sito na Travessa dos ......, n.º ..., em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ****, adquirida por compra e venda, pelo preço de HKD$820.000,00 (oitocentos e vinte mil dólares de Hong Kong), se vier efectuar o depósito do remanescente do preço acordado, no prazo de 10 dias.
Custas pelos recorridos em ambas as instâncias.
Registe e notifique.
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                 Macau, 20 de Março de 2014
                 
                 
(Relator)
Tong Hio Fong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto) João A. G. Gil de Oliveira
1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
2 José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, pág. 96 e 97
3 Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, pág. 467
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Processo 840/2009 Página 1