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Processo n.º 210/2011
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 20/Fevereiro/2014

ASSUNTOS:
    
- Inventário; rectificação do mapa de partilha

SUMÁRIO:
Se o cabeça-de-casal diz ter havido lapso na forma à partilha com que avançou, forma essa acolhida pelo juiz do processo no seu despacho determinativo da partilha, e em sede de reclamação do mapa aquele cabeça-de-casal vem suscitar tal lapso, ao abrigo do artigo 1017º, nº 2 do CPC, o juiz deve tomar posição sobre esse pedido de rectificação, situação esta que não se reconduz à impugnação do despacho determinativo da partilha que só pode ser impugnado aquando da sentença homologatória da partilha. Decididas as reclamações e rectificações elabora-se novo mapa em conformidade e só então se profere sentença homologatória.

O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 210/2011
(Recurso Civil)

Data : 20/Fevereiro/2014

Recorrente : Recurso interlocutório e final
- B

Objecto do recurso : - Despacho que indeferiu a reclamação
- Sentença que homologou o mapa de partilha
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    B (B), cabeça-de-casal nos autos de inventário facultativo à margem referenciados, notificado do despacho que admitiu o recurso interlocutório interposto do despacho de fls. 444, vem, muito respeitosamente, apresentar as suas ALEGAÇÕES DE RECURSO, concluindo:
    
    1. Em 7 de Junho de 2010, o cabeça-de-casal, ora Recorrente, veio esclarecer o douto Tribunal a quo que, por lapso, a forma de partilha apresentada em 11 de Março de 2010 (fls. 369 a 373 dos autos) não foi elaborada em conformidade com a lei da Região Administrativa Especial de Hong Kong, lei reguladora da sucessão da inventariada, nos termos dos artigos 30,º e 59.º do Código Civil;
    2. Em particular, os quinhões hereditários foram erradamente indicados na forma de partilha referida, contrariando o disposto no testamento da inventariada C ou C1 (C) e na lei reguladora da sucessão, conforme resulta dos documentos emitidos pelo Tribunal Superior da Região Administrativa Especial de Hong Kong, juntos aos autos;
    3. Testamento e documentos que serviram de base. de cálculo dos quinhões hereditários apresentados pelo cabeça-de-casal na forma de partilha;
    4. Nessa medida, o cabeça-de-casal requereu que a forma de partilha fosse rectificada e novo mapa de partilha fosse elaborado;
    5. Em resposta, o herdeiro D (D) apresentou um requerimento de oposição à rectificação requerida;
    6. A conduta do herdeiro D (D) consubstancia litigância de má fé, uma vez que sabendo que a lei reguladora da sucessão é a lei de Hong Kong, se aproveita do erro e, convenientemente, impede a sua rectificação;
    7. O Tribunal a quo, no douto despacho ora em crise, veio indeferir o pedido de rectificação do Recorrente em apreço, sustentando que "sem prejuízo da alteração por acordo de todos os interessados, não é legalmente admissível tal fundamento de reclamação do mapa de partilha. Tal questão só pode ser colocada em sede de recurso da sentença homologatória da partilha";
    8. Ora, o Recorrente não se conforma com o teor do douto despacho do Tribunal a quo, porquanto considera que, após notificação do mapa de partilha, nos termos do n.º 1 do artigo 1017.º do Código de Processo Civil, "os interessados podem requerer qualquer rectificação ou reclamar contra qualquer irregularidade";
    9. Ora, a rectificação impõe-se uma vez corrigido o erro material que, por sua vez, vicia o mapa da partilha que lavra no mesmo erro notório;
    10. Acresce que o lapso invocado pelo Recorrente não passou de um erro de cálculo dos quinhões hereditários indicados na forma de partilha, conforme resulta da simples leitura dos documentos juntos aos autos;
    11. Caso assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se concede, sempre se dirá que um erro de cálculo, quer seja praticado pelas partes ou pelo Tribunal, dá sempre direito a rectificação a todo o tempo, nos termos do artigo 244.º do Código Civil e dos artigos 569.º e 570.º do Código de Processo Civil;
    12. Face ao erro notório em causa e aos princípios legalmente exigíveis para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, o despacho recorrido deveria ter deferido o pedido de rectificação do Recorrente, em obediência aos supra citados preceitos, e, em conformidade, ter depois ordenado a elaboração de novo mapa de partilha;
    13. Por último, conforme é patente, o fundamento do presente recurso está em tempo e tem legitimidade, uma vez que não versa sobre questões que devam ser apreciadas em sede de recurso da sentença homologatória da partilha, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo.
    Nestes termos, entende, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser anulado o despacho ora recorrido, com as demais consequências legais, incluindo a rectificação da forma à partilha e a elaboração de novo mapa de partilha, em conformidade com o requerimento do Recorrente datado de 7 de Junho de 2010.
    
    O mesmo B (B), cabeça-de-casal nos autos de inventário facultativo à margem referenciados, notificado do despacho de fls. 495 que admitiu o recurso interposto da sentença homologatória da partilha, vem, muito respeitosamente, apresentar as suas ALEGAÇÕES DE RECURSO, concluindo:
    1. Conforme exposto nas alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, em 19 de Novembro de 2010, relativas ao douto despacho de fls. 444 do Tribunal a quo, os quinhões hereditários foram erradamente indicados na forma de partilha apresentada pelo Recorrente, contrariando o disposto no testamento da inventariada C ou C1 (C), em conjugação com os dois documentos emitidos pelo Tribunal Superior da Região Administrativa Especial de Hong Kong, cujas traduções foram juntas aos autos em 14 de Março e 9 de Maio de 2008, respectivamente;
    2. Testamento e documentos que serviram de base de cálculo dos quinhões hereditários apresentados pelo cabeca-de-casal na forma de partilha:
    3. O lapso invocado pelo Recorrente não passou de um erro de cálculo dos quinhões hereditários indicados na forma de partilha, conforme resulta da simples leitura dos documentos juntos aos autos;
    4. Nesta medida, caso V. Exas. neguem provimento ao recurso do despacho de fls. 444, o que só por mera cautela de patrocínio se concede, sempre se dirá que um erro de cálculo, quer seja praticado pelas partes ou pelo Tribunal, dá sempre direito a rectificação a todo o tempo, nos termos do artigo 244.° do Código Civil e dos artigos 569.º e 570.º do Código de Processo Civil;
    5. Pelo que, face ao erro notório em causa e aos princípios legalmente exigíveis para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, deverá ser rectificado o erro material e, consequentemente, ser ordenada a elaboração de novo mapa de partilha e de nova sentença homologatória da mesma, em conformidade com a lei reguladora da sucessão;
    6. Sem prejuízo do que acima ficou dito relativamente ao erro material, está em causa nestes autos a fixação da disposição testamentária da inventariada, a qual deverá ser feita atendendo à lei pessoal da inventariada, que regula a sucessão objecto deste inventário, nos termos dos artigos 30.º e 59.° do Código Civil;
    7. No entanto, a sentença homologatória da partilha da inventariada apresenta-se em total desconformidade com os preceitos legais, factos e documentos supra mencionados;
    8. Em particular, a referida sentença não tem correspondência com o testamento da inventariada, em conjugação com o disposto nos documentos emitidos pelo Tribunal Superior da Região Administrativa Especial de Hong Kong, relativos à distribuição do quinhão da herdeira F (F);
    9. Consequentemente, deverá a douta sentença ora em crise ser revogada e ordenada a elaboração de novo mapa de partilha, de forma a que os bens deixados pela inventariada C ou C1 (C) sejam objecto da partilha na forma e nos termos supra expostos, em conformidade com a vontade da inventariada e a respectiva lei reguladora da sucessão;
    10. Sendo certo que "se os despachos que se seguem ao determinativo da partilha estão directamente relacionados com ele e são dele consequência necessária, o recurso interposto da sentença homologatória da partilha a todos compreenderá" - vide João António Lopes Cardoso, in "Partilhas Judiciais", Livraria Almedina, 4.ª Edição, Coimbra 1990, pág. 398.
    Nestes termos, pronuncia-se no sentido de dever ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença do Tribunal a quo, com as demais consequências legais, incluindo a rectificação da forma à partilha e a elaboração de novo mapa de partilha, em conformidade com o requerimento do Recorrente datado de 7 de Junho de 2010.
    
    Não foram oferecidas contra-alegações.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - Despacho recorrido de fls 444, objecto do 1ºrecurso:
    “Reclamação do mapa da partilha de fls. 403 a 407:
    B, cabeça-de-casal nos presentes autos, reclama do mapa da artilha de fls. 384 a 389 com fundamento no facto de não ser correcta a forma da artilha com base na qual foi feito.
    Sem prejuízo da alteração por acordo de todos os interessados, o que não acontece no presente caso, não é legalmente admissível tal fundamento de reclamação do mapa da partilha. Tal questão só pode ser colocada em sede de recurso da sentença homologatória da partilha. Na verdade ela não se dirige contra o mapa, mas contra o despacho determinativo da forma da partilha em que tal mapa assenta, despacho esse que, nos termos do art. 1011°, n° 5 do Código de Processo Civil, só pode ser impugnado no recurso que venha a ser interposto da sentença da partilha (no mesmo sentido, Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, 3ª edição, p. 453, nota 2586 e jurisprudência aí mencionada). Com efeito, cabe reclamação do mapa de partilha que não respeite o despacho determinativo da mesma, nos termos do art. 1017°, n° 2 do C.P.C., mas não cabe reclamação do mapa que respeite aquele despacho, pois, a haver defeito, é do despacho e não do mapa.
    Pelo exposto, indefere-se a reclamação do mapa da partilha em apreço.
    Custas do incidente pelo reclamante/cabeça-de-casal.
    Notifique.”
    
    III - FUNDAMENTOS
    Com todo o respeito por opinião contrária e pelo entendimento do Mmo Juiz “a quo” não lhe assiste razão, ao indeferir o pedido de rectificação do mapa de partilha.
     Uma coisa é o despacho que determinou a forma à partilha só poder ser impugnado com o despacho que a homologa - o que o cabeça-de- casal não deixou de fazer, porventura cautelarmente - outra, é a possibilidade de reclamação do mapa, reclamação essa prevista no artigo 1017, n.º 2 do CPC, ao prever:
    “1. Uma vez organizado, o mapa é posto em reclamação.
2. Os interessados podem requerer qualquer rectificação ou reclamar contra qualquer irregularidade, nomeadamente contra a desigualdade dos lotes ou contra a falta de observância do despacho que determinou a partilha; em seguida dá-se vista ao Ministério Público para o mesmo fim, se o inventário for obrigatório.
3. As reclamações são decididas nos 10 dias seguintes, podendo convocar-se os interessados a uma conferência, quando alguma reclamação tiver por fundamento a desigualdade dos lotes.
4. No mapa fazem-se as modificações impostas pela decisão das reclamações; se for necessário, organiza-se novo mapa..”
    Afirma o Mmo Juiz que o recorrente no fundo o que impugna é o despacho determinativo da partilha. Afirmação sua, pois, o reclamante é muito claro ao reclamar do mapa, o que é possível nos termos do n.º 1 acima citado, reclamação essa que pode ter por objecto questão diversa da divergência entre o ordenado no despacho determinativo e a partilha efectuada, como é expresso no n.º 2 do citado artigo. Os interessados podem requerer:
    - qualquer rectificação;
    - reclamar contra qualquer irregularidade;
    - nomeadamente, contra a desigualdade dos lotes ou contra a falta de observância do despacho que determinou a partilha.
    Não se limita aí o objecto da rectificação
    O despacho do Mmo Juiz não dá resposta à questão, como a que se coloca no caso, de surgir necessidade de uma rectificação posteriormente ao despacho determinativo da partilha, ordenado sobre a forma sugerida pelos interessados que vêm posteriormente a suscitar uma rectificação à forma primitiva.
    E faz sentido que assim seja. Só depois de resolvidas todas as questões e rectificado o que haja a rectificar - sendo que a lei não limita o objecto das reclamações, repete-se - se elabora o mapa em conformidade com o decidido, apenas posteriormente se homologando a partilha por sentença.
    Contrariamente ao afirmado no despacho recorrido, de que “cabe reclamação do mapa de partilha que não respeite o despacho determinativo da mesma, nos termos do artigo 1017º, n.º 2 do CPC, mas não cabe reclamação do mapa que respeite aquele despacho, pois, a haver defeito, é do despacho e não do mapa”, a reclamação deduzida não se reconduz necessariamente ao despacho determinativo da partilha, que foi um despacho tabelar, mandando-a efectuar de acordo com a forma dada pelo cabeça-de-casal, que, por sua vez, mais tarde, vem dizer existir lapso, suscitando a rectificação do mesmo.
    Ora, essa rectificação devia ser analisada e decidida no sentido requerido ou no sentido da manutenção do despacho, considerando que esse despacho não é um despacho definitivo, haja em vista o determinado no n.º 4 do artigo 1017º do CPC.
    Só faria sentido a interpretação vertida no despacho recorrido de fls 444, acima transcrito, no caso de impugnação da forma à partilha consubstanciada no despacho determinativo, por qualquer dos interessados, se este divergisse de qualquer das posições que houvesse sido traduzida aos autos. Ao acolher-se a posição da forma dada pelo cabeça-de-casal e dizendo este que houve lapso e que se enganou, afigura-se-nos extremamente formal a decisão proferida no sentido de que se pretende a modificação de um despacho que só com a homologação da sentença pode ser impugnado. Afigura-se-nos que a redacção do artigo 1017º é suficientemente ampla para permitir uma rectificação, para mais, alegando-se lapso, antes da definitividade operada com a sentença de homologação da partilha.
    Aliás, se assim não fosse, como se resolveriam as reclamações ou as rectificações que entretanto surgissem? Não seria com certeza o Tribunal de recurso a resolvê-las.
    O Mmo Juiz indeferiu uma rectificação requerida, prevista e consentida na lei, e devia ter tomado pronúncia sobre ela. Rectificação que não tem nada a ver com o despacho determinativo da partilha, despacho esse que face à lei não se mostra definitivo.
    Nesta conformidade, sem necessidade de outros desenvolvimentos, decidir-se-á no sentido de conceder provimento ao presente recurso, devendo os autos baixar à 1ª instância para conhecer da requerida rectificação.
    Como é bem de ver, prejudicado fica o recurso da sentença que homologou a partilha.

    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao primeiro recurso, recurso interlocutório, e, revogando o despacho proferido a fls 444, determina-se o conhecimento da requerida rectificação, com anulação do processado subsequente.
    Prejudicado fica o conhecimento do 2º recurso interposto da sentença homologatória.
    Sem custas por não serem devidas.
Macau, 20 de Fevereiro de 2014,

(Relator)
João A. G. Gil de Oliveira

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng

(Segundo Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho
210/2011 12/12